38 - Rosas ¹

Aviso de gatilho

O capítulo a seguir contém menções relacionadas à violência doméstica, que podem ser sensíveis para alguns leitores. Prossiga com cautela ou pule o capítulo se não se sentir confortável para ler.

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Aquele monstro que um dia prometeu me amar
Parecia incontrolável, eu não pude evitar...
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06 de Abril

Petra atendeu o telefone, ainda sonolenta, mas ao ouvir a voz de Otávio, despertou completamente. Ele estava agitado, sua respiração ofegante pelo telefone.

— Petra, minha menina, por favor, me escuta! – a voz dele tremia. — É sua mãe... a Dona Vera... ela está aqui no prédio. Ela... está machucada!

Petra congelou por um instante, a mente tentando processar o que estava ouvindo. Ao seu lado, Julia, que já tinha acordado com o movimento brusco de Petra, se aproximou, abraçando-a por trás e apoiando o queixo no ombro dela.

— Otávio, fala devagar. O que está acontecendo? – Petra pediu, tentando manter a calma, mas seu coração acelerava.

— Ela apareceu do nada, está muito ferida... Petra, aconteceu algo muito sério. Por favor, você precisa vir agora! – Otávio continuou, a voz embargada.

Petra sentiu o peso da notícia, como se uma onda de gelo percorresse seu corpo. Vera. Sua mãe. Mais uma vez envolvida com homens perigosos, com escolhas ruins. Petra fechou os olhos por um segundo, lembrando de todas as vezes que a mãe surgira em sua vida, pedindo ajuda, trazendo consigo caos e confusão.

— Eu... vou agora. – Petra disse, sua voz mais fria do que o habitual, mas firme.

Ela se levantou da cama num pulo, indo até o armário com pressa. Julia, percebendo a gravidade da situação, levantou-se também, seus olhos cheios de preocupação.

— O que aconteceu? – Julia perguntou, vendo a expressão séria de Petra enquanto ela trocava de roupa rapidamente.

— Minha mãe... ela apareceu no meu prédio. Está machucada. – Petra respondeu, a voz tensa, sem olhar para Julia. — Deve ter se metido com aqueles homens de novo. Ela... sempre faz isso.

Julia franziu o cenho, já vestindo sua própria roupa. — E você vai sozinha? Não! Eu vou com você, Petra.

— Não precisa, Julia. Isso não é algo que você precisa ver. – Petra tentou argumentar, mas sua voz estava carregada de cansaço, como se já soubesse que Julia não aceitaria ser deixada para trás.

— Eu vou. – Julia afirmou, pegando sua jaqueta. — Você não vai enfrentar isso sozinha. Não mais.

Petra olhou para Julia por um instante, tentando manter a máscara de dureza, mas sabia que Julia estava sendo sincera. Respirou fundo e assentiu.

— Tudo bem, vamos. – Petra disse, já se dirigindo para a porta do quarto.

As duas saíram rapidamente do quarto e seguiram para o carro. O silêncio que se instalou entre elas era pesado, cheio de expectativas e preocupações não ditas. Petra estava concentrada no que estava por vir, seu coração dividido entre o desejo de ajudar sua mãe e o cansaço emocional de mais uma vez ser arrastada para os dramas de Vera.

Julia, por sua vez, observava Petra de canto de olho, preocupada com a tensão que a morena estava demonstrando. Sabia que aquela situação era mais do que apenas uma visita indesejada de um parente. Havia uma história mais profunda entre Petra e Vera, algo que Petra tentava esconder, mas que estava claramente corroendo-a por dentro.

Quando chegaram ao prédio de Petra, Otávio já estava esperando na portaria, o rosto tenso e ansioso. Ele abriu o portão assim que as viu se aproximando.

— Ela está no lobby, Petra... Não me deixou chegar perto. – ele disse, apontando para dentro.

Petra respirou fundo e entrou no prédio, sentindo o peso da situação aumentar a cada passo que dava em direção à mãe. Vera estava sentada em uma das cadeiras, o rosto machucado e os olhos carregados de dor e desespero. Assim que viu Petra, ela levantou o rosto devagar para olhar a filha, o corpo demonstrando a extensão dos ferimentos.

— Petra... – Vera murmurou, a voz fraca.

Petra ficou parada por um segundo, tentando processar a imagem da mãe naquele estado. Julia, ao seu lado, observava em silêncio, pronta para apoiar Petra, mas sem interferir.

— O que aconteceu dessa vez, mãe? – Petra perguntou, tentando manter a calma, mas sua voz estava carregada de cansaço.

Vera desviou o olhar, como se estivesse envergonhada.

— Eu... fiz besteira de novo, filha.

Petra suspirou, fechando os olhos por um momento antes de dar o próximo passo.

Vera mal conseguia se manter em pé. Cada vez que tentava erguer o corpo, parecia que suas forças iam se esvaindo, e Petra observava aquilo com o coração apertado. O sangue manchava as roupas de sua mãe, e os ferimentos no rosto eram visíveis, dolorosos até de se olhar. O desejo de Petra era que aquilo fosse menos grave do que parecia, mas, ao ver o estado real de Vera, suas esperanças se desmancharam.

— Mãe... – Petra murmurou, tentando conter o desespero que começava a tomar conta de si.

Vera tentou se levantar, mas suas pernas fraquejaram, e ela tropeçou. Petra, rápida, a segurou antes que caísse, e naquele momento Vera se agarrou à filha, encostando a cabeça em seu ombro, sujando a roupa de Petra com sangue também. Petra sentiu o peso do corpo da mãe e, mais ainda, o peso da situação. Vera sussurrava palavras desconexas, coisas que Petra não conseguia entender direito, fragmentos de desculpas e pedidos de ajuda. Aquilo a destruiu por dentro.

— Mãe, calma... eu estou aqui. – Petra disse, tentando manter sua própria compostura, mesmo que sentisse uma onda de desespero se aproximando. Seu coração batia acelerado, e uma parte dela queria gritar de frustração e medo, mas ela sabia que precisava ser forte.

Julia, vendo a situação se agravar, percebeu que Petra estava à beira de um colapso. Decidida a ajudar, sem hesitar, ela se aproximou rapidamente.

— Petra, não dá para esperar mais. –  Julia disse firmemente, tirando as chaves do carro do bolso da calça de Petra. — Ela precisa de um hospital, agora.

Petra olhou para Julia com um olhar misto de gratidão e alívio, incapaz de responder com palavras. Apenas assentiu, enquanto Julia tomava a liderança da situação.

— Vamos levá-la para o carro. – Julia continuou, já ajudando a erguer Vera com cuidado.

Com Julia dando suporte, elas conseguiram conduzir Vera, que estava praticamente desfalecida, até o carro. Petra abriu a porta do banco de trás, e as duas colocaram Vera deitada com o maior cuidado possível. O sangue manchava o estofado, e a visão da mãe naquela condição partia o coração de Petra. Mesmo tentando controlar suas emoções, lágrimas silenciosas começaram a descer por seu rosto enquanto fechava a porta do carro.

Julia olhou para Petra por um momento, sem dizer nada, mas com um olhar que dizia tudo. Ela entrou no carro e ligou o motor, prontamente dirigindo em direção ao hospital mais próximo, com Petra sentada ao lado da mãe, segurando sua mão.

O caminho foi silencioso, exceto pelo som ocasional de Vera murmurando palavras desconexas, mergulhada na dor e na confusão. Petra, perdida em seus pensamentos, tentava não deixar o pânico tomar conta. Julia dirigia com determinação, o rosto sério e focado, mas sempre atenta a Petra no retrovisor.

— Vai ficar tudo bem, Petra. – Julia finalmente disse, tentando confortá-la. — Estamos quase chegando.

Petra, mesmo sem saber se acreditava nas palavras, assentiu, apertando a mão de sua mãe com mais força.

Quando chegaram ao hospital, Petra praticamente correu para a recepção, a voz embargada enquanto pedia ajuda às enfermeiras. Vera foi rapidamente colocada em uma maca, a levaram pelo longo corredor branco e vazio. A imagem de sua mãe, quase desacordada, sendo levada para longe fez o peito de Petra apertar. Ela mal conseguia respirar.

Julia, que estava ao lado o tempo todo, aproximou-se sem dizer nada, envolvendo a cintura de Petra e deixando um beijo suave no topo de sua cabeça.

— Eu tô aqui com você, não vou sair do seu lado – sussurrou Julia, tentando acalmá-la.

Petra apenas assentiu, sem encontrar forças para responder. Seu olhar ainda fixo no corredor onde Vera havia sumido. Elas foram então direcionadas para a sala de espera, e o silêncio ao redor parecia esmagador.

Alguns minutos depois, um médico se aproximou delas. Ele estava com a expressão séria, o que fez o coração de Petra bater ainda mais forte.

— Você é a filha de Vera Bittencourt? – Ele perguntou, sua voz calma mas carregada de preocupação.

— Sou, sou sim – respondeu Petra, com a voz trêmula. — Como ela está?

O médico suspirou antes de começar a explicar.

— Sua mãe tem um corte profundo no abdômen. Acredito que tenha sido causado por vidro ou algo semelhante. Infelizmente, o ferimento atingiu o pulmão e ela está sofrendo de hemorragia interna. Foi quase um milagre ela ter chegado até aqui viva, considerando o estado de fraqueza dela.

Petra sentiu suas pernas fraquejarem, e Julia a segurou mais firme.

— O senhor está dizendo que... – Petra começou, mas a voz falhou.

— Ela vai precisar de uma cirurgia de emergência. É arriscado, porque o corpo dela está muito debilitado, mas é a única opção. Se não fizermos nada, temo que ela não sobreviva.

O chão parecia ter desaparecido sob os pés de Petra. Ela se sentiu pequena, vulnerável, como uma criança indefesa. Sua mente tentava processar as palavras do médico, mas tudo parecia nebuloso. "Arriscado", "cirurgia", "milagre". Nada fazia sentido.

— E... e se ela não aguentar? – Petra murmurou, as lágrimas começando a escorrer pelos olhos.

— Vamos fazer tudo que estiver ao nosso alcance – o médico respondeu com seriedade. — Mas ela está em uma condição delicada.

Julia olhou para Petra e a puxou para um abraço, sussurrando — Ela vai ficar bem, amor. Vai ficar bem.

Enquanto Petra se afastou ainda tentando processar as palavras do médico, Julia puxou o celular com mãos trêmulas e, sem hesitar, discou o número de Marcela. O telefone tocou algumas vezes antes de Marcela atender, a voz ainda sonolenta, como se estivesse acordando.

— Ju? O que foi? – Marcela perguntou, já sentindo algo de errado pela tensão no ar.

Julia respirou fundo, tentando manter a voz firme, embora estivesse com o coração acelerado.

— Marcela... é a mãe da Petra. – Julia falou, olhando de soslaio para Petra, que continuava em choque, sem dizer nada.

— O quê? Como assim? O que aconteceu? – Marcela respondeu rapidamente, agora completamente alerta.

Julia explicou brevemente o que tinha ocorrido, desde a ligação de Otávio até a chegada no hospital. A voz de Marcela ficou mais preocupada a cada detalhe que Julia acrescentava.

— Ela precisa de você aqui, Marcela. Sei que é tarde, mas... – Julia começou a dizer, mas foi interrompida.

— Estou indo. Não se preocupea, Ju. – Marcela respondeu com firmeza, e Julia ouviu o som de Marcela já se levantando e agindo.

— Obrigada. – Julia disse com gratidão. Ela desligou o telefone e voltou sua atenção para Petra, que estava sentada em uma das cadeiras da sala de espera, com o olhar perdido no chão.

Julia se aproximou novamente e se ajoelhou à frente de Petra, pegando suas mãos frias e trêmulas.

— Marcela está vindo, tá? – Julia sussurrou, sua voz suave e firme, tentando dar algum conforto.

Petra, ainda sem conseguir responder, apenas assentiu, apertando as mãos de Julia com força, buscando apoio na única coisa que parecia sólida naquele momento caótico.

Marcela chegou ao hospital rapidamente. Ao atravessar as portas de vidro, o ambiente estéril e o cheiro forte de desinfetante a fizeram se sentir mais ansiosa. Seus olhos procuraram por Julia e Petra assim que entrou na recepção, e logo as viu, sentadas em um canto da sala de espera. Julia estava de pé ao lado de Petra, com uma expressão tensa, enquanto Petra permanecia sentada com a cabeça baixa e os ombros caídos.

Marcela sentiu um aperto no coração ao ver sua amiga naquele estado. Aproximou-se sem fazer muito barulho, mas sua presença foi notada por Julia, que se virou assim que Marcela chegou perto.

— Marcela. – Julia disse, com um leve suspiro de alívio. – Obrigada por vir tão rápido.

Marcela balançou a cabeça, mostrando que aquilo não era nada. Em seguida, se abaixou na frente de Petra, colocando uma mão delicadamente sobre seu joelho.

— Lizzie? – Marcela chamou suavemente.

Petra levantou o rosto devagar, os olhos vermelhos de tanto chorar. Ao ver Marcela, o alívio e a dor se misturaram em seu semblante, e ela simplesmente se inclinou para frente, apoiando a testa no ombro de Marcela. Marcela a envolveu com os braços, sem dizer nada, apenas oferecendo sua presença.

— Vai ficar tudo bem... – Marcela murmurou, tentando passar força, mesmo que soubesse que as palavras eram frágeis diante da situação.

Julia permaneceu em silêncio ao lado, respeitando o momento entre as duas, mas se manteve perto, pronta para ajudar no que fosse necessário.

— Eles disseram alguma coisa nova? – Marcela perguntou baixinho para Julia, enquanto acariciava os cabelos de Petra.

— Ainda não. – Julia respondeu, olhando brevemente para Petra, preocupada com o impacto que aquilo estava tendo nela.

Marcela respirou fundo, sentindo o peso da situação. Sabia que aquilo mexia com Petra de uma forma muito profunda, mais do que qualquer uma delas poderia compreender completamente.

— Estamos aqui com você, tá? Não importa o que aconteça. – Marcela sussurrou para Petra, apertando levemente seus ombros.

Petra permaneceu em silêncio por um momento, mas o toque gentil de Marcela e a presença de Julia ao seu lado foram o suficiente para que ela começasse a se acalmar, mesmo que um pouco.

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Senti que era fundamental falar sobre isso de maneira direta, sem romantizar ou suavizar os acontecimentos, para que o impacto verdadeiro dessa experiência seja compreendido. A intenção é expor as cicatrizes invisíveis que essa violência deixa, trazendo à tona uma reflexão sobre a necessidade de apoio e empatia, além de mostrar que essa situação, infelizmente, faz parte da vida de muitas mulheres ao redor do mundo.


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