𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 4. O Preço da Lealdade.

📍Marselha, França.

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A CIDADE se perdia em sombras densas, envolta em uma névoa delicada que suavizava o brilho das luzes dos postes, refletido nas calçadas molhadas. Ao menos era essa a vista da minha janela. O ar carregava uma umidade sutil, que fazia as ruas parecerem ainda mais distantes, mais isoladas do mundo. Uma vez fora do meu apartamento, caminhei com passos firmes pelas vielas. Discretamente, entrei pelo corredor secreto e apertado do prédio abandonado no centro, onde Viktor mantinha um de seus escritórios para encontros mais privados. As paredes de madeira escura abafavam meus passos, tornando o ambiente mais intimista, como se as próprias sombras estivessem ouvindo. O cheiro de tabaco e uísque envelhecido pairava no ar conforme eu adentrava a estrutura, a marca registrada dos negócios em que Viktor se enredava, e que eu inevitavelmente acabara por me envolver. Como Chefe Don da Casa Caccini, aquilo era de se esperar vindo dele.

Ao adentrar a sala, o contraste entre o abandonado e o moderno iluminaram os meus olhos, como se cada móvel ali tivesse sido instantaneamente removido e trocados pelos mais novos e mais caros. Os seguranças que guardavam a porta, ao me reconhecerem, logo abriram alas para que eu finalmente pudesse entrar na sala de reuniões. Meus olhos logo buscaram a figura familiar de Viktor, sentado à cabeceira de uma mesa longa fabricada em mogno nobre.

— Atrapalho algo? — Indaguei enquanto me aproximava da mesa para resguardar o meu lugar designado de conselheira do chefe. O mesmo de sempre, ao lado direito de Viktor.

— Bem na hora, a reunião por aqui já estava sendo finalizada. — Viktor comentou, acompanhando-me com os olhos conforme eu me sentava ao seu lado.

Seu terno estava impecável, e não era surpresa alguma. Cada linha de seu corpo, cada gesto, exalava controle. Seus olhos, sempre profundos, estavam hoje mais fechados, como se algo o incomodasse. Mas não era uma surpresa. Eu conhecia cada linha de seu comportamento, cada nuance no jeito de se mover, de respirar. Ele tentava esconder algo — não era a primeira vez que ele tentava fazer isso, mas eu sabia perceber as minúcias que escapavam ao seu controle.

Cruzei os braços e me recostei levemente na cadeira, os olhos fixos nos dele, aguardando o momento certo para falar. A sala parecia ter encolhido ao nosso redor. O que estava prestes a acontecer não se limitava àquela troca. Era muito maior.

Estava curiosa com os atos de Viktor. Uma vez ele me ensinara a importância e como identificar significados por trás da linguagem corporal de uma pessoa, e naquele momento eu me via aplicando tais conhecimentos à mim repassados contra o mesmo. Sua feição era fixa, controladora e misteriosa, como se não deixasse transparecer quaisquer informações íntimas. No entanto, seu corpo me alertava que ele não estava confortável, como se algo naquela reunião tivesse o afetado. E algo me dizia que eu estava relacionada à isso, de alguma forma.

A fim de encontrar respostas, observei o ambiente ao meu redor. A sala estava silenciosa, o único som — além da conversa entre Viktor e os outros homens presentes na mesa — era o leve sussurro do ar-condicionado, como se tentasse suavizar a tensão que pairava no ambiente. A grande mesa de mogno, polida à perfeição, refletia a luz suave das lâmpadas acima, tal qual uma superfície de vidro, fria e imperturbável. As cadeiras, todas de couro escuro, estavam dispostas com um cuidado meticuloso. Cada posição, uma declaração de poder, cada movimento, um reflexo da hierarquia.

Na posição de conselheira, observei novamente seu olhar afiado e sua presença quase opressiva, preenchendo o espaço de maneira que ninguém mais jamais poderia. À esquerda dele, sentado de maneira tão rígida quanto o próprio comando, estava o Underboss, o braço direito de Viktor, sempre atento a cada palavra que sai de sua boca, sempre pronto para agir. Sua cadeira, ligeiramente mais afastada do centro, ainda o coloca em uma posição de respeito, um papel fundamental, mas sem a autoridade plena de quem ocupa o lugar de Viktor.

Os Capos se encontravam ao redor, distribuídos com precisão ao longo da mesa. Eles ocupam os pontos de interseção de poder, à medida que se afastam do centro, se espalham, mas cada um com um espaço próprio, projetado para demonstrar sua própria autoridade sobre as famílias que comandam.

Mais afastados, perto das extremidades da mesa, estavam os Soldados. Me poupei da tentativa de recordar todos os nomes. Tudo o que observei em suas linguagens corporais, foi o silêncio, a atenção nos detalhes e nas reações de tudo o que acontecia ali. Alguns observam as expressões de Viktor, esperando que ele dê um sinal. Não há um lugar fixo se não se conquistar o respeito. Cada olhar, cada palavra, cada ação, tudo pesa aqui.

Algo estava estranho, e o silêncio naquele momento não apenas era vergonhoso, mas também ensurdecedor e insuportável.

— O pendrive está comigo. — Tomei a decisão de cortar o silêncio. — Já entrei em contato com Maeve. A entrega está marcada. — Minha voz saiu firme, como se estivesse oferecendo uma garantia que não poderia ser quebrada. O olhar de Viktor permaneceu tranquilo, mas percebi a leve tensão no seu rosto. Ele estava esperando mais, sempre à procura de alguma falha.

Ele assentiu lentamente, os dedos tocando suavemente o copo de uísque, como se estivesse se preparando para dizer algo importante.

— Excelente. Isso pode mudar muita coisa. Você já verificou o conteúdo?

Minha postura não vacilou. Não era o momento de mostrar o quanto a curiosidade me corroía, ou o quanto a ansiedade de Viktor me fazia querer abrir o pendrive ali mesmo e ver o que estava guardado. Mas eu sabia melhor do que isso. A confiança era a moeda corrente em nosso jogo, e o mais importante era mantê-la intacta. A pressa poderia ser a ruína de tudo.

— Ainda não. Mas se for o que esperamos, teremos material suficiente para destruir a Casa Romanov de dentro para fora. — Falei com uma calma calculada, deixando claro que havia mais em jogo do que ele imaginava. Isso não era apenas sobre informações. Era sobre poder. Sobre derrubar tudo o que ele e seus aliados haviam construído.

Viktor soltou uma risada curta, que morreu antes de se espalhar pela sala. Ele sabia que eu tinha razão, mas não demonstrava. Em vez disso, ele olhou para o copo de uísque, como se estivesse pesando minhas palavras e o que aquilo representava para ele. Ele nunca gostou de ter seus planos arruinados, nem sequer a possibilidade de ser vulnerável.

— Que seja, mas tenha cuidado com Maeve. Você sabe que ela é excelente no que faz, mas a lealdade nunca foi seu ponto forte.

Minhas sobrancelhas se arquearam com o desafio. Não era o tipo de alerta que costumava receber de Viktor. Ele sempre fora claro quanto às suas desconfianças, e esta era uma vulnerabilidade rara em seu julgamento. Ele sempre fora tão calculista, tão imperturbável, que esse toque de emoção, ainda que disfarçado, me intrigava. Era uma falha. E eu sabia o que fazer com falhas.

— Está dizendo que não confia nela? — A pergunta saiu em tom provocante, quase uma dança, o silêncio entre nós se tornando mais pesado enquanto ele parecia ponderar as palavras.

Viktor girou o copo entre os dedos, com a mesma paciência que sempre usava para medir suas palavras. Ele nunca estava apressado. Nunca estava errado, pelo menos, até que algo o pegasse de surpresa.

— Confio que ela fará o trabalho... pelo preço certo. — Seus olhos fixaram os meus com uma intensidade que transmitia um aviso. Um sussurro não dito. Todos naquela mesa pareciam agora estar atentos ao nosso diálogo, e deles não se ouvia um espirro. — Mas não é Maeve que me preocupa. O que me assusta é o que acontece depois que tivermos essas informações.

O ar na sala parecia ter engrossado, os segundos se tornando mais longos, mais carregados. Questionei a mim mesma o que ele estava insinuando, e se ele saberia dizer o que acontece depois de destruirmos a Casa Romanov. Eu não era tola o suficiente para acreditar que ele não sabia o que estava em jogo. A verdadeira questão, no entanto, era o que Viktor realmente queria alcançar.

Cruzei as pernas, minha postura inabalável, o olhar fixo no dele. Nada mais podia me surpreender.

— E o que acontece depois, Viktor? — A provocação estava implícita, mas a calma era o meu maior truque. Ele sabia disso.

Ele demorou, muito mais do que eu esperava, como se o peso das palavras o estivesse sufocando. Então, com um sorriso enigmático, que poderia ser tanto uma ameaça quanto um convite, ele falou, finalmente.

— Apenas... não abaixe a guarda. Não confie completamente em ninguém, Scarlet. Nem mesmo em mim.

Eu sorri, de leve, a resposta pairando no ar entre nós. Ele estava me desafiando a confiar nele. Mas eu sabia, no fundo, que a confiança de Viktor tinha limites — e eu não era tola o suficiente para acreditar que ele estaria de lado com qualquer um por muito tempo. O único ao qual ele nunca demonstrou infidelidade, fosse de forma implícita ou não, foi a mim, e eu apreciava isso nele. Não podia afirmar com toda a convicção do mundo, mas eu tinha noção de que ele parecia me olhar como a filha que ele nunca pode ter. O que quer que ele estivesse planejando, eu precisaria estar atenta a cada movimento. Ele já estava me alertando, de forma sutil, mas clara.

— O baile é hoje, daqui à poucas horas. Maeve estará lá para receber o pendrive.

— Ótimo, quanto? — Deu uma pausa, e eu logo entendi o que ele perguntava. — Quanto ela pediu? — Repetiu mais claramente.

— Aumentou. Ela quer 20%.

— Do lucro?

— Do todo.

As sobrancelhas de Viktor arquearam-se, duvidando de minha palavra. Mas então, respirou fundo, soltando o ar de forma agressiva como uma reclamação silenciosa.

— Confia nela?

— Na medida do possível. — Minha resposta veio de imediato.

Depois disso, Viktor calou-se, e todos os seus movimentos se resumiram em uma rápida e pouco discreta entre aqueles quem participavam daquela reunião. Por fim, tornou novamente seu olhar à mim. 

— Se a festa está próxima, melhor apressar-se. É em outra cidade, não é? Ao menos faz fronteira com Marselha? — Confirmei positivamente com a cabeça. — Então vá se arrumar.

Eu sabia que algo estava estranho, Viktor estava estranho, tudo nele indicava desconforto. Mas eu ainda iria descobrir.

— Claro. — Levantei-me e me retirei da mesa. — Boa reunião, senhores. — Desejei antes de deixar a sala.

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📍Vitrolles, França.

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Quando cheguei ao meu apartamento em Vitrolles, o closet estava repleto de disfarces, como uma segunda pele que eu só vestia quando precisava. Cada peça, cada acessório tinha um propósito. Uma identidade que se moldava ao momento. Não era a primeira vez que me preparava para uma noite como aquela, mas cada vez era diferente. O risco, a emoção. Eles não podiam ser subestimados.

O convite para o baile de elite era uma oportunidade dourada, uma chance para a troca, mas também um risco que não poderia ser ignorado. O jogo estava sendo jogado com cartas altas, e um passo em falso e estaríamos expostas, como ratos em uma gaiola de ouro.

O vestido[¹] já previamente separado era preto, justo ao corpo, elegante, repleto de pedras e exageros. O decote no busto coberto apenas pela fina camada do tecido em organza não era apenas para seduzir — ela servia a um propósito muito mais pragmático. Assim como o fenda lateral, na qual a lâmina escondida na coxa e a pistola compacta no coldre fino eram a minha verdadeira companhia, o decote escondia outros mecanismos que poderiam me permitir não ser vulnerável.

O espelho refletia uma mulher diferente. Claire Beaumont, era o que dizia na identidade falsa que eu usaria para entrar de penetra no baile de hoje. Claire é filha de um magnata francês, colecionadora de arte, despretensiosa. Mas por trás dos diamantes falsos e do sorriso encantador, havia muito mais. O próprio Viktor me havia ensinado a ser assim. A ser invisível quando fosse necessário, a desaparecer nas sombras do mundo em que me movia.

Um tempo depois, me vi revisando mentalmente meus próximos passos enquanto me acomodava no banco de couro da limusine que me aguardava. As ruas passavam por mim em borrões de luz. Não havia espaço para erros, e tudo o que Viktor dissera ainda pairava em minha mente como uma sombra. Ele estava me observando, de algum modo. Eu sabia disso.

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𝔓𝔞𝔩𝔞𝔳𝔯𝔞𝔰: 2072

Por favor, deem opiniões sobre o capítulo!!🤧💕

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:: OBS. O vestido que ela estará usando na festa social é o mesmo da mídia do início do capítulo, caso queiram ter uma base para a imaginação.

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