6/? O banquete


      A comida estava estranhamente mais gostosa do que nos dias anteriores e isso apenas fez sua boca salivar por mais. Embora não tirasse seus olhos do prato, sabia que Aemond a observava, o mesmo até havia cortado um pedaço do javali, que fora recém assado, e colocou em seu prato como um agrado silencioso.

Por um segundo, naquele momento agradável entre risadas e a suave música que era tocada pelos músicos contratados, se sentiu parte daquele mundo e parte daquela família, mesmo que soubesse que nada daquele lugar poderia ser seu. Nada poderia apagar o que ela era e o que ela já havia feito. Rhaenyra ria com as piadas que seus filhos faziam, com a mão repousada na barriga inchada de vida e Daemon estava ao seu lado, cortava mais um pedaço de carne para uns dos pequenos ao seu lado.

Por outro lado, estava Alicent, com uma frieza um tanto sufocante ao lado do seu marido, e dele só via uma expressão sair, muito bonita, aliás, ao rir quando sua filha falava algo bobo a respeito dos filhos e netos da mulher. Era estranho ver dois mundos completamente diferentes em uma só família e podia sentir a tristeza que, de alguma forma, irradiava por Alicent.

Deu de ombros e voltou a atenção para o pernil recém assado na sua frente e agradeceu aos deuses por aquela refeição. Afinal, a relação deles não era problema dela.

— Pelos sete, Malya, não vai sobrar para meu bebê — Rhaenyra falou em tom de brincadeira para a menina ao notar a coxa de galinha sendo arrancada da estrutura que antes havia vida.

— Ele já deve estar bem gordinho, minha princesa. — Ela retrucou rindo.

A mulher mais velha riu com a fala da garota, jogando um pequeno pedaço de batata nela em puro impulso, fazendo Jace, que estava sentado do outro lado e cortava um pedaço da carne em seu prato, rir e encarar sua mãe, porém logo olhou para a loira, pensando em como ela se parecia mais com eles do que si próprio. Suspirou, comendo o frango. Malya pegou o quadrado de batata bem cortado e enfiou na boca, enquanto ria da ação da grávida.

— Bom, logo irá começar a caçada. — Viserys, que parecia ter se animado após ver sua filha mais velha soltar uma gargalhada, levantou a taça cheia do vinho amargo e olhou para a multidão que aproveitava o banquete. — E devo agradecer a presença da minha amável convidada, que se mostrou ser uma pessoa autêntica e muito parecida conosco, como um dragão em pele de leão.

Malya levantou a taça, ignorando dentro de si o seu próprio estômago revirar. Não, ela não era um dragão e muito menos um leão, ela era uma mãe desesperada para salvar seu filho de ratos imundos. A contragosto, bebeu o vinho para desembaraçar o nó que havia se criado em sua garganta. Aquele homem não fazia ideia do que a loira já havia feito e muito menos sabia, ou nem sequer sonharia, que estava usando o seu neto tão amado para benefício próprio.

Logo o homem frágil com a coroa forte na cabeça grisalha continuou seu discurso.

— E para agradecer a presença dela, iremos fazer uma semana de torneio e caça, aproveitando a companhia de tantas casas e pessoas maravilhosas presentes. — A voz falhada era sinal de uma jornada que estava prestes a se perder. — eu desejo sorte para todos os lordes e escudeiros que irão tentar a sorte para impressionar a nossa convidada, Malya.

Eles eram espertos quando queriam, já que o assunto das mortes dos guardas certamente seria prejudicial à imagem dos Targaryen e com isso, mexendo uns pauzinhos aqui e ali, eles estariam apenas acompanhando em um torneio para a filha recém chegada de um lorde muito importante e rico do reino, mantendo todos os lordes no alcance dos dragões. Eles não estavam se protegendo, apenas comemorando. Eles eram desgraçados e por isso tinham a coroa.

— Como se sente? Deve ter recebido mais atenção nesse minuto do que em toda sua vida. — Aemond sussurrou para Malya, levando um pedaço de carne de javali até a boca fina.

Estava demorando, pensou a loira.

A garota não respondeu aquela provocação, apenas permitiu-se concentrar-se no rei e no que ele terminava de falar sobre as regras e decisões que não interessavam seus ouvidos. Então, não tardou para tirar seus olhos do homem mais velho, notou um pouco ao fundo uma bandeira, com a imagem da cabeça de um lobo bonito e muito bem bordado no tecido e, aquilo, de alguma forma, havia causado dormência em suas mãos, perdendo quase todo o apetite.

Aquela família, aquela casa, era uma ponte que Malya realmente evitaria se aproximar.

— E, minha querida convidada, gostaria de falar algo? — O rei com suas roupas pretas perguntou, se sentando com calma na cadeira de madeira, que estava muito bem polida.

Malya piscou algumas vezes antes de tirar os olhos da bandeira cinza. Respirou fundo, dando um sorriso sem mostrar os dentes

— Bom... — tossiu um pouco, dando uma golada generosa em seu vinho para limpar sua garganta. Inferno. — Espero que a caçada seja boa e que eu consiga dedicar um belo javali como este para minha princesa, Rhaenyra e seu bebê.

Depois de suas palavras, um silêncio avassalador se fez presente, forçando Malya a rever suas próprias palavras em sua mente, buscando em algo que disse ser o motivo daquela reação, talvez tivesse falado algo errado, talvez alguém tenha se ofendido. Tais pensamentos fizeram ela se encolher um pouco em sua cadeira, pegando a taça de vinho, lançando um olhar um tanto discreto para Jace, que apenas a olhava de volta boquiaberto, com um garfo cheio de salada perto de sua boca.

"Cacete, a quem eu amaldiçoei?" Pensou ela, bebendo todo o vinho de sua taça, sentindo vergonha demais para pegar a jarra e encher seu cálice.

— E minha lady sabe caçar? — Foi a vez daquele homem, que sempre estava acompanhado refeições da família real, falar. Em seguida, a garota pode ouvir muitos murmúrios e risadas vinda dos homens à mesa. — Sinto que falta treinamento para você, minha jovem. A caçada é uma aventura perigosa e que pode custar uma vida.

— Minha coluna não diz isso... — Aemond sussurrou novamente, fazendo a garota ao lado o olhar feio e ele a respondeu com um sorriso sarcástico.

Malya endireitou sua postura, colocando uma expressão séria em seu rosto bonito e se lembrando de todo o treinamento que havia feito há anos atrás, lembrando também das cicatrizes em suas costas que ainda doíam e, algo em sua mente a fez viajar por segundos, percebendo agora no que realmente havia se transformado antes que aquele mundo pudesse existir em sua vida.

"Sim , eu sei caçar muito bem e minhas presas normalmente são do seu tamanho" — pensou ela.

— Sei caçar muito bem, meu lorde. — deu um sorriso cínico, levando a mão até a jarra e colocando mais vinho, superando a vergonha sentida minutos antes. — Sei usar a espada muito bem e peço que me deixe participar, meu rei. — Dessa vez, ela olhou o homem com poder em sua cabeça.

Viserys, apenas riu, concordando com um simples movimento, em seguida deu goladas no vinho em sua taça que uma das servas o tinha entregado.

Olhou de relance para Daemon, que possuía uma certa desconfiança no olhar gélido. A cada minuto, aquela família causava medo e tremores nos ossos de Malya.

— Contanto que não se machuque, não vejo nenhum problema em você se aventurar como os outros. — Ele olhou Rhaenyra, que parecia tão satisfeita com a resposta quanto a loira.

Aquilo não parecia ter agradado alguns dos homens mais velhos presentes naquele lugar, como se estivessem vivendo algo semelhante ao que aconteceu no passado e uma certa irá se misturava na expressão neutra de Alicent.

Malya ajeitou seu vestido com as mãos trêmulas, que se fecharam em seguida sob seu colo. Ela tinha que ser calma, mas não tão calma. Tinha que ser hábil, mas não tão hábil.

— Bom, veremos. — Otto falou, bebendo vinho.

Desta vez, Malya apenas revirou os olhos e encarou Jace, podendo ver algo brilhando em seus olhos em pura paixão. Talvez estivesse passando do limite, mas já era tarde demais para sua ética querer se manifestar.

🔪

Os olhos verdes passaram por toda tenda vermelha, notando o brasão da família real logo a frente, em um local que se destacava e, achou cada vez mais interessante as três cabeças, se perguntando como seria um simples homem tendo controle de uma monstruosidade como aquela. Pensou em Dorne, pensou em cada reino conquistado graças aos dragões de Aegon e suas amadas irmãs. Teve que respirar fundo para não surtar ao associar isso à sua vida.

Rhaenyra, bela como sempre, traçava os cabelos de uma das meninas enquanto balbuciava algo como uma canção em um idioma diferente do que Malya havia se acostumado a ouvir. Relaxou os músculos, sentando em um sofá macio de cor escura como o preto, admirando o trabalho quase finalizado no cabelo platinado de Baela.

— O que você faria se perdesse um filho, Rhaenyra?

A pergunta já havia saído de sua boca antes de que a loira pudesse notar ou maquiar as palavras. A princesa pareceu ofegar, parando os seus dedos habilidosos e encarando os olhos verdes de sua convidada, fazendo Malya se apaixonar pela cor violeta presentes nas íris de Rhaenyra.

— Baela, querida, que tal se aventurar junto de seu pai? — as mãos passam dos cabelos até os ombros cobertos por uma armadura de couro, fazendo a garota levantar em protesto.

— Ok, ok. — ajeitou o traje, limpando qualquer resquício de poeira. Olhou em direção da loira, dando uma piscada antes de sair pela porta.

A mais velha bateu com a mão na lã tingida de vermelho no banco ao lado de onde ela estava, dando um sorriso convidativo para a garota se aproximar. Malya pensou duas vezes antes de segurar a parte de trás de seu vestido e se sentar com calma ao lado da Mulher, notando o tamanho inchado da barriga dela, coberto pelo belo vestido que usa. Ela tinha tantos filhos e, acima de tudo, ela tinha segurança.

— Por que me pergunta isso, querida? — Existe preocupação em sua voz.

Algo tocou na cabeça loira e a garota se lembrou que, naquele lugar, ela era apenas a filha bastarda de um lorde importante e que toda a vida passada já não faz diferença agora, a menos que isso fosse considerado traição à coroa, a coroa que Rhaenyra iria receber.

Um suspiro baixo escapa dos lábios de Malya, que tentou segurar o choro ao lembrar de seu filho e de como ele poderia estar agora, já que Rhaenyra nunca passaria por aquela dor... não se tudo corresse de acordo com os planos dela e do povo.

— Ah, bom... acho que se no futuro eu tivesse um filho, me sentiria insegura em por ele nesse mundo cruel. — não era uma mentira, era só Malya voltar no passado e se lembrar do quanto sofreu com o nascimento do seu bebê.

— Tão jovem e já pensando nisso? — ela riu, segurando as mãos um tanto ásperas de Malya. — Quando pensamos em trazer um filho a este mundo, primeiro temos o dever e em segundo a segurança. Mas me julgue se quiser, mas sempre priorizei a segurança dos meus filhos antes de qualquer dever que a coroa necessitasse.

Malya pensou em Alicent, lembrando o quão fria ela é com os filhos diante das pessoas, mas sacudiu um pouco a cabeça, já que não podia julgar uma mãe sendo ela uma tão desastrosa. A platinada deu tapinhas nas mãos da loira, fazendo ela voltar para o mesmo mundo onde ela estava.

— Você nunca sabe o que vai passar até ter passado. — ela deu um sorriso caloroso e Malya a imaginou como sua própria mãe. Rhaenyra tinha esse poder. — e se eu perdesse um de meus filhos, nunca suportaria a dor e algo em mim iria mudar completamente, mas não posso te dizer se seria para o bem. — A mão contornou a barriga, trazendo para Malya memórias cruéis. — Uma mãe nunca está pronta para perder um filho, e um filho nunca está pronto para perder uma mãe.

Daquela vez, somente daquela vez, quando mordeu seus lábios inferiores e lágrimas invadiram seus olhos verdes, Malya se deixou chorar. Rhaenyra sacudiu a cabeça levemente, levando as mãos até o rosto corado da garota e acariciou. A loira já havia perdido tanto e não sabia se suportaria perder seu próprio filho, mas não sabia se conseguia fazer o mesmo com alguém como a platinada.

— Oh minha doce criança, imagina os pesadelos que você já deve ter vivido. — Ela então puxou a garota para seus braços, a ninando enquanto as lágrimas molhavam a pele pálida de Rhaenyra.

Mesmo que Malya nunca tivesse tido uma mãe, ela tinha um filho, então tinha que ser uma mãe e, sendo uma assassina , era viver sem saber como o dia iria amanhecer.

🔪

A garota relaxou os ombros, olhando a armadura de couro em cima da cama grande de sua tenda. Suspirou, olhando ao redor e notando que finalmente estava sozinha desde o almoço. Deu passos curtos até a beirada do colchão, deixando seus dedos finos passarem pela parte externa da proteção peitoral e viu semelhança com a armadura usada por Baela.

Malya segurou a armadura e caminhou até um espelho, se olhando ao encostar o couro contra seu corpo quente. Antes, anos atrás, teria achado aquilo ridículo e sabia bem que contra uma luta real ou um acidente planejado, aquilo jamais ajudaria. Desviou seu olhar para o baú ao lado do espelho, notando que poderia tentar usar sua túnica por baixo, apenas por precaução, entretanto logo lembrou-se de Aemond, descartando a ideia por causa do último encontro que teve com o caolho antes de virar Lady.

Suspirou, jogando a parte superior da armadura na cadeira e caminhando até uma área que tinha uma banheira bem decorada com flores rosas e ao redor, toalhas e essências para o banho.

Ela estava cansada e ansiosa pelos próximos dias, sabendo que quanto antes roubasse o ovo, mais cedo teria seu bebê de volta. Esfregou a mão no rosto antes de decidir chamar uma serva, que parecia ter mais medo dela do que qualquer outra coisa.

Estranho — Malya pensou.

Quando pode notar, depois de um banho relaxante e uma massagem muscular, estava quase pronta. Seus cabelos loiros puxados para trás em uma trança que começava do topo de sua cabeça até o último fio, a roupa estava agarrada em seus quadris coberta pela armadura feita de couro e, no peito ao lado direito o brasão dos Lannister e, como aquele em sua tenda, o símbolo parecia se destacar. E isso a forçou a se segurar muito para não revirar os olhos verdes.

— A minha Lady parece muito o príncipe Daemon. — a serva ruiva enfim falou, chamando a atenção da loira.

— E isso é bom? — A sobrancelha levantada fez a garota, que parecia ser mais jovem, recuar um pouco.

— Sim... afinal, ele será o próximo rei... — sua voz soou um pouco mais fraca.

Malya soltou um riso nasal, ajeitando o tecido em seu pulso e a olhou de canto, causando calafrios bons e confusos na garota com sardas no rosto.

— Rhaenyra será a próxima rainha, ele será o próximo consorte. — Malya se aproximou da garota, olhando nos olhos castanhos e esticando o braço além dela, pegando o arco que estava pendurado na parede, o que fez a pobre serva sentir um certo alívio. — Enfim, mas muito obrigada. Ouço falar das histórias de guerra dele, acho que deve ser isso que você estava comparando, certo?

A garota nem falou, apenas balançou a cabeça freneticamente para a loira que apenas deu um sorriso de canto enquanto ajustava o arco contra o seu corpo. Nem tudo daquela experiência precisava ser ruim, nem tudo.

🔪

Ao sair da sua tenda, Malya olhou para o céu, apenas para ver a posição do sol, fazendo-a sentir uma satisfação muito grande. A loira acelerou seus passos, podendo já notar de longe os soldados e lordes do rei se aglomerando para o início de uma caçada que seria em seu próprio nome. Teve que soltar um sorriso de empolgação, já que aqueles homens não foram botados em seus lugares de forma adequada.

— Quando eu vi você, pensei que estava vendo coisas e que era apenas minha mente doente que estava querendo me perturbar. — uma voz grossa chamou a sua atenção, fazendo o corpo da garota congelar no lugar. — Mas olhando você agora, sei que não estou totalmente louco ainda.

Malya olhou para trás, notando o homem moreno, com barba feita e cabelos pretos penteados para trás, dando um ar de beleza e importância. Um sorriso brotou no rosto masculino, causando desespero na garota armada. Ele se aproximou, colocando os braços grandes para trás e deixando bem a mostra o símbolo do lobo da casa Stark muito bem gravado no peito de sua veste.

— Olá, Malya, quanto tempo — Então, naquele momento, a garota sabia que estava mais ferrada do que qualquer um.

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