VII - Primeiro dia
Azura
A primeira noite em Adalasiah poderia ser descrita como péssima, não pelo ambiente em si, mas sim pelo diálogo que tive durante a madrugada com o príncipe demônio. Na verdade, eu me sentia completamente idiota por ter pensado por um só segundo que ele era capaz de ser educado ao ponto de ter uma conversa decente, quando na verdade era um ogro imbecil e mesmo assim, a lembrança de vê- lo desolado naquele gramado mexia com algo dentro de mim que eu preferia ignorar.
Havia assuntos muito mais importantes para resolver, como por exemplo; o tal treinamento.
Logo cedo, escutei batidas na minha borta e apenas tive tempo de prender meus fios castanhos em um coque frouxo antes de Lia irromper dentro do quarto, sem um convite necessariamente. Ergui as sobrancelhas notando que junto com a mesma, havia um certo traje, parecia uma fantasia ridícula de dia das bruxas.
─۫─̸ O que seria isso? ─۫─̸ Perguntei curiosa, apontando para a roupa suspeita. A vampira deu um pequeno sorriso.
─۫─̸ Bom dia para você também flor do dia, como foi sua noite? A minha foi ótima...─۫─̸ Ela começou a murmurar claramente criticando minha falta de educação, dei de ombros me levantando da cama e me espreguiçando ─۫─̸ E isto é seu traje de treino pequeno querubim, vista - se e vamos tomar café da manhã com os demais, depois iremos para a arena, hoje você inicia comigo e Mike...
Mike e Lia. Franzi o cenho, o que aconteceu com o trio parada dura? Me recordo perfeitamente de Nowa notificando que meus treinamentos seriam revezados entre ele, Sophia e o caído.
─۫─̸ Esse não foi o combinado...─۫─̸ Comentei distraidamente.
Contudo segui direto para o banheiro, e obviamente a vampira seguiu atrás de mim. Privacidade até onde eu entendia, não era um tópico muito respeitado em Adalasiah.
Retirei a camiseta tomando a precaução para que a manceba não visse minhas costas e minhas cicatrizes, e encarei meu reflexo no espelho pela primeira vez desde minha chegada, olheiras profundas enfeitavam abaixo das minhas orbes e também havia o curativo em meu peito, a lembrança constante do que ocorreu apenas dias atrás, apesar de parecer uma vida, e obviamenteo colar dourado que eu jamais retirava.
Lia também observava o reflexo, a atenção voltada para o ferimento como uma enfermeira exemplar, retirei o curativo e descartei no lixo, a vampira murmurou algo como 'muito bom', 'não vai deixar nem cicatriz', 'não precisamos mais fechar'.
─۫─̸ Lia, por que Sophia e Nowa não vão me treinar? ─۫─̸ Voltei ao questionamento como uma mula teimosa, e pelo reflexo observei a loira revirar os olhos indicando o chuveiro. Retirei o restante das roupas e fiz como ela pediu, apenas porque sabia que se não cooperasse, ela não me responderia.
─۫─̸ Roy, Sophia e Nowa sairão em uma missão daqui algumas horas, ficaremos apenas nós três no castelo...─۫─̸ A manceba respondeu com um dar de ombros.
O vapor preenchendo o cubículo pouco a pouco. Deixei que a água deslizasse pelo meu corpo, relaxando os músculos tensos. Céus, eu precisava tanto de um dia de paz!
─۫─̸ Eles vão explicar tudo no café da manhã...
Apenas concordei com a cabeça, e concentrei na tarefa de lavar meu cabelo, Lia por sua vez parecia bastante concentrada em seu próprio reflexo, em busca de imperfeições. Era difícil assimilar que a mesma era uma pessoa vaidosa e longe de mim criticar sua aparência, contudo era algo apenas... inesperado?
Desliguei o chuveiro, após encerrar o banho e me enrolei em uma toalha, seguindo para o quarto outra vez, o traje fantasioso me encarando de cima da cama.
─۫─̸ Eu não vou vestir isso! ─۫─̸ Gesticulei para a roupa na cama e Lia se sentou calmamente ao lado sorrindo dele.
─۫─̸ Ah você vai, seu treino será excessivo, Mike e eu podemos ser um pouco intensos...
─۫─̸ Por que não posso usar uma leggie comum?
─۫─̸ Ela não daria conta...
─۫─̸ Vou tentar mesmo assim ─۫─̸ Dei de ombros como a grande teimosa que sou, não dedicando um segundo olhar para a roupa sobre a cama e segui até o closet, era ridícula demais para uso.
Na noite anterior havia explorado devidamente o espaço e dei de cara com um closet enorme, repleto dos mais diferentes estilos de roupas. Lia havia me acalmado e disse que de uma forma ou outra, tudo me pertencia. Então, não seria difícil achar uma leggie, certo? Facilmente encontrei o que procurava enquanto a vampira esperava impaciente no quarto. Ao voltar fui direto para cama, começando a arruma - la e Lia me observou como se eu tivesse um terceiro olho na testa.
─۫─̸ O que foi?
─۫─̸ O que você tá fazendo?
─۫─̸ Arrumando a cama ─۫─̸ Declarei o óbvio e ela revirou os olhos me puxando pelo pulso para fora do cômodo ─۫─̸ Mas...
─۫─̸ Se você fizer isso, vai ofender as fae, eles são responsáveis pelas tarefas do castelo e ficam bravas demais caso alguém as faça no seu lugar...
─۫─̸ Achei que ficaríamos sozinhos no castelo... Fae? Fadas?
─۫─̸ Basicamente ─۫─̸ Lia deu de ombros, me guiando por um caminho que eu não conheço ─۫─̸ Eles são criaturas muito gratas, sensíveis e tímidas. Todos em Adalasiah ajudam de alguma forma; as fênix fazem patrulhas, os duendes são responsáveis pelas construções, as sereias cuidam da saúde da água, as fae cuidam do castelo...
─۫─̸ Eu ainda não vi nenhuma... ─۫─̸ Declarei decepcionada.
Será que eu estava livre para explorar a cidade? Ou até mesmo mais do castelo? Talvez na ausência do príncipe demônio....
─۫─̸ Estranho seria se encontrasse, elas só interagem com o próprio povo e quando muitooooo necessário, com o guardião da cidade...─۫─̸ A vampira explicou tudo com uma calma surreal, mais alguns passos e já estávamos de frente a uma grande sala de jantar, até então parecíamos as primeiras a chegar.
─۫─̸ E quem seria o guardião?
─۫─̸ O Nowa é claro... ─۫─̸ Lia declarou como se não houvesse outra pessoa para substituí- lo e a conversa se encerrou nesse momento, pois logo Roy, Nowa Sophia e Mike fizeram presença, tomando seus lugares na mesa, assim como a vampira e eu.
♡
Nunca observei uma mesa tão farta em toda minha vida.
Apesar de ter feito poucas refeições no castelo, não poderia reclamar do sabor e da sutileza dos pratos, nada parecido com sapore puro, mas até então minhas refeições foram feitas dentro de quatro paredes, aquela era a primeira vez que eu estava ali, diante de um banquete.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Roy sentado ao meu lado se inclinou e começou a encher meu prato, colocando de tudo um pouco. Franzi o cenho, pois eu mesma poderia fazer isso, porém nada disse. Nowa pigarreou, atraindo a atenção de todos os presentes, menos a minha. Mantive meus lumes focados em minha refeição, enquanto comia lentamente minhas panquecas, não conseguiria encarar seu rosto e lidar com a rejeição da madrugada.
─۫─̸ Vamos sair em missão logo após o café da manhã. Para quebrar a maldição, precisamos de informações e obviamente, de uma bruxa...
Apesar de tentar parecer indiferente, estava atenta em todas as palavras ditas pelo príncipe demônio. De canto de olho encarei Roy e ele não parecia nada apreensivo, como se já tivesse lidado com bruxas muitas vezes antes. Por baixo da mesa ele segurou minha mão e a apertou me tranquilizando. Mal havíamos nos encontrado e iríamos nos separar de novo.
De certo modo, era algo bom.
Além da conversa humilhante com Nowa, houve também um quase beijo com Gardier e eu me arrependia. Não que eu não o considerasse bonito ou algo do gênero, todavia ele é meu melhor amigo e meu anjo de guarda, eram informações demais para processar em um simples beijo e eu não queria estragar nada entre nós dois, ele era a única constante que permanecia, e eu não queria perdê- lo. Ademais, não estava preparada para um romance de modo geral, eu sequer sabia dizer quem eu sou, como poderia ter um relacionamento com outra pessoa dessa forma?
─۫─̸ Lia forneceu informações sobre uma bruxa fora da cidade de Hécate, uma que possamos alcançar... ─۫─̸ O demônio continuou sua explicação, alheio aos meus pensamentos longínquos. Me obriguei a erguer os olhos até seu rosto, e me deparei com sua atenção sobre mim.
─۫─̸ Por que a bruxa precisa estar fora da cidade? ─۫─̸ Perguntei com curiosidade e escutei a risada desprezível de Sophia, logo em seguida sendo silenciada por um olhar mortífero do seu superior. Eu não queria parecer uma idiota na frente de todos, contudo eles deveriam recordar que eu havia adentrado essa vida há poucos dias, e não durante uma eternidade como eles.
─۫─̸ Lia e Mike vão lhe explicar tudo na nossa ausência, mas basicamente Midnight está fora da jurisdição tanto do céu quanto do inferno, a entrada de anjos e demônios não são permitidas na cidade. A deusa sequer deixa que suas filhas ou os filhos do seu marido descubram sobre nossa existência ─۫─̸ Nowa explicou com calma, sem traço algum do homem desolado da noite anterior ou do arrogante desprezível que ele era, na verdade naquele momento, ele parecia apenas, normal? ─۫─̸ Poucos são os que tem ciência, podemos contar nos dedos de uma única mão. E uma delas está aqui com a gente ─۫─̸ Ele indicou a cabeça na direção de Lia e a vampira corou sobre seu olhar. Apenas balancei a cabeça concordando e voltando minha atenção para o prato ─۫─̸ Qualquer coisa que precisar, informe Mike, ele vai saber o que fazer...
Do outro lado da mesa o caído piscou sedutoramente para mim e como resposta recebeu um revirar de olhos.
─۫─̸ A missão não irá demorar Azul, você estará em segurança ─۫─̸ Este era Roy, obviamente. Ninguém mais ali me chamava de Azul.
─۫─̸ Você não sabe, bruxas são mais espertas do que pensamos, pode levar horas ou até mesmo meses, não a iluda, ela não é a porra de uma criança... ─۫─̸ Sophia o cortou bruscamente e se levantou do seu assento, focando seu olhar em Nowa ─۫─̸ Estarei esperando no local combinado... ─۫─̸ E dessa forma ela abandonou a sala de jantar, e pela primeira vez, eu concordei com ela.
♡
Após a saída de Sophia, o café da manhã se seguiu em silêncio. Todas as informações necessárias foram repassadas e agora restava apenas torcer para que tudo desse certo.
Não voltei a encarar Nowa, mas podia jurar que o mesmo me encarava vez ou outra. Meu treinamento iniciaria logo após a partida do grupo, mas antes disso, precisava me despedir de Roy.
O trio faria uma travessia no pátio principal do castelo para fora de Adalasiah, se deslocariam para Nova York, o mais próximo possível de Midnight para conseguir informações. Eu permanecia de longe, os dois demônios no centro, aguardando por Gardier. O mesmo estava diante de mim, segurando minha destra.
─۫─̸ Prometa que vai se cuidar, hum?
─۫─̸ Claro que vou Roy, eu que deveria estar preocupada... ─۫─̸ Argumentei. Tudo bem, as últimas vinte e quatro horas viraram minha vida do avesso, contudo estava cansada dessa autoproteção ao meu redor. Queria ser útil, queria me tornar útil de verdade.
─۫─̸ É apenas uma ordenada...─۫─̸ O anjo deu de ombros, não ligando se eu não entendia sobre a temática das bruxas. Contive um revirar de olhos e gesticulei para a dupla que parecia impaciente aguardando - o.
─۫─̸ Está na hora de você ir...─۫─̸ Roy seguiu meu olhar e suspirou, beijando suavemente minha testa e foi impossível não corar sobre o peso do seu olhar.
─۫─̸ Quando eu voltar, vamos continuar de onde paramos...
Era uma promessa, uma da qual eu não queria fazer parte. Entretanto, nada disse. Ele estava indo arriscar sua vida por mim, eu não poderia simplesmente ser uma vaca, afinal de contas, somos melhores amigos. Me limitei a um pequeno sorriso e o maior logo começou a se afastar até o centro, como um último presente, assobiei para o mesmo e o seu assobio de volta foi a última coisa que ouvi antes que o trio desaparecesse como mágica diante dos nossos olhos.
─۫─̸ Acabou o intervalo criança, bora. Já estamos atrasados por culpa do seu namorado... ─۫─̸ Mike resmungou com certo nojo caminhando até o centro da arena e gesticulando para que eu o seguisse.
─۫─̸ Ele não é meu...
─۫─̸ Mas ele quer ser...─۫─̸ Lia cantarolou se posicionando ao lado de Mike, as mãos atrás da costa e um olhar divertido.
Revirei os olhos e fiquei de frente para ambos aguardando e preferindo manter minha opinião enclausurada. O sorriso nos lábios de Mike e o ar de divertimento acabou, dando olá a uma atmosfera mais tensa, definitivamente não estávamos mais brincando.
─۫─̸ Bom, o objetivo é simples Luna. A fonte do seu poder está no colar em volta do seu pescoço...─۫─̸ Mike começou a explicação, não parecendo em nada com o rapaz brincalhão de outrora ─۫─̸ Mas, como eu disse, estar em um colar e não em você. E apesar de ser capaz de manipula - lo e usufruir um pouco dos dons, ainda não é suficiente. Precisamos deixa - la resistente, o mais forte possível até conseguimos colocar novamente seus poderes em você... ─۫─̸ Ele continuou, caminhando de um lado para o outro, como um soldado pronto para sua missão ─۫─̸ Não temos o luxo de esperar três dias até que desperte de cada tentativa...
─۫─̸ Ela usou muito dos poderes e foi a primeira vez, não sabia canalizar energia...─۫─̸ Lia murmurou me defendendo. Estavam se referindo a primeira vez que estive ali, o mínimo coma que entrei.
─۫─̸ Ela sequer usou 3% do seu potencial... ─۫─̸ Essa foi a resposta que me fez engasgar.
─۫─̸ O que? ─۫─̸ Questionei em uma voz fina, recordando da cena em que quase matei Roseta, todavia não foi os sentimentos que me inundaram na hora, foi o fogo.
─۫─̸ Seus poderes foram responsáveis por escravizar legiões de anjos até hoje. Acredita mesmo que um pouco de fogo invisível é todo seu potencial? ─۫─̸ Era uma pergunta retórica, contudo mesmo assim murmurei um 'não' baixo. Lia por outro lado, parecia verdadeiramente curiosa.
─۫─̸ Então, por que o diabo simplesmente não tomou conta de tudo junto com os outros? Ele tinha uma casta sobre seu comando e os mesmos poderes que ela usufrui...─۫─̸ A vampira parecia perdida em seus próprios pensamentos ─۫─̸ Por que não escravizar todos e obriga- los a reconhecê - los como superiores?
─۫─̸ Por Deus primeiro, que tipo de educação você recebeu? ─۫─̸ Mike perguntou incrédulo, dando de ombros em seguida, Lia por sua vez se tornou semelhante a um tomate e eu não consegui conter a risada que escapou dos meus lábios ─۫─̸ O diabo é o pai da mentira, não da inteligência... ─۫─̸ Era perceptível o desprezo do caído pelo rei do inferno ─۫─̸ Agora bora Luna! Dez voltas por toda arena! Vamos!
Arrrrg. A paz havia terminado.
Eu sempre fui uma aluna modelo na escola- pelo menos quando frequentava - boas notas em quase todas as disciplinas, menos educação física. Nada pessoal, contudo exercício físico e eu não combinamos. Entretanto, não retruquei a ordem do caído, porque se eles precisavam que eu me tornasse mais forte, então eu me tornaria a porra de um tanque de guerra.
Depois de aquecer, iniciei a corrida assim como Mike instruiu. Dez voltas pela arena, esta sendo maior que o ginásio no qual eu estava habituada a fazer meia volta. Até a metade da primeira, eu consegui manter um ritmo ofegante, acreditando realmente que não estava fora de forma. Na metade da segunda o suor já cobria meu corpo e o ar não adentrava os pulmões direito, na terceira precisei parar quatro vezes para respirar, na quinta eu desisti me jogando no chão.
─۫─̸ Por Deus primeiro...─۫─̸ Lia resmungou encarando minha figura desolada, tentando não desmaiar e tornar tudo mais humilhante.
─۫─̸ Estamos ferrados...─۫─̸ Mike declarou com as mãos na cintura. E dessa forma, foi encerrado o primeiro treino, não durando sequer uma hora completa.
♡
Felizmente meus professores não eram 'tiranos' e deixaram que eu retornasse até meus aposentos para um banho, seguido do almoço, pois deveria repor as energias e continuar a segunda parte no período tarde.Dessa vez o foco não seria o físico e sim o mental.
Fiz como instruído e após um longo banho de banheira, comi o triplo que comeria normalmente, mas levando em consideração a alimentação precária que eu tinha com Roseta, não era estranho que eu mal aguentasse está de pé no primeiro dia. Fui guiada por outro caminho, na direção contrária da arena e ao abrir a porta do local, tive certeza que meu queixo estava no chão.
Uma biblioteca. Uma biblioteca enorme, com o maior número de livros que eu já vi uma vez na vida e levando em consideração que frequentei todas as bibliotecas públicas de Florença, realmente eram muitos livros. Inúmeras prateleiras recheadas, com volumes de capa dura e a arte de uma época que não correspondia a atual. Não havia livros daquele século, tinha certeza disso.
Além dos numerosos, ao fundo do ambiente havia algumas mesas para estudo e Mike estava em uma dessas, com seus pés sobre a superfície de madeira concentrado em sua leitura, ao seu lado estava Lia, aguardando.
─۫─̸ Vamos estudar? ─۫─̸ Perguntei confusa e obviamente Mike riu. Lia estava na mesa ao lado do caído e na superfície de madeira jazia vários volumes, de diferentes gêneros.
─۫─̸ Na verdade, vamos organizar. Você vai guardar todos esses livros... ─۫─̸ A vampira respondeu suavemente com um encolher de ombros.
Franzi o cenho não entendendo onde esse treinamento encaixava, como isto me tornaria mais forte? Mesmo assim me aproximei mais, passando o dedo pela lombada dos livros, sentindo a textura. Pelo menos não iria ficar correndo feito louca e quase morrendo. Fiz menção de pegar o primeiro volume, mas a loira bateu rispidamente na minha mão.
─۫─̸ Aí! ─۫─̸ Resmunguei, trazendo a palma para junto do meu peito.
Mike parecia estar divertindo horrores, já parecia sem ar de tanto rir. Ele apanhou uma revista do seu colo e a abriu com uma calma casual.
─۫─̸ Isso é uma revista pornô!
─۫─̸ Jura? ─۫─̸ O mancebo perguntou com ironia dando uma olhada na capa, onde obviamente havia uma mulher pelada ─۫─̸ Achei que fosse Shakespeare...
Será que se eu me concentrasse o suficiente poderia queima - lo vivo? Era algo a ser considerado.
Lia revirou os olhos e trouxe minha atenção para ela outra vez.
─۫─̸ Mova os objetos com sua mente Luna....
─۫─̸ Tipo a Jean Grey? ─۫─̸ Perguntei confusa e novamente estava ali a risada anasalada do caído.
─۫─̸ Não sei quem é, porém é exatamente o que eu falei, mova os livros com sua mente. Tanto demônios como anjos ou caídos...─۫─̸ Um olhar foi dedicado para o rapaz concentrado em sua revista imprópria ─۫─̸ Possuem telecinesia e é algo tão natural quanto respirar para eles, não requer quase nada de energia...
E como se para confirmar os dizeres da vampira, um dos livros da estante mais próxima começou a deslocar sozinho, até parar diante de Mike - o mesmo ainda com o olhar voltado para sua revista -, apenas largando-a para lançar um olhar agridoce em nossa direção.
─۫─̸ Agora sim esse é Shakespeare...─۫─̸ Murmurou apanhando o livro flutuante.
Apertei a ponta do meu nariz e contei até dez. Respira, respira, respira, guarde seu réu primário garota.
─۫─̸ Ignore ele, concentre e comece. Sinta o poder do colar, toque nele com calma, suavidade e retire apenas um pequeno fio para realizar a tarefa... ─۫─̸ As falácias da vampira eram calmas, suaves e concordei com a cabeça.
Diante dos livros, minha destra apanhou o colar em volta do meu pescoço, sentindo a textura, o metal frio quando a magia não estava presente, o peso dele e suspirei encarando meu objetivo. Tentei fazer como ensinado, tentei sentir aquela sensação poderosa que dominava minhas veias em situações que o poder se fazia presente, mas não havia nada, parecia um poço vazio. Não desisti e continuei tentando, escavando cada vez mais fundo, tentei fechar os olhos, ignorar qualquer ruído exterior, apesar de não haver nenhum. Entretanto, um máximo que consegui foi um latejar na têmpora esquerda.
─۫─̸ Mova...─۫─̸ Tentei usar do mesmo charme na voz que usei em Sophia, mas não havia nenhum resquício daquele poder fabuloso. Observei os ombros de Lia caírem e a mesma suspirar, abrindo um singelo sorriso.
─۫─̸ Continue tentando, apenas vou dar uma olhada na patrulha de fênix, Mike irá ficar te observando...─۫─̸ A moiçola tentou parecer animada e me deu um tapinha no ombro encorajador antes de seguir para fora da biblioteca, minhas bochechas ardiam com vergonha.
─۫─̸ Se você é um ser celeste, ou era. Por que não faz essa parte do treinamento?
Estava curiosa, e observei o caído levantar o olhar da revista parecendo surpreso com a minha pergunta. Apesar disso, ainda mantinha minha atenção nos livros, mandando - os se moverem dentro da minha mente, obviamente não houve resposta.
─۫─̸ Eu sou péssimo como professor, Nowa me encarregou do seu treinamento físico porque de fato sou o melhor nesse quesito, mas lidar com a teoria e baboseiras básicas? ─۫─̸ O maior disse indiferente, estalando a língua no céu da boca ─۫─̸ Sem chance. A Lia é a nerd, passa mais tempo aqui nessa biblioteca catalogando informações sobre a nossa espécie, do que no quarto.
Ponderei suas palavras com cuidado, dando conta que Lia era a única vampira naquele lugar e morava no castelo junto com a corte infernal e não no vilarejo com os restantes. Contudo, mesmo assim, ela não pertencia ao grupo como os demais. O quão solitário deveria ser?
─۫─̸ Agora sem papo furado, volte a treinar...
Resmunguei um palavrão que fez Mike rir novamente e voltei para a tarefa com os malditos livros pelas próximas cinco horas. Naquele primeiro dia, nenhum se moveu.
♡
Depois do treino fatídico, acompanhei Lia e Mike no jantar e diferente do restante do dia, até que foi divertido. Os dois viviam se provocando, prometendo matar um ao outro e Lia não parecia perceber o olhar de adoração no rosto do caído, mas eu sim.
Mas, eu literalmente não iria dar uma de cupido.
E apesar da preocupação com a missão e o trio, consegui me distrair por mais uma horinha, esquecendo sobre poderes, colar, maldições e afins. Apenas parecíamos três jovens tendo uma refeição conum.
Após a sobremesa, me despedi de ambos com o intuito de tomar um banho e capotar, o cansaço da madrugada anterior dominando meu corpo. Segui sozinha pelos corredores que aos poucos estavam se tornando familiar.
Por que um lugar tão grande para tão poucas pessoas? Fiz uma nota mental para questionar a história do lugar com Lia, parecia ser algo que eu iria querer saber.
Ao adentrar o quarto tive duas surpresas. A primeira, a lareira estava acesa me esperando, o ambiente quentinho e perfeitamente arrumado. Me abaixei procurando por alguma fae debaixo da cama, no entanto a única coisa que consegui foi parecer patética.
A segunda surpresa era um bilhete na cômoda ao lado da cama, um papel que certamente não estava ali de manhã. Franzi o cenho e apanhei o mesmo, lendo seu conteúdo. Uma frase curta, simples, e cheia de significados.
"Durante nenhum segundo da minha existência, eu me arrependi de ter te salvado. Desculpe. Eu quero deixar você me conhecer" ─── Nowa.
─۫─̸ Será que ele tem um óleo de peroba pra passar nessa cara de pau? ─۫─̸ Questionei comigo mesma, rasgando pedacinho por pedacinho do bilhete e jogando na lareira. Aquele momento da madrugada havia sido um delírio de personalidade minha, jamais voltaria a acontecer e jamais deixaria ele me humilhar outra vez. Segui para meu banho irritada e depois fui dormir mais irritada ainda.
No outro dia de manhã, o bilhete estava outra vez na cômoda, perfeitamente impecável como no dia anterior. Mágica. Gritei de frustração, e voltei a rasga - lo, dessa vez jogando seus pedaços pela sacada e deixando o vento leva - los para longe de mim.
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