𝚘𝚗𝚎
Era como se tudo estivesse longe. Um silêncio pairava pela sua mente. Seu corpo estava completamente estático. Tudo parecia finalmente em paz, mas, então, seu pescoço começa a ser apertado. Você fica sem ar, seus pulmões imploram por oxigênio, enquanto você sente sua consciência fugindo de você. Só então, você abre os olhos, finalmente percebendo que era ele.
Ele estava com uma das mãos em seu pescoço, o apertando, o máximo que conseguia. Ainda, ele tinha um sorriso no rosto, como se estivesse satisfeito com o trabalho que estava fazendo.
Só então, você acordou.
A sensação de ar preenchendo os seus pulmões voltou a ser sentida por você, enquanto lágrimas pesadas insistiam em rolar constantemente pelo seu rosto. O pânico tomava conta de você mais uma vez, enquanto você tentava desesperadamente controlar a respiração descompensada.
Quando a porta de seu quarto abriu, violentamente, você gritou, com medo que fosse ele quem estivesse entrando. Mas, assim que as luzes foram acesas, você se deixou relaxar minimamente, vendo suas melhores amigas, com expressões assustadas, entrando no cômodo.
Ymir e Annie não demoraram em entrar e ir até você, que estava sentada, com uma das mãos agarrando fortemente a camisa, na área do peito, como se estivesse tentando amenizar a dor naquela área. As duas se sentaram com você na cama, lhe envolvendo nos braços calorosos delas.
— Ele não tá mais aqui — A voz da morena conseguiu lhe acalmar um pouco, e você percebeu que não se passava de um sonho.
Ele não estava mais lá. Mas tudo o que aconteceu ainda perseguia você, como uma assombração.
Você não tinha percebido quando caiu no sono novamente, envolvida pelos braços das suas amigas. Só se tocou quando acordou, levemente zonza pelo sono de outra noite mal dormida. Mas, ao olhar ao redor, não encontrou com as duas.
Lentamente, você se levantou da cama e foi até o banheiro, vendo o reflexo de seu rosto inchado no espelho. Era sempre assim. Fazia muito tempo desde que seu rosto não ficava normal, por causa das constantes crises de choro, caudadas por ele.
Colocou listen before I go, de Billie Elish, pouco antes de ligar o chuveiro. As gotas de água morna corriam por toda a sua pele, fazendo seus músculos relaxarem lentamente, enquanto você se colocava completamente de baixo do chuveiro, querendo se livrar dessa sensação ruim que assolava o seu peito.
Com um suspiro mais alto, acabou seu banho e fez os restos de suas higienes, se apressando em ficar logo pronta, para não perder a hora do psicólogo. Assim que acabou de se vestir, e de colocar o cachecol para esconder os hematomas, você saiu do quarto, indo em direção à cozinha para comer alguma coisa.
— Bom dia — A voz de Reiner preencheu todo o cômodo, enquanto o loiro vinha em sua direção. Assim que chegou perto de você, ele lhe envolveu em um abraço caloroso, lhe fazendo se sentir minúscula no meio do corpo enorme dele — As meninas me contaram o que aconteceu de madrugada. Desculpa por não ter acordado e ido lá te ajudar.
— Não precisa pedir desculpas — Você se apressou em responder, ao perceber o tom preocupado dele, e retribuiu o abraço, passando seus braços pelo tronco dele — Eu sei como o seu sono é pesado.
Com uma risada fraca, ele se afastou um pouco de você, somente para te conduzir até a mesa e colocar o seu café da manhã. Vocês dois conversaram um pouco, enquanto ainda não tinha dado a hora de você sair.
Você e Reiner eram como unha e carne: estavam sempre juntos, desde que se lembram. Além dele, quando você ficou um pouco mais velha, Annie, Ymir e Bertolt entraram na sua vida, para nunca mais sair. Vocês cinco se tornaram inseparáveis, não é à toa que dividem um apartamento, desde que você começou a ter esses problemas psicológicos.
— Onde as meninas foram? — Você perguntou, assim que percebeu que o apartamento estava silencioso demais.
— Ymir foi pra casa de História e Annie teve que resolver alguma coisa na faculdade — O loiro respondeu, separando seus remédios e os entregando a você, juntamente com um copo de água — Eu também vou ter que sair, mas Bertolt já já desce pra te levar no psicólogo.
Você assentiu com a cabeça, tomando os remédios logo em seguida. Não demorou muito para que Reiner tivesse que ir embora, mas Bertolt desceu logo em seguida, te fazendo companhia enquanto isso.
O moreno e Annie namoravam desde que eram adolescentes, e agora, aos vinte e um, todo mundo já perguntava quando iam se casar. Ymir também namorava, com uma amiga antiga sua, História. Foi você quem apresentou as duas, e não poderia ficar mais feliz em elas terem começado a namorar, quase um ano atrás.
— Vamos? Já tá quase na hora — Bertolt disse, pegando as chaves do carro e estendendo a mão para você.
Assim que você entrelaçou o seu braço no dele, ambos caminharam sem pressa até o carro, entrando nele logo em seguida. Desde o início da sua "condição especial", você havia parado de dirigir, por quase bater o carro uma vez, em uma crise de pânico. Depois disso, seus amigos sempre lhe levaram para o psicólogo, o único lugar que você vai com frequência, já que não tem muita vontade de sair de casa.
Não demorou muito para que vocês chegassem ao consultório, ouvindo Broken, de Lund. Seus amigos pararam de tentar te impedir de ouvir músicas mais tristes, ao perceber que elas, na verdade, te acalmavam.
Bertolt afirmou que iria buscar Annie na faculdade, mas que estaria aqui assim que sua sessão acabasse, para lhe buscar. Com um sorriso, você agradeu e caminhou para dentro do pequeno prédio, se dirigindo para a sala do Sr. Smith.
— Bom dia, Erwin — Você disse, assim que passou pela porta da sala dele, depois de bater e receber um consentimento.
— Bom dia, [Nome].
Como sempre, o loiro tinha uma expressão feliz e pacífica no rosto. Ele havia se tornado seu psicólogo um mês atrás, quando você saiu de um relacionamento abusivo. Durante esse período, muito da sua recuperação, mesmo que lenta, era garças a ele.
— Como está se sentindo hoje? — Erwin perguntou, assim que você se sentou no sofá confortável na frente dele.
— Um pouco melhor.
— Está usando mais maquiagem do que o normal — Ele observou, enquanto te olhava atentamente — Problemas para dormir?
— Tive um pesadelo.
— Certo — Enquanto falava e ouvia suas respostas, ele intercalava o olhar entre você e a prancheta em sua mão, na qual ele estava fazendo constantes anotações — Só teve o pesadelo ou um ataque de pânico também?
— Os dois — Admitiu, em voz baixa.
— Não precisa ter vergonha, [Nome] — Agora, as íris azuis estavam completamente focadas em você — É normal ter ataques de pânico depois de passar pelo que você passou. Estamos aqui justamente pra fazer com que eles parem de acontecer, certo?
— Sim — As sessões de terapia que você tinha com Erwin eram a melhor parte de sua semana. Aquele homem conseguia fazer você relaxar e se sentir melhor, como você raramente ficava.
— Pode tirar o cachecol, por favor? — Assentindo, você fez o que o psicólogo pediu — As marcas estão diminuindo, isso é bom. Ainda está colocando o gelo e passando a pomada?
— Sim, todos os dias — Você só iria falar isso, mas, o olhar de Erwin sobre você deixava claro que ele gostaria que você falasse mais — Quero que elas sumam logo. Não aguento ficar olhando para o meu pescoço assim toda vez que me vejo no espelho.
— Tenho certeza de que olhar para elas não trazem nenhuma boa lembrança, e espero que, quando elas sumirem, você consiga voltar a se olhar no espelho.
Você sorriu com a simples ideia. Já fazia um tempo que você detestava se olhar no espelho. Tento as marcas no pescoço feitas pelo seu ex, quanto seus olhos inchados de falta de sono e de tanto chorar. Esperava, do fundo do coração, que as coisas fossem começar a melhorar logo.
— Vamos lá — A voz de Erwin tirou você de seus pensamentos mais uma vez — Hoje você vai tentar me contar tudo o que aconteceu, ou um resumo pelo menos.
— Mas, eu já contei ao senhor.
— Sim, é verdade. Mesmo assim, você nunca conseguiu me contar a história toda, de uma vez, e sem chorar — Ele explicou — Quero que você consiga falar sobre isso, é um passo importante para a superação.
Você suspirou fundo. Pior do que lembrar do que havia acontecido, era ter que falar sobre isso, principalmente sobre ele. Ainda assim, você encarou as íris azuis de Erwin, que te confortavam somente com o olhar, e começou.
— Ano passado eu conheci um cara, que estudava na mesma faculdade que eu e- — Você travou levemente, mas conseguiu continuar sozinha — E ele era bom comigo, sempre me elogiando e me ajudando no que eu precisasse. Depois de alguns meses, começamos a namorar e-
Dessa vez, você não conseguiu continuar. Sua garganta simplesmente travou, como se tivesse dado um nó, e a vontade de chorar já crescia dentro de você, além do aperto no peito que sentia toda vez que relembrava disso.
— Continue — A voz de Erwin era calma e compreensiva, como se fosse um anestésico.
— Nos primeiros meses de namoro tudo estava indo bem, mas- mas, depois de um tempo- ele começou a ficar agressivo e violento.
— E o que ele fazia?
Lágrimas pesadas e silenciosas já escorriam pelo seu rosto, enquanto você lutava para continuar a falar sem soluçar.
— Ele me batia quando ficava com raiva — Você não conseguia mais controlar o soluço, nem mesmo olhar nos olhos de Erwin — Eu sempre fazia tudo o que ele queria, tudo- mas, até quando ele se irritava com outra coisa, descontava em mim.
— Que tipo de agressões ele fez?
— Bom- ele já deslocou meu ombro puxando o meu braço — Você teve que fazer uma pausa, relembrar de tudo isso era muito doloroso — Ele- já quebrou meu braço-
Você olhou para Erwin, como uma súplica para parar, mas o loiro apenas lhe olhava pacificamente, assentindo levemente com a cabeça, em um sinal para você continuar. Mesmo estar falando sobre isso doer, e muito, você sabia que era um processo imprescindível para sua recuperação. Ainda que tivesse consciente de que não era forte, precisava pelo menos tentar.
— Ele gostava de me enforcar — Sua voz saiu mais firme, ao mesmo tempo em que os soluços sessavam aos poucos, e você colocou sua mão no pescoço, sentindo a área sensível ainda arder com as lembranças — Eu também saia com o olho roxo as vezes- e mais hematomas espalhados pelo corpo-
— Tudo bem — Erwin falou, por fim, como um sinal para que você pudesse parar de falar, arrancando um suspiro de alívio seu — Bom trabalho.
O sorriso que o loiro tinha no rosto era pequeno, mas extremamente caloroso e reconfortante. Era como se ele estivesse falando que estava orgulhoso de você, fazendo você deixar um mínimo sorriso aparecer no canto de sua boca.
— Quando você vai na consulta com Hange de novo?
— Hoje mesmo — Você respondeu, se lembrando da consulta que tinha com a ginecologista — Depois do almoço eu vou no consultório dela.
— Isso é ótimo — Enquanto falava, Erwin revisava as anotações que havia feito, tento nessa sessão, quanto nas do último mês — Além dos hematomas no pescoço, ainda falta mais algum machucado cicatrizar?
— Eu tenho uma cicatriz na lateral do tronco, um pouco abaixo da altura do peito.
— E o que foi isso?
— Um vaso- que ele jogou em mim — A última parte, você falou relativamente baixo.
— É muito grande?
— Na verdade não — Você falou, levando a mão involuntariamente até o lugar — Mas eu não gosto que outras pessoas vejam.
— Tudo bem, eu não vou pedir para ver. Mas você devia considerar mostrar isso à Hange, quando estiver pronta, claro.
Você assentiu levemente, fazendo uma nota mental para considerar isso. Depois que ganhou essa cicatriz, que te deu oito pontos, você nunca mais deixou que ninguém visse essa parte de seu corpo, evitando usar roupas que a mostrassem.
— Agora, só mais uma coisa antes de pararmos por hoje — Erwin falou, colocando uma expressão séria no rosto — Tanto eu como você sabemos que um relacionamento abusivo é caracterizado por uma série de padrões de comportamentos, em que fica claro o desequilíbrio de poder. Além do controle físico, você também já deixou claro, nas outras sessões, que ele também abusava psicologicamente de você — O loiro fez uma pausa, esperando você assentiu em concordância para ele, antes de continuar — A principal razão para uma pessoa permanecer em um relacionamento tóxico é que o abuso emocional destrói a autoestima de alguém, tornando-a dependente de seu parceiro e com dúvidas de que é possível começar um relacionamento — Mais uma vez, ele fez uma pausa, olhando diretamente nos seus olhos, deixando claro que ele estava falando algo completamente sério — Então eu te pergunto: se ele falasse com você, pedindo para voltar com esse relacionamento, já estipulado por você como abusivo, você voltaria com ele?
— O pior de tudo, Erwin — Você disse, desviando dos olhos azuis dele e encarando o chão, completamente envergonhada — É que eu não tenho uma resposta para isso.
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