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16 𝙙𝙚 𝙤𝙪𝙩𝙪𝙗𝙧𝙤 𝙙𝙚 2010
𝗛𝗮𝗻𝗻𝗮𝗵 𝗜𝘀𝗮𝗯𝗲𝗹
Sete e quatro da manhã, foi o horário que acordei. Carl teve pesadelos durante a madrugada e ficamos dás uma até as três e meia da manhã acordados. Sei que ele tem escola hoje, mas eu não acho que ele consiga se concentrar na aula então apenas deixei que ele dormisse por mais um tempo.
Assim que me levantei da cama a campainha lá em baixo é tocada. Suspiro irritada e saio andando descalça, de pijama e cabelo bagunçado. Tocaram outra vez enquanto eu descia as escadas, o que sempre me irrita. É literalmente apenas esperar que eu desça.
— Estou indo. – respondi irritada, a voz sonolenta.
Ando mais apressada e dou uma bisbilhotada pelo olho mágico, era Shane. Estava fardado, pelo visto ainda tinha serviço hoje. Abro a porta e solto um bocejo na cara dele, o que não foi proposital.
— Percebo que ainda não escovou os dentes. – Ele brinca.
— O que faz aqui tão cedo? – esfrego os olhos e adentro a casa, ele entra logo atrás e fecha a porta.
— Lori te ligou, mas você não atendeu então ela me ligou e pediu para eu te dar um recado.
— deixei o celular longe da cama, o que era?
— falou que se o Carl estivesse inquieto, era para deixá-lo faltar a escola
— com ou sem recado, eu não ia mandar ele para a escola hoje – abri a geladeira, pegando uma maçã para mim. — Carl apareceu na minha porta minutos depois que você foi embora, ele dormiu comigo mas acordou de madrugada por causa de pesadelos. Achei melhor deixá-lo dormir mais um pouco.
— Fez bem. Lori também disse que o horário de saída é às dez da manhã e a entrada às dez da noite.
— E o Rick? – pergunto, ele suspira em exaustão. — Alguma novidade?
— Ainda na mesma, os médicos disseram que pode demorar dias ou até meses para que ele consiga acordar. É uma grande jornada.
Suspiro e apoio as mãos no balcão enquanto murmuro um palavrão. Ainda está tudo entalado em minha garganta, todo o choro que não consegui deixar sair ontem, todos os gritos e a preocupação. Não posso me dar ao luxo de surtar. Não hoje, não na frente de Carl. No entanto sei muito bem o que acontece se negligencio meus sentimentos.
— Não teve tempo pra chorar ainda, não foi? – ele pergunta, balanço a cabeça em negação, ele solta o ar — Hannah, sabe o que acontece quando você não põe suas emoções pra fora.
Eu sei, sei muito bem. Mas é difícil ver meu irmão em uma situação como essa, entre a vida e a morte sendo tão novo e com uma vida inteira pela frente. Rick é jovem, tem muito o que viver nesse mundo, eu não quero que tudo acabe como da última vez. Não posso perder outro irmão.
— Não consigo, Shane. – Levei o olhar para ele, deixando que visse o desespero em meu rosto. — Passei a noite com duas crianças na minha cama, eu não podia expressar o quanto isso está me afetando.
— Sei que não é uma boa hora, mas saiba que não vai encontrar uma "hora certa" – fez aspas com os dedos — para poder se sentar e chorar. Aconselho você a subir e tomar um banho, eu tenho uma hora para chegar ao trabalho, posso cuidar do café das crianças enquanto isso.
Levanto a cabeça, percebendo seu olhar preocupado sobre mim. Shane é melhor amigo de Rick desde que eu consigo me lembrar, ele cresceu lá em casa, é como se fosse meu irmão também. Sempre me tratou como uma garotinha, assim como Rick.
— Você tem certeza? – ele afirma em um aceno de cabeça, me dando um sorriso pequeno. — Certo, só não destrua a cozinha de Lori, ou ela irá ficar super zangada com a gente e vai nos fazer pagar por tudo com nossos salários.
Ele solta um riso nasal. Dou as costas para Shane e subo em direção o meu quarto, Carl e a bebê ainda dormiam. Faço silêncio, não querendo acordar os dois. Carl demorou a pegar no sono depois do pesadelo, é exaustivo para ele. Sei porque passei pelo mesmo em algum momento de minha adolescência, parece que levar um tiro é legado de Grimes.
Ainda tenho roupas de cama, toalhas e cobertores que estão guardados em meu guarda-roupas aqui. Abro a gaveta de baixo, pegando uma toalha de banho branca e fui para o banheiro. Tiro o meu pijama rosa que parece ser de uma criança e deixo ele jogado pelo chão. Adentro o box e fecho a porta, ligando o chuveiro e sentindo as gostas quentes da água tocar minha pele. Não sei ao certo em que momento, mas eu me encolhi no canto do box com o cutuvelo apoiado nos joelhos, as mãos cobrindo o rosto e as lágrimas caindo, se misturando a água que respingavam em meu rosto.
Rick é alguém importante, ele é o meu pilar. Normalmente, quando eu tenho problemas e estou exausta demais para chorar, é para os braços dele que eu corro, é ele quem me abriga em meio a tempestade e faz sopa de carne, é ele que muda todo um plano de fim de semana por causa da irmã problemática que apareceu na sua porta, é ele quem se enfia de baixo de um edredom ao meu lado e assiste desenhos infantis enquanto a mulher dele diz que somos duas crianças que cresceram demais.
Estou ali, imersa em lembranças do passado, lembranças que são tão lindas e especiais que dá vontade de revive-las outra vez só para poder apreciar o momento por mais tempo. Mas também me lembro da dor da perda, e de como os Grimes já perderam demais ao longo dos anos. De como rapidamente saímos de uma família feliz e amável do melhor bairro da cidade para os três irmãos abandonados pela mãe.
Após chorar de soluçar, eu me recomponho e tomo meu banho em paz. Sinto que precisava colocar meus sentimentos para fora. Algo que herdei dos Grimes, se eu prender muito o sentimento dentro de mim ele vira raiva, que logo vira ódio e então não falta muito para que eu já esteja surtando e destruindo toda a minha casa.
Saio do banheiro, as crianças já não estão na cama. Vou até a porta e ouço a voz animada da garotinha. Volto para o quarto e visto uma jardineira jeans com uma camiseta azul justa ao corpo. Desço e encontro Cam sentada na cadeirinha de alimentação, ela comia uma fatia de melancia e Carl estava sentado em uma banqueta com a cabeça sobre o balcão.
— titia Hannah! – a garotinha comemora ao me ver, não evito o sorriso.
Vou até ela e beijo seus lindos cabelinhos dourados.
— Bom dia, bebê. Senti saudades de você.
Camilla parecia bem, não sabia de nada que estava acontecendo porque é muito novinha, mas ela já entende o que é estar no hospital. Lara me pediu para esconder ao máximo a nossa situação atual e o paradeiro de Rick, nós não sabemos como ela iria reagir diante a esta informação.
Olho para Shane e faço um gesto que pergunta se Carl quis comer, ele nega. Suspiro e me aproximo de meu sobrinho, beijo o topo de sua cabeça com carinho e me sento ao seu lado.
— como se sente hoje? — pergunto, alcançando minha maçã que nem cheguei a comer
— quando a gente vai para o hospital? — desconversa, ele continuava deitado com a cabeça no balcão — eu vou poder ver o papai hoje?
— vamos descobrir — falo, um sorriso desanimado nos lábios — primeiro tome seu café, depois a gente resolve o resto, ta bem?
Para a minha sorte, Carl sempre foi muito obediente e nunca fez birra. Meu pai também já foi xerife, morreu sendo um xerife, é óbvio que eu sei a dor que ele sente, já senti uma semelhante. Mas era mais velha, já não era uma criança, sabia como o mundo funcionava.
Corto algumas frutas, coloco em uma tijela junto com mel e granola e me sento ao lado dele novamente. Shane fez panquecas e achocolatado para o Carl e agora ele come em silêncio.
— preciso ir, Payton quer falar algo sério com o esquadrão hoje — enxuga as mãos em um pano de prato — disse que é sobre um segredo do governo.
— segredo do governo? Tipo aquelas merdas que eles aprontam por de trás das cortinas e só revelam pro povo quando já tá tudo cagado demais e eles não conseguiram limpar?
— tipo isso — beija o topo da cabeça de Cams — vai ficar bem com as crianças?
— sou uma ótima tia — digo, ele ri e beija minha bochecha de relance — cuidado no trabalho, Shane.
Ele sorri e afirma com a cabeça.
— qualquer coisa é só ligar e eu dou um jeito de aparecer.
(...)
Nove e meia, já pedi para Carl tomar um banho, ele foi sem reclamar quando eu disse que iríamos para o hospital visitar o pai. Banhei Camilla e vesti uma das roupas que estavam na bolsa dela, é um vestidinho xadrez e um lacinho branco na cabeça.
— onde vamos, tia Hannah? — ela perguntou, está sentada no meio da cama
— ver a mamãe e a tia Lori — sorrio
Carl adentra o quarto, está vestindo uma camiseta preta e uma calça moletom da mesma cor.
— sua mãe acabou de ligar — falo arrumando o laço da garotinha — temos que ir agora ou iremos perder o horário de visita — me viro para ele — está pronto?
— só quero ver o papai — diz, está sério — a gente pode ir agora?
Afirmo e pego minha sobrinha no colo, peço para Carl pegar minha bolsa e ele obedece. Antes de Shane ir, eu pedi para que ele colocasse a cadeirinha no meu carro, já que eu iria precisar para sair com os dois. Saimos de casa e eu a tranco.
O caminho até o hospital é quase silencioso, apenas Camilla tagarelando e Carl a respondendo vez ou outra. Sei o quão difícil está sendo para ele, não quero forçar uma conversa por agora, quando ele se sentir pronto, eu sei que virá até mim. Ele sempre vem.
Estaciono o carro no estacionamento do hospital, logo ouço a porta bater, Carl está com pressa. Vou até o banco de trás e liberto Cams dos cintos da cadeirinha, a pegando em meu colo, ela parece animada.
— onde estamos? — pergunta, olhando para todos os lados
— no hospital — Carl responde, está andando ao meu lado
— o que viemos fazer no hospital?
Carl me olha, nego com a cabeça, indicando que ele não deveria dizer o real motivo. Sei que hora ou outra ela irá descobrir, mas eu prefiro que seja a mãe dela a contar.
— buscar a mamãe e a tia Lara — ele diz, a garota afirma e deita a cabeça em meu ombro.
Sussurro um "obrigada" e ele sorri pequeno. Entramos no saguão do hospital, ele está meio movimentado. Vou direto para a recepção com as crianças, converso com a moça do balcão e digo que estou ali para visitar meu irmão, ela libera nossa entrada após eu entregar meus documentos.
Camilla não para de fazer perguntas, a garota é esperta, já sacou que tem algo a mais e que estamos mentindo para ela. Andamos por um longo corredor até chegar ao quarto de Rick, a enfermeira bate na porta e a abre, revelando nossa presença.
A primeira coisa que vejo é o Rick, avisto seu rosto extremamente pálido, os aparelhos ligados a ele, a roupa de hospital que ele vestia. Depois, meus olhos percorrem o quarto. Encontro Lori com a cabeça apoiada na maca e o corpo em uma poltrona. Minha irmã está em um sofá de dois lugares, estava deitada com o braço esquerdo cobrindo o rosto, mas se levanta ao nos ver.
— vocês tem quinze minutos — a mulher diz e logo sai
Carl corre para o pai e Lara pega a filha de meus braços, Camilla não tira os olhos do tio e parece não entender muita coisa.
— o que aconteceu com o tio Rich, mamãe? — ela pergunta, a voz chorosa e os beicinhos fazendo bico
Lori se espanta com o choro fino da minha sobrinha, ela pula ao ver o filho e logo o chama para perto dela.
— eu vou para o corredor — Lara diz, tenta acalmar a filha
Apenas afirmo e logo ela sai com Camilla nos braços. Carl agora está sentado na poltrona que a mãe sentava. Lori se aproxima de mim, estou próxima ao sofá, os braços cruzados enquanto analiso Carl sussurrar coisas para o pai.
— como foi com eles? — pergunta baixinho, parada ao meu lado.
— quando peguei a neném nos Monroe ela já dormia, Carl também chegou dormindo em casa, mas acordou assim que o Shane saiu — conto enquanto focamos o olhar em Carl — ele dormiu comigo, teve pesadelo de madrugada e acabou demorando para pegar no sono outra vez
Lori suspira
— por isso os olhinhos fundos — me olha — você está igual, parecem zumbis.
— você está bem pior — retruco, ela sorri fraco — deveria procurar ajuda profissional para o Carl
— acha que é necessário? Não seria exagero? — ajeita a postura — Carl é só uma criança
— exatamente — digo — é peso demais para uma criança de doze anos, Lori. Carl está guardando a dor só para ele e isso vai prejudicá-lo bastante se não for resolvido.
Ela pensa por um momento e então suspira, se rendendo ao meu pensamento.
— tudo bem, vou ligar para o consultório que atendia você na adolescência e marcar uma consulta.
Fui uma garota problemática durante a adolescência e reconheço isso. Os traumas da infância me fizeram ser assim, e talvez eu até tenha trago algum deles para a vida adulta. Mas quando Rick decidiu me colocar na terapia, metade dos meus problemas foram resolvidos. Não quero que meu sobrinho seja um adolescente problemático quando crescer.
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