06. Game Over

O tanto que tive de ouvir depois de ter sumido por quase duas horas foi dilacerante. Normalmente, Sensei Wolf tampouco se lixaria para o que eu estava fazendo depois das nove fora do quarto, mas por se tratar de um prático "pré-aquecimento" antes de enfrentar a primeira prova, o deixou nervoso e preocupado com meu desempenho, e apesar de ter sido repreendida por isso, afirmei convictamente que faria jus ao dojô e que seria implacável no tatame, embora ele ainda estivesse ressabiado. Eu não diria a ele o que aconteceu, não precisava entrar em detalhes sobre os longos minutos da escória em minha vida, que tive passar com o provável membro mais arrogante do Cobra Kai, isso era irrelevante.

Eu consegui dormir, embora um misto de ansiedade e raiva transformada em determinação, estivessem tentando atrapalhar meu sono, além do fato de Zara ficar se revirando a noite toda em sua cama, o que me acordou duas ou três vezes pelo barulho da mola e quando ela bateu o pé na mesa da cabeceira. Fora isso, foi uma das primeiras noites desde que voltei para o karatê, que realmente consegui afastada dos pensamentos sobre minha mãe ou Silver, apenas pensando que o evento no elevador fora como uma faísca que acendeu a chama de determinação para derrotar o Cobra Kai no tatame, a qualquer custo, sem piedade alguma, ou como eles próprios pateticamente afirmam, sem compaixão.

⋆౨˚ ˖

Acordei bem cedo e disposta a me alongar antes de nos aquecermos para entrarmos no campo de batalha. E como estava acostumada a fazer quando estava em minha própria casa, longe de qualquer problema relacionado à Silver e artes marciais, saí para uma caminhada na praia. O ar puro e fresco traria calmaria para minha mente, que assim que acordei, tornou-se já tão agitada.

Vesti-me com roupas esportivas e saí o mais silenciosamente possível, não queria acordar Zara ou ela reclamaria em meu ouvido pelo resto da vida por ter atrapalhado seu sono da beleza, que ela diz ser essencial para que ela brilhe no tatame. E assim, que saí, quase dei um pulo, assustando-me ao ver a figura alta de Axel, parado feito um robô em frente à nossa porta. Sua figura alta e ameaçadora só era vista aos de fora, pois eu o vejo como um garotinho assustado que precisa de amor paterno, como a maioria nesse dojô alimentado pelo ódio e pela ausência de bons relacionamentos.

Eu fechei a porta lentamente, fazendo um sinal para que ele ficasse em silêncio, e o puxei pelo braço, até enfim, sairmos daquele corredor, mas dessa vez, optei diretamente por descer às escadas. Provavelmente não entraria em um elevador tão cedo, ainda mais quando os malditos disseram que o problema provavelmente seria resolvido em dois dias quando fui reclamar no balcão do hall de entrada. Uma hospedagem cara, mas com um aparente risco de morte, ou confinamento com idiotas. Realmente, um hotel de luxo.

— Por que estava plantado em nossa porta como um espírito obsessor? — Questionei em um tom quase zombeteiro, mas cruzei os braços, verdadeiramente curiosa.

— Desculpe — Ele afirmou mais baixo e olhou em volta, estávamos parados no meio da escada, próximos da porta do andar em que estavam nossos quartos. Ele me encarou com um olhar de pena, o que me deixou confusa, até ele continuar a falar, em seu tom nítido de preocupação — Eu queria saber se estava bem. Você sumiu por um bom tempo ontem, e vi o Sensei te levando à sala de treino. Ele machucou você por isso?

Ele deu um passo a frente, hesitante, e eu, ainda mais hesitante, recuei. Não precisava que ele sentisse pena, não queria que ele visse os hematomas, e Axel sabia tanto quanto eu que o Sensei Wolf nunca teve pena e sempre extraiu de nós, a pior motivação, a dor. Então ainda que eu mentisse, ele saberia exatamente o que aconteceu, mas ainda assim, não queria que ele se preocupasse. Todos nós já estávamos habituados com esse tipo de "lição".

— Vou ficar bem — Afirmei seriamente. O caso do elevador ele até poderia saber, talvez o motivasse a ser mais cruel daqui algumas horas no tatame —, e sobre ter sumido, foi porque fiquei presa com um babaca do Cobra Kai, no elevador. Saímos de uma maneira bastante perigosa, mas eu nem quero entrar em detalhes. Lembrar só me faz ter mais raiva.

— Quem foi? — Ele perguntou agora mais seriamente, dando outro passo em minha direção, mas agora, não ousei recuar. Sabia que isso alimentaria sua raiva, afinal, Axel, apesar de parecer ameaçador, sempre teve um instinto protetivo, e eu sabia que no fundo, era essencialmente comigo, mas tentava ignorar, para que não afetasse nossa relação profissional como colegas de equipe — Quem foi o maldito que ficou preso com você?

— O líder descabelado — Estalei a língua, forçando meu cérebro a me lembrar de seu nome, mas provavelmente ele nunca o mencionou —, aquele leite azedo que ficou nos encarando com desdém na apresentação de equipes, ontem.

Kwon — Afirmou desdenhoso, cerrando o punho, eu podia sentir sua raiva, quase tornara-se densa no ar, então acenou positivamente, seguindo à frente — Pretendia correr, não é? Vamos juntos.

— Claro.

Eu abri um sorriso vitorioso em meus lábios, seguindo logo atrás de Axel, na direção da saída. Apesar de ter a intenção de aliviar os ânimos com uma corrida na praia, ainda queria deixar claro em minha mente cada provocação e olhar desdenhoso de Kwon. Aquele maldito pagaria com a língua por sua tentativa de me ofender, e agora eu tinha mais alguém que aparentemente, já não tinha gostado do asiático, e garanto que Axel tem muito mais força para derrotar qualquer obstáculo. Ele é como um super soldado, o Capitão América do Iron Dragons.

⋆౨˚ ˖

Algumas horas depois, voltamos ao local do torneio. A atmosfera estava carregada de energia e tensão, com o eco dos gritos dos Senseis e o som seco das pancadas no tatame ressoando pelos corredores. Meu coração batia acelerado, mas não de medo. Era pura expectativa. Enquanto a equipe se reunia para a breve reunião estratégica com o Sensei Wolf, fui chamada à parte. Um assistente uniformizado do evento me conduziu até uma sala afastada, dizendo que alguém importante queria falar comigo. Assim que entrei, o cheiro de madeira polida e perfume caro invadiu meus sentidos.

Ele estava lá. Terry Silver. Alto, com sua postura impecável e um sorriso que parecia afiado como lâminas. Ele vestia um terno impecável, como se estivesse pronto para negociar um contrato multimilionário, não para se meter em bastidores de um torneio de karatê juvenil.

— Você parece pronta para vencer — Disse ele, a voz macia, mas carregada de algo que eu não conseguia identificar bem. Era uma mistura de determinação e perigo. Cruzei os braços e o encarei sem responder. Não confiava naquele homem, mas também não podia ignorá-lo. — Sabe, vencer não é apenas sobre força ou habilidade — Ele continuou, começando a caminhar em círculos ao meu redor. — É sobre estratégia. Sobre atacar onde dói mais, quando seu oponente menos espera.

— Isso já sei, obrigada. — Minha resposta saiu seca, mas ele não se abalou.

— Acha que sabe — Ele replicou, parando à minha frente, seus olhos perfurando os meus. — Mas não tem ideia do quanto isso pode te levar além. Seu oponente hoje? Ele não é apenas alguém que você precisa derrotar. Ele é alguém que você precisa humilhar. Destruí-lo mentalmente. Porque se fizer isso, ele nunca mais ousará se colocar entre você e a vitória.

Minha respiração ficou mais pesada, e minhas mãos se fecharam em punhos involuntariamente, ele tinha planos ardilosos para inflitrar em nossas mentes e nos fazer jogar sujo.

— E como exatamente eu faria isso sem ser eliminada? — Perguntei, desafiadora, mas ao mesmo tempo curiosa.

Ele sorriu, satisfeito por ter capturado minha atenção.

— Cada oponente tem um ponto fraco. Um joelho mal curado, um tornozelo instável, até mesmo um ego inflado. Descubra qual é e ataque com precisão. Faça parecer um acidente, se necessário. Você não está aqui para brincar de ser justa, está?

Eu não respondi. Algo no tom dele fez com que minha determinação se transformasse em algo mais sombrio, mais visceral. Não era apenas sobre vencer, era sobre sobreviver, triunfar a qualquer custo. Silver deu um passo para trás, sinalizando que havia dito o que queria.

— Pense no que eu disse — Completou. — E lembre-se, a vitória é sempre para os que ousam ser implacáveis.

Ele deixou a sala com a mesma imponência com que entrou, deixando-me sozinha com meus pensamentos e uma nova carga de tensão. Quando voltei ao grupo, Axel me lançou um olhar de preocupação. Talvez ele tivesse notado algo diferente em mim, mas eu ignorei. Minhas mãos tremiam ligeiramente, mas era de expectativa, não de medo. Eu faria o que fosse necessário para vencer. Afinal, o tatame não era lugar para compaixão.

O ginásio pulsava de energia, com o som abafado de passos firmes e o eco de respirações concentradas. No centro da arena, os competidores estavam alinhados, divididos em equipes, formando uma formação circular perfeita. As cores vibrantes dos uniformes contrastavam com o brilho metálico dos troféus expostos ao fundo, lembrando a todos o motivo daquela batalha, a glória. De um lado, meu olhar encontrou Kwon, o maldito genioso da língua afiada, com a postura firme e olhos estreitados, trazendo o mesmo ar de arrogância. Seu sorriso era um convite ao conflito, e eu aceitei mentalmente o desafio.

Estávamos prontos para nos enfrentar, mas a estrutura da competição tornava tudo mais interessante, um círculo intercalado de lutadores, cada equipe precisando confiar em seus membros para continuar avançando. Cada troca de posição seria crucial, e o menor erro poderia custar a vitória. Ao meu lado, Axel estava tão sólido quanto uma muralha, os olhos fixos nos oponentes, o maxilar travado. Zara, à minha esquerda, exalava confiança com seu habitual sorriso afiado, o olhar brincalhão escondendo a intensidade que ela traria para o tatame. Nós três éramos o coração da equipe do Iron Dragons, e sabíamos disso.

O árbitro sinalizou, e o primeiro confronto começou, iríamos de início com a equipe da Irlanda. Dois lutadores avançaram para o centro do círculo, o som de seus gritos de guerra preenchendo o espaço. Golpes rápidos, esquivas precisas, o movimento era um balé mortal, mas nada que ultrapassasse nossa preparação. Quando minha vez chegou, minha mente estava limpa, focada. Enfrentei uma oponente alta e ágil, provavelmente a velocista do time adversário. Ela tentou me surpreender com um chute lateral rápido, mas minha resposta foi automática. Inclinei o tronco para trás e agarrei seu tornozelo no ar, puxando-a para perder o equilíbrio. Sem hesitar, girei meu corpo e desferi uma rasteira precisa, derrubando-a no tatame. Sua tentativa de levantar foi interrompida por um golpe rápido de palma no tórax, finalizando-a.

—Bata as mãos! — Gritou Axel, já inclinado para frente. Eu corri para ele, batendo com força em sua palma. Ele entrou no círculo como uma tempestade, os passos firmes e o olhar frio.

Axel enfrentou dois adversários consecutivos, trocando entre defesas impecáveis e golpes devastadores. Um dos lutadores tentou surpreendê-lo com uma combinação de socos rápidos, mas Axel bloqueou cada um com movimentos mínimos, quase preguiçosos. Quando viu a brecha, desferiu um gancho ascendente que fez o adversário cair de joelhos. O próximo lutador não teve chance, um chute rodado de Axel acertou seu lado, enviando-o para fora do círculo.

Quando Zara entrou, a dinâmica mudou. Ela era leve, quase brincalhona, dançando ao redor do adversário. Seus chutes eram imprevisíveis, curtos e rápidos como estocadas de uma faca. Num piscar de olhos, ela girou no ar, acertando um chute giratório na lateral da cabeça do oponente, derrubando-o. Outro lutador tentou agarrá-la, mas ela deslizou para fora de seu alcance e acertou um chute direto na base de sua coluna, forçando-o a se render.

Quando chegamos ao confronto contra o Cobra Kai, tudo se tornou mais intenso. O círculo foi fechado, e o espaço parecia menor, mais sufocante. Kwon foi o primeiro a avançar, enfrentando Axel. Kwon era rápido, mais do que qualquer outro que enfrentamos. Ele testava Axel com uma combinação de socos altos e baixos, tentando criar uma brecha. Axel bloqueou os golpes iniciais, mas uma finta rápida de Kwon o pegou desprevenido, permitindo que ele desferisse um chute na lateral do abdômen de Axel. Ele recuou com o impacto, mas reagiu imediatamente com um golpe em gancho que passou raspando o rosto de Kwon.

— Troca! — Axel gritou, batendo minha mão antes de sair.

Assim que entrei, nossos olhares se cruzaram. Não havia espaço para erros. Ele avançou primeiro, um chute frontal vindo direto ao meu tórax. Girei o corpo para desviar e aproveitei o impulso para desferir um chute lateral que acertou seu quadril. Ele cambaleou, mas rapidamente se recuperou, bloqueando meu próximo ataque com o antebraço.Kwon tentou me pegar em um movimento giratório, seu calcanhar vindo em alta velocidade na direção da minha cabeça. Eu me abaixei no último segundo e girei para acertar uma rasteira, mas ele saltou para trás, aterrissando com graça.

— Você não é tão ruim assim, Dinamite — Ele zombou, mas seu sorriso tinha tensão.

Respondi com um soco direto, rápido, que ele mal conseguiu bloquear. Continuei pressionando, alternando entre socos e chutes até que ele foi forçado a recuar. Ele tentou me surpreender com um chute baixo, mas eu girei para desviar e acertei um chute rodado que o pegou no ombro. Ele rangeu os dentes, claramente afetado.

Axel voltou para finalizar um dos membros restantes do Cobra Kai, esmagando sua defesa com golpes pesados. Zara dançou em volta do último oponente, frustrando-o com sua agilidade até que ele cometeu o erro fatal de abrir a guarda. Seu soco direto foi bloqueado, e Zara finalizou com um chute ascendente no queixo, encerrando a luta.Quando o árbitro anunciou nossa vitória, todo o ginásio explodiu em gritos e aplausos. O Cobra Kai havia caído, e nós, os Iron Dragons, éramos os últimos em pé. No final, era exatamente como Silver havia dito, vitória era para os implacáveis. E naquele dia, nós éramos a definição disso.

O eco do anúncio da nossa vitória ainda reverberava no ginásio quando Kwon se mudou, o rosto contraído em uma máscara de raiva e algo mais, frustração. Ele passou pela equipe do Cobra Kai, ignorando as instruções silenciosas de manter a compostura, e parou a poucos passos de mim. Suas mãos estavam fechadas em punhos, e seu sorriso agora era mais uma careta amarga.

— Isso é tudo o que tem, Dinamite? — Sua voz era baixa, mas carregada de veneno. Ele inclinou a cabeça, o olhar fixo em mim como se quisesse me furar. — Você só venceu porque teve sorte. Sorte e vantagem de esconder suas fraquezas. Da próxima vez, não vai durar nem um minuto.

Eu já estava exausta, mas as palavras dele acenderam algo dentro de mim. A adrenalina voltou a pulsar como fogo. Dei um passo à frente, invadindo seu espaço pessoal, meu queixo erguido, os olhos fixos nos dele.

— Fraquezas? — Rebati, a voz cortante. — Você fala como se não tivesse acabado de perder. A única fraqueza aqui foi sua incapacidade de admitir que não é tão bom quanto afirmou ser.

Minha resposta fez o sorriso dele desaparecer, substituído por um olhar sombrio e ameaçador.

— Cuidado com o que diz, garota — Ele rosnou. — Porque da próxima vez que estiver no tatame comigo, não vou hesitar em quebrar os seus dentes e pegar leve.

Eu ri, um som curto e desdenhoso.

— Leve? — Minha voz subiu um tom, minhas palavras afiadas como lâminas. — Você deu tudo o que tinha e ainda assim caiu. Admitir isso deve ser difícil, não é? Mas eu entendo, Kwon. Não é fácil aceitar que você seja derrotado por alguém que você subestimou.

Ele deu um passo ainda mais perto, nossos rostos agora separados por poucos centímetros. Era possível pode sentir a tensão no ar, pesada, como se todo o ginásio estivesse prendendo a respiração.

— Quer resolver isso agora? — Kwon sussurrou, a voz baixa, mas disse de ameaça.

Minha vontade era de responder com um soco, mas antes que pudesse dizer ou fazer algo, uma figura alta e imponente apareceu entre nós. Sensei Kim Da-Eun.

— Chega. — A voz dela cortou o ar como um chicote.

Kwon deu um passo para trás, contrariado, mas não antes de lançar um último olhar de advertência na minha direção. Eu não recuei, mantendo meu olhar firme, desafiador, até que ele finalmente fez o favor de recuar, obedecendo sua Sensei.

Kim se virou para mim, e por um momento, pensei que ela fosse me repreender também. Mas, para minha surpresa, ela apenas me analisou com seus olhos penetrantes, como se estivesse tentando ler algo em minha postura ou expressão, até voltar seus olhos para seu aluno.

— Você é melhor do que isso — Ela disse, a voz calma, mas com um tom autoritário. — Guarde sua energia para o próximo torneio. Palavras não vencem lutas.

Sem esperar uma resposta, ou alguma reação minha, ela segue à frente de Kwon, uma postura rígida, claramente desapontada com a atitude dele. Eu permaneci parado por alguns segundos, ainda sentindo a adrenalina correndo nas veias. Axel colocou uma mão em meu ombro, puxando-me para trás suavemente.

— Não vale a pena, Calista. Ele só está tentando te tirar do eixo. — A voz dele era baixa, mas firme, um contraste com o tumulto ao nosso redor.

— Eu sei — Murmurei, ainda com o olhar fixo nas costas de Kwon. — Mas da próxima vez, ele vai entender que suas provocações travarão uma guerra.

Axel deu um pequeno sorriso, quase imperceptível, antes de se virar para acompanhar o resto da equipe. Eu respirei fundo, tentando dissipar a tensão. Ainda que a vitória fosse nossa, algo me dizia que aquilo era apenas o começo de uma rivalidade que prometia ser explosiva.

E enquanto o time seguia em direção aos vestiários, Axel permaneceu ao meu lado. Ele não disse nada, mas a tensão era evidente em seu andar pesado e na maneira como seus olhos pareciam sempre vasculhar o ambiente. Suas mãos estavam fechadas em punhos, não tanto por raiva, mas como se estivesse tentando conter algo dentro de si.

— Ei, tudo bem? — Perguntei, sem rodeios. Ele me lançou um olhar rápido, como quem avalia se vale a pena responder, e então deu de ombros.

— Estou. Só pensando.

Não era uma resposta verdadeira, e nós dois sabíamos disso, mas Axel não era do tipo que abria o coração facilmente. Resolvi não insistir, mas sabia que o que havia acontecido entre mim e Kwon o incomodava mais do que ele queria admitir. Axel tinha esse instinto protetor irritante, algo que ele disfarçava com a desculpa de ser apenas um bom colega de equipe. Entramos no vestiário em silêncio, e o grupo se espalhou para se trocar. O espaço era amplo, com bancos de madeira polida e armários metálicos. O som do zíper de bolsas e vozes abafadas preenchia o ambiente enquanto todos retiravam seus uniformes suados e colocavam roupas casuais.

Zara, que parecia não carregar peso algum das últimas horas, estava ao meu lado, jogando sua faixa preta na bolsa e puxando uma jaqueta brilhante que parecia mais apropriada para uma boate do que para um jantar discreto.

— Você deveria relaxar um pouco — Disse ela, enquanto passava os dedos pelos cabelos, tentando ajeitá-los. — Quer dizer, agora temos dois dias até a próxima prova. Que tal sair? Um bar, música, quem sabe até dançar?

Eu olhei para ela, arqueando uma sobrancelha, não sei se era a decisão mais sensata depois de um dia tão massivo, precisávamos manter a forma para a próxima rodada.

— Dançar? Sério? Depois de tudo isso? — Questionei, mas meu tom tinha um leve toque de diversão.
— Claro! — Ela respondeu, sorrindo. — Olha só, você está cheia de adrenalina. Eu também. E, sinceramente, estamos no meio de um torneio onde só precisamos de duas coisas, energia e confiança. E sabe onde você encontra as duas? Num barzinho com gente divertida, música boa e uma bebida decente.
Dei de ombros, começando a trocar meu uniforme por uma calça jeans e uma blusa simples.
— Você não vai me deixar em paz até eu dizer que sim, vai?
— Exatamente. — Zara piscou, animada.

Axel, que estava no banco ao lado, ouviu a conversa e olhou de canto de olho. Ele não disse nada, mas o franzir quase imperceptível de sua testa denunciava que ele estava ouvindo.
— Só promete não arranjar briga com ninguém, Calista — Ele disse, finalmente quebrando o silêncio, enquanto amarrava os cadarços de seus tênis. Eu ri, balançando a cabeça.

— Relaxa, Axel. Hoje é só para aliviar a tensão.

Zara bateu palmas, animada.

— Isso! Finalmente uma resposta positiva. Vamos arrasar, garota.

Axel apenas bufou e pegou sua bolsa, saindo do vestiário antes de dizer qualquer outra coisa. Seu desconforto ainda pairava no ar, mas eu decidi que não deixaria isso me afetar. Por uma noite, pelo menos, eu merecia esquecer toda a intensidade do torneio e apenas... Respirar. Zara estava certa, um pouco de diversão talvez fosse exatamente o que eu precisava.

Depois de um banho quente e relaxante, Zara já estava transformando o quarto em seu camarim pessoal. Ela espalhou maquiagem, roupas e acessórios pela cama como se fosse um desfile de moda. Enquanto isso, eu me mantinha fiel ao meu estilo básico: uma calça skinny preta, uma blusa vinho de alças e botas de cano curto. Não precisava de muito para me sentir confortável, e sair para um bar não exigia mais do que isso.

— Isso é o melhor que você tem? — Zara zombou, colocando brincos grandes e ajustando seu vestido brilhante. Era curto, dourado e chamativo, o oposto do meu look discreto.

— Não estamos indo a uma festa de gala, Zara. — Respondi, rindo. Ela revirou os olhos dramaticamente.

— Justamente! É um bar. Um lugar onde você vai pra se divertir, dançar e, quem sabe, atrair alguns olhares. Mas com essa roupa, você só vai atrair... A compaixão dos garçons.

Joguei uma almofada nela, e ela desviou, rindo alto, mas então pegou um de seus vestidos no armário, insistindo com o olhar para que eu vestisse. Era um vestido não tão chamativo, mas bonito, de um tom vinho com a estampa floral e caído nos ombros. Era simples e bonito, então decidi trocar de roupa.

Enquanto eu passava um pouco de rímel e prendia o cabelo num coque bagunçado, o celular de Zara vibrou na mesinha de cabeceira. Ela olhou para a tela e soltou uma risada alta e exagerada, do tipo que você sabia que vinha acompanhada de alguma piada maldosa.

— O que foi? — Perguntei, curiosa.

— Adivinha quem acabou de me mandar mensagem? — Ela sacudiu o celular na minha direção.

— Axel? — Eu chutei, e o sorriso dela confirmou minha suspeita.

— O próprio. Ele disse, "Vou esperar vocês no hall. Não quero que fiquem andando sozinhas por aí." — Zara leu com uma imitação exagerada do tom sério de Axel. — Parece que o nosso super soldado está desesperado pra ficar perto de você, Calista.

Revirei os olhos, mas não consegui esconder o leve calor que subiu ao meu rosto, eu queria muito apenas ignorar o que estava nítido, mas era notório que ela não deixaria isso de lado.

— Ele só está sendo protetor. Como sempre. Você sabe como ele é.

Zara arqueou uma sobrancelha, claramente se divertindo com a situação.

— Ah, claro. Ele sempre foi assim... só com você. — Ela deu uma piscadela. — Admito, ele é um bom guarda-costas, mas você deveria parar de fingir que não percebe o óbvio.

— Para com isso, Zara. — Cortei, tentando manter o tom neutro, mas ela não parecia convencida. Ela deu de ombros, voltando sua atenção ao espelho para passar batom vermelho.

— Tudo bem, eu paro. Mas só porque eu tenho prioridades mais importantes agora... Como descobrir se o bartender do lugar tem um sorriso tão bonito quanto o último que vimos.

Eu ri, balançando a cabeça. Apesar de suas provocações, Zara tinha essa habilidade de aliviar qualquer situação com seu bom humor.

— Pronta? — Perguntei, pegando minha bolsa.

— Sempre. — Ela respondeu, girando no lugar para me mostrar o visual completo.

Saímos do quarto, descendo o corredor iluminado. Mal abrimos a porta do elevador, e lá estava Axel, sentado num dos sofás do hall. Ele se levantou ao nos ver, já vestido com jeans escuros, camiseta preta e jaqueta de couro. Parecia casual, mas, como sempre, tinha uma presença marcante que era difícil de ignorar.

— Não demorei muito, né? — Zara comentou ao chegar perto dele, o tom dela carregado de ironia. Axel apenas ergueu uma sobrancelha, ignorando o sarcasmo.

— Vamos? — Ele perguntou, olhando diretamente para mim.

— Vamos. — Respondi, ajustando a alça da bolsa no ombro, enquanto Zara nos seguia com um sorriso provocador estampado no rosto. A noite prometia ser mais interessante do que eu esperava.

O bar ficava em uma rua movimentada, com luzes neon piscando acima da entrada e música alta o suficiente para ser ouvida antes mesmo de atravessarmos as portas. Assim que entramos, a energia vibrante nos envolveu. O local estava lotado de pessoas conversando, dançando e rindo. Apesar do clima descontraído, algo parecia fora do lugar. Axel foi o primeiro a notar. Ele parou ao lado da porta, os olhos varrendo o ambiente como se estivesse em uma zona de guerra.

— Algo errado? — Perguntei, mesmo já sentindo o peso no ar.

Ele deu um leve aceno com a cabeça, sinalizando para a esquerda. Foi então que os vi. Um grupo do Cobra Kai estava reunido em um canto, rindo e conversando com aquela confiança irritante que parecia ser o padrão deles. No centro, Kwon. Ele estava sentado, mas ainda assim parecia ocupar todo o espaço com sua postura imponente. Antes que eu pudesse comentar, Zara nos cutucou e apontou discretamente para o outro lado do bar.

— Olha só quem mais está aqui.

Segui seu olhar e avistei Robby Keene, junto com outros membros do Miyagi-Do, espalhados por uma mesa próxima à pista de dança. Eles não pareciam tão à vontade quanto o Cobra Kai, mas também não estavam ignorando o fato de que os rivais estavam presentes.

— Isso só pode ser brincadeira — Murmurei, cruzando os braços. Zara, no entanto, parecia estar no paraíso. Seu sorriso se alargou ao ver Robby, e ela ajeitou o vestido como se estivesse prestes a desfilar. 

— Bem, eu sei exatamente onde quero estar. — Ela me deu uma piscadela. — Tentem não se matar enquanto eu vou conversar com o cara mais gato desse lugar.

Antes que Axel ou eu pudéssemos dizer algo, ela já estava atravessando o bar em direção à mesa do Miyagi-Do.

— Ela não tem noção, tem? — Axel comentou, enquanto caminhávamos em direção ao balcão.

— Nenhuma. Mas, para ser justa, ela realmente é corajosa. — Respondi com um meio sorriso. Nos encostamos no balcão, e Axel chamou o bartender com um gesto. O homem se aproximou rapidamente, e Axel pediu duas cervejas. Eu me apoiei no balcão, observando os grupos à distância.

— Eles nem deveriam estar aqui. — Axel murmurou, entregando-me uma das garrafas.

— Ninguém tem exclusividade no bar. — Dei um gole na cerveja, mas não tirei os olhos do grupo do Cobra Kai. Kwon estava rindo de algo, mas senti seu olhar recair sobre mim por um breve momento. Axel seguiu meu olhar e apertou a mandíbula.

— Ele está provocando. — Afirmou apertando o copo entre os dedos.

— E vai ficar só nisso. — Afirmei, tentando parecer confiante. Mas a verdade era que o ar parecia cada vez mais denso, como se o menor movimento errado pudesse desencadear algo maior. Olhei para Axel, que continuava de guarda alta, e suspirei. — Relaxa, Axel. Estamos aqui para nos distrair, lembra?

Ele bufou, mas deu um gole na cerveja, os olhos ainda fixos no grupo rival.

— Só espero que eles lembrem disso também.

O que ele não disse, mas eu sabia, era que ele estava se preparando para intervir caso algo acontecesse. Axel era assim, sempre pronto para agir, sempre carregando o peso de proteger os outros, mesmo que nunca admitisse. Enquanto isso, no fundo da minha mente, algo me dizia que essa noite estava longe de ser tranquila.

⋆౨˚ ˖

Obs: Kwon que fique esperto, porque olha esses dois, combinam demais.

Obra autoral ©

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