01, o inferno na terra
OUTER BANKS ERA O INFERNO na Terra, pelo menos é isso que Claire pensa ao ver a placa que indica o limite da cidade. Para uma garota acostumada com o luxo da grande Paris, estar cercada pelo oceano em uma ilha lotada de areia mais parecia um pesadelo. Ela tinha certeza que mesmo com todos os produtos de beleza que havia trago — e acredite, eram muitos — sua pele e seu cabelo estariam horríveis em apenas alguns dias. O mau humor era inevitável.
Claire prende seu cabelo no topo da cabeça, deixando sua nuca livre para se refrescar com a brisa que entrava pela janela do táxi. Seus dedos ágeis discam novamente o número de sua mãe e a chamada toca várias vezes até cair na caixa postal. Um vinco profundo se forma entre suas sobrancelhas.
Após longos quatro anos sem pisar em Outer Banks — o que para Claire era motivo de sobra pra comemorar — Rose havia a convidado para passar alguns meses em Tannyhill, fazendo programas de mãe e filha. A relação entre as duas era boa, afinal, a convivência era mínima e conversas sobre sentimentos eram nulas. E isso não fazia de Rose uma mãe ruim, muito longe disso, Claire gostava de como sua mãe sempre lhe dava liberdade em suas escolhas... Muito diferente de seu pai.
Apesar disso, a garota não acharia ruim caso sua mãe atendesse o telefone.
O motorista estaciona em frente a grande casa dos Cameron. Tinha dois andares, uma sacada enorme e era formada por placas de madeira na cor creme, as janelas eram espaçosas mas estavam completamente fechadas dando a casa um ar vazio. Raul, o motorista, percebe a hesitação nos olhos da garota no banco de trás mas ignora isso com rapidez, indo até o porta malas para retirar as bagagens.
Claire franze o cenho ao sair do carro, tanto pelo sol quanto pelo pressentimento de que haviam esquecido da sua chegada.
— Acha que está vazia? — ela pergunta, chamando a atenção de Raul.
Ele parece pensativo ao olhar para a casa. Claire havia pegado esse táxi assim que saiu do aeroporto — em Norfolk — e gastado todo o dinheiro que seu pai havia lhe dado para paga-lo pelas quase duas horas de viagem.
— Acho que sim — ele responde, depois de alguns segundos.
Claire tenta novamente o número de sua mãe que dessa vez nem completa a ligação, apontando estar fora de área.
— Merda — a garota xinga, pensando em atirar o telefone do outro lado da cerca.
Seu primeiro instinto é dar meia volta e enfiar sua mão pela janela do motorista, pressionando firmemente a buzina. Raul pula de susto mas não a censura, apenas a encara de braços cruzados, cansado pelas duas horas de viagem e querendo logo se livrar da garota para poder voltar pra casa.
Ambos esperam por mais alguns segundos, na esperança de que alguém aparecesse na porta. O que não acontece.
— Pode me deixar em outro lugar? — Claire pergunta, com um sorriso esperançoso. — É perto daqui...
Raul acaba assentindo, sentindo um pouco de pena da garota por estar sozinha e repleta de bagagens. A boa vontade dele a leva direto para a porta dos Thornton.
Claire decide dispensar Raul, o liberando para voltar pra Norfolk. Afinal, se os Thornton não estivessem em casa ela teria que se virar sozinha, não ia dar pra ficar pulando de porta em porta como uma maluca. A garota encara suas bagagens no meio fio, se punindo por ser tão exagerada, em momentos assim economizar nas roupas teria sido bom. Ela decide que seus pertences não correm perigo na calçada e segue até a porta de entrada da casa dos Thornton.
Diferentemente de Tannyhill, aqui as janelas estavam abertas e as cortinas balançavam pelo lado de fora. Claire aperta a campainha, se sentindo esperançosa em não passar a noite no relento.
A porta é aberta, revelando Topper. O garoto é rápido em envolver Claire em um abraço, a tirando do chão.
— E aí, Top — Claire o cumprimenta com os braços em volta de seu pescoço.
A amizade entre os dois existia desde que eram crianças mas a distancia entre a ilha e Paris tornavam os encontros cada dia mais difíceis. Topper adorava Claire, gostava de seu sotaque, suas piadas e seu positivismo tóxico.
— Claire! Parece que tem mil anos que não te vejo.
A garota gargalha, tendo essa mesma impressão, afinal, Topper agora parecia bem maior do que ela.
— Quatro na verdade — o corrige, ainda com um sorriso nos lábios. — Eu fiquei te esperando no Natal, achei que fosse aparecer com o Nicholas.
No último natal Nicholas, o irmão mais velho de Topper, havia ido visitar Claire na França. Nick e Claire eram grandes amigos apesar da distância e da dificuldade para se ver, com eles parecia que o tempo nunca realmente passava.
— Acabei ficando com a família — o garoto responde.
Isso faz com que Claire se lembre dos problemas que ainda lutava para resolver. A garota dá um passo pro lado, exibindo suas malas na calçada.
— É exatamente por isso que estou aqui — diz, com um sorriso amarelo.
Topper parece confuso.
— O que aconteceu?
— Sabe onde está minha mãe?
Claire não gosta da expressão hesitante que surge no rosto de Topper. O garoto observa as malas e depois a amiga em sua frente, dividido sobre o que fazer ou falar.
— Hm... Ela não te contou?
— Contou o quê?
Topper não queria ser o porta voz da notícia mas em uma situação como essa não havia algo diferente a ser feito.
— Ela pegou o Rafe e a Wheezie e se mudaram para Guadalupe há umas duas semanas.
— O quê? — Claire exclama, tomada por frustração.
A garota não se importava por terem se esquecido que ela estava pra chegar mas esquecer de avisar sobre uma mudança? Sua própria mãe? Para Guadalupe? Só podia ser piada...
— É, com toda confusão envolvendo o Ward...
— Que confusão?
Topper se pergunta se Claire estava minimamente ciente sobre os últimos acontecimentos da ilha, temendo que Rose tenha mantido segredos demais da própria filha. Ele odiava ser o portador de más notícias assim.
— Quando foi a última vez que falou com ela?
A garota reflete por alguns segundos, se surpreendendo ao perceber que teria sido uma boa contactar a mãe antes de entrar no avião.
— Talvez há duas semanas quando avisei que viria no dia oito — responde, mas ainda parecia pensativa sobre os últimos acontecimentos da ilha. — O que aconteceu?
Uma expressão esquisita surge no rosto de Topper, que se apressa em passar pela garota em direção a suas malas na calçada. Ele faz sinal para que Claire o ajude, o que ela faz mas com muita má vontade.
— Vamos entrar e conversar mais tranquilamente — ele diz, arrastando as malas para dentro de casa.
Claire arrasta as outras duas, novamente se punindo pela quantidade exorbitante de bagagens. A casa dos Thornton é fresca e ampla, instantaneamente fazendo com que Claire se sinta melhor sobre o clima.
— Onde está o Nicholas? — ela pergunta, assim que Topper fecha a porta atrás de si.
— Futebol.
Claire acompanha o garoto com os olhos, observando enquanto ele empilhava suas malas perto da escada e depois vai em direção a cozinha. Ele serve dois copos de água com gás, com algumas pedras de gelo e então vem em sua direção. Topper senta no sofá e usa a mão para indicar que Claire deveria se sentar também.
É isso que a garota faz, tomando seu copo da mão do amigo.
— Certo, pode ir falando tudo — a garota pede, se ajeitando confortavelmente no sofá.
— Ele está morto... — Topper diz, sem pensar muito pois sabia que se o fizesse acabaria desistindo. — O Ward.
Muitos sentimentos passaram por Claire nesse momento, alguns um tanto controversos, a maioria com certeza faria com que ela fosse severamente criticada se os expressasse em voz alta. Surpresa, preocupação, tristeza... Alívio.
— Pelo amor de Deus e ninguém pensou em me avisar? — exclama, se perguntando porque sua mãe não achou pertinente avisar a sua única filha que agora era viúva. — Há quanto tempo tem isso?
— Foi só alguns dias antes deles partirem.
— O que aconteceu?
Há essa altura a pequena gota de suor que se acumulou na testa de Topper escorre, deixando claro como ter essa conversa estava sendo difícil pra ele.
— O barco dele explodiu quando... — ele engole em saco. — Parece que ele assassinou a xerife Peterkin e... Um pogue.
Surpreendentemente a reação de Claire é rir.
— Eu sabia que ele não prestava!
— Acho que eles quiseram recomeçar... — Topper murmura, constrangido pela reação de sua amiga. — Eu não sei.
— Não tem falado com o Rafe? Ou a Sarah?
— Não, já faz um tempo. As coisas ficaram difíceis depois que eu e Sarah terminamos.
Certo, mais uma notícia ruim. Será que havia como piorar?
— Ah Top! — Claire se lamenta, pegando no antebraço do garoto. — Eu sinto muito. Ela também está lá?
— Ninguém sabe onde ela está — Topper admite, desviando o olhar. Para ele era difícil tocar nesse assunto, não havia um único dia em que ele não pensasse na ex namorada. — Ela sumiu com alguns dos seus amigos e... Estamos sem noticias.
Aparentemente havia sim como tudo piorar. Claire encara a pedra de gelo flutuando em seu copo, tomada por tantos questionamentos que faziam com que seu cérebro parasse de funcionar. Um sentimento ruim invade seu peito e ganha força ao pensar que a garota em quem costumava trançar o cabelo estava desaparecida.
— Não acredito nisso — ela murmura, deixando o copo em cima da mesa.
Topper levanta, incomodado por ter entrado nesse assunto e constrangido por seus sentimentos mal resolvidos. Sua vontade era ir pro quarto e se esconder até que pudesse voltar a se comportar normalmente.
— Olha, devia tentar falar com sua mãe e resolver as coisas mas de qualquer maneira sinta-se a vontade para ficar quanto precisar — ele diz, olhando para a garota.
Claire força um sorriso.
— Obrigada Topper.
— Vem, eu te mostro o quarto.
Haviam algumas horas que Claire estava hospedada em um dos quartos dos Thornton, ainda tentando fazer contato com sua mãe e se perguntando se algo grave poderia ter lhe acontecido. Esse tipo de pensamento sempre a ocorria em momentos de tensão, a deixando ainda mais nervosa. Seu nervosismo termina quando a porta é aberta em um rompante, pela única pessoa da família que seria capaz de tamanho desprendimento: Nicholas Thornton. Claire imediatamente larga seu celular.
— Quando o Topper falou eu não pude acreditar!
— Oi Nick — Claire diz, pulando em cima do garoto.
Nicholas era um cara alto, magro e com olhos marcantes. Ele fazia bastante sucesso em Outer Banks — e com razão, Claire sempre tinha dificuldade em pensar num homem mais bonito que seu amigo. O garoto a abraça, tirando-a do chão. Quando se afastam ambos sorriam genuinamente um para o outro.
— Eu tinha me esquecido completamente — Nicholas diz, em tom de culpa.
É claro que se ele soubesse teria ido busca-la no aeroporto. Claire acena com a cabeça, dispensando suas desculpas e volta a se sentar na cama, cruzando as pernas.
— Eu também me esqueceria com esse tanto de acontecimentos.
Os olhos de Nicholas ficam um pouco sombrios enquanto ele se senta no chão, encostado na cama da hóspede.
— Então você já soube.
— É. Minha mãe esqueceu de me avisar que estaria em Guadalupe então sou sua nova hóspede.
O garoto revira os olhos.
— Que sorte a minha.
— O Top me falou sobre a Sarah — Claire diz, sem rodeios, doida para falar sobre o assunto.
— Ah.
Sarah Cameron tinha um efeito esquisito nos garotos da família Thornton, eles eram cegamente apaixonados por ela. Claire sabia dos sentimentos de Nicholas desde que eram apenas crianças e foi um choque quando Sarah apareceu com o Topper, afinal, a garota sempre havia sido bem mais próxima de Nick. Ainda teve a história do beijo entre eles e o começo do namoro da garota com Top menos de uma semana depois disso, algo que magoou Nicholas bem mais do que ele poderia admitir.
Desde então ele nunca mais falou sobre sentimentos. Já havia ficado com metade das garotas da ilha e a outra metade estava torcendo para serem escolhidas.
— Como você está? — Claire pergunta, enrolando seu indicador no cabelo escuro de Nicholas.
Ele faz careta ao sentir a raiz repuxar mas permite que a garota continue, até mesmo sentiu falta de suas importunações.
— Tentando não pensar nisso, sabe? Estou me ocupando com os peitos da Chantelle.
— Nojento — Claire resmunga, empurrando levemente o ombro do amigo.
Ambos ficam em silêncio por alguns segundos.
— Ela se casou — Nicholas diz, soando amargurado.
— A Sarah?
— É, com um Pogue. Pelo menos é o que eu ouvi falar por aí. John B...
— Isso deve ser um sinal divino para que você siga em frente — Claire conclui, enfiando o indicador na orelha de Nicholas.
O garoto dá um pulo e desvia, arrancando risadas de Claire.
— Já chega de Sarah Cameron — é o que ele diz, com um sorriso no rosto.
Claire assente.
— Chega de Sarah Cameron.
Os dois jogam conversa fora até a hora do jantar.
O clima na mesa é agradável, a mãe dos garotos faz várias perguntas sobre a França e os negócios do pai de Claire enquanto Nicholas e Topper a inteiravam sobre as fofocas mais interessantes de Outer Banks — pelo menos as que não envolviam Sarah Cameron. Passa das nove da noite quando Claire volta ao seu quarto e decide tentar contato com a mãe pelo menos mais uma vez antes de se deitar.
Ela apoia a celular na escrivaninha e deixa a ligação rolar enquanto penteia seus cabelos. Para a surpresa dela, a chamada é atendida.
— Mãe! — a garota exclama, assim que a imagem de sua mãe aparece na tela.
Rose estava sentada em um quarto, de frente para a câmera de seu computador. O cabelo loiro estava solto e seus óculos de grau de armação branca escondiam seu olhar graças ao reflexo da lente. Para uma viúva, Rose parecia extremamente calma.
— Oi Claire, como você está?
— Como eu estou? — a garota repete, chocada pelo o que está ouvindo. — Não acredito que não me avisou que se mudou ou que seu marido morreu!
— Claire...
— Eu sinto muito — a mais nova se apressa em dizer, temendo ter soado um tanto insensível.
Sua mãe dá um sorriso mínimo.
— Obrigada filha. Nós tivemos alguns problemas e precisamos sair daí antes que as coisas ficassem ruins.
— O que aconteceu? — Claire questiona, desconfiada da atitude fria de sua mãe. Rose era conhecida por várias de suas características mas frieza nunca havia sido um destaque.
— Quando nos vermos prometo que vou explicar tudo mas preciso que faça uma coisa pra mim...
— Cadê a Louise? — a garota interrompe a mãe.
— Não está aqui agora, ela...
— Eu vou comprar uma passagem e acho que consigo chegar aí daqui uns dois ou três dias...
— Claire, será que pode me escutar? — Rose exclama, chamando atenção de sua filha.
A garota engole em seco, tentando controlar seus pensamentos que começavam a ficar um pouco obsessivos. Se Claire pudesse, se transportaria imediatamente para Guadalupe e arrancaria a verdade de sua mãe a qualquer custo.
— Desculpa — é o que ela diz, abaixando o olhar.
— Não venha pra cá.
Ela encara a mãe pelo computador, com a boca entreaberta de incredulidade.
— O quê?
— Preciso que fique aí. Rafe deve chegar em alguns dias para fechar a empresa e vender alguns de nossos patrimônios, preciso que você o ajude.
— Eu?
— Sei que acompanha seu pai pra cima e pra baixo e que entende sobre os negócios bem melhor do que o Rafe.
A ideia não agrada a garota. Claire já passava a maior parte do tempo enfurnada em escritórios, acompanhando seu pai e aprendendo um pouco mais sobre o ramo das pedras preciosas, não era exatamente isso que ela havia planejado para o período em Outer Banks. Ela só havia levado biquínis e mini saias!
— Eu achei que íamos passar um tempo juntas.
— E nós vamos. Em menos de duas semanas vocês estarão aqui e nós podemos fazer uma viagem. Que tal? Eu, você e Wheezie.
Um vinco profundo surge na testa da mais nova, expressando bem seu descontentamento.
— E a Sarah? O Nick me disse que ela sumiu...
— Estamos fazendo o possível para encontra-la.
A frustração se torna quase palpável.
— Mãe... Você tem noção de como tudo isso é esquisito?
Rose assente mas não amolece.
— Eu tenho mas preciso que confie em mim. Você precisa ficar de olho no Rafe, eu não confio nele. Principalmente quando o assunto é dinheiro.
— Tá — a garota concorda, um tanto quanto derrotada. — Pode deixar.
— Qualquer problema me liga.
— Como se você fosse atender.
Sua mãe deixa uma risada escapar o que faz a expressão de Claire relaxar um pouco. A garota se controla para não sorrir.
— Vou te enviar o número do telefone fixo, assim fica mais fácil.
— Certo.
— Nos vemos em breve, patinha.
Claire sorri, se sentindo bem melhor ao ouvir sua mãe te chamar pelo seu apelido. As duas não eram muito de demonstrar emoções mas nesses pequenos atos o amor entre elas ficava perceptível.
— Até mais mãe.
Oi gente! Primeira vez escrevendo em terceira pessoa, espero que esteja bom kkkkkkkk
Vou postar capítulo novo todas as segundas, me acompanhem também no tktk que sempre vou estar soltando vídeos sobre a história por lá @hemmoskr
Até mais!!
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