VIII - Lia

Oi gente, atenção aqui. Esse é um capítulo muito especial para mim, porque a Lia é uma das minhas personagens preferidas. Porém, ele apresenta conteúdo sobre estupro, então fica alertado aqui. Sugiro que escutem a música que selecionei, haverá uma parte para iniciarem ela, irei avisar no capítulo. E espero que curtam!

Azura

Duas semanas haviam se passado desde o início dos treinos e uma rotina confortável foi estabelecida entre a dupla e eu. Ao acordar sempre tinha o café da manhã juntos, raramente eu continuava no quarto e em seguida seguíamos para o treino físico.

Para meu orgulho, já consigo completar todas as voltas sem morrer, e Mike não satisfeito com esse pequeno avanço, me força a fazer abdominais e agachamentos por um par de horas até o almoço, onde já me encontro morta por dentro e não sentindo nenhum músculo por fora.

No período da tarde o encargo é de Lia, nos encontramos sempre na biblioteca e eu tento mover os livros com a telecinesia, obviamente sem avanço algum. Todavia, ela sempre tentava transparecer confiança, ao contrário do caído que gargalha enquanto vê suas revistas pornôs, exatamente como estava fazendo agora.

Revirei os olhos emburrada, odiava me sentir burra ou fraca, mas era inevitável, desde o início do treinamento, eu apenas falhava, falhava e falhava mais uma vez...

─۫─̸ Alguma notícia deles? ─۫─̸ Perguntei apreensiva e curiosa.

Havia duas semanas desde a partida de Roy, Nowa e Sophia, desde então os mesmos não informavam muita coisa sobre a missão, porém pela demora, poderia dizer que não estava tudo fácil.

Mike ergueu os olhos da revista encarando a cena curioso, Lia estava próxima, lendo sinopses dos volumes de uma estante perto, imediatamente focou sua atenção em mim.

─۫─̸ Na verdade o de sempre, ainda estão em busca da ordenada, ela é boa em persuadir e esconder, sei bem disso... ─۫─̸ A vampira deu de ombros com uma casualidade assombrosa, como de fato conhecesse a pessoa que eles estavam atrás.

Desviei minha atenção do par de livros diante de mim, e acho que deixei transparecer minha curiosidade, pois logo Lia preencheu o silêncio, outra vez.

─۫─̸ O que foi?

─۫─̸ O que significa uma ordenada?

Não era a primeira vez que a dúvida surgia. Já havia escutado aquela palavra outras vezes, até mesmo por Gardier. No entanto, eu sempre esquecia de questionar minha professora e naquela altura do campeonato, qualquer conversa mínima era mais aceitável do que tentar mover aqueles malditos objetos.

─۫─̸ Vai lá flor do campo, conte a história da sua cidade pra ela... ─۫─̸ O caído cantarolou apoiando os cotovelos sobre a mesa e as mãos no rosto, sorrindo de modo maroto ─۫─̸ Eu também quero escutar...

─۫─̸ Não é a minha cidade... ─۫─̸ A manceba argumentou, contudo voltou a se aproximar da mesa em que eu estava e indicou com a cabeça para que eu me sentasse, assim como ela também o fez, Mike logo se juntou com a gente. Havia uma certa tristeza no olhar da vampira, um receio e eu parecia ser a única a perceber. Ou talvez, de fato eu estivesse visualizando além?

Senti vontade de apertar sua mão através da mesa, dizer que tudo bem se ela não quisesse falar sobre isso, que não era necessário. Qualquer coisa que pudesse fazer aquela sensação assombrosa e triste que se assentou no meu âmago, sumir.

─۫─̸ Bom, de início Deus não fez somente os anjos. Ele criou deuses menores para lhe auxiliar, humanos abençoados com poderes. Assim foi feito com Hécate e Cerunos... ─۫─̸ Lia deu início a sua história com o olhar focado na superfície de madeira ─۫─̸ A deusa da lua e o deus do sol, estupidamente apaixonados um pelo o outro, mas sem poderem ficar juntos necessariamente...

─۫─̸ Blá blá blá...─۫─̸ O caído resmungou ─۫─̸ Pula a baboseira romântica, aqui não é crepúsculo...

─۫─̸ O que você tem contra crepúsculo? ─۫─̸ Perguntei bruscamente e o rapaz deu de ombros, colocando seus pés sobre a superfície de madeira de maneira ousada.

─۫─̸ A pergunta correta seria, o que eu não tenho né? Aquele troço tem tantos erros e...

Provavelmente ele teria continuado a falar, entretanto eu empurrei seus pés com força suficiente para que ele vacilasse na cadeira, caindo. A minha risada e de Lia preencheu o ambiente.

─۫─̸ O que???

─۫─̸ Não fale mal de crepúsculo ou do meu futuro marido, Edward. Ou da próxima vez, eu corto suas bolas Mike...─۫─̸ Comentei suavemente enquanto o maior se levantava do chão e voltava a sentar, irritado e de braços cruzados. Mas, pelo menos agora ficaria quieto.

A loira tentava disfarçar o sorriso em seus lábios e isso me deixou satisfeita, pelo menos a atmosfera estranha havia desaparecido.

─۫─̸ Voltando ao assunto...─۫─̸ A vampira murmurou ─۫─̸ As filhas de Hécate são chamadas de filhas da lua, abençoadas com a mágica da mãe, imortais...

Naquele momento minha atenção estava completamente focada na história e nada mais importava, havia aquele peso familiar no peito.

─۫─̸ Os filhos de Cerunos por sua vez não tinham nada e o pai deles, apenas nutria inveja, porque queria torna - los tão superiores quanto as filhas de sua mulher, então tocou o coração deles, transformando - os em caçadores. Seres dotados de força, poder e resistentes a mágica das mulheres...

─۫─̸ A merda vindo...─۫─̸ Mike sussurrou estalando a língua ─۫─̸ Homem sempre faz merda. Até hoje me pergunto o que Deus viu nele que não tinha em mim...

─۫─̸ Talvez beleza? ─۫─̸ Lia arriscou arrancando outra risada dos meus lábios. Mike ergueu o dedo do meio para a mesma e ela seguiu com a história  ─۫─̸ Eles iniciaram um massacre, Salém foi piada próximo do que de fato aconteceu no início. Mulheres mortas, decapitadas, queimadas, estranguladas, apenas por serem mulheres...

Engoli em seco. De um estranho modo eu conseguia visualizar a cena, o caos dominando o mundo, as atrocidades, o horror e principalmente o medo.

─۫─̸ E o que houve depois? ─۫─̸ Perguntei em um sussurro, temendo a resposta.

─۫─̸ Vingança...─۫─̸ O caído respondeu de forma assombrosa.

─۫─̸ As mulheres pediram ajuda para Hécate e esta deu um feitiço para elas. Precisariam de todas unidas e da lua cheia, o ápice dos poderes para realiza - los e assim fizeram. Abrindo mão de parte dos próprios poderes, uma parte que nunca mais seria completa...─۫─̸ Lia mantinha o olhar focado na parede do outro lado da biblioteca, ela não tinha a atenção em nenhum de nós. Presa em suas próprias memórias ─۫─̸ Amaldiçoaram os homens, transformando- os em lobisomens e vampiros e poucos foram os que permaneceram como caçadores...

─۫─̸ Mas não foi só isso...─۫─̸ Mike interrompeu e agora eu sabia o porquê do desconforto da loira. Não era só a história de uma cidade, era a história da sua raça e não era bonita ─۫─̸ Elas os tornaram escravos, ligados unilateralmente, uma proteção...

─۫─̸ Escravos? ─۫─̸ A palavra causava um gosto azedo na minha boca, busquei o olhar de Lia, mas este não me encontrou.

─۫─̸ Havia um vazio dentro das bruxas, elas preenchiam com o poder dos homens, cada uma obtinha um dependente e dele retirava a imortalidade...─۫─̸ O caído respondeu com suavidade ─۫─̸ Na minha opinião, eles mereceram...

─۫─̸ Isso se mantém até hoje? Todos são escravos?

─۫─̸ Não ─۫─̸ Era a voz de Lia ─۫─̸ Nem todas as bruxas concordaram com a escravidão, então deserdaram e Hécate as puniu, tornando-as mortais. Dessa forma, o coven se dividiu  em dois...

─۫─̸ Ordem e Caos...─۫─̸ Respondi automaticamente, como uma memória adormecida em meu cérebro. Ambos concordaram com a cabeça ─۫─̸ Ordenadas são aquelas que não tem um dependente, a fonte de poder é a natureza, possuem uma mágica mais branda e elas lutam contra a escravidão, libertando os homens, mas as caóticas, são as mais poderosas, elas mantém dependentes consigo, trocando - os durante a eternidade quando se tornam fracos... ─۫─̸ Murmurei confusa comigo mesma ─۫─̸ Como eu sei de tudo isso?

─۫─̸ Você sempre apreciou a história de Midnight e era estranhamente fascinada pelo o lugar e também... ─۫─̸ Mike deu de ombros, preferindo não continuar o que estava dizendo ─۫─̸ Não é uma história minha para ser contada. Continue Lia...

─۫─̸ Essa é a história de Midnight, sangue, tristeza e poder...─۫─̸ Lia murmurou revirando os olhos.

O relógio da biblioteca soou, já estava quase na hora do jantar. A vampira se levantou, encerrando tudo.

─۫─̸ Vejo vocês amanhã...

E sem esperar uma resposta, ela se levantou e saiu da biblioteca com uma velocidade humanamente impossível. Mike e eu permanecemos ali, em silêncio e confusos. Obviamente a vampira não comia nada quando estava conosco junto a mesa durante as refeições, todavia sua presença sempre estava ali. No fim o maior também levantou, dando de ombros

─۫─̸ Treino de hoje encerrado Luna...

                                    ♡

Aquela foi a primeira noite que eu comi no quarto, sozinha com meus pensamentos. Desde a minha chegada em Adalasiah, eu havia escolhido ignorar várias coisas, principalmente ficar sozinha comigo mesma, porque não confiava na minha própria mente.

Sentada naquela cama enorme, meu olhar vagava até a cômoda. Ali estava todos os livros que pappa me deu de presente, todos com suas dedicatórias que apesar de não estar com eles em mãos, eu recordava de cada sílaba. Agora elas soariam para outra pessoa, haveria outro significado para elas, e eu não estava preparada para descobrir. Ademais, também tinha o bilhete de Nowa, o maldito bilhete indestrutível que não importava de quantas formas eu lhe destruía, no outro dia ele estava ali. Há três dias decidi somente ignora - lo.

Sem apetite e cansada da solidão, dei um salto para fora da cama, calçando meus amados all star. A verdade é que ficar ali parada estava me matando, eu me preocupava com Roy. Céus, eu me preocupava até mesmo com Nowa e Sophia! E não ter notícias era perturbador.

Sai do quarto, simplesmente sem ideia de para onde seguir. As catacumbas vieram a mente, todavia a imagem de Nowa desolado retirou qualquer vontade de descer até lá, então lembrei do diálogo da tarde, de como Lia parecia perturbada com aquela história, e comecei a caminhar por um trajeto conhecido, o caminho do meu primeiro dia. O quarto da vampira.

O castelo a noite era aterrorizante, ainda não conseguia imaginar como uma construção daquele tamanho se mantinha para tão poucas pessoas, poderia abrigar o vilarejo inteiro sem dúvidas! O silêncio me recebia em cada passada e eu quase desejei ver figuras pequeninas naqueles corredores - as fae, mas Lia já havia explicado, eles sempre retornavam para as árvores, nenhum se mantinha no castelo durante a noite.

Após estar diante da porta do quarto da vampira, senti o nervosismo me dominar. E se ela queria apenas ficar sozinha remoendo seus demônios?
Contudo, me lembrei da minha chegada.

A vampira foi a primeira a me acolher e me ofereceu sua amizade, certo? E amigos eram para isso, na alegria e na tristeza. Ademais, havia o sentimento de solidão, transpassando aquela porta e me dominando pouco a pouco, respirei fundo e dei três batidas.

Por instantes achei que não receberia sequer resposta, porém aos poucos escutei barulhos dentro do quarto, e por fim a loira apareceu diante de mim, um pouco confusa e principalmente, abatida.

─۫─̸ Aconteceu algo? ─۫─̸ Sua pergunta era repleta de preocupação.

─۫─̸ Eu posso entrar? ─۫─̸ Mesmo não tendo certeza se aquilo era o certo, eu deveria tentar. Lia concordou vagamente com a cabeça e deixou espaço para que eu adentrasse o cômodo. Exatamente igual da primeira vez, exceto pela seda queimada na cama e isso quase me fez sorrir.

─۫─̸  Não me leve a mal Luna, mas você está me deixando nervosa...

Havia certa sutileza no tom de voz da vampira, mascarando seu receio. Ela caminhou até o outro lado do quarto, onde havia uma grande porta aberta e sinalizou para que eu a seguisse. Era uma sacada, com uma vista encantadora de Adalasiah que me fez arfar por alguns segundos. A garota mantinha seus braços apoiados na estrutura de mármore e o olhar perdido na direção além dali, além da cidade encantada.

─۫─̸ Eu vim aqui porque você não foi jantar, fiquei preocupada... ─۫─̸ Confidenciei, me aproximando e também me apoiando na estrutura de mármore.

A noite estava quente e apenas uma brisa leve se fazia presente. No entanto, acho que detalhes como aquele passavam despercebidos pela mulher ao meu lado. Como seria viver em um mundo alheio? Sentir e não sentir? Viver e ao mesmo tempo estar morto?

─۫─̸ Desculpe por te deixar desconfortável mais cedo, se eu soubesse não lhe pediria que contasse a história...

─۫─̸ A história de Midnight não é a minha história Luna...─۫─̸ Lia respondeu calmamente.

─۫─̸ E qual seria sua história? ─۫─̸ Perguntei no impulso, mas logo me arrependi. Minhas bochechas ganhando uma tonalidade vermelha ─۫─̸ Desculpe, não precisa...

[Sugiro que coloquem a música a partir desse momento]

─۫─̸ Eu nasci na Escócia

A loira interrompeu e não ousei dizer mais nenhuma palavra, me tornando  apenas sua ouvinte. Eu e as estrelas.

─۫─̸ Tinha uma família incrível. Um pai, uma mãe e um irmão gêmeo; Ian. Até nossos cinco anos, quando um incêndio acabou com nossa família...

Contive o impulso de dizer 'sinto muito', ela não precisava do meu pesar, precisava da minha companhia.

─۫─̸ Ian e eu sobrevivemos por muito pouco e ficamos órfãos. A única parente que tínhamos viva era uma irmã de nosso pai e ela morava na Rússia, então fomos mandados para lá, como bagagens indesejáveis...─۫─̸ A garota deu de ombros ─۫─̸ A irmã do nosso pai nos odiava, porque não tínhamos o seu sangue, apenas seu nome. Nosso pai foi adotado e tratado como herdeiro da família. Ima pessoa de fora conseguiu tudo o que ela almejou, por isso nós como filhos, deveríamos pagar. Desde o primeiro dia, trabalhávamos por nossa estadia e alimento, eu limpava a casa, Ian limpava os celeiros...

─۫─̸ Que mulher desprezível! ─۫─̸ Murmurei estupefata, eles eram crianças com apenas cinco anos de idade.

─۫─̸ Não guardo rancor dela Luna, na verdade sequer lembro o seu nome...

E pelo o tom das palavras, poderia dizer que de fato, a vampira não estava mentindo. E outra dúvida percorreu minha mente, quantos anos Lia deveria ter? E há quanto tempo ela teve cinco anos? Alheia as minhas dúvidas, a manceba continuou a história.

─۫─̸ Conforme crescíamos, tivemos outros empregos, começando a levar dinheiro para casa. Trabalhei como faxineira, lavadeira, babá. Ian também teve inúmeras funções, pouco se importando se recebia um pagamento adequado por elas. Não importava as humilhações e o trabalho árduo Luna, tínhamos um ao outro, éramos a única família que precisávamos...─۫─̸ A voz da moiçola vacilou e eu sabia que diferente da sua tia, Lia possuía todas as lembranças do seu irmão. Uma lágrima percorreu a face da mesma que logo tratou de limpa - la, o olhar focado no céu estrelado ─۫─̸ Éramos o mundo um do outro, inseparáveis...

O pesar presente naquele momento comprimia meus pulmões. Era tanta tristeza, desespero e saudades misturada que lágrimas também brotaram nos meus olhos e novamente aquela vontade de segurar a mão da garota percorreu minha mente, mas diferente da biblioteca, dessa vez eu segui meus instintos, sentindo a frieza da sua pele. Lia parecia estupefata e ao mesmo tempo, agradecida.

─۫─̸ Eu tinha dezenove anos e um aglomerado de sonhos. Estávamos economizando para fugir, voltaríamos para a Escócia e seríamos felizes...─۫─̸  A vampira apertou minha mão em busca de conforto ─۫─̸ Eu tinha dezenove anos e um aglomerado de sonhos quando eles foram arrancados de mim...─۫─̸ Lia soluçou ─۫─̸ Eu trabalhava como garçonete. Não era um trabalho digno na época, todavia pagava bem e eu precisava do dinheiro. Trabalhava até tarde e voltava andando para casa, sempre encontrava Ian no sofá, aguardando por mim...─۫─̸ A garota respirou fundo, e visualizei quando fincou as unhas na palma da sua outra mão ─۫─̸ Naquela noite, eu sai mais tarde do que o comum por culpa de uns bêbados bagunceiros. Lembro do frio, era uma noite congelante. Eu andava rápido, estava com medo, a madrugada nunca foi segura para mulheres desacompanhadas naquele bairro, acho que em nenhum lugar....

Meu coração batia em um ritmo descompassado que com toda certeza Lia estava escutando. O sangue percorria mais rápido em minhas veias, sabendo onde esse relato iria parar. A grande verdade é, independente do horário, independente do lugar, independente do século, as mulheres nunca estavam seguras.

PEu poderia entender Hécate e suas filhas; foram massacradas apenas por serem mulheres, e quando tiveram uma oportunidade de ficarem livres do medo, agarraram. Eu não as julgava, eu entendia porque eu também faria o mesmo, quantas vezes não havia fantasiado matar o cafajeste do meu chefe aos poucos? Tortura - lo pela eternidade parecia uma opção tentadora.

─۫─̸ Havia um beco escuro que eu precisava atravessar todas as noites, mas naquela em específico, eu não estava sozinha. Os mesmos bêbados que causaram confusão no bar, estavam ali, eram três homens...─۫─̸ Lia afirmou comprimindo suas pálpebras com força, parecia lutar contra suas próprias lembranças ─۫─̸ Eles queriam me estuprar. Me agarraram e ficaram me jogando de um para outro, rindo. E eu pensava no Ian, me esperando naquele sofá...─۫─̸ Lia arfou angustiada.

Eu não aguentava vê  - la daquela forma, precisava fazer algo para apaziguar a situação, e fiz. O colar em meu pescoço esquentou, e brilhou da forma familiar que significava que o poder corria dentro de mim. Eu desejei lhe transmitir calma e consegui sentir quando o sentimento deslizou por entre meus dedos entrelaçados aos dela, auxiliando - a como eu queria. Aos poucos ela se acalmou, e a voz já não parecia tão vacilante quando continuou.

─۫─̸ Eu lutei contra eles, dei um soco em um e chutei as bolas de outro ─۫─̸ A garota riu com orgulho ─۫─̸ Então, eles se vingaram. Me socaram diversas vezes, me jogaram no chão e me chutaram, quebrando várias das minhas costelas. Algumas perfuraram meus órgãos internos, causando hemorria interna instantaneamente...

Era simplesmente aterrorizante imaginar a garota ao meu lado passando por tudo aquilo, sozinha em um beco escuro, com a morte lhe encarando de frente. 

─۫─̸ Eu sabia que iria morrer em breve Luna, eu sabia...─۫─̸ Um sorriso triste delineava os lábios da moiçola ─۫─̸ Mas antes disso, eles disseram que iriam me foder até que sangrasse por todos os meus buracos...

Me encolhi com as palavras desumanas e Lia me encarou pela primeira vez desde quando começou o relato.

─۫─̸ Eu estava naquele chão fétido, com minhas vestes rasgadas, e um deles tentando me penetrar e eu lutava, mesmo morrendo, eu lutava. Porque eu pensava em Ian e em como ele se culparia pelo resto da vida, e porque eu sabia que ele se mataria por minha causa...─۫─̸ As lágrimas já deslizavam livremente pelas bochechas pálidas da vampira e também pelas minhas.

Eu conseguia sentir todo o seu amor, um sentimento tão puro e verdadeiro que me fazia acreditar por um décimo de segundo que nem tudo estava perdido.

─۫─̸ Então, Marte surgiu...

Um nome peculiar.

─۫─̸ Ele arrancou o braço direito do primeiro que tentou lhe socar, e deixou que ele sagrando até a morte. O segundo, ele enfiou a mão em seu peito e apanhou o coração, esmagando- o ainda dentro do homem. Eu vi tudo. Em parte achava que estava delirando, em outra eu sentia tanto alívio Luna!─۫─̸ Lia respirou fundo antes de continuar ─۫─̸ O homem que estava em cima de mim, ele não teve nenhuma misericórdia. Puxou o mesmo e bateu sua cabeça contra a parede tantas vezes que apenas restou uma massa encefálica...

Um ser sobrenatural foi ao socorro da manceba, o vampiro que certamente lhe transformou.

─۫─̸ Eu vi tudo daquele chão, enquanto morria. Porém, eu não queria morrer, não daquela forma Luna, não pela minha vida. Queria ficar viva por Ian, e Marte soube disso no momento que ele se ajoelhou ao meu lado. Ele me chamou de pequena guerreira...─۫─̸ Havia novamente a dor mesclada a saudades ─۫─̸ Ele me deu seu sangue. Mas, não adiantou, os danos se tornaram irreversíveis, e eu chorei. Ele me segurava no colo, acariciando meus fios loiros como meu pai nunca fez, ele disse que estava tudo bem, minha história não terminaria ali e de fato, não terminou...

Os últimos quinze dias haviam servido para várias coisas, e felizmente aprendi algumas curiosidades sobre anjos, demônios e vampiros. O sangue dos mesmos tem propriedades curativas, por isso Marte alimentou Lia com o seu. Contudo, não era a única função.

─۫─̸ Eu morri com sangue de vampiro no meu corpo Luna...─۫─̸ Lia murmurou.

Era dessa forma que um humano se transformava  em um vampiro, deveria morrer com sangue de vampiro circulando em seu corpo.

─۫─̸ Quando acordei, eu não processei o que havia acontecido, e nem queria. Eu estava viva, era isso que importava. Marte tentou me alertar, tentou me conter...

Havia outro trecho do estudo que eu lembrava bem; os recém transformados eram incomparaveis, inconsequentes e incrivelmente ágeis.

─۫─̸ Minha mente só raciocinava Ian. Ian. Ian. Ian. Ian...  Então, eu corri. Até hoje Marte diz que nunca viu um vampiro correr tão rápido quanto eu naquela noite...

De alguma forma, era reconfortante saber que ela ainda mantinha contato com o vampiro que salvou sua vida.

─۫─̸ Quando cheguei em casa, abri a porta tão precipitada que arranquei a mesma... ─۫─̸ A vampira riu de si ─۫─̸ Ian estava de pé, atrás dela, prestes a sair. Ele iria atrás de mim porque sabia que algo estava errado...─۫─̸ Lia soluçou outra vez e eu sabia que naquele momento, nem toda a calma do mundo iria adiantar ─۫─̸ Eu o abracei Luna, abracei meu mundo porque eu tive tanto medo de perdê - lo e ele me abraçou de volta. Mas, eu senti seu cheiro e tudo desmoronou...─۫─̸ A manceba parecia perdida, arrependida e tão amarga, completamente diferente da Lia que transparecia no cotidiano ─۫─̸ Eu ataquei ele, não resisti. Todavia, ele também me atacou, fincando uma faca no meu estômago, ele também havia sentido meu cheiro...─۫─̸ Os olhos da vampira se tornaram vermelhos, e veias pretas apareceram debaixo das orbes por míseros segundos, seu verdadeiro eu ─۫─̸ Eu despertei algo nele que deveria ter ficado adormecido durante a vida inteira Luna. Meu irmão é um caçador de Cerunos, pertence a raça que desejar aniquilar não só as bruxas, como também lobisomens e vampiros...

─۫─̸ Lia você não tem culpa, não teria como você saber...

─۫─̸ Talvez. Porém, naquele momento eu fiquei tão atônita que apenas queria mata - lo. Marte chegou naquele instante e nem eu e nem Ian entendíamos o que estava havendo, mas o mais velho sim. Ele me tirou dali, me trancou em um porão qualquer e me alimentou...─۫─̸ Novamente o olhar estava perdido nas estrelas ─۫─̸ Eu sei que não foi minha culpa, sei disso agora. Todavia, naquela época, naquele porão eu só conseguia pensar que eu havia atraído aquilo para mim, que eu não deveria ter saído tão tarde do trabalho, que eu não deveria ter usado uma roupa tão provocante, que eu deveria ter sido morta naquele beco escuro Luna...

O peso daquelas palavras se assentou  com força no meu interior porque eu a entendia. Eu mesma já havia me culpado diversas e inúmeras vezes por sofrer assédio no trabalho, por receber chicotadas da minha mãe em casa, eu ainda me culpava.

─۫─̸ Marte me ofereceu um lugar ao seu lado, ele possuía um centro de pesquisa e estava atrás da cura do vampirismo, eu poderia ajuda - lo...

A cura. Lia se achava defeituosa e se culpava ao ponto de procurar uma cura para desfazer o que havia sido feito. O meu coração doía com essa certeza.

─۫─̸ Eu considero ele meu pai Luna. É a única figura que me ama, do jeito torto dele, mas ama...─۫─̸ A vampira confessou com uma dor que eu não entendia porque eu não conhecia o vampiro ─۫─̸ Ele está longe de ser a melhor pessoa do mundo, pode ser considerado um vilão. Fiz atrocidades ao seu lado, atrocidades que ele me ensinou. Todavia, há um lado dele, eu sinto tanta falta...─۫─̸ A manceba desabafou encarando o céu ─۫─̸ Marte pode ser considerado um monstro, no entanto quando ele ama, ele ama com todo o seu coração...

Eu não tinha ideia do que um indivíduo poderia fazer para ter essa reputação, mas não queria descobrir.

─۫─̸ Eu morei em Midnight com ele por cem anos em paz, até Ian me encontrar. Nessa época, meu pai se tornou um escravo por amor e os dependentes não eram tão fortes como os libertos. Ele fez de tudo para me defender dos caçadores, lutou com cada fragmento de força que havia dentro de si para que eu fugisse, e disse que tudo bem se ele morresse por mim, porque eu ensinei ele a viver...

Havia um grito de dor preso naquele corpo, assim como havia no meu. Como um irmão poderia se virar contra outro dessa forma?

─۫─̸ Por outro lado, Ian disse as palavras que guardo até hoje para dizer em seu leito de morte... ─۫─̸ Um sorriso maldoso delineava os lábios da vampira e usando da mão livre, ela limpou todo o resquício de lágrimas que ainda havia no rosto ─۫─̸ Eu vou sussurrar no ouvido dele, momentos antes de esmagar o seu coração que sim, eu deveria ter sido morta naquele beco, seria mais fácil para ambos...

Sem pensar duas vezes, eu abracei a garota ao meu lado com toda minha força, transmitindo a paz e a calmaria que eu esperava um dia de fato ter. A moiçola retribuiu meu abraço e permanecemos juntas por um período indeterminado, até meu coração acalmar, até tudo parecer quase normal outra vez, para só então nos separar, ambas as mãos entrelaçadas.

─۫─̸ Marte sobreviveu, e vive até hoje. A bruxa que estão atrás é a antiga senhora dele. Eu dei o nome dela para eles, porque eu a odeio por torna - lo fraco, e sei que ele a odeia também...

Aquele era o traço que ele havia desenhado nela, Lia não era apenas uma vampira qualquer, ela foi moldada por sua história anterior e sua atual, ela foi feita de dor e sofrimento.

─۫─̸ Ian me persegue até os dias atuais. Eu escapei de sua armadilha e vaguei sem rumo até Adalasiah me encontrar, eu sou uma sobrevivente Luna. Mas, não se deixe enganar, não há nada de bom dentro do meu coração...

─۫─̸ Você não estaria aqui se fosse verdade...─۫─̸ Murmurei com a voz rouca e encarei as orbes da mais velha antes de continuar ─۫─̸ Um dia Lia, eu te prometo, você irá ser feliz. Independente das circunstâncias, independente da cidade, você será feliz...─۫─̸ Sussurrei com todo meu coração, fazendo a manceba sorrir por entre as lágrimas ─۫─̸ E eu estarei lá pra presenciar, e pra te aplaudir, porque você merece um lugar no mundo, é uma sobrevivente...─۫─̸ Cada palavra era sincera.

Eu nao conseguia dizer o porquê especificamente de querer dar essa certeza para a garota, talvez porque houvesse muito de mim nela, e vice versa. Ou talvez fosse por conta dos seus olhos. Olhos solitários e ninguém deveria ser assim. Ou simplesmente porque eu sou um cupido, e no fim essa é a minha missão, garantir a felicidade alheia, mesmo que um dia eu não encontre a minha.

                                 ♡

É um capítulo com muitas informações, se tiverem dúvidas, meu pv tá sempre aberto. Aqui ou no WhatsApp.

Lia merece o mundo ou não?

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