◞ 𓍢 𝟬𝟭. AMIGOS DE BAR E O GATO
NÃO FICAR MUITO PELAS RUAS era o tipo de anotação que Alice mantinha em sua mente. Depois de assistir muitos filme, séries e imaginar diversas vezes como poderia ser o fim do mundo, ela sabia que os jogos poderiam não ser os únicos problemas. Pelas suas contas, faziam seis dias e algumas horas que ela e seus amigos estavam naquela Tokyo divergente, sendo tempo suficiente para que a Kobayashi percebesse algumas coisas. E, dentre elas, tomar cuidado por onde anda era uma delas.
Sentia-se como em um apocalipse.
Eles estavam sem comida, sem remédios ou sem saber como finalizar aquilo que ela entendia ser por um jogo. Dori estava machucado e Cho Hayato pálido como papel por causa da fome. Ao lembrar que o shopping não era muito longe e lá eles poderiam encontrar o que precisavam, Alice resolveu guia-los até lá.
Era agosto, o mês mais quentes e que atingiam temperaturas acima do normal. Com a máxima de 30 °C e mínima de 24 °C. Por esse motivo não estava quente. Naquele momento faziam 24 °C por estar de noite, mas de manhã, normalmente, quase sempre estavam acima disso. Alice não sentiu nem frio e nem calor. O céu estava mesmo muito bonito e cheio de estrelas como Dori citou. Era a primeira vez que os três viam estrelas no céu de Tokyo, tendo em vista que as luzes da cidade impediam que essa beleza natural e cósmica pudesse ser apreciada.
Todos eles estavam com a mesma roupa de seis dias atrás.
Alice vestia uma saia e um blazer de cor preta, que eram um conjunto e possuíam pequenas pedrinhas que brilhavam tanto quando as próprias estrelas. Uma blusa branca e sem estampa de manga curta, que ficava por baixo do blazer e por dentro da saia. Uma bota de cano logo também preta, mas sem salto. Os cabelos eram cursos, acima do ombro e estava divididos ao meio. Não haviam mais brincos no lóbulo da orelha, pois ela havia tirado já que atrapalhavam, em contra ponto, deixou os piercings que tinha no hélix e tragus da orelha direta e os dois segundo furos que havia feito nas duas orelhas. E por fim, mais não menos importante, os dois colares que nunca tirava: um em formato de borboleta, de cor azul que ganhou do seu pai e o outro um coração que ganhou de aniversário.
De cabelos bagunçados, Dori vestia as roupas de treino de futebol, dos Samurais Azuis, time que jogava. Era um calção branco com listras laterais azuis e uma camiseta com vários tons de azul e com um conceito de origami na estampa. Também tinha o meião azul com listras e a chuteira branca. Ele não tinha brincos ou acessórios, pois não gostava muito de usar. E por fim Hayato, com uma blusa social branca, calça de linho azul escuro que combinava com seu blazer e gravata de mesma cor, até ele precisar tirar os dois itens enquanto jogava o segundo jogo. Os sapatos eram social de cor preta e os cabelos, por incrível que pareça, ainda estava apresentável.
─ Foi mal... Eu quase falei do inominável. ─ Dori se desculpou com a irmã, depois de quase citar o nome do ex namorado dela. ─ É que... Não tem como não lembrar dele. Vocês dois faziam tudo juntos. ─ O Kobayashi mais velho não lamentar de verdade, já que continuava falando dele. ─ Eu tinha certeza que vocês dois até se...
─ Você joga futebol .. como é possível ser tão mole? ─ Alice mudou drasticamente de assunto. Se fosse respondê-lo, aquela conversa duraria mais do que ela queria.
Lembrar de Shuntaro Chishiya ainda a deixava magoada. Não por causa dele, e sim, por causa dela. Alice Kobayashi se sentia muito culpada de tudo e ouvir ou nome ou trazer aquelas memórias de volta a faziam se arrepender amargamente de ter terminado tudo. Mas ela não confessaria isso, nunca. Disposta a mais nunca vê-lo na sua frente e apagar o passado que um dia amou, Alice queria fingir que não queria saber mais dele.
─ Eu sei correr bem, isso não conta? ─ Pestanejou, cruzando os braços. Para ser jogador de futebol não precisava ser o mais corajoso ou mais habilidoso em todas as atividades físicas. Ele era bom no futebol, isso bastava. ─ E tenho uma boa mira.
─ Porquê disse que ia parar de jogar há sete anos atrás? Nunca me disse o motivo. ─ Perguntou, emburrada. Ela sabia a resposta, mesmo assim, queria ouvir da boca dele. ─ É o que você sempre quis.
─ Depois que o papai morreu você precisava de ajuda... e acho que funcionou. ─ Respondeu, olhando para os próprios pés. Sabia que levaria uma reclamação por causa disso, mas por ele tudo bem. ─ Você mandou muito bem. Tem até sua própria empresa agora e seus livros vendem muito... ─ Sorriu, feliz com o que acabou de dizer. ─ Estou orgulhoso de você.
Kobayashi Dori levava muito a sério a ideia de ser irmão mais velho e por isso odiava ver sua irmã infeliz. Com a morte do pai deles do final do ensino médio de Alice, resolveu parar de jogar por um tempo para cuidar dela. Não tinham uma mãe para se confortar, então o que sobrou foram os dois. Então, mesmo no auge e jogando muito bem, desistiu da bolsa atlética que ganhou pela faculdade e arrumou um emprego qualquer. O futebol necessitava muito tempo de dedicação... Mas tempo era algo que ele não tinha.
Depois de largar o futebol e se dedicar a cuidar da irmã, passou cinco anos longe do futebol. Ela havia entrado na faculdade de letras e, apesar de ter sido através de uma bolsa, já que sua família nunca foi rica, eles precisavam do dinheiro para outras coisas. Então, só depois que Alice acabou a faculdade aos 22 anos, Dori voltou a jogar, aos 23 anos. Hoje, aos 26 anos, ele poderia dizer que estava feliz. Tanto por ele, quanto pela sua irmã.
─ Mas não pode mais largar o futebol, ou eu vou te matar em! ─ Ela socou o braço dele, como tinha o costume de fazer. Dori soltou um "ai" e resmungou. Tinha certeza que maia uma vez ficaria com o braço roxo. ─ Eu sei me cuidar, e... Bom, você merece ser feliz.
Alice achava que ele deveria ser ainda mais feliz do que ela ─ se felicidade era o que Dori esperava da irmã. A Kobayashi não podia dizer que sua vida, hoje, era uma merda, porquê não era, mas tem certeza que no fundo poderia estar mais feliz consigo mesma. Não em carreira ou romance, mas com ela. Se perdoar pelos erros e seguir em frente com as perdas. Pode não parecer, mas ela era muito emocional. Assim como seu pai.
─ Ei, tem gente vindo. ─ Duramitsu Hayato os alertou, se encostando no canto da parede.
Os três se esconderam por trás da parede de um prédio. Em total silêncio, Alice pegou um dos vários cacos de vidro que havia no chão e observou. Quatro homens passavam rindo pela rua. Trajados com roupas um tanto floridas e praianas, portavam armas em suas mãos. Pistola, fuzil, facas... Imaginou que seriam de alguma milícia. O que ela já imaginava que teria. Ela também notou que no braço de cada um deles havia uma pulseira, cada uma de uma cor diferente, mas com números.
Dois minutos depois, eles já estavam longe.
─ Não sei quem são, mas já vi eles antes. ─ Alice não soltou o pedaço de vidro e deu meia volta, voltando a andar em direção ao shopping. ─ As pulseiras, vocês já viram? Tem algo rolando. Eles parecem fazer parte de um grupo... Tem números nas pulseiras.
─ Pensando bem, no jogo passado tinham dois caras com uma pulseira igual a outra. ─ Hayato disse ao se lembrar deles no jogo "morto ou vivo". ─ Mas não ouvi nada diferente.
─ E se forem uma gangue? ─ Dori deu um palpite. Diferente dos dois, não havia notado nada demais. Estava tão preocupado em sobreviver, que não conseguia olhar para mais nada.
─ Acho que logo logo vamos descobrir.
Eles andaram por mais um quilômetro até chegar no shopping. Todas as luzes estavam apagadas, as portas fechadas ─ não trancadas, e também não parecia ter ninguém ao redor. Cautelosamente, Alice segurou o estilhaço de vidro na mão, na altura do ombro e adentrou o local. Seguida de Dori e no fim, Hayato. O silêncio era um pouco assustador, por assim dizer. O shopping não estava tão bagunçado, não haviam vidros espalhados e nem mesmo sinal de pessoas. Estranho, eles pensaram.
A única garota do grupo viu um mapa do shopping logo na entrada, dentro de um objeto de vidro. Ela andou até lá e puxou o papel, analisando a planta do prédio.
─ Podemos nós separar. Eu vou nessas duas lojas aqui. ─ Apontou para os dois locais, que ficavam um de frente para o outro. ─ Um das lojas tem várias coisas que podemos usar e a outra é uma farmácia. Vou pegar o que o Dori precisa. O Hayato pode ir aqui. ─ Apontou para outra loja, uma que também ficava no primeiro anda. ─ É tipo um mercadinho. Uma loja ao lado vende mochilas, então você pode pegar uma lá e encher de comida.
─ Mas e eu? ─ Dori perguntou.
─ Você tá machucado, vai pra o segundo andar. ─ Respondeu o irmão. ─ É uma loja de móveis. Deita e descansa um pouco, daqui a pouco chegamos.
─ Sério? Eu posso ajudar vocês!
─ Escuta sua irmã e descansa. Não se preocupa. ─ Cho apoiou uma mão no ombro do mais novo e sorriu. ─ Daqui a pouco a gente volta. Vou trazer algo bem gostoso pra gente comer.
─ Porquê tá falando comigo como se eu fosse uma criança? ─ O Kobayashi fez uma careta, olhando o mais alto de cima abaixo.
─ E você não é? ─ Duramitsu riu mais uma vez, agora, zombando dele.
Antes que levasse um soco do cunhado, começou a andar, subindo a escada rolante que estava parada. Duramitsu Cho Hayato não era uma pessoa que costumava rir muito. Ele era calmo na maioria das vezes, centrado e reservado. No entanto, quando estava com sua noiva e Dori, conseguia se sentir mais leve.
─ Estou começando a odiar ele.
─ Tem certeza? ─ Alice contestou, rindo discretamente. Ela não era burra.
─ O que você quis dizer com isso? ─ Olhou incrédulo para ela, demonstrando preocupação com a pergunta da irmã. Mas Alice o ignorou e fez o mesmo, seguindo seu caminho.
DEZ MINUTOS SE PASSARAM desde que eles se dividiram. Dori já estava no segundo andar, Hayato no mercadinho, enchendo a bolsa de comida e Alice na loja de conveniência. Ela primeiro foi na loja que ficava de frente a farmácia, para pegar o que ela tanto queria. Ao olhar para o lado ela viu um relógio, do mesmo tipo que havia visto em um bar que começou a ir no final do seu primeiro ano de faculdade. Seu irmão não sabia, pois tinha medo que ela estivesse tão depressiva, que começasse a beber.
Ela sorriu, se lembrando dos momentos que passou naquele lugar. De como esquecia seus problemas, nem que por alguns minutos, quando estava lá. De quando levou seu irmão, o apresentando para seus novos e únicos amigos. Como bebeu até cair depois das provas finais, comemorou seus aniversários, jogou conversa fora e se divertiu.
Alice nunca teve muitos amigos e depois do colégio, com o fim do namoro, não tinha mais ninguém com quem conversar. Apesar disso, estava feliz. Ela não ligava de não ter amigos ou de ser a garota esquisita com o pai "louco" que escrevia histórias infantis. Com seu pai, seu irmão e seu único amigo, Shuntaro Chishiya, que fez no ensino médio, ela era genuinamente feliz. Porém, depois de perder seu pai, seu antigo melhor amigo e receber uma notícia que ela nunca pensou que receberia, foram seus amigos do bar e seu irmão mais velho que lhe trouxeram de volta.
─ Espero que quando voltar eles ainda estejam lá. ─ Seu sorriso verdadeiro continuou aparecendo por alguns segundos, até que a sua atual realidade batesse na porta. ─ Vou precisar beber depois dessa merda de jogo.
Depois de pegar uma bolsa de mão, Alice foi passeando pelos corredores. A primeira coisa que achou foi o mapa da cidade, dentro de uma revista de geografia que tinha nas prateleiras. Depois duas facas táticas que estavam em uma prateleira de vidro, alguns chicletes, duas garrafas de água, velas e três walktalk. Ela tentou procurar por mais alguma coisa que pudesse ser útil, mas não achou. Porém, bem perto do caixa da loja, assim que ela ia saindo, encontrou um canivete suíço de cor vermelha.
Alice abriu o canivete, percebendo quão leve era seu manuseio. Ao total eram dez tipos de instrumentos, uma lâmina grande, lâmina pequena, lâmina de serra, lâmina furadora, abridor de latas, tesoura, abridor de garrafas, pinça e uma de saca rolha. Ela nunca teve um daquele, mas sempre quis ter depois de ver um filme estrangeiro. Como tinha o costume de fazer com objetos finos, ela girou o canivete sobre os dedos, rodando e passando por cada um deles. No final, empunhou uma força considerável, sacando a lâmina grande do objeto, que ficava bem na ponta do canivete.
─ Laminas são bem mais legais que tiros. ─ Virou a opinião em voz alta e guardou o canivete fechado no bolso da saia.
A Kobayashi saiu da loja e entrou na da frente. Sem demorar muito, foi certeira em alguns utensílios como gase, álcool, remédios para dor, esparadrapo, vitaminas e algodão. Antes de sair e seguir seu caminho, Alice escutou passos vindos do corredor. Como não sabia quem era, jogou a mala de mão de lado e se escondeu entre algumas prateleiras. Os passos foram se aproximando, pouco a pouco. Era arrastado e ela identificou que tal pessoa usava um chinelo. Lice sacou o canivete do bolso da saia e agachou-se, esperando que se aproxima-se.
Um, dois, três. Quando a pessoa estava próxima o suficiente, Alice puxou seu braço, o torceu e o derrubou, ficando por cima do corpo dele. Enquanto uma mão segurava agora o cabelo do garoto, a outra o ameaçava com o canivete em seu pescoço. Era um garoto, por volta dos 23-24 anos, pele clara, olhos escuros, roupa verde água que tinha uma estampa escrita "Sunny Climate", calção de praia colorido e um chinelo cor preta. Mas o que mais chamava atenção era o cabelo, fino e cheio, com uma franja quase cobrindo os olhos.
─ Quem é você? ─ Alice perguntou, mas o garoto estava tão assustado, que não respondeu. O cabelo dele cobria um pouco seu rosto e, como ela estava com bastante raiva, não se importou em olhar atentamente para ele. ─ Responde!
O garoto moveu sua mão esquerda na direção de seu rosto, afastando a franja grande e revelando seu rosto. Sua expressão era de medo pelo repente que levou e dor pelo braço contorcido segundos atrás. Mas de repente tudo mudou e, o que antes era medo, virou surpresa.
─ Espera... Alice? ─ Ele a chamou pelo nome, levantando um pouco a cabeça para enxerga-la melhor. ─ Alice, sou eu! O Arisu! Ryohei Arisu!
Os olhos da Kobayashi se arregalaram quando finalmente focaram no rosto do garoto. Sabe um dos amigos que ela fez no bar? Pois é, ele estava ali, bem na sua frente. Era o Ryohei.
─ Não acredito... É você mesmo. ─ Soltou uma gargalhada rápida, ainda desacreditada que ele estava bem ali na sua frente. Talvez palavras tivessem força, pensou. Não fazia nem dez minutos que ela havia acabado de lembrar dele ao ver o relógio na loja da frente. ─ Nossa, é muito bom te ver. Finalmente alguém que eu conheço!
─ É muito bom te ver também, mas... tem como você tirar esse canivete do meu pescoço? ─ O Ryohei olhou de relance para a amar branca muito próxima de seu pescoço. ─ É que somos amigos, sabe.
─ Ah, claro.
Alice tirou o canivete de perto do pescoço dele, guardou no bolso da saia novamente e se levantou.
─ Agora pode me ajudar aqui? Acho que você quebrou meu braço. ─ Riu para tentar disfarçar a dor, mesmo que fosse visível o incomodo próximo do ombro.
Ela segurou no outro braço bom dele e o puxou para cima, o ajudando a se levantar. As roupas do garoto estavam manchadas e o cabelo bagunçado. A última vez que havia visto o mais novo, antes de ser "teletransportada" para aquele mundo, fazia uma semana.
─ Você está aqui sozinha? ─ Ele perguntou, olhando para os lados, já que não havia visto mais ninguém no corredor.
─ Não, meu irmão e o Hayato também estão aqui. ─ Respondeu pegando a mala de mão do chão. ─ E você?
─ Com o Karube e o Chota.
Quando Alice Kobayashi foi pela primeira vez no bar em que o Karube trabalhava, ela conheceu ele, Arisu e Chota, que depois de um tempo, descobriu que eram inseparáveis. Os dois se passaram e mais ou menos duas semanas depois Arisu puxou assunto com ela, depois de ver que a mesma estava lendo mangá online. Ryohei até preferia comprar os mangás e ler naquelas lojas de conveniências da cidade, mas haviam alguns de pequenos escritores que só tinham online. Então, acabava lendo mesmo assim.
Arisu disse para Alice algo como "esse mangá é muito bom" e ela respondeu "você acha? é bem mais ou menos". Ele insistiu que era muito bom e até contou as partes favoritas dele, até descobrir que havia sido a própria garota que fez. Não só escreveu, como claro, desenhou. E a partir daquele momento, Arisu, Karube e Chota viraram os únicos amigos que ela tinha. Poderia até não passar vinte e quatro horas ao lado deles ou sair por ai às três da madrugada para comer lámen na rua, mas eles viraram grandes amigos.
─ E vocês estão aqui no shopping?
─ É, chegamos hoje de manhã. ─ Concordou, acompanhando ela com o olhar. ─ Estamos no segundo andar. Tem uma loja de móveis aqui...
─ E resolveram ficar lá. ─ Ela completou, percebendo que tiveram a mesma ideia. ─ Então o Dori deve ter encontrado o Karube e o Chota. Eu disse pra ele ir para lá, enquanto eu e o Hayato buscavamos algo.
─ Você já pegou o que queria? ─ Alice balançou a cabeça dizendo que sim. ─ Então vamos. Você parece um pouco cansada. ─ Disse sorrindo. No fundo, ela concordava.
Antes de seguir em direção ao segundo andar, Ryohei pegou a mala de mão que a Kobayashi segurava e carregou. Ela não entendeu.
─ Ah, e deixa que eu carrego isso pra você. Como eu disse, você deve estar cansada. ─ Arisu segurou na mão da menina e começou a andar, arrastando ela consigo. Eles tinham intimidade, então não era estranho. ─ Vem!
Os dois se encontraram com Hayato no meio caminho, que já havia terminado de pegar tudo que precisava e estava indo para a loja de móveis. Eles subiram as escadas até o segundo andar e caminharam até o fim do corredor, encontrando a loja de móveis e seus amigos conversando nos sofas.
─ Are are! ─ Alice disse ao ver Karube e Chora, demonstrando surpresa. ─ Bem que quando eu vi o Arisu deveria ter imaginado que vocês também estavam aqui... Vocês três andam grudados igual namorado! ─ Ela riu, achando graça.
Cho olhou para ela um tanto confuso, pois nunca havia visto sua noiva dando aquele sorriso para alguém que não fosse ele ou seu próprio irmão. Pelo que ele sabia ─ na verdade, de acordo com o que ela falava, ela não tinha amigos. Não se lembrava de ter escutado sobre eles três.
─ Olha só quem está aqui... a doida da sua irmã gêmea de nome, Arisu. ─ Karube disse se levantando. Falou isso por seus nomes, apesar de diferentes, terem quase a mesma pronúncia. Ele se aproximou e a abraçou de lado, bagunçando o cabelo dela. ─ Mais nunca você foi nos visitar em, sua ingrata!
─ Foi só uma semana... ─ Chota disse defendendo a garota. ─ Para de implicar com ela, ou ela vai acabar te batendo de novo!
─ Ah claro, até parece que...
Karube parou de falar no meio da frase quando percebeu que havia outra pessoa com ela e seu melhor amigo. Daikichi Karube nunca tinha visto ele presencialmente, mas se lembrou de vê-lo pelo celular da Kobayashi.
─ Ei, você é o noivo dela! ─ Ele disse com a mesma animação. Karube largou Alice e estendeu sua mão para apertar a do rapaz. ─ É... Duramitsu Cho Hayato, certo?
─ Sim. ─ Por educação, ele apertou a mão do loiro. ─ E vocês são...
─ Você nunca falou da gente pra ele? ─ Arisu contestou, achando um absurdo, já que eles eram amigos há quase seis anos. ─ Alice!
─ Só faz três anos que estamos juntos, parem com isso! ─ Ela empurrou Karube e caminhou até o sofá, se jogando ao lado de seu irmão.
A menina jogou a mala de mão encima da mesinha que ficava entre os sofás e abriu, tirando os remédios e os utensílios que iria usar para fazer o curativo do irmão. Ela até viu que havia uma garota sentada no sofá de frente ao dela, mas não falou nada.
─ Eu sou Karube. ─ Se apresentou, apontando para ele mesmo. ─ Esses são Arisu e Chota. Conhecemos a Alice no bar onde eu trabalho. É um prazer finalmente conhecer você! ─ O loiro deu dois tapinhas nas costas dele.
─ E aquela ali é a Saori Shibuki. ─ Chota apontou para o sofá.
As apresentações foram feitas e eles comeram e conversaram durante algumas horas. Dori teve um curativo muito bem feito em sua perna, Hayato conhecer mais dos amigos da sua noite e Alice resolveu fingir que não teria que escutar perguntas depois como "porquê não me contou sobre eles". E não, Cho não iria implicar ou manda-la parar de se encontrar com ele ou até de beber com eles. Ele não fazia esse tipo, mesmo que sentisse ciúmes. A própria Kobayashi era o problema e ela não sabia muito bem explicar do motivo de nunca ter contado sobre eles, se era sempre muito sincera.
Duas horas se passaram e eles resolveram dormir enquanto ainda podiam. Eles ainda tinham três dias para o visto vencer, então por enquanto podiam descansar um pouco. Eles se dividiram onde cada um iria deitar e, por decisão unánime e talvez sendo obra do cruel destino, eles deixaram a cama maior para Alice e Hayato. "Você não deveria estar chateada por dividir a cama com seu noivo, Alice. Não seria a primeira vez". Seus pensamentos se julgavam a cada segundo e ela se sentia mal por tratar tudo aquilo com indiferença ─ pelo menos, era o que parecia por fora. E o pior de tudo: Hayato era um cara legal.
─ Eu estou muito cansado! ─ Ele se espreguiçou. Os três botões de cima da sua blusa social estavam abertos, assim como os das mangas.
Duramitsu se jogou na cama e fechou os olhos por alguns segundos. Quando abriu, Alice, que estava sentada ao seu lado, continuava encarando as mãos como uma criança pensativa. Ele virou de lado e silenciosamente pousou sua mão por cima da mão dela.
─ Posso te perguntar algo? ─ Sua voz era calma e doce.
─ Eu não falei porquê achei que você não gostaria. ─ Soltou as palavras rapidamente, achando que ele iria perguntar sobre isso. Quando mais rápido responder, mais rápido acabava. ─ O Arisu passa o dia jogando, o Karube trabalha em um bar e o Chota odeia o emprego dele. Não é bem o tipo de amigo que você tem.
No fundo ela sabia que Cho não ligava para esse tipo de coisa, contando que ela estivesse feliz. Mas precisava de uma desculpa, então, achou essa.
─ Agora essa é a sua impressão sobre mim? ─ Ele perguntou, um pouco decepcionado. Não sabia que passava aquela impressão para ela. ─ Você está estranha comigo por causa disso?
─ Eu não estou estranha.
─ Alice, eu evitei essa conversa porque eu achava que você estava passando por algo... Mas faz seis meses que você está assim. ─ Cho encarou os olhos de Alice, sem medo de falar o que precisava ser dito. ─ Pode me explicar o que é? Eu fiz algo que te deixou chateada?
Eles iriam se casar em menos de um ano e a coisa que mais Duramitsu queria saber era se estava tudo bem com ela.
─ Tem certeza que quer se casar comigo? ─ Perguntou direta, dessa ver, olhando para ele. ─ Eu não tenho certeza se quero me casar com você. ─ Aquilo foi como um balde de água fria na cabeça de Hayato, mas não podia dizer que não podia esperar por isso. ─ Eu gosto de você, mas... É complicado.
─ Não tem? ─ Alice negou, balançando a cabeça negativamente sobre a pergunta do casamento. ─ O que é complicado? ─ Perdido, quis saber. ─ Estamos juntos há três anos... Você nunca foi assim comigo.
Como explicar o que é complicado sem acabar com tudo, inclusive com a amizade deles? Alice não queria que Hayato ficasse fora da sua vida, mesmo que fosse difícil às vezes ser "apenas amigos" depois de um término, mas não podia contar tudo que sentia naquele momento.
─ Você confia em mim?
─ Sim. ─ Respondeu Hayato.
─ Então podemos conversar isso outra hora? ─ Pediu, implorando mentalmente para que ele dissesse sim. Duramitsu sempre dava um tempo para ela pensar um pouco só, então achou que ele concordaria sem contestação.
Querendo ou não entender o motivo das dúvidas da noiva, ele suspirou, apertou de leve a mão dela e concordou.
─ Tudo bem, vai dormir.
Antes de se virar para o outro lado e tentar dormir, Hayato puxou Alice e selou seus lábios. Um beijo doce, mas necessitado. Sua mão direita passeou sob a bochecha dela, mas logo foi retirada quando beijo acabou poucos segundos depois. Ele deu um "boa noite", se virou e fechou os olhos, deixando a Kobayashi sozinha com seus pensamentos. Alice, que resolveu se render ao cansaço, virou para o outro lado, deixando que seu sono lhe buscasse e ela adormecesse. Acompanhada de todos seus pesadelos.
SE PASSARAM DOIS DIAS desde o encontro de Alice e seus amigos. Enquanto ela e Arisu tentavam desvendar juntos como conseguiriam sair dali, a maior parte do dia, o resto deles comia e conversava. De vez em quando, Karube e Hayato se intrometiam para tentar ajudá-los, mas perceberam que a Kobayashi e o Ryohei não davam um descanso para a própria mente.
Era noite e os vistos deles venceriam amanhã. Alice, Dori, Arisu, Hayato e Karube resolveram aumentar seus vistos e jogarem um jogo. Dori preferia deixar para o último dia, mas não deixaria a irmã jogar sem ele. Já Chota, que havia se machucado no jogo passado e estava com o pé inchado, resolveu ficar e esperar para o último dia. E Saori, que resolveu jogar com os três meninos, disse que ficaria para cuidar dele.
─ Daqui a pouco voltamos. ─ Arisu disse para Chota, passando a mão por cima do ombro dele. ─ Descansa mais, tá? Vai melhorar.
Quando deu a hora de irem e as luzes da cidade acenderam, os cinco caminharam na direção oeste, há menos de um quilômetros dali.
─ Toma, isso é pra vocês dois. ─ Alice ofereceu duas facas e dois walktalk para cada um. ─ Os jogos não dizem que não podemos ter armas. Só precisamos concluir eles.
─ Boa ideia... Não sabemos qual será o jogo. ─ Hayato concordou, pegando um walktalk e uma faca. ─ E você?
─ Eu também tenho. ─ Ela apontou para a cintura, atrás do blazer que cobria um pouco sua saia. ─ Façam o mesmo e escondam. Quanto menos souberem sobre nós e o que nós temos, ficamos em vantagem.
Dez minutos depois eles chegaram ao Edificio Toei Sendagaya. O prédio era azul claro, mas estava bem manchado. Enquanto andava Alice percebeu que haviam ao total oito andares e longos corredores bem visíveis. Como muitos prédios padrões de classe média-baixa em Tokyo. Eles passaram pelo detector que ficava bem na entrada e foram em direção a mesa.
Um por pessoa, o cartaz posto na bancada avisava. A Kobayashi pegou um dos celulares e colocou de frente para seu rosto.
RECONHECIMENTO FACIAL, AGUARDE POR FAVOR.... OK, AGUARDE ATÉ O INÍCIO DO JOGO. AS INSCRIÇÕES ACABARAM EM CINCO MINUTOS.
Haviam 15 pessoas ao total. Alice, Dori, Hayato, Arisu, Karube, uma garota de roupa esportiva e cabelo muito curto, um garoto de roupa de praia e com um boné, um homem alto e forte de camiseta preta e calça do exército, um garoto de moletom branco encostado na parede do prédio e mais seis pessoas.
─ Qual será que é esse jogo? ─ Karube perguntou em voz alta, observando o prédio.
─ Jogos de paus ou de espadas costumam ser em lugares grandes. ─ Alice disse, fazendo uma suposição de que poderia ser um desses dois jogos. ─ Os de raciocínio pode ser tanto em lugares grandes quanto pequenos, mas copas... ─ Ela pensou, sem saber muito bem o que dizer. ─ Eu nunca joguei um jogo de copas, então eu não sei.
─ Nós também nunca jogamos. ─ Arisu falou.
─ Ouvi dizer que o de copas é o mais complicado. ─ Dori comentou. Havia escutado duas garotas conversando no jogo passado. ─ Uma amiga delas morreu... Mas sabe o pior? ─ Os outros quatro olharam para ele, esperando a resposta. ─ Elas disseram que tinham matado ela sem querer... Disseram que não tiveram escolha
─ Cada naipe significa um tipo de jogo e os números é o tamanho da dificuldade. ─ A Kobayashi mais nova continuou o assunto. ─ Espadas é jogo físico, paus é em equipe, ouros é raciocínio e copas... ─ Apesar de nunca ter jogo, ela tinha uma teoria. ─ Copas deve ser um jogo emocional.
─ Se elas falaram que não tiveram escolha, isso pode fazer sentido. ─ Duramitsu concordou.
─ Qualquer jogo que você jogar, seja em aparelhos eletrônicos ou na vida real... Sempre tem aquele que mexe com as emoções, a moral e o psicológico de alguém. ─ A única garota do grupo cruzou os braços, pensativa. Nunca tinha jogado um jogo de copas, mas tinha certeza que deveria ser complicado. ─ Não poderia ser diferente nessa merda de lugar.
─ Alice? ─ Uma voz muito presente nos seus pensamentos chamou pelo seu nome. Por saber exatamente de quem era aquela voz, custou a olhar de primeira.
Os outros quatro ficaram observando, calados. Dori era o único que sabia quem era e estava tão desacreditado quanto a própria irmã que, o nome que ela tanto evitou, voltou a lhe assombrar. Dori olhou para Alice e verbalizou algo como "você precisa virar", mesmo ela fechando os olhos e negando. Seu coração começou a palpitar rapidamente e uma pontada fez seu coração doer. O seu passado voltou.
─ Se você me ignorar eu não vou sumir. ─ Debochou da situação, dando um pequeno sorriso de lado.
O rapaz tirou a mão do bolso e pouso encima do ombro dela, pesando para que ela se virasse. Alice, que sabia que não tinha escolha a não ser enfrentar seu passado, como fazia com qualquer outra coisa, se virou devagar. Ela não acreditou no que viu. Mesmo que a voz fosse clara, seu rosto fosse o mesmo e o sorriso lateral e bem singelo lhe levasse a uma outra época, a garota custou a acreditar que depois de tantos anos, Shuntaro Chishiya estava bem na sua frente.
─ Chishiya. ─ O sobrenome dele saiu em pesar dos seus lábios. Era a primeira vez em sete anos, que ela profetiza seu nome. E, mesmo o chamando pelo sobrenome, o gato sorriu.
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CHESHIRE
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