𝐏𝐑𝐎𝐋𝐎𝐆𝐔𝐄
⠀As pessoas consideravam aqueles que nasciam dentro da família Real verdadeiras "crianças abençoadas por Deus", praticamente um senso comum entre os que não faziam parte da Alta sociedade, no mínimo. Claro, era fácil imaginar que um rio de ouro e uma vida cheia de frescuras afastaria para longe toda e qualquer tipo de dificuldade.
⠀Porém, estavam enganados se pensavam que poderiam ser felizes simplesmente por possuírem sangue Real, ingênuos por se prenderem à sonhos distantes e contos de fadas ilusórios. Porque se soubessem o que realmente era colocado em jogo quando se nascia carregando o enorme peso do sangue Real, muitos deles certamente começariam a chamar aquilo de pesadelo.
⠀Por isso, o que se passava na cabeça de Hakkai Shiba ─ aquele que nasceu príncipe desde o início e só conhecia do mundo o que lhe era permitido ver, assim como você ─ era exatamente o contrário do senso comum. Aqueles que nasciam dentro da família Real eram "crianças amaldiçoadas pelo diabo".
⠀Carregar o peso de uma coroa era só um grande porre para ele, ninguém sabia o que exatamente acontecia nas sombras do Reino em que viviam.
⠀Pra começar que tudo no palácio Real era regido não pelo rei, mas pelo seu primogênito perfeccionista e extremamente controlador. Ele tinha a coroa de herdeiro que o concedia poder para fazer da vida de todos um inferno, especialmente de seus irmãos mais novos.
⠀Hakkai era um deles.
⠀Há quem diga que a vida só era justa com um número bem específico de pessoas, arrancando lágrimas de olhos gentis e sorrisos de bocas maldosas.
⠀E o que mais o destruía não eram os abusos ou as inseguranças que ele e sua irmã eram submetidos frequentemente, mas o fato de não poder fazer nada para mudar isso.
⠀─ Posso entrar, Alteza? ─ um empregado bateu na porta de carvalho, provocando um barulho suave pelo corredor por causa do tecido branco e formal que cobria sua mão.
⠀Não houve resposta por longos segundos. Pelas frestas da porta uma música agradável de violino escapava, alegrando um pouco o ar monótono e tenso que espreitava pelo Palácio inteiro, o homem chegou a pensar que seria melhor deixá-lo sozinho por mais tempo, bater uma segunda vez poderia estragar o seu humor. Não era qualquer um que conseguia lidar com ele.
⠀Mas de repente, quando nem tempo teve para girar os calcanhares, a música foi interrompida e um barulho estrondoso vindo do lado de dentro o alarmou.
⠀─ Vossa Alteza está bem?! ─ a porta foi aberta com urgência pelo homem, preocupação moldando o seu rosto até o momento em que se deparou com a mesma cena de sempre.
⠀O príncipe caçula estava ofegante, tentava controlar a própria respiração enquanto diante de si um violino estilhaçado terminava um último ruído antes de cair em um completo silêncio. Seus punhos estavam fortemente cerrados em cada lado do corpo.
⠀Estava frustrado.
⠀─ Ele não ia gostar disso... ─ foi a única coisa que Hakkai soube dizer, tão baixo quanto um sussurro, como se falasse consigo mesmo. Ele estava virado para a enorme janela, de costas para o servo que permanecia na porta, não o encarando em momento nenhum.
⠀Tentando encontrar palavras capazes de alcançá-lo ou o mínimo de coragem para se aproximar, o empregado conseguiu ouvir passos distantes ecoarem cada vez mais altos pelo corredor. Alívio tomou sua expressão ao ver quem se aproximava ─ o único realmente capaz de alcançar o príncipe.
⠀─ Senhor Mitsuya! ─ angustiou. O conselheiro de cabelos lilases parou a centímetros, já imaginando o que encontrar dentro daquele cômodo tão específico. ─ Aconteceu de novo!
⠀─ Eu cuido disso ─ e o dispensou, sorrindo gentil.
⠀Passou pela porta e calmamente a fechou atrás de si, as chamas cintilando nas arandelas das paredes. Chamaria alguém para limpar a sala destruída mais tarde. Observou Hakkai de costas e percebeu que o mesmo ainda tentava controlar as próprias emoções à flor da pele.
⠀─ Posso perguntar o que aconteceu? ─ perguntou Mitsuya em voz baixa.
⠀Notar a presença dele era como retornar à realidade, à própria consciência. Mitsuya tinha essa habilidade de acalmar as pessoas com a sua voz sempre gentil e olhar cuidadoso de um irmão mais velho.
⠀─ Nada de importante ─ respondeu, sem desviar da janela diante de si.
⠀─ Se foi algo que o deixou assim, asseguro que é importante e muito.
⠀Era notável a sua consideração, mas Hakkai odiava o tom de preocupação implícito.
⠀─ Eu só não sou bom o suficiente com o violino, Taka ─ suspirou.
⠀─ Como não? Sua música certamente agrada a todos que passam por este corredor.
⠀─ Mas não agrada a ele.
⠀Silêncio fez-se presente de forma quase automática, falar sobre seu irmão mais velho exigia uma escolha precisa de palavras e Mitsuya tinha consciência disso. Felizmente, uma movimentação estranha do lado de fora da janela atraiu o foco de Hakkai.
⠀─ Tem alguém chegando.
⠀Mitsuya se colocou a centímetros da janela, averiguando o que acontecia lá embaixo. Uma carruagem que claramente não fazia parte daquele lugar acabava de parar na entrada.
⠀─ Eu estava vindo lhe informar exatamente disso...
⠀─ São elas?
⠀─ Precisamente.
⠀Hakkai olhava fixamente para lá, surpreendendo-se quando você pulou para fora da carruagem, assustando alguns empregados que se aproximavam para recebê-los e dando risada por conseguir arrancar aquela reação deles. Ele então se virou para a porta, certo de que essa animação não duraria muito naquele palácio sufocante.
⠀─ Ela vai ser destruída aqui ─ sussurrou para si e se colocou para fora, sendo seguido por Mitsuya.
⠀Temia por vocês, só ele poderia imaginar o que as aguardava nesse lugar abominável e por conhecer tão bem as nuances de desprezo aquilo estava longe de ser remetido a algo bom.
⠀Ele só não sabia que aquele poderia ser o começo de sua salvação.
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