61 - Eu Só Tenho Sua Lembrança
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19 de Abril
No quarto do hotel, a tensão suave, mas palpável, preenchia o ambiente, como se ambas soubessem que aquela conversa precisava acontecer. Julia estava de pé, olhando para a vista noturna de Milão pela janela, tentando organizar os pensamentos depois da agitação do bar naquela noite. O brilho das luzes da cidade refletia em seus olhos, enquanto Petra, sempre com um gesto carinhoso, se aproximou lentamente, envolveu os braços ao redor de Julia e repousou o queixo em seu ombro.
— Não quero ir dormir sabendo que tivemos um desentendimento bobo, Ju – sussurrou Petra, sentindo o coração acelerar.
Julia permaneceu quieta por alguns segundos, lutando para encontrar as palavras certas. Não queria permitir que sua frustração comandasse a conversa. Ela sabia que o que estava sentindo ia além do ciúme de momentos triviais. Era uma insegurança crescente, uma sensação de estar perdendo o lugar ao lado de Petra.
— Não é só sobre o que aconteceu hoje, Petra – começou Julia, sua voz baixa, enquanto ainda encarava a cidade. — É sobre como você tem lidado com as coisas ultimamente... com o Lorenzo, com tudo isso.
Petra franziu o cenho, uma mistura de confusão e preocupação tomando conta de sua expressão. Ela não sabia ao certo como interpretar as palavras de Julia, mas permaneceu em silêncio, deixando-a continuar.
— Eu sei que você está tentando lidar com o Lorenzo e toda essa situação sozinha – Julia prosseguiu, finalmente virando-se para encarar Petra. — E eu entendo que é complicado. Mas nós últimos dois dias você tem se distanciado de mim. E quando vejo você com alguém como a Chiara... eu sinto que estou perdendo espaço. Como se tivesse que lutar cada vez mais para ter sua atenção.
Petra respirou fundo, apertando os braços ao redor de Julia em um gesto de conforto antes de soltar a ruiva e caminhar até a beirada da cama. Ela se sentou e olhou para Julia com seriedade.
— Ju, eu não quero que você sinta isso – disse Petra, passando as mãos pelo rosto antes de continuar. — Eu realmente não queria te envolver nesse bagunça toda.
Julia mordeu o lábio, os olhos ainda presos na janela. Por mais que quisesse apoiar Petra, não conseguia se livrar do peso da própria insegurança. Ver Petra tão sobrecarregada por questões pessoais a fazia sentir-se impotente, mas também vulnerável na relação.
— E então tem a Chiara... – Julia suspirou, a frustração finalmente saindo. — Ela parece tão perfeita. Confiante, independente. Sempre tão... em cima de você. Como não pensar que alguém como ela faria você sair correndo atrás, especialmente agora que tudo está confuso entre a gente?
Petra percebeu a profundidade do sentimento de Julia e se levantou novamente, aproximando-se da ruiva. Ela a virou suavemente para que ficassem frente a frente, seus olhos encontrando os de Julia com intensidade.
— Ju, a Chiara pode ser o que for, mas ela nunca vai ser você – disse Petra, firme, sua voz carregada de sinceridade. — Você sabe que, por mais que ela tente, eu não estou interessada nela. Meu foco é em nós duas, mesmo que eu não tenha mostrado isso do jeito certo ultimamente. Me desculpa por isso.
Julia desviou o olhar por um breve momento, mas Petra, determinada, segurou seu rosto com delicadeza, fazendo-a voltar a encará-la.
— Eu estou tentando lidar com Lorenzo, mas isso não significa que eu não queira você ao meu lado – continuou Petra, sua voz ficando mais suave. — Na verdade, eu preciso de você, Ju. Eu só... não sei como te deixar mais envolvida nisso sem te machucar.
Julia sentiu as palavras de Petra ecoarem em sua mente, misturando-se com suas emoções confusas. Ela queria acreditar, queria se permitir sentir segurança novamente. Respirou fundo, finalmente cedendo à vulnerabilidade que vinha tentando esconder.
— Eu só quero estar com você, principessa – murmurou Julia, sua voz trêmula. — Mesmo com todas as complicações. Eu só preciso sentir que você está me deixando entrar, de verdade.
Petra assentiu, os olhos brilhando com uma mistura de alívio e carinho. O que estava ouvindo era algo que ela temia, mas sabia que precisava lidar. Aproximando-se ainda mais, ela puxou Julia para um abraço apertado, envolvendo-a completamente em seus braços.
— Eu vou fazer melhor, prometo – disse Petra, a voz um pouco embargada. — Só quero que você saiba que também estou aqui, com você. Sempre estive, Julia.
Julia fechou os olhos, finalmente permitindo-se relaxar nos braços de Petra. O peso da insegurança parecia se dissipar brevemente, ainda que apenas por alguns instantes. Elas sabiam que ainda havia muito a resolver, muitos desafios pela frente.
— Eu confio em você, Petra – sussurrou Julia contra o peito da morena, sua voz suave. — Só não me deixa de fora.
— Nunca – respondeu Petra, beijando o topo da cabeça de Julia com ternura.
O silêncio preencheu o quarto enquanto as luzes de Milão brilhavam do lado de fora. Ambas sabiam que essa era apenas uma pequena vitória, uma pausa momentânea no meio de tantos problemas que ainda enfrentariam. Mas, por enquanto, estavam dispostas a enfrentar o que viesse, lado a lado.
Mas o ambiente no quarto do hotel ainda estava pesado com a sinceridade não dita entre Julia e Petra. Após a confissão de Julia sobre seu ciúme em relação a Chiara, Petra sentia que havia algo mais escondido atrás das palavras dela.
— Julia, não é só isso, né? – perguntou Petra, com um olhar penetrante, tentando decifrar o que realmente a perturbava.
Julia hesitou por um momento, as memórias da faculdade invadindo sua mente como um turbilhão. Lembranças vívidas da festa de celebração do Georgia Tech na NCAA de 2019 surgiram à tona, trazendo consigo uma mistura de nostalgia e dor. Ela lembrou da vez em que elas estavam presas no banheiro, a atmosfera carregada de provocações, e como o coração dela disparou quando viu Petra vestida com aquele vestido justo, seus cabelos castanhos caindo em ondas suaves. O beijo que se seguiu foi um momento mágico, um ato impulsivo que parecia selar algo especial entre elas.
Mas o dia seguinte foi um golpe duro. Ao encontrar Petra na cafeteria, a euforia da noite anterior se desfez como fumaça quando a morena disse para esquecerem da noite anterior se referindo ao fato estar bêbada, mas Julia não sabia disso. E logo Petra estava envolta nos braços de Lorenzo, rindo como se nada tivesse acontecido, como se aquele beijo nunca tivesse existido. A dor e a confusão invadiram o coração de Julia naqueles momentos. A indiferença de Petra em relação ao que havia acontecido se transformou em um ferimento profundo.
Julia contou o que havia acontecido na festa aquela noite, Petra escutou atentamente enquanto se sentia a pessoa mais horrível do mundo por estar tão bêbada e não conseguir lembrar daquele momento, aquele beijo que poderia ter mudado tudo entre elas.
— Eu... eu não posso esquecer daquela noite, ainda tenho sua lembrança... – começou Julia — Não só por causa do beijo, mas por tudo que aconteceu depois. Quando você estava com Lorenzo na manhã seguinte, eu me senti invisível, como se nada do que tivemos tivesse importado. E agora... agora, vendo você com Chiara, sinto que a história pode se repetir.
Petra franziu o cenho, percebendo a conexão entre o passado e o presente. Não apenas o ciúme, mas um eco das feridas não curadas. Ela não lembrava do beijo, mas a raiva e a confusão de Julia nas temporadas seguintes faziam sentido agora.
— Ju, eu não me lembro. Quando disse pra esquecer aquela noite estava me referindo à bebida, eu mal conseguia ficar em pé no fim da festa. – confessou Petra, a dor em sua voz era clara. — E eu me odeio por ter esquecido algo tão importante. Mas eu nunca quis te fazer sentir assim. Eu estava tão imersa naquela vida idealizada com Lorenzo, que não percebi o quanto isso te afetava. E sinceramente, eu realmente era uma idiota com você.
Julia desviou o olhar, os olhos fixos na janela, onde as luzes da cidade cintilavam. Era difícil admitir o quanto aquele momento ainda a machucava, mas a necessidade de ser honesta com Petra era maior.
— Depois de tudo, as provocações em quadra eram o único jeito de ter sua atenção – Julia continuou, sua voz ficando mais firme. — Mesmo que eu precisasse competir por ela. Antes era com Lorenzo, e agora... ver Chiara tão próxima me faz ter medo de precisar competir pela sua atenção com ela também.
Petra sentiu um aperto no coração ao ouvir isso. Ela nunca quis que Julia se sentisse como se tivesse que lutar por seu afeto. A sinceridade da ruiva a tocou profundamente, e ela percebeu o quão complicadas as coisas realmente eram.
— Eu não quero que você se sinta assim – disse Petra, aproximando-se de Julia novamente, segurando suas mãos. — Eu quero que você saiba que você é a única com quem eu quero estar. Eu sei que as coisas estão confusas agora, mas isso não muda nada entre a gente. Chiara não significa nada para mim.
Julia sentiu o calor das mãos de Petra envolvendo as suas. A sinceridade no olhar da morena a fez sentir uma onda de alívio e amor. Elas estavam em um momento vulnerável, mas a conexão entre elas parecia mais forte do que as inseguranças que estavam enfrentando.
— Então, o que precisamos fazer? – Julia perguntou, sua voz mais suave agora. — Como podemos superar isso juntas?
Petra sorriu, aliviada por finalmente poder compartilhar seus sentimentos com Julia.
— Precisamos nos abrir mais uma com a outra – sugeriu Petra. — Eu quero ouvir você, Julia. Quero saber como se sente e quando houver algo errado, preciso saber pra tentar concertar.
— Eu preciso aprender a confiar em você, Petra – Julia admitiu. — Não só quando se trata do Lorenzo, mas também quando vejo você se aproximando de outras pessoas. Eu quero ser sua prioridade, mas também preciso saber que você está disposta a lutar por isso, por nós.
Petra assentiu, o coração pesado de emoção.
— Eu quero lutar, querida. – Ela prometeu, olhando nos olhos de Julia. — Eu não quero perder você. Não posso te perder também, Julia.
— Então vamos nos comprometer a ser mais abertas uma com a outra. – Julia sugeriu, um sorriso tímido surgindo em seu rosto. — Um pacto de honestidade.
— Um pacto de honestidade. – Petra repetiu, sentindo-se mais leve. — E eu prometo que vou te deixar entrar na minha bagunça, mas devagar, Ju.
A tensão que havia preenchido o ambiente antes agora começou a se dissipar. As duas se abraçaram novamente, um gesto que selava um novo entendimento entre elas. Julia se sentiu aquecida e segura nos braços de Petra, como se finalmente pudesse respirar aliviada.
— Eu vou tentar lidar melhor com o que sinto, sem usar a coitada da Marcela pra te provocar, prometo, amor – Julia murmurou, seu rosto escondido no pescoço de Petra. — E não quero mais competir pela sua atenção. Quero que você me escolha, porque eu escolho você.
Petra sorriu, um sorriso cheio de afeto e gratidão.
— Eu vou escolher você, ruivinha – Ela sussurrou, segurando Julia mais firme. — Eu finalmente posso escolher você agora.
— Bem... temos um pacto agora, Lewis – começou Julia levantando o rosto devagar para olhar Petra — Como vamos selar esse acordo, hein? Um beijo?
Petra sorriu, então olhou nos olhos de Julia e, em um impulso, inclinou-se para frente, unindo seus lábios em um beijo suave. O toque era reconfortante, como se todas as suas inseguranças e tensões fossem dissolvidas naquele momento. Julia retribuiu, envolvendo os braços ao redor do pescoço de Petra, aprofundando o beijo. Era um selo de compromisso, uma reafirmação do que sentiam uma pela outra.
Após o beijo, elas se afastaram lentamente, ainda com sorrisos nos rostos. A tensão havia desaparecido, e um sentimento de paz tomou conta do ambiente.
— Vamos tomar um banho? – sugeriu Petra, dando um leve sorriso travesso. — Podemos deitar e assistir algo, amanhã não temos treino de manhã.
— Boa ideia! E eu preciso tirar esse cheiro de álcool do corpo. – Julia concordou, seus olhos brilhando.
As duas se dirigiram para o banheiro, e logo estavam debaixo do chuveiro, a água morna escorrendo sobre elas. Não havia segundas intenções, apenas um momento de intimidade genuína. Petra lavou os cabelos de Julia com delicadeza, enquanto a ruiva se deixava levar pela sensação relaxante. A conversa fluiu naturalmente, alternando entre risadas e comentários sobre o dia que tiveram.
— Você viu como a Kuddies e a Marcela estavam se olhando lá no bar? – Julia comentou, ensaboando as mãos e passando-as pelo corpo.
Petra riu, lembrando-se das trocas de olhares entre as amigas.
— Sim! Elas parecem tão à vontade uma com a outra. Eu realmente acho que seria um belo casal – disse Petra, sentindo a animação crescer dentro dela. — Kuddies é encantadora e Marcela é tão… bem, tão Marcela.
— Exatamente! Elas têm uma química inegável – Julia concordou, o sorriso se alargando. — Seria ótimo ver a Kudiess com alguém.
Assim que terminaram o banho, as duas saíram envoltas em toalhas e se acomodaram na cama, ainda rindo sobre Kuddies e Marcela. O clima era leve e descontraído, com os resquícios de tensão da noite finalmente se dissipando por completo.
— Você acha que elas vão se dar conta disso? – perguntou Julia, deitando-se de lado, apoiando a cabeça na mão.
— Espero que sim. Às vezes, é preciso um empurrãozinho – respondeu Petra, olhando para Julia com um sorriso brincalhão. — Vamos ter que intervir.
— Intervir? Como? – Julia perguntou, arqueando uma sobrancelha, interessada na ideia.
— Eu não sei, talvez planejarmos algo, mais uma saída em grupo? – sugeriu Petra. — Depois podemos deixá-las sozinhas um pouco e ver se rola alguma coisa.
Julia riu, admirando a criatividade de Petra. — Eu adoro essa ideia! – ela disse, piscando. — Precisamos fazer isso acontecer.
A conversa continuou fluindo enquanto falavam sobre outros membros da equipe e suas próprias inseguranças. O dia que haviam tido, as vitórias e as derrotas, parecia agora muito mais leve.
— Eu sinto que agora podemos ser nós mesmas – disse Julia, olhando profundamente nos olhos de Petra. — Sem as sombras do passado.
Petra sorriu, o coração aquecido por aquelas palavras.
— Eu também sinto isso. Acho que estamos construindo algo, Ju – ela respondeu, segurando a mão de Julia. — E eu não quero que nada atrapalhe isso.
As duas vestiram roupas confortáveis e deitaram novamente, com Petra se aconchegando contra Julia. O cheiro do shampoo ainda estava em seus cabelos, e a suavidade de seus corpos se entrelaçava sob os lençóis. Elas se sentiam seguras, como se o mundo lá fora não importasse, como se apenas a conexão entre elas fosse importante.
— Então, estamos em um pacto de honestidade, certo? – Julia perguntou, olhando para o teto.
— Sim, um pacto de honestidade e apoio mútuo – respondeu Petra. — Vamos fazer isso juntas.
Julia assentiu, um sorriso satisfeito nos lábios. A sensação de felicidade e alívio se formava em seu peito. Elas sabiam que ainda havia desafios pela frente, mas agora estavam dispostas a enfrentá-los.
— E, a propósito, sobre Julia e Marcela… se isso acontecer, vamos fazer um encontro duplo! – exclamou Julia, fazendo uma pose dramática.
Petra soltou uma risada, animada.
— Definitivamente! – Ela fez uma pausa e, com um brilho nos olhos, adicionou — Mas antes temos que juntar essas duas. Se eu bem conheço a Cela, ela não vai tomar atitude e a Julia vai ficar intimidada com a perturbação das meninas.
As duas riram, a leveza da conversa preenchendo o ambiente. A noite se arrastou suavemente, com as duas conversando sobre sonhos e aspirações, esquecendo por um momento as pressões que as cercavam. E enquanto as luzes de Milão continuavam a brilhar do lado de fora, Petra e Julia estavam ali, solidificando um laço que se tornava cada vez mais forte.
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vidas solteiras importam 👍🏼
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