03 | dream.

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── ATO UM

A noite estava densa, uma escuridão quase palpável que engolia tudo ao redor. As estrelas no céu, fracas e distantes, pareciam observadores indiferentes ao caos que se desenrolava abaixo. Eu corria, meus pés descalços rasgando a terra fria, sentindo cada pedra e galho perfurar minha pele.

Cada passo era uma batalha contra a exaustão. Eu não sabia por que estava correndo, apenas que precisava continuar. O som de passos atrás de mim ecoava na noite, uma perseguição implacável que não me dava trégua. A adrenalina pulsava em minhas veias, e o medo era o combustível que me impulsionava a seguir adiante.

Então, a floresta densa abriu-se diante de mim, revelando uma clareira. A luz da lua se filtrava pelas árvores, criando um círculo prateado no chão. No centro da clareira estava ele, o novato, seus olhos fixos em mim com uma intensidade que me fez parar de repente. Ele era, ao mesmo tempo, alguém que eu conhecia profundamente, mas cuja presença ainda era um mistério.

— Mavie — ele disse, sua voz um sussurro carregado pelo vento. — Você precisa lembrar.

Antes que eu pudesse responder, a cena mudou abruptamente. Eu estava agora em um campo aberto, cercada por uma névoa densa. O novato ainda estava lá, mas agora segurava algo nas mãos — um pedaço de papel, amarelado e desgastado pelo tempo. Ele o estendeu para mim, e eu senti meu coração acelerar.

— Leia — ele insistiu, seus olhos implorando para que eu entendesse. — Isso é importante.

Peguei o papel com mãos trêmulas, notando um símbolo misterioso, que eu não conseguia definir claramente, mas que se assemelhava a um símbolo do infinito. Antes que pudesse desdobrá-lo, a névoa espessa se desfez como um manto de fumaça, e a floresta ao meu redor se dissolveu em sombras rápidas e densas, como se fosse engolida pela escuridão.

Era tudo um sonho. Como todos os outros, um emaranhado de imagens e emoções que se desfaziam ao acordar. O campo, a névoa, Thomas — tudo desapareceria ao amanhecer, como se nunca tivesse existido.

Não era a primeira vez que eu tinha esse sonho, e o fato de nunca conseguir abrir completamente o papel para ler seu conteúdo me atormentava. Havia algo ali, algo que eu precisava desesperadamente entender, mas o papel sempre escapava dos meus dedos, deixando-me com uma sensação de perda e frustração.

Agora, eu estava encostada em um poste de madeira, esperando que Ben finalmente aparecesse. Ele havia sumido sem dar explicações, e já deveríamos estar dentro do labirinto. A ausência dele era como uma sombra persistente, e eu mal podia conter minha impaciência.

Ao meu redor, todos estavam ocupados com suas tarefas, concentrados em suas responsabilidades. Era uma rotina diária, repetitiva para alguns, mas para mim, era uma fonte constante de motivação. Cada dia igual ao anterior, mas cada dia me aproximava mais da esperança de encontrar uma saída.

Olhei ao redor, procurando Ben pela segunda, talvez terceira vez. Meus olhos vasculharam o ambiente, mas ele continuava desaparecido. Então, vi Newt na plantação, com Thomas ao seu lado, lutando para ajudá-lo. A visão dos dois trabalhando juntos me deu um pequeno alívio.

Decidi caminhar até eles, meu coração acelerando a cada passo, como se quisesse fugir do peito. Os mesmos pareciam alheios à minha presença, envolvidos em sua conversa enquanto eu me aproximava.

— Alguém já tentou escalar até o topo? — O moreno perguntou, olhando para as imensas paredes cinzentas que nos cercavam.

— Tentamos. A era não chega até lá em cima. E uma vez lá, para onde iríamos? — Newt respondeu, dando de ombros e mantendo o foco em seu trabalho.

— Ah... E a caixa? — O moreno insistiu. — Na próxima vez que ela subir, podemos...

— Não, já tentamos isso. A caixa não desce se tiver alguém em cima dela. — Newt interrompeu.

— Tá bem... Mas e se nós... — Antes que ele pudesse continuar, fingi uma tosse, atraindo a atenção de ambos.

— Não, nós já tentamos isso, é tão difícil de entender? Acredite em mim, qualquer coisa que você possa pensar, nós já tentamos. A única forma de sair é pelo labirinto, e é isso que eu e os corredores nos esforçamos para encontrar todos os dias. — Minha voz saiu seca e impaciente, ecoando minha frustração com a insistência do garoto.

O silêncio caiu como um véu pesado. Notei que ele ficou constrangido, enquanto Newt nos observava, ciente da tensão que se instalara.

— Quer ser útil de verdade? Toma. — Newt jogou uma cesta para o moreno. — Junte mais fertilizantes. May, você pode ir com ele? — Concluiu, voltando-se para mim.

Assenti com a cabeça, sinalizando para o moreno que começasse a caminhar em direção à floresta. Ele concordou, mas tropeçou em um galho, arrancando de mim uma risada nasal. Ele mordeu o lábio, provavelmente tentando conter o riso.

Eu e Thomas caminhávamos lado a lado na floresta, o silêncio entre nós carregava uma estranha cumplicidade, uma sensação de compreensão mútua sem a necessidade de palavras.Quando nos deparamos com um morro, paramos, avaliando a descida íngreme à nossa frente.

— Tudo isso para pegar um fertilizante... — Thomas resmungou, a frustração evidente em sua voz. Eu não pude deixar de rir, observando enquanto ele descia cautelosamente, escorregando algumas vezes, mas logo se levantando e estendendo a mão para mim.

Aceitei sua ajuda, sentindo a firmeza e a segurança em seu toque. Ele me guiou pela descida, cada passo cuidadoso, até que finalmente alcançamos a base do morro.

— Valeu. — Agradeci, soltando sua mão com um sorriso de gratidão. Ele respondeu com um simples aceno de cabeça, seus lábios curvando-se em um meio sorriso.

Enquanto prosseguíamos, algo capturou a atenção de Thomas. Ele fixou o olhar em uma árvore, seu rosto se transformando em uma máscara de confusão. Segui seu olhar e meu coração apertou. Era a árvore de George.

Thomas se aproximou, quase reverente, agachando-se e passando a mão pelo nome gravado no tronco. Depois de um momento, ele voltou a me encarar, uma pergunta silenciosa em seus olhos.

— Dias difíceis. — Murmurei, minha voz mal passando de um sussurro. Foi o suficiente para ele entender. Seus olhos brilharam com uma tristeza compartilhada, desviando o olhar.

De repente, um som atrás de nós quebrou o silêncio. Virei-me rapidamente, o coração disparando pelo susto, e vi Ben a uma certa distância. Sua postura rígida e respiração descompassada indicavam algo errado. Sorri, inclinando a cabeça, tentando quebrar a tensão.

— Até que enfim! Achei que estava se escondendo de nós! — Brinquei, mas meu sorriso desapareceu ao notar seus olhos negros e a saliva escorrendo pela boca. Havia algo profundamente errado.

— Você tá bem? — Thomas se colocou ao meu lado, as sobrancelhas arqueadas em preocupação. A expressão de Ben se contorceu em raiva, seus olhos fixos em nós com uma intensidade assustadora.

Antes que pudéssemos reagir, Ben avançou em Thomas com uma velocidade surpreendente, derrubando-o no chão e tentando estrangulá-lo.

— Sai de cima de mim! — Thomas gritou desesperado, seus olhos arregalados de pavor. Fiquei paralisada por um instante, o pânico me dominando.

— É culpa sua! Eu vi você, você fez isso! Eu vi você! — Ben gritava furioso, a voz cheia de ódio. Desesperada, olhei ao redor e avistei um osso no chão. Corri e o peguei, sem pensar duas vezes, e acertei a cabeça do loiro com toda a força que consegui reunir. O mesmo soltando Thomas, caindo ao lado e gemendo de dor.

— Vamos! Rápido! — Puxei a mão de Thomas, ajudando-o a levantar. Sentia meu coração bater freneticamente, a adrenalina queimando em minhas veias.

Corríamos sem direção, guiados apenas pelo medo e pela urgência de escapar. O terreno acidentado tornava a fuga ainda mais difícil. Quando caímos de um morro, rolamos juntos, nossos corpos colidindo dolorosamente.

— Socorro! — Gritei alto, minha voz ecoando pela floresta enquanto desviava das mãos de Ben que tentava me agarrar. Sentia o desespero crescendo dentro de mim.

— Socorro! — Thomas ecoou meu grito, a voz carregada de pânico. A clareira estava à vista, e alguns dos clareanos nos observavam, suas expressões confusas e alarmadas.

— Ajuda! Socorro! — Continuei a gritar, meu coração batendo descontroladamente. Parei de correr ao ouvir o baque do corpo de Thomas e olhei para trás vendo Ben em cima dele, tentando imobilizá-lo.

Corri até eles, tentando empurrar Ben, mas ele era duas vezes o meu tamanho, uma montanha de força e fúria. Os garotos, ao notarem a confusão, correram até nós. Quando chegaram e tentaram segurar Ben, ele começou a se debater com uma intensidade selvagem, seus gritos de raiva e dor preenchendo o ar.

— O que está acontecendo?! — Newt perguntou, sua voz carregada de preocupação e confusão enquanto segurava Ben, que rosnava como um animal enjaulado.

Aproximei-me, respirando pesadamente, o ar escapando de mim em ondas descontroladas. Meus olhos se encontraram com os de Alby, que se aproximava com uma determinação fria. No olhar dele, um entendimento silencioso surgiu, e ambos sabíamos que ele compreendia perfeitamente o que precisava ser feito.

— Levantem a blusa dele. — Alby ordenou, sua voz firme. Ben começou a chorar e se debater ainda mais, seu pânico evidente.

— Não, não, não. Eu não quis fazer isso! — ele suplicava, a voz cheia de desespero.

Gally, rápido e eficiente, levantou a blusa de Ben, revelando um ferimento grave em seu abdômen. As veias azuis e vermelhas se espalhavam pelo local como raízes malignas, uma marca inconfundível da infecção. A visão era horrível, uma confirmação do que eu já imaginava.

Senti meus olhos começarem a se encher de lágrimas e desviei o olhar do ferido, mordendo o lábio para reprimir o choro.

Chuck, ao meu lado, observava a cena com uma tristeza crescente. Agachei-me e o abracei, virando-o para o lado oposto, tentando poupá-lo do que estava acontecendo. Seus olhos se encheram de lágrimas, e o pequeno esforço para confortá-lo parecia quase em vão.

— Ele foi picado. A luz do dia? — Gally questionou, olhando para Alby com uma mistura de confusão e receio.

Antes que o moreno pudesse decidir algo, ele voltou seu olhar para mim, um pedido silencioso de permissão estampado em seu rosto angustiado. Assenti, sentindo uma lágrima escorregar pela minha bochecha.

— Levem-no ao amansador — Ordenou Alby após minha confirmação. Imediatamente, Ben começou a gritar em desespero, sua voz ecoando em negação. Fechei os olhos, apertando Chuck contra mim, buscando refúgio no abraço do garotinho.

Os garotos se aproximaram rapidamente, e, com um movimento coordenado, puxaram Ben para longe de nós, conduzindo-o em direção ao único abrigo que restava antes do labirinto se abrir.

— Não! Vocês não entendem, por favor! Parem, ele fez isso! — A súplica de Ben ressoava, mesmo à distância, sua voz carregada de desespero e impotência. As palavras se misturavam ao som de Chuck chorando, seu rosto pressionado contra meu pescoço, o calor das lágrimas intensificando a sensação de dor.

Eu estava mergulhada em um abismo de tristeza. Não era a primeira vez que enfrentava uma situação de dor profunda, mas cada vez era como se o chão se abrisse sob meus pés, engolindo-me em um turbilhão de sentimentos.

Desde aquele momento, minha única interação foi com Chuck. Após passarmos um tempo juntos, eu o encaminhei para descansar em sua rede. Eu precisava de um espaço para processar o que estava acontecendo.

Acompanhando o cenário ao meu redor, vi Thomas e Alby conversando. A curiosidade me corroía, imaginando sobre o que poderiam estar falando. Mesmo com a suspeita de que a conversa girava em torno do que aconteceu.

Minha mente estava assolada pelas palavras de Ben. Ele havia dito: "Ele fez isso", "Eu vi você", "É tudo sua culpa." Essas frases reverberavam na minha mente. O que ele queria dizer com isso? A culpa que ele mencionou, a acusação, me atormentava.

Então, sai do transe ao ouvir passos se aproximando. Ao olhar para o lado, vi Minho. Seu sorriso, embora fraco e cheio de tristeza, trouxe um alívio momentâneo.

— Ei, como você está? — Minho perguntou, sua voz carregada de preocupação genuína. Ele se agachou à minha frente, suas mãos pousando sobre meus joelhos.

Fiquei em silêncio por um momento, os olhos vagando pelo ambiente à minha volta. As palavras que eu queria dizer pareciam estar presas em um nó na minha garganta.

— Sinceramente? Estou devastada. Mas estou tentando ser forte pelo Chuck. — Confessei, a voz embargada. Minho assentiu lentamente, seus olhos fixos nos meus com atenção.

— Você sabe que não precisa ser forte o tempo todo, não é? — Minho falou com uma suavidade que quase fez meu coração quebrar ainda mais. Concordei com um gesto de cabeça, olhando para minhas mãos repousadas em meu colo, imersa em pensamentos sobre o que ele havia dito.

Ficamos em silêncio por um tempo, o ambiente ao nosso redor parecia um borrão enquanto eu me concentrava em Thomas. Ele estava ao lado de Alby, que falava algo, mas o mesmo parecia distante e alheio. Thomas olhava para nós, sua expressão neutra.

— O que acha de descansar também? Você merece, está trabalhando demais... Se quiser, eu te acordo quando... — Minho começou a dizer, mas não terminou a frase. Eu sabia que a sugestão o feria mais do que a mim. Afinal, Minho e Ben eram inseparáveis, e sua dor era tão palpável quanto a minha.

Suspirei profundamente, e abri os braços, um gesto silencioso pedindo por um abraço. Minho, com um sorriso triste, levantou-se e envolveu-me. Senti o calor e a pressão do seu corpo, e ouvi um suspiro pesado escapando de seus lábios.

Ficamos assim por alguns minutos, nossos corpos próximos em um abraço silencioso, buscando consolo um no outro. Quando finalmente nos afastamos, abri um sorriso cansado para Minho, tentando transmitir um pouco de gratidão por seu apoio.

— Vou dormir. Mas, por favor, me acorde — Pedi e Minho assentiu, se levantando e começando a se afastar.

Deitei-me na rede, fechando os olhos, enquanto tentava bloquear os pensamentos e as imagens que ainda pairavam em minha mente. Aos poucos, deixei que a escuridão envolvesse meus sentidos, me entregando ao sono, e adormecendo depois de alguns minutos.

Um beijo gigante,
Liss.

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