𝐓𝐑𝐔𝐒𝐓 𝐍𝐎 𝐎𝐍𝐄
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𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐒𝐈𝐗𝐓𝐄𝐄𝐍
𝐓𝐑𝐔𝐒𝐓 𝐍𝐎 𝐎𝐍𝐄
⚠️ Esse capítulo faz MENÇÃO a sexo. Se não sentir-se confortável, pule a leitura. ⚠️
⛈︎彡𝐃𝐚𝐥𝐥𝐚𝐬, 1963 - 𝐂𝐞𝐥𝐞𝐬𝐭𝐞 𝐇𝐚𝐥𝐞.
VER POGO TÃO AGITADO era uma raridade. Desde que os três delinquentes invadiram a empresa, o pai de Celeste, Reggie, andava em alerta, preocupado com a segurança dos segredos importantes.
— Por que você não come, querida? — perguntou ele, ao notar Celeste distraída, mexendo na comida no prato, os pensamentos longe, ainda voltando aos eventos daquele dia.
— Tem algo... martelando na minha cabeça — respondeu Celeste, hesitante, escolhendo as palavras com cuidado. Reggie parou de comer, a expressão séria, atento ao que ela dizia.
— O que houve?
— Aqueles três que invadiram a empresa. Em especial... a garota.
— Não percebi que tinha uma garota — ele comentou com indiferença, dando de ombros e voltando a comer, como se a invasão tivesse sido apenas um contratempo.
— Ela era como eu, pai — disse Celeste, sem rodeios. Isso fez Reggie parar de mastigar, surpreso, fixando os olhos nela.
— Como assim, Hale?
— Eu senti a energia dela — explicou Celeste, um arrepio correndo por sua coluna ao recordar a sensação. — Ela era poderosa. Senti como se... houvesse algo de mim nela.
Por um momento, Reggie soltou uma risada nasal, balançando a cabeça enquanto retomava sua refeição.
— O que tem de engraçado? — perguntou Celeste, irritada, franzindo o cenho.
— Isso é impossível.
— Mas ela tem potencial para ser desenvolvido — insistiu ela. — Ela é realmente muito forte.
Reggie ficou em silêncio, os olhos distantes, como se ideias antigas, ou uma dúvida adormecida, estivessem de repente despertando.
— Preciso fazer uma ligação — murmurou, levantando-se abruptamente da mesa e saindo em direção ao próprio quarto.
Assim que se afastou, Reggie pegou o telefone e discou o número de Hoyt Hillenkoetter, aguardando a ligação ser atendida.
— Reginald? Que surpresa receber uma ligação sua.
— Eu encontrei a arma do estado que você queria.
— Vai ceder sua filha? Finalmente... achei que isso nunca aconteceria.
— Na verdade, não — disse Reggie, firme. — Encontrei alguém com um potencial tão bom quanto o dela. Você só precisa fazer uma ligação.
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⛈︎彡𝐃𝐚𝐥𝐥𝐚𝐬, 1963, 𝐜𝐚𝐬𝐚 𝐝𝐨𝐬 𝐁𝐥𝐚𝐤𝐞𝐬 - 𝐂𝐢𝐧𝐜𝐨 𝐇𝐚𝐫𝐠𝐫𝐞𝐞𝐯𝐞𝐬.
⚠️ Conteúdo repetido. Se não desejar ler o ponto de vista de Cinco, pule essa escrita!
A caminhada até a casa onde Celly estava hospedada foi tranquila. Claro, o corte das garras de Pogo ainda ardia em meu pescoço, mas eu preferia suportar a dor a ver Celeste passar mal com os teleportes. Ela já estava comendo pouco, e a última coisa que eu queria era provocar ainda mais desconforto a ela. Sabia bem que seu apetite reduzido era culpa minha. A conhecia o suficiente para entender que a ansiedade a dominava; se o apocalipse não estivesse prestes a acontecer, ela certamente estaria mais calma e se alimentando melhor.
Quando chegamos à casa — comum, simples, mas aconchegante de algum modo —, Celeste bateu à porta. Parecia tensa. No caminho, confessou que precisava se despedir das pessoas ali. Era claro que não queria fazer isso. Havia criado laços com eles, quem quer que fossem, mas agora precisava cortar esses vínculos. Mais uma vez, culpa minha, que a deixei sozinha por tantos anos, e agora, que precisávamos retornar ao nosso tempo, cabia a ela dar adeus. Isso, claro, se conseguíssemos salvar o mundo.
A porta se abriu, revelando uma garota de altura mediana — se Celeste não tivesse dito que ela faria dez anos, eu jamais acreditaria. A altura fazia parecer que tinha uns oito. Ela tinha cabelos longos e escuros, vestida com roupas exageradamente coloridas e chamativas. Era Samantha. A pirralha que, segundo as brincadeiras de Celly, quase roubou meu título de "pessoa favorita". Um sorriso genuíno me escapou ao finalmente conhecê-la.
Ao ver Celeste, Samantha abriu um grande sorriso e levantou as sobrancelhas, animada.
— Celly! — exclamou, agarrando-se às pernas de Celeste. Para mim, quase soava cômico como nós três, de algum jeito, parecemos enganar a verdadeira idade.
— Eu estava com saudade da minha parceira número um! — respondeu Celeste, retribuindo o sorriso. Ela acariciou os cabelos de Samantha e lhe deu um beijo afetuoso no topo da cabeça. Havia algo de comovente na cena, algo quase fraternal, que revelava o carinho genuíno entre as duas.
— Eu sou sua única parceira — Samantha retrucou com uma pontada de ironia. Deixei escapar um riso baixo, mas, logo em seguida, senti o olhar curioso de Samantha sobre mim.
— Mais ou menos.
— Quem é ele? — ela perguntou, levantando as sobrancelhas. Havia algo quase sarcástico no seu tom, um encanto audacioso.
— Sou… — respondi, sentindo um impulso quase incontrolável de dizer "o namorado dela", mas me contive para não deixá-la desconfortável. — …o melhor amigo dela.
No fundo, eu adorava o rótulo de "namorado", mas se dissesse isso, imaginei que ela poderia lançar uma resposta rápida e afiada: "Onde você estava, namorado, enquanto ela esteve sozinha nos últimos seis anos?". E ela teria razão. Eu merecia, de certa forma, ser criticado.
Celeste pareceu notar que quase deixei escapar algo a mais.
Enquanto eu me perdia em pensamentos, uma segunda figura surgiu à porta: o famoso Thomas, apaixonado pelo Buick Centurion. Era um jovem de estatura mediana, com cabelos e olhos escuros como os da irmã, e sua presença exalava um ar incômodo de conforto ao lado de Celeste.
Thomas apareceu sorrindo, segurando um caderno, provavelmente ajudando Samantha com a lição de casa. Seu rosto parecia brilhar de alegria ao ver Celeste chegar, algo que me fez sentir o sorriso desaparecer do meu rosto.
— Celeste! Que bom que você voltou! — exclamou Thomas, com um sorriso caloroso, quase sufocante de tão acolhedor. Ele a abraçou de um jeito um tanto desajeitado, o que pelo menos foi um alívio. — Pode entrar, vem! — Ele parecia realmente feliz por recebê-la. Mas então, seu olhar encontrou o meu, e por um breve segundo, vi um lampejo de desdém cruzar seu rosto antes de ser substituído por uma expressão amistosa. Quase revirei os olhos. — Ah, e você também pode vir. Fique à vontade — acrescentou, voltando-se para mim com aquela receptividade irritantemente falsa. — Ele está machucado? — Thomas perguntou, em um tom que tentava soar atencioso, embora sua preocupação parecesse tão genuína quanto uma nota de três reais. Claro que ele reparou na minha mão e pescoço sujos de sangue.
— Sim — Celeste murmurou, lançando-me um olhar preocupado. O sangramento havia parado, mas a ardência ainda estava lá. — Tem curativos?
— É claro. Eu trago em um instante.
Eu nem sabia ao certo o que sentia em relação a Thomas. Na verdade, eu sabia muito bem, só não queria admitir. Chamar isso de ciúmes parecia intenso demais. Eu só não gostava da presença dele ao lado de Celeste, não gostava de vê-lo tão à vontade, sorrindo para ela, e muito menos de vê-lo abraçando-a com saudade, bem na minha frente.
Celeste entrou na casa, com um olhar quase nostálgico. Parecia em casa ali. E eu? Eu estava evidentemente deslocado. A única pessoa suportável naquele lugar era a garotinha, Samantha, que ao menos era mil vezes mais interessante que o irmão. Coloquei as mãos nos bolsos, tentando disfarçar meu desconforto e controlar os nervos.
— O Tony já chegou? — Celeste perguntou, curiosa.
— Ah, sim. Ele passou o dia todo dormindo, coitado. Não estava se sentindo muito bem — respondeu Thomas, fazendo uma careta leve. — Sammy, chama o papai para as visitas, por favor — pediu, e Samantha saiu correndo, resmungando, mas obediente. Thomas então olhou para mim e, estendendo a mão, disse: — Imagino que você seja o Diego.
Diego? Graças a Deus ele é só meu irmão adotivo, porque ser confundido com ele é quase uma ofensa à minha inteligência.
— Na verdade, meu nome é Cinco — respondi, o desdém escapando na minha voz, mesmo sem eu querer. Apertei a mão de Thomas com firmeza, enquanto ele me encarava, curioso. "Lá vem mais uma pergunta idiota", pensei.
— Cinco? Tipo os números que aprendemos quando crianças? — perguntou ele, tentando processar a informação.
"Tá surdo, por acaso? Claro que são como os números", pensei, lutando para não revirar os olhos. Esse cara realmente me tirava do sério.
Em um gesto quase automático, envolvi a cintura de Celeste, puxando-a para perto. Um sorriso falso e educado se formou no meu rosto.
— Sim.
Nesse momento, um homem de meia-idade apareceu vindo de um dos quartos. Parecia um pouco tonto e cansado, ainda bocejando enquanto se aproximava. Ao me notar, rapidamente ajeitou os cabelos, tentando parecer mais apresentável.
— Oi, Celeste! — cumprimentou, abraçando-a de lado com um único braço. — Me desculpe por isso, eu tô acabado — resmungou, num tom meio brincalhão.
Ele então olhou para mim com curiosidade, claramente avaliando quem eu era. Pelo menos esse aí não parecia inclinado a dar em cima da mulher que eu amava.
— Oh... e você é...?
Aproveitei a deixa e estendi a mão, tentando dar meu melhor sorriso, ou pelo menos, um que não parecesse tão cínico quanto o que eu dei para Thomas.
— Cinco Hargreeves — respondi. Quando ele apertou minha mão, seu aperto foi frouxo, como se estivesse hesitante. — Prazer.
O homem franziu o cenho, como se algo não o deixasse confortável. Não tinha ideia do motivo, mas o desgosto em seu rosto era claro. Talvez meu sorriso não tivesse ajudado, ou talvez ele simplesmente não gostasse da minha presença.
De repente, ele apertou minha mão com mais força, como se quisesse afirmar alguma coisa. Sua postura mudou, mais confiante, mais assertiva.
— Bom... eu... — murmurou. — Eu sou Anthony Blake. Pode me chamar de Tony. — Sua expressão relaxada retornou rapidamente, mas havia uma tensão escondida ali.
"Anthony Blake" pensei. Aquele nome me parecia vagamente familiar. Ele soltou minha mão antes de mim, me observando com um olhar cauteloso. A atmosfera estava ficando mais densa. Me forcei a tentar lembrar de onde eu conhecia aquele homem. "Por que ele é tão familiar?", pensei, cada vez mais inquieto.
— Entrem, entrem. Fiquem à vontade. Imagino que você vá ficar mais uns dias aqui, não? — Tony perguntou a Celeste, erguendo uma sobrancelha. Parecia evidente que não queria que ela fosse embora. Talvez não confiasse em mim? Por que aquele cara estava agindo assim?
Celeste abriu a boca para responder, mas hesitou. Sua voz falhou, e no mesmo instante, o rosto de Tony murchou. Ele parecia saber a resposta.
— Bom... Cinco demorou para voltar — a voz de Celly ressoou, e senti meu coração dar um tropeço. A culpa, que nunca desaparecia, apertou de novo. —, mas agora vai ficar mais fácil pra mim. Ele é... da família, digamos assim.
"Da família?" pensei, com uma ironia mordaz. "Vou considerar isso um pedido de casamento." Um sorrisinho irônico escapou.
— Não quero mais atrapalhar vocês, Tony.
— Atrapalhar?! Nunca, Celly — Thomas interveio com rapidez, o rosto demonstrando um nervosismo irritante. Ele estava tão abalado quanto o pai. E minha vontade de socar aquele rosto dele só crescia. — Você sabe que poderia ficar conosco por mais seis anos e seria um prazer.
"Prazer?" Porra, isso já estava beirando o insuportável.
Travei o maxilar e cerrei o punho, irritado com aquele idiota que parecia não entender o limite. O que ele achava que estava fazendo? Daqui a pouco ia agarrar a Celly na minha frente, é isso?
— Ora, Thomas. É bom que ela tenha encontrado a família. Sentiremos falta, é claro. — Anthony falou, fazendo uma careta de mágoa. “Pelo menos alguém aqui sabe ser racional”, pensei, me esforçando para manter a calma. Ele pôs a mão nas costas de Celeste, puxando-a para mais perto da entrada da casa. — Não posso mentir dizendo que ficarei feliz com um quarto sobrando.
— A Celly vai embora? — A vozinha de Samantha interrompeu, e seus olhos brilhavam, mas não de alegria. Ela segurava o ursinho como se ele fosse a última âncora naquele momento de despedida.
Celeste hesitou por um instante, visivelmente tocada.
— É... eu não pretendo ficar mais, Sammy — disse, com uma tristeza sincera. Abaixou-se até o rosto da menina e deu um beijo suave em sua testa. — Eu não posso prometer que vou te ver novamente. Talvez eu e minha família nos mudemos para um lugar bem longe.
A positividade dela era de admirar, quase me incomodava o quanto ela conseguia ser gentil mesmo nas despedidas. Eu, por outro lado, sabia bem o que faria se tudo desse errado: morreria, literalmente. Mas não, não podia desistir. Não depois de tudo que passamos, não depois de ela ter se declarado para mim.
Enquanto meus pensamentos vagavam, senti o olhar de Thomas sobre mim, e ele não era nada intimidador, apenas cheio de curiosidade. Era como se ele tentasse me decifrar, e só de pensar nisso eu já queria revirar os olhos.
"Celeste gostaria que eu fosse amigável", pensei, resignado. Tirei as mãos dos bolsos, cruzei-as casualmente em frente ao corpo e dei um passo à frente, tentando não parecer tão rancoroso quanto me sentia.
— Eu posso me sentar aqui? — perguntei, apontando para a poltrona com um sorriso falsamente simpático. Meu tom de voz, no entanto, insistia em soar carregado de ironia. "Se controle", disse a mim mesmo, mas não esperei resposta; me sentei na poltrona vermelha.
— Claro... fique à vontade — disse Thomas, ainda de pé, encostado na parede ao meu lado. Parecia meio hesitante, me analisando. "Por que esse pirralho está me olhando como se eu fosse parte de uma entrevista?", pensei, segurando a vontade de lançar mais uma provocação.
Desviei o olhar para a televisão, onde passava o jornal da noite. A estética antiga me chamava a atenção: a cinematografia, de um jeito peculiar, parecia retrógrada, o áudio meio distorcido, a imagem sem brilho. De algum jeito, era quase aconchegante.
Foi aí que percebi Thomas me encarando. Toda vez que eu desviava o olhar da tela, ele disfarçava e recuava, como se temesse me encarar diretamente. "Medroso", pensei, desgostoso.
— Então, vocês são... irmãos? — Thomas perguntou, com um olhar curioso, enquanto Celeste estava entretida em conversa com Anthony.
Voltei a olhar para ele, estreitando os olhos. "Esse cara é louco por ela. Que filho da mãe", pensei, com o ciúme me corroendo. Aquela pergunta me soou irritante. Quem se importava? Só o fato de ele buscar qualquer desculpa para se aproximar de Celeste já me deixava com vontade de afastá-lo o máximo possível.
— O quê? Claro que não — falei, fazendo uma careta de nojo. — Eca. Só de imaginar isso já me embrulha o estômago.
— Por que nojento? Vocês têm... sentimentos? — ele insistiu, com uma expressão confusa. Quase sorri. "Ingênuo", pensei. Acreditava com tanta facilidade.
— É — dei de ombros, com uma confiança que ele parecia não entender. Soltei um suspiro, ajeitando-me na poltrona. — Sabe como é… ela me ama, eu amo ela.
— Ah... sim, entendi — murmurou ele, desviando o olhar para a tevê, claramente incomodado, com a língua pressionada contra a bochecha. O garoto estava visivelmente irritado.
Eu sabia que, sem o amor de Celeste, provavelmente perderia o rumo. Mesmo com ela já tendo se declarado, sentia a necessidade de reconquistá-la todos os dias. Era impagável vê-la corando, toda desconcertada, quando eu a tocava ou a provocava. Aquela mulher me deixava louco.
Minha mente vagava por todas as maneiras que ela fazia meu coração disparar, mas então vi Thomas lançando um olhar para ela, e o ciúme retornou com força.
— Sabe, eu não tenho problemas em falar com ela — comecei, atraindo sua atenção. Ele virou-se lentamente, como se lutasse para não revirar os olhos. — Mas não quero… segundas intenções com a minha namorada.
— Não é algo que se pode controlar — ele rebateu, afiado, cruzando os braços, cheio de si. Eu quase sorri, incrédulo.
— Não me importo — falei, dando de ombros, enquanto sentia o sangue ferver. "Que audácia é essa?"Minha paciência, que já era pouca, estava por um fio. — Isso é problema seu.
— Você é extremamente prepotente — ele respondeu, com irritação evidente. Parecia estar tentando alguma aproximação, por mais que eu deixasse claro que não estava interessado. — Não sei como a Celly gosta de você. Você a deixou esperando por seis anos. Chega agora e-
Eu me levantei num pulo, o que o fez parar. Fiquei bem na frente dele, encarando-o. "Eu não ouvi isso", pensei, sentindo a raiva crescer. Mesmo ele sendo um pouco mais alto, não ia me intimidar. Era apenas um pirralho de uns dezoito anos, enquanto eu estava preso nos dezesseis, fisicamente. Mas pouco importava.
Ele hesitou, parecendo repensar o que disse.
— A Celly me perdoou pelos seis anos — sussurrei, como se precisasse lembrar a mim mesmo dessa verdade. Claro, com ela era fácil; eu amava sua bondade. Mas mesmo assim, a culpa me consumia. — Mas se você repetir isso novamente… bem na frente dela... — deixei as palavras escaparem, a raiva queimando. — Vou cortar sua língua e dar ela para o cachorro da vizinha.
Thomas ficou visivelmente desconcertado, quase engasgou. Ouvi o som seco da sua garganta engolindo em choque.
— Entendeu, Thomas? — perguntei, encarando-o com firmeza. Ele respirou fundo e assentiu, ainda que relutante, a expressão marcada pelo desconforto.
Celeste então se aproximou, como se tivesse percebido a tensão no ar e quisesse interromper o que acontecia, mesmo sem saber exatamente o que era. Ela pigarreou, claramente desconfortável.
— Tudo bem? — perguntou, lançando um olhar para Thomas, que respondeu com um sorriso tranquilo. "Esse idiota, nem parece que acabou de ser ameaçado", pensei, irritado. Eu quase invejei a habilidade dele para falsos sorrisos. — Onde você havia colocado os curativos mesmo?
"Finalmente, um pouco de atenção para o namorado", pensei, sorrindo de verdade perto dela.
— Ah, perdão. — Ele resmungou, com um toque de arrependimento, parecendo amaldiçoar a si mesmo. Thomas olhou para mim e depois para ela, como se quisesse sair dali o quanto antes. — Estão em cima da mesa.
Celeste foi direto até a sala de jantar, pegando os curativos com agilidade. Thomas, sem dizer mais nada, se retirou, finalmente.
Eu me joguei de volta na poltrona, tentando afastar a irritação que aquele moleque havia me provocado. Mas, enquanto esperava Celeste, minha mente voltou a questionar o porquê de o nome "Anthony" parecer tão familiar. Observei os dois interagindo, tranquilos, como uma família. Mas não me enganava; aquela calmaria tinha uma camada de falsidade que eu não podia ignorar, principalmente vinda de Anthony.
Quando Celeste retornou, por um instante quase esqueci todas as suspeitas. Ela tinha esse efeito: só de estar perto, me fazia esquecer de qualquer problema.
Inclinei o pescoço para que ela limpasse a ferida. A situação toda — estar ali naquela casa, me irritando e desconfiando de cada um deles, exceto a pequena — tinha me feito quase esquecer o ataque que levei de Pogo.
Celeste estava de pé, concentrada, enquanto limpava meu ferimento. Eu, sentado, observava cada detalhe dela. Quando terminou, ela grudou um curativo simples, só para proteger.
— Obrigado, Celly — falei, e antes de conseguir me controlar, passei o braço ao redor da sua cintura. Ela estremeceu ao meu toque, o que me fez sorrir. Parecia um incentivo.
Puxei-a para perto e depositei um beijo, até onde consegui alcançar sentado, terminando por beijar seu ventre.
Ela sorriu. Olhei para cima e vi o rosto dela corado, ainda mais desconcertada do que antes, se é que isso era possível.
Se estivéssemos sozinhos e longe da casa dos Blake, aquele seria o momento perfeito para finalmente beijar seus lábios.
Celeste se desvencilhou do meu braço, e por um segundo quase fiz um bico, meio chateado. Ela parecia exausta, e queria apenas descansar. Mas então Anthony olhou para ela — um olhar que parecia conter toda a irritação que ele tinha de mim, como se fosse culpa dela por qualquer coisa. Um olhar de desgosto que ele disfarçou depressa. Aquilo me enervou profundamente. Me lançar olhares de reprovação, vá lá... mas para Celeste?
— Vou pegar minhas coisas, se vocês não se importam. Já está tarde, precisamos voltar. — As palavras de Celeste tinham um peso. Eu sabia que ela também não estava feliz com aquela despedida.
Levantei-me da poltrona, ficando ao seu lado.
— Pode pegar suas coisas no seu quarto. Se quiser, eu te ajudo a carregar a caixa. — Thomas logo se ofereceu, mas parecia mais interessado em… impressioná-la?
"Esse moleque realmente não tem medo de se tornar mudo de uma hora para outra, tem?", pensei, sentindo a ideia de cortar a língua dele evoluir para um desejo intenso de acertar um soco no meio da sua cara.
— Pode deixar que eu ajudo ela. — Fui rápido e fiquei ao lado de Celeste. Ela lançou um sorrisinho divertido, como se achasse graça da situação.
— Obrigada, Thomas — respondeu Celeste, e sem esperar mais, fomos até o quarto dela.
O quarto era simples: paredes brancas, uma cama com cobertor rosa, um guarda-roupa de carvalho, um tapete colorido e um espelho. Pegamos uma caixa e fomos separando apenas o essencial: um par de sapatos, um pijama, dois vestidos e algumas calças que ela tinha adquirido, incluindo a roupa da aterrissagem — o casaco canguru rosa com capuz, calça jeans azul e uma blusa branca de manga curta. As mangas do casaco estavam levemente avermelhadas, o rastro da luta com Vanya. Certamente era o sangue dela, que tinha manchado o tecido.
Saímos juntos do quarto, eu carregando a caixa de roupas organizadas. Mas antes que eu pudesse reagir, Thomas abraçou Celeste.
Se a intenção dele era me deixar com ciúmes e raiva, ele conseguiu com sucesso.
Mas, para minha paz, Celeste claramente não via nada demais naquele gesto. Se ela o escolhesse, e eu? Bem, eu queria acreditar que aceitaria, mas seria mentira. Claro, não ficaria sendo invasivo com ela. Jamais. Deixaria ela seguir a vida. Provavelmente acabaria me afundando em álcool, remoendo aquilo. Seria insuperável.
Samantha também correu até Celeste, abraçando-a com toda a força, claramente triste em vê-la partir.
Observei a cena em silêncio, um sorriso leve surgindo enquanto via Celeste ao lado da garotinha. Ela sempre se deu bem com crianças, e eu adorava isso nela. Eu também gostava de crianças, apesar de muitas vezes ser impulsivo e ignorante. A ideia de ter filhos aparecia às vezes, mas ela sempre me provocava um certo medo.
Eu sabia que Celeste seria uma mãe incrível. Mas e eu? Como poderia ser um bom pai depois do que eu já tinha feito? Meu passado me assombrava. Eu tinha sangue nas mãos. Mesmo que fosse por sobrevivência, aceitar trabalho sujo e tirar vidas pesava na consciência. Como eu poderia ser pai com aquela carga? Nem com todo o esforço do mundo acho que algum dia me sentiria limpo o suficiente para isso.
— Te amo, Celly — disse Samantha, dando um beijinho no rosto dela. Era evidente a proximidade das duas.
— Eu também te amo, Sammy — respondeu Celeste, beijando a mão da menina antes de se levantar. Depois, ela se virou para Anthony. — Tchau, Tony — disse, abraçando-o rapidamente. Ele murmurou um "Tchau, Celly".
Me despedi apenas da garotinha, dizendo um "Toca aqui!" para ela — a única pessoa ali que não me passava um mau pressentimento.
Apertei a caixa com mais firmeza e, com Celeste ao meu lado, seguimos até a esquina, prontos para teleportar sem deixar suspeitas.
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⛈︎彡𝐃𝐚𝐥𝐥𝐚𝐬, 1963, 𝐝𝐢𝐚𝐬 𝐚𝐭𝐮𝐚𝐢𝐬.
Ao chegarem de volta à loja de eletrônicos, Celeste e Cinco subiram as escadas lentamente em direção aos cômodos. A madrugada já se aproximava, e o cansaço se fazia presente nos olhos de ambos.
— Aquela garota da empresa do papai... — Celeste comentou, hesitante, parando na cozinha antes de entrar nos outros cômodos. — Eu fiquei muito confusa com o que aconteceu, Cinco. Ela claramente… era eu.
— Não sei te dizer quem ela é, querida. — Ele tentou tranquilizá-la, embora detestasse não ter uma resposta. — Mas ainda vamos descobrir. Vamos, pelo menos, tentar.
Cinco pousou a mão nas costas dela com carinho. Ela assentiu, mas o olhar ainda carregava um toque de incredulidade. Seguiram juntos para a sala, onde Celeste franziu o cenho ao notar Diego deitado no sofá, com Lila inclinada sobre ele, cauterizando uma ferida em seu abdômen.
— Ele não morreu?! — Cinco perguntou em tom irônico, a voz escorrendo sarcasmo e surpresa.
— Decepcionado? — Lila retrucou com a mesma ironia. Celeste passou pela porta e foi direto até a poltrona, onde se jogou sem muita cerimônia, soltando uma respiração exasperada. Cinco permaneceu no batente, com os olhos semicerrados.
— Em te ver? Claro que sim — Cinco disparou, afiado, tocando no curativo do pescoço.
— Tanta hostilidade em um pacote tão pequeno... — Lila resmungou, com desdém. A implicância entre os dois era quase palpável, e Celeste revirou os olhos, sentindo-se exausta. Ela entendia por que Cinco desconfiava tanto de Lila; ele já havia explicado isso para ela mais cedo. Cinco era do tipo que usava a implicância para mostrar sua falta de confiança, enquanto Celeste costumava ser mais direta, com sarcasmo e uma boa dose de agressividade. — Se cortou fazendo a barba? Te ensino a se barbear feito um rapazinho — Lila provocou, sorrindo com ironia.
— Na verdade, encontramos um velho amigo da família — Cinco respondeu, mais calmo, mas com o olhar distante. Ele lançou um breve olhar para Celeste, que observava Diego, ainda meio adormecido e murmurando algo. Quando Cinco olhou para o outro lado da sala, viu Elliot, ainda amordaçado e amarrado na cadeira de dentista. — Não soltou ele?!
— Era pra soltar? — Lila perguntou, com uma falsa inocência. Celeste quase riu, incrédula.
— Não sei por que ainda falo com você — Cinco retrucou, exasperado. Com dois rápidos teleportes, ele se moveu para o lado de Celeste e, em seguida, levou ambos para o quarto.
Assim que o cenário mudou, Celeste resmungou, afetada pelo enjoo repentino. Ela odiava quando ele a teleportava sem aviso.
— Avise!
A voz dela saiu irritada enquanto se sentava na cama, a expressão nada feliz. Cinco se arrependeu instantaneamente. Ele sabia o quanto ela odiava essas surpresas e percebeu que seu impulso, causado pela desconfiança crescente em relação a Lila, havia passado dos limites. Sentiu-se um pouco ridículo.
— Me desculpe, querida — Cinco pediu, a voz rápida e cheia de arrependimento, os olhos expressando uma sinceridade que ele raramente demonstrava.
— Tá tudo bem — ela resmungou, a voz carregada de cansaço e irritação. Claramente, o estresse já a estava consumindo. Cinco sentou-se ao lado dela, hesitante, escolhendo as palavras com cuidado.
Ele não tinha problemas com o fato de Celeste ter amigos ou se relacionar com outras pessoas; ela era livre para isso. Mas era impossível ignorar o desconforto que Thomas lhe causava. Talvez fosse pura insegurança, ou simplesmente ciúmes — e não um ciúme qualquer.
O silêncio pairou por um breve momento antes que ele, finalmente, falasse com calma. O quarto estava quieto, e suas palavras ecoaram de uma forma quase hipnótica para Celeste.
— O Thomas gosta de você — ele disse direto, e viu um leve sorriso surgir no rosto dela, que agora entendia o quanto ele estava enciumado. — Não só como amigo... Ele gosta de você como eu gosto.
— Você tá com ciúmes? — Celeste perguntou, com um sorriso divertido, aproveitando o prazer de vê-lo tão desesperado para que ela fosse só dele. Para ela, Thomas não passava de um amigo, como um irmão. Talvez fosse até ingênua em acreditar que ele não sentia nada além disso.
Cinco soltou um suspiro e levantou-se, ficando de frente para ela. Pegou sua mão, e com um toque cheio de doçura, depositou um beijo nos dedos dela. Ela sentada, com a mão estendida à altura do rosto dele, e seus lábios repousando sobre sua pele de forma tão suave que ela quase derreteu. Os olhos dele subiram até os dela, e depois focaram em seus lábios, irresistíveis. O ciúme que sentira mais cedo ainda o consumia, e ele desejava que ela mostrasse o quanto o amava. Quase implorava, carente, após o desgaste com Thomas.
— Sim — ele murmurou, olhando fundo nos olhos dela, que de repente brilharam com um toque malicioso. — Estou com bastante ciúmes, Celly. — Seus dedos entrelaçaram-se nos dela, especialmente naquela mão com os machucados. A mão que, um dia, ele esperava ver com uma aliança dourada. Ele a beijou devagar, deixando claro seu desejo, e posicionou a mão entrelaçada ao lado do corpo dela. O beijo era um pedido silencioso, para que ela fosse sua, assim como ele era dela, por inteiro.
A saudade que ambos sentiam um do outro era profunda — especialmente para Celeste, que sonhava com esse momento havia muito tempo. Sem hesitar, Cinco pressionou o corpo dela, ajeitando-se sobre ela, enquanto distribuía beijos quentes e lentos pelo pescoço dela, que arfava a cada toque.
Seus dedos subiam suavemente pelas coxas dela, expostas pelo vestido que, aos poucos, subia mais pela posição, provocando arrepios em Celeste, intensificando as sensações que surgiam a cada toque e aprofundando a conexão que ambos tanto ansiavam.
O blazer de Cinco foi retirado com pressa pela garota, que precisava tocá-lo quase tanto quanto desejava o toque dele. Para Cinco, a necessidade de se despir também se tornava urgente. O ambiente estava quente e sufocante, e a tensão entre eles crescia. Tudo parecia tão apertado e quente…
Nos últimos dias, ambos estavam sobrecarregados de estresse, mas para Celly — ao contrário do garoto — a ausência dele se arrastava há tanto tempo que seus últimos momentos juntos só haviam ocorrido anos atrás. Seu corpo já não se lembrava do toque dele, e ela ansiava por relembrar a mão dele em sua cintura, reviver a sensação de seus lábios nos dela.
Os dedos de Cinco começaram a percorrer o tecido da calcinha, puxando suavemente a lateral, provocando-a sem realmente tocá-la. Ele adorava a ideia de tê-la somente para si.
— Cinco... — ela murmurou, entre suspiros. A simplicidade de chamar seu nome soou como uma música doce para ele. Era uma melodia perfeita cada vez que ela falava o seu nome.
Os beijos dele desceram do pescoço até o pequeno decote do vestido, e Celly sentiu seu coração disparar. A atenção dele a fazia sentir-se tão viva. Cinco deslizou a mão até as costas dela, seus dedos dançando ao longo do zíper do vestido, enquanto as línguas de ambos se entrelaçavam com suavidade e saudade.
Celly, por sua vez, agarrou o colete xadrez dele, puxando-o com pressa e jogando-o em qualquer lugar. As mãos de Cinco voltaram para sua cintura, e, tomado pela luxúria, ele as subiu lentamente, quase tocando seus seios pela lateral do corpo. Ela deixou escapar um gemido baixo, quase inaudível, que fez a temperatura no ar subir ainda mais.
Ele estava sobre ela, enquanto ela vestia um delicado vestido azul, que agora começava a subir, revelando a calcinha preta de renda, um convite provocante para ser retirada.
As línguas se moviam lentamente, expressando toda a saudade e desejo que sentiam um pelo outro, até que a realidade os interrompeu. Ambos perceberam que aquele não era o momento certo para ultrapassarem os limites. Mesmo que fosse o que mais desejassem, sabiam que precisavam de mais tempo para tornar tudo especial. Além disso, havia a consciência de que estavam na casa de Elliot; para Celeste, era desrespeitoso agir daquela forma, mesmo que agora estivesse excitada o suficiente para querer tudo.
Cinco retirou as mãos do vestido dela, e Celly arfou levemente, sentindo uma pontada de tristeza, mesmo reconhecendo a necessidade daquele gesto.
Não havia palavras a serem ditas; suas linguagens corporais falavam por si. A excitação de Cinco era evidente, assim como o ofegante estado de Celly, que, apesar de a atmosfera estar repleta de oxigênio, parecia não conseguir respirar.
Sem hesitar, o garoto se dirigiu ao banheiro para tomar um banho gelado, e minutos depois, Celly seguiu para lá, assim que ele deixou o espaço livre. Horas depois, ambos se aconchegaram, envolvendo-se um no outro, aguardando que o sono os levasse ao merecido descanso.
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Enquanto os olhos de Celeste se abriam, um resmungo escapou de seus lábios, queixando-se da falta de cortinas no lugar. Porém, ao se sentir aconchegada nos braços de Cinco, aquele incômodo pela claridade matinal parecia quase desaparecer. "Ontem quase nos agarramos", pensou, envergonhada. De fato, eles estavam prestes a ultrapassar os limites — mas que limites? Haviam imposto algum? Certamente não. Havia algo natural em seu entendimento de que deviam… esperar? Nem mesmo ela sabia ao certo. Mas, se pudesse, queria sentir Cinco sobre ela novamente, como na noite anterior.
Celeste não compreendia bem o que se passava dentro de si. Sempre amou ter o controle, mas na noite passada havia deixado que Cinco o exercesse. Se a cada vez que o deixasse com ciúmes pudesse receber aquela atenção, então talvez precisasse provocar isso mais vezes.
Quando ela olhou para o lado, viu Cinco dormindo, adorável até mesmo com a mancha de baba no travesseiro. Ele trabalhava tanto durante o dia que, ao chegar à noite, parecia precisar de um século para recuperar as energias. Era perfeito observá-lo, mas decidiu se levantar. Lavou o rosto, reclamando de seu habitual mau humor matinal — ainda não havia tomado café. O dia só começava de verdade com uma xícara de café preto. Trocar de roupa foi a próxima tarefa, e calçar os sapatos. Não vestiu um vestido; apesar de achar-se linda com qualquer um deles, calças eram mais adequadas para a ocasião em que precisavam impedir o apocalipse.
Assim, vestiu a mesma roupa com a qual havia chegado: um casaco rosa, que carregava um enorme peso emocional para ela.
Ao sair do banheiro, já trocada, notou que Cinco ainda dormia. A inveja pela sua capacidade de dormir profundamente a invadiu, e, em um impulso, pegou a almofada e a jogou nele.
Cinco despertou com um pulo, parecendo ainda atordoado, como se houvesse acordado de um sono profundo.
— Hm? — resmungou, a luz das janelas quase o cegando.
— Acorda, seu preguiçoso.
Ele se acomodou novamente no travesseiro, sentindo a textura fria e melequenta da baba no travesseiro, fazendo uma careta de desgosto.
— Você deixou eu babar no travesseiro? — Ele perguntou, a voz baixa enquanto tentava compreender o que havia acontecido.
Celeste não conseguiu evitar um sorriso. Era incrível como ele levava aquele momento de acordar com tanta calma.
— É adorável ver você babando — ironizou, divertida. E realmente gostava. Ele fez outra careta, rolando para o lado seco do travesseiro. Celeste saltou para a cama, posicionando os pés calçados para fora, enquanto Cinco automaticamente a enroscava em seu braço, formando uma conchinha desajeitada.
— Não vou acordar nunca se você continuar aqui — reclamou, em um sussurro, tentando voltar a dormir.
Celeste sorriu.
— Não vamos impedir o apocalipse se você não levantar. — Ele abriu um olho, prestando atenção na frase sonolenta. Aconchegou-a ainda mais, encaixando perfeitamente seus corpos em uma conchinha confortável. — Daí... não poderemos ter uma casa. Nem um cachorro, nem um gato… e também não-
— Tudo bem, me convenceu — ele resmungou. Embora adorasse ficar ali, grudado nela, Celly estava completamente certa.
Ele se levantou num impulso. A garota, agora sozinha na cama, sentou-se, esperando que ele se arrumasse. Ao passar por ela, contornando a cama em direção ao banheiro, segurou o rosto dela entre as mãos e deixou um beijo suave em sua testa.
— Obrigado — sussurrou. Celeste achou que ele se referia a ter acordado, mas, na verdade, era um agradecimento por simplesmente existir. Para Cinco, ela trazia um propósito à sua vida.
Minutos depois, quando Cinco estava arrumado — cabelos penteados, roupa limpa que ele sempre colocava para lavar à noite e recolhia pela manhã, e rosto lavado — os dois saíram do quarto, um tanto desajeitados, conversando. Celeste estava com o bom humor em alta, apesar de ainda não ter tomado café.
Porém, de repente, seu bom humor despencou. Um alarme começou a ecoar pelo lugar, e Celeste saiu do quarto com as mãos nas orelhas, tentando abafar o som. Ela realmente odiava barulho logo pela manhã.
— Aí! Apitou aqui! — Elliot chamou, olhando para Cinco, que fazia uma careta. — Uma das máquinas que você pediu tá enlouquecida — explicou, com a boca cheia de comida.
— Qual delas? — Cinco perguntou, a memória de ter pedido a Elliot que cuidasse do radar vindo à tona. Ele saiu disparado até onde o homem vigiava uma tela pequena.
— Ah... é o radar atmosférico — disse Elliot, ainda confuso. Celeste se aproximou lentamente, curiosa. O apito já havia parado, mas a careta de mau humor dela permanecia. — Eu não entendo. O que vocês estão rastreando? Um furacão? Uma tempestade?
— "Vocês"? — Celeste resmungou, irônica. — Eu nem sei o que vocês estão fazendo.
— Captando ondas sonoras, minha querida — ele disse, sorrindo, com um ar de vitória. — Isso não te lembra nada?
Celeste franziu o cenho, uma sobrancelha erguida, confusa. Vanya.
— Nossa irmã!
— Exatamente — disse ele, satisfeito. Amava parecer inteligente perto dela.
Segurando a mão dela carinhosamente, de repente, o cenário mudou. Agora estavam no meio de uma plantação de milho. O sol da manhã deixava tudo estranhamente mais amarelado e quente. Celeste colocou a mão sobre os olhos, tentando bloquear o reflexo do sol. Ultimamente, sentia-se como uma vampira; a última coisa de que gostava era de luz.
— Um campo de milharal, hein? — ela perguntou, intrigada.
— Vanya está aqui — explicou Cinco, de forma simples. — Me ajuda a procurar, meu amor — pediu, estendendo a mão para ela. Celeste não conseguiu evitar um sorriso enquanto tocava a mão dele, permitindo que ele a guiasse.
Caminharam entre as plantações, que farfalhavam com a presença deles no milharal.
— Vai me explicar o que tá acontecendo aqui? — Celeste perguntou, curiosa. Não era normal ele parar no meio de um milharal à procura de Vanya. E, para ser honesta, ela ainda não entendia por que a irmã estaria ali.
Cinco fez uma careta, sabendo que ela era observadora demais. Não queria preocupá-la, mas, se contasse a verdade, ela certamente ficaria desconfiada. Mesmo assim, mentir para ela seria uma burrice.
— Os suecos.
— Hm? — Ela perguntou, ainda sem entender.
— Os agentes que mataram Hazel. Estão atrás de Vanya.
Celeste quase engasgou, puxando o blazer dele rapidamente e franzindo o cenho. "Como diabos ele demorou tanto para me contar isso?", pensou, incrédula. Claro, Celeste era esperta. Sabia que a Comissão havia matado Hazel e já estava à espreita para impedi-los novamente. Mas ele deveria ter contado sobre Vanya. Mesmo que suas últimas lembranças da irmã fossem de ambos lutando, ainda sentia um enorme carinho e preocupação por ela.
Cinco sentiu o coração gelar. O olhar sério de Celeste o desconcertou, quase despertando um sentimento de medo dentro dele.
— Você só foi me contar isso agora, Cinco Hargreeves? Sério?
"Ela me chamou pelo nome", ele pensou, o pânico crescendo. "Puta merda".
Tentando consertar a situação, soltou um sorrisinho nervoso. Mas Celeste já estava se preparando para sair furiosa pelo milharal em busca da irmã, quando Cinco a puxou rapidamente pelo braço.
— Ei! Eu não queria preocupar você, tá bom?
— Me preocupar? Estamos juntos nessa, Cinco — respondeu ela, irritada, puxando o braço dele enquanto caminhava com passos firmes. O barulho das folhas ao seu redor parecia quase interromper o pedido de desculpas dele.
— Ei, Sunshine! Eu sei que estamos juntos! — Ele falou, tentando se defender, seguindo-a enquanto ela marchava determinada. Sentiu uma pontinha de decepção ao perceber que ela não parava para ouvir o que ele tinha a dizer. — Você pode parar e me olhar, por favor?
Ela se virou bruscamente, encarando-o. Com os braços cruzados e uma sobrancelha erguida, estava pronta para receber respostas, sem paciência para mais delongas.
— Estou te olhando.
Ele respirou fundo, tentando ignorar o bico adorável que ela fazia quando estava brava. Era quase tentador vê-la assim mais vezes, especialmente se isso significasse reviver a expressão que ela tinha feito na noite anterior à sua partida, anos atrás, quando ele bisbilhotou seu livro e leu em voz alta só para vê-la envergonhada.
Quase perdeu o foco, mas então lembrou que ela não havia gostado daquilo. Pigarreou, escolhendo suas palavras com cuidado.
— Então… eu… bem, Celly. Eu te coloquei nessa situação, né? — Começou, percebendo que ela o olhava quase com deboche, esperando uma explicação convincente. Sabia que não poderiam avançar se ele não contasse a verdade. — Você sempre fica preocupada com as coisas, e… de certa forma, tudo isso é minha culpa. Porque… bem, eu mencionei o apocalipse, e você ficou preocupada e-
— E tinha como não ficar preocupada? — Ela interrompeu, irônica, parecendo se divertir com a situação.
— Não foi isso que eu quis dizer, querida-
— Então você está me chamando de maluca?
— O quê? Não, você ouviu errado-
— Então sou surda.
Ele a olhou, incrédulo. A garota parecia querer que ele se afundasse ainda mais na própria lama. Um risinho escapuliu dele, surpreso. "Que garota surtada, meu Deus".
Celeste, percebendo que ele estava tentando consertar tudo, já segurava a risada. Era cômico ver como alguém estressado e ríspido como ele podia se… humilhar tanto por causa dela. Naquele momento, estava disposta a mandá-lo carregá-la, e sabia que ele obedeceria.
Cinco, conhecendo-a bem, notou as sobrancelhas erguidas e a leve curva do sorriso em seus lábios.
— Você é mesmo impossível — resmungou, sorrindo ao passar por ela e retomar a dianteira no milharal.
— Só pra constar, eu já havia te perdoado pela parte de você não querer me preocupar — ela se defendeu, seguindo-o, mantendo aquele ar irônico que deixava claro o quanto se divertia.
Cinco parou, e ela deu mais alguns passos até finalmente se deter e olhá-lo. Os dois se encaravam em um misto de brincadeira e admiração.
— Você faz um bico quando fica brava — ele observou.
Ela quase fez a mesma expressão de sempre, mas se conteve, decidida a não dar a ele o gostinho da vitória.
— E você baba enquanto dorme — rebateu, afiada, dando um leve empurrão com o ombro. Adorava provocá-lo, e naquele momento a intenção era mútua.
— Você disse que é adorável — ele retrucou, franzindo o cenho, um pouco incomodado, especialmente porque, no caso dele, não podia evitar. Retomou a caminhada, o farfalhar das folhas ecoando.
— Eu não menti — ela deu de ombros, o seguindo.
— E não adicionei a parte que amo o seu bico raivoso.
— Não é um "bico raivoso"! — ela retrucou, irritada, como se a ideia de um golpe elétrico atingi-lo fosse tentadora agora. Ele soltou uma gargalhada, murmurando algo sobre "cuidado" enquanto o milharal parecia ficar mais denso à sua volta.
As folhagens da plantação esbarravam em seus corpos, criando um farfalhar que acompanhava os sons de seus passos.
— Nossa! — Cinco pigarreou, ajeitando o blazer do uniforme enquanto se livrava das folhas secas que se despedaçavam em seu tecido. Uma pontada de irritação o atingiu ao perceber o quão densa a plantação havia se tornado de repente.
Foi então que Cinco foi o primeiro a avistar a Número Sete.
Ele ergueu as sobrancelhas e abriu espaço entre as folhagens com os braços. Celeste chegou ao seu lado, tocando seu braço, e logo avistou a irmã.
Vanya estava agachada no chão, quase trêmula, como se estivesse tentando se esconder.
— Oi, Vanya — Cinco a cumprimentou com um sorriso contido, parecendo mais gentil do que o habitual.
"Efeito Celeste", pensou ele.
— Quem são vocês? — perguntou Vanya, sua voz revelando um leve medo. Ela parecia não compreender o que estava acontecendo. Celeste se perguntou se Vanya ao menos sabia que os suecos a estavam perseguindo. O fato de ela não saber quem eram eles, naquele momento, a preocupava mais do que a própria Comissão.
— Ela bateu a cabeça ou algo assim? — Celly indagou, confusa. Olhou para Cinco, que deu de ombros. Era a primeira vez que ele falava com Vanya. — Somos sua família — disse Celeste de maneira simples, confusa com a falta de conhecimento dela. — Irmãos — acrescentou. Mas ao lembrar da relação entre eles e Cinco, completou: — Todos nós somos adotivos.
— Eu tenho irmãos? — Vanya perguntou, incrédula, levantando-se lentamente. Os três começaram a se afastar pelo milharal, percebendo que teriam que sair a pé e encontrar uma lanchonete. O estômago de Celeste já roncava, lembrando-a de que não havia tomado café da manhã.
— Olha, você pode ficar aqui e esperar a máfia sueca voltar pra te matar, ou pode vir com a gente — Cinco disse, ainda com um sorriso no rosto, embora a impaciência pela falta de memória dela começasse a transparecer. Ignorou a pergunta óbvia anterior, retomando o caminho pelo milharal com Celeste ao seu lado.
— Por que eles estão tentando me matar?! — Vanya perguntou, seguindo-os, sua voz carregada de desespero.
— Porque você não deveria estar aqui, Vanya — murmurou Cinco, como se isso fosse evidente. Ele parou de caminhar, olhando para ela, que ainda estava confusa.
— Em Dallas?
— Em 1963 — Celeste explicou. Vanya ergueu as sobrancelhas, como se tivesse ouvido a coisa mais absurda de toda a sua vida. Apesar disso, os dois ignoraram a incredulidade dela e continuaram a atravessar a plantação.
Enquanto os três abriam caminho no milharal, encontraram um local que os fez parar em espanto.
— Puta merda — Vanya murmurou ao ver o estrago que seus próprios poderes haviam causado.
Onde deveria haver plantação, um imenso círculo se destacava, arrasando completamente a vegetação em um raio de aproximadamente sete metros, deixando tudo morto.
— É, que loucura, né? — Cinco respondeu, sorrindo. A sensação de saber que os poderes dela estavam funcionando bem, após toda aquela luta intensa, era reconfortante. De alguma forma, parecia que ela estava finalmente começando a controlar suas habilidades.
— É bom saber que seus poderes ainda estão intactos — Celeste sorriu, um calor de amor e alívio emanando dela.
Embora Celeste houvesse machucado Vanya para impedir o apocalipse, a verdade era que ela a amava. Sua intenção nunca seria deixá-la sem poderes, para que se sentisse diferente, excluída ou, pior, sozinha. E jamais, jamais, teria intenção de matá-la.
Os três atravessaram o imenso círculo formado pelos poderes de Vanya, enquanto todos aguardavam ansiosamente pelo fim da grande plantação à frente.
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— Deixa o bule. Minha namorada precisa de café pra ficar de bom humor — pediu Cinco, observando a atendente que parecia terrivelmente mal-humorada. Ela o encarou como se fosse um insulto e saiu resmungando em direção à cozinha. Celeste deu um empurrãozinho nele com o ombro, incrédula. “Namorada, hm?”, pensou.
Após saírem da vasta plantação, os três foram para a lanchonete mais próxima em Dallas, onde poderiam conversar com Vanya. Ela estava agora sentada ao lado deles nas banquetas do balcão, sem hesitar em acompanhá-los. Na verdade, havia uma confiança e uma familiaridade que a envolviam, algo quase confortante.
— Vão me contar o que tá acontecendo? — Vanya perguntou, sua voz ainda carregada de confusão. Durante o trajeto, eles não haviam explicado muito, apenas conversaram de maneira descontraída, compartilhando detalhes pessoais para que ela pudesse se sentir mais próxima deles.
Cinco pigarreou, preparando-se. Endireitou-se na cadeira e lançou um olhar de soslaio para Celeste, que estava praticamente grudada em seu braço. A mão dela acariciava carinhosamente seu bíceps enquanto aguardava o café esfriar um pouco. Ao vê-la, uma onda de coragem o impulsionou a começar.
— Quando você era bebê, foi comprada por um bilionário excêntrico. Ele te criou em uma academia de elite com outros oito irmãos de poderes extraordinários.
— No caso, eu e Cinco fazemos parte desses oito — completou Celeste. — Hoje em dia, somos só sete — disse, fazendo um bico triste. Vanya pareceu confusa. — O Ben... ele morreu.
Vanya arqueou as sobrancelhas, visivelmente abalada.
— De que? — ela perguntou, a curiosidade misturada com apreensão.
Celeste, naquele instante, desejou poder se levantar e fugir. Ela se enrijeceu na cadeira, pensando no que diria. Seria capaz de dizer que se sentia culpada? Instantaneamente se arrependeu de ter mencionado o irmão, pois ao lado de Cinco conseguia quase esquecer o peso que carregava.
— Missão — murmurou. A voz deveria ter saído firme, mas falhou, deixando transparecer o desconforto que ainda sentia ao falar do assunto. Vanya não fez mais perguntas, apenas a olhou com simpatia.
— Isso — concordou Cinco. Ele não estava presente quando tudo aconteceu, mas conhecia a história através do livro de Vanya. Não queria tocar no assunto, pois sabia que isso machucava a garota. Ele a observou com orgulho, acreditando que a resposta dela era apenas uma máscara para a verdade, mas de alguma forma se sentiu aliviado ao perceber que ela talvez não estivesse se culpando mais. Afinal, a culpa não era dela. — Enfim... isso foi há muito tempo. O X da questão aqui é 2019 — prosseguiu. — Pra evitar o apocalipse, pulamos em um vórtex e acabamos espalhados pela linha do tempo em Dallas, Texas. Alguma pergunta?
Vanya olhava para baixo, tentando absorver toda a história maluca e inacreditável que ouvia. O que, de fato, não era fácil de entender, já que não era algo comum.
— Como assim o apocalipse? — ela indagou, confusa.
— O fim do mundo que nós conhecemos — Cinco deu de ombros.
— Mas como?
— Não se lembra de nada mesmo? — Celeste perguntou, começando a se preocupar. A ideia de ter que explicar tudo novamente a deixava cansada, e a ausência de lembranças por parte de Vanya só piorava a situação.
Apesar disso, ela quase se sentiu feliz. Talvez fosse a oportunidade de recomeçar com a irmã. Afinal, a última vez que se encontraram não havia sido muito boa. Vanya estava fora de si no teatro Ícaro, e Celeste não queria colocar em risco tudo o que havia reconquistado durante a semana de retorno. As duas acabaram lutando, e o sentimento de felicidade por Vanya ter esquecido foi rapidamente ofuscado por uma onda de autocrítica: estava sendo egoísta.
— Nada antes de um mês atrás — Vanya respondeu.
— E do que você se lembra? — Cinco perguntou, ansioso por extrair as informações necessárias, disposto até a mentir se fosse preciso.
— Que eu aterrissei em um beco e que fui atropelada. Eu estava muito machucada. O meu braço doía... as costas e... tinha um zumbido louco na minha cabeça e eu não sei como cheguei lá e nem de onde eu vim — Vanya explicou. Celly percebeu a sinceridade em suas palavras. Ela falava apenas sobre o que realmente se lembrava. — O que causa o apocalipse?
Cinco se fez pensativo, ponderando as melhores respostas. Hesitou um pouco, olhando para Celeste como se buscasse uma confirmação silenciosa do que faria a seguir. E, de repente, os olhos da garota pareciam refletir o mesmo pensamento. Ela também não falaria a verdade completa para Vanya, então deixou que ele mentisse.
— Um grande asteroide cai na Terra. Um grande "cabum" acaba com tudo. Tipo o que extinguiu os dinossauros, só que muito pior — ele explicou. Seus olhos pareciam tão falsos, que se Vanya fosse ingênua o suficiente, acreditaria em sua sinceridade. — A má notícia é que ele nos seguiu até aqui.
— Como assim "nos seguiu"? — Ela perguntou, confusa. Celeste quase soltou um suspiro de alívio por ela ter acreditado.
— Em oito dias, o mundo acaba com uma catástrofe nuclear. Doença diferente...
— Resultado igual — completou Celeste, os dois olhando para Vanya com uma seriedade quase sufocante.
— Isso não é verdade — Vanya protestou, incrédula. Era difícil para ela acreditar em toda aquela história absurda e repentina. Afinal, estava vivendo uma vida rural, cuidando de um garoto diferente, e de repente escutava sobre o apocalipse. Era simplesmente loucura.
— Eu vi com meus próprios olhos. Você estava lá — disse Cinco, com um tom sério, enquanto fixava o olhar na garota ao seu lado. Ela parecia um pouco mais compreensiva após beber a xícara de café. — Todos nós.
Vanya os observou atentamente, ainda em estado de incredulidade, perdida em seus próprios pensamentos.
— Merda. Preciso fazer uma ligação — concluiu, levantando-se rapidamente do balcão e deixando a dupla sozinha novamente. Celeste soltou um suspiro cansado.
— Tem certeza de que a melhor opção foi não contar pra ela? — Celeste questionou, lançando um olhar rápido para Vanya, que falava ao telefone, sem ouvi-los. — Me sinto a pior irmã do mundo por fazer isso.
— Se ela não descobrir, as chances do mundo explodir são menores — argumentou Cinco, tentando se mostrar otimista.
— E se ela descobrir que mentimos?
— Não mentimos — Cinco se defendeu rapidamente. — Só... escondemos um pequeno detalhe sobre o causador. — Ele fez uma careta, enquanto Celeste se desvinculava do braço dele, terminando de beber o café, ele visivelmente irritado por Vanya. — Argh! Vanya está nos fazendo perder tempo. Eu já volto — afirmou, levantando-se sem hesitar para desligar a ligação da irmã, sem sua permissão. Celeste quase riu, achando cômica a mistura de irritação e pressa dele.
— Que merda é essa?! — Vanya reclamou, claramente enfurecida ao ter a ligação interrompida.
— Não temos tempo pra isso — Cinco retrucou, decidido.
— Você bateu o telefone na cara da minha amiga!
Antes que a situação se agravasse, Celeste desceu do banco rapidamente, aproximando-se deles com passos calmos.
— Me escuta! — Cinco implorou, colocando as mãos nos ombros da irmã. — As pessoas que te atacaram estão vindo atrás de nós e não vão parar. Você está entendendo? Temos que ficar juntos, encontrar os outros e descobrir como impedir a catástrofe. Quem quer que seja ela, não pode ser mais importante que o fim do mundo.
Vanya o observou, sua irritação evidente, mas, se tudo aquilo fosse verdade, sabia que ele estava certo. Ela olhou para o lado e viu Celeste se aproximar.
— Temos que ir — Celeste completou. Vanya deixou os ombros caírem em derrota. Com um movimento brusco, bateu o telefone na caixa telefônica e saiu do lugar com passos pesados de frustração. Celeste e Cinco trocaram um olhar cúmplice, deram um high five rápido e seguiram-na.
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O ambiente onde Dallas organizava as apostas em lutas livres exalava um cheiro forte de suor e mofo, resultado da má ventilação do lugar.
Ao seguir informações de cartazes espalhados pela cidade, o trio encontrou o paradeiro de Luther. Apesar das brigas recentes, Celeste sentia uma pontada de saudade. No fundo, esperava que esse tempo afastados pudesse ser um recomeço para eles. Luther teria a chance de ser menos cabeça-dura, e ela, a chance de consertar as coisas. Ela só queria se aproximar deles de novo. Afinal, eram sua família.
Os três adentraram o local rapidamente, se misturando à multidão que gritava e torcia, vibrando pelos seus lutadores favoritos. Quando Celeste viu Luther, sem o velho sobretudo horroroso, um sentimento de orgulho brotou. Ele finalmente parecia menos inseguro com o próprio corpo. Mesmo assim, havia algo assustador nele mas de uma forma boa. Se não o conhecesse, ela teria apostado nele, sem hesitar.
Eles se aproximaram das grades que separavam a luta da plateia e começaram a observar. Luther estava ganhando, mas, em um certo momento, pareceu perder o foco, como se uma lembrança ou pensamento específico o tivesse distraído. Então, ele levou um soco forte no rosto, e, surpreendentemente, parecia querer mais. Pedia para que o adversário continuasse a bater, quase como se estivesse ansiando pela dor
— O cara tá acabando com ele! — disse Vanya, preocupada. Luther tinha todas as chances de ganhar, então por que não estava lutando a sério? Celeste percebeu que algo estava errado; essa atitude não era típica dele.
— Luther, bate nele direito! — Celeste gritou, tentando incentivá-lo, mesmo sabendo que ele talvez não a ouvisse no meio da luta. Ele era, para ela, a pessoa mais capaz que existia de vencer aquela briga. Não entendia por que parecia aceitar a derrota.
— Por que ele não tá revidando? — perguntou Cinco, intrigado com o comportamento do irmão.
O rosto de Luther agora estava ensanguentado, enquanto ele continuava implorando pela dor dos golpes adversários, recusando-se a revidar ou mesmo a se importar com as apostas que carregavam seu nome.
— Reage, Luther! Tá maluco?! Bate nele! — Cinco insistiu, ansioso para ver o irmão vencer.
— Ganha essa luta, Luther! — Celeste gritou mais uma vez. Mas Luther ignorou, gritando para o adversário: "Bate com toda a sua força!", provocando o outro a desferir um gancho brutal debaixo de seu queixo.
Luther foi lançado para o alto com o impacto, caindo no chão quase inconsciente enquanto a multidão explodia em gritos uns de alegria, outros de frustração. Celeste gritou de surpresa. Para derrubar Luther assim, o adversário devia ser realmente poderoso.
— O que foi que aconteceu com ele?! — questionou Celeste, irritada e perplexa. Como ele podia querer perder desse jeito?
— Merda.
— Por que ele não revidou? — Vanya, sem entender. murmurou
Enquanto o impacto do golpe reverberava pelo corpo, Luther olhava para a lua com os olhos semicerrados, perdido em memórias de uma vida isolada. E, de certa forma, todos os irmãos tinham seus próprios fantasmas.
Klaus jamais poderia ficar com a pessoa que amava. Dave, o homem por quem se apaixonara ao viajar com a maleta de Hazel e Cha-Cha anos atrás, ainda não havia descoberto sua sexualidade naquela época. Além disso, já estava alistado para a guerra do Vietnã, onde o destino que o aguardava era a morte.
Luther, por sua vez, percebia que seus sentimentos por Allison não passavam de uma lembrança. Ela o superara. Casara-se no tempo que passaram em Dallas, enquanto ele ainda tentava aceitar essa perda.
Allison também carregava suas marcas. Era vista como mentirosa no relacionamento, principalmente por nunca ter contado a verdade sobre seus poderes ao próprio marido.
E Diego, que finalmente havia encontrado alguém para amar, sofria ao perceber que Lila, a mulher com quem entregara o coração, se encontrava secretamente com a própria mãe nas caladas da noite, enquanto ele dormia. Lila chegou ao hotel marcado, ansiosa para vê-la, mas ela ainda não tinha aparecido.
Ao encontrar o bilhete na mesa, seus olhos se estreitaram:
"A mamãe está resolvendo algumas questões. Volto logo."
Aquilo era tudo que ela deixava. Para ser filha da gestora, ela já sabia o que esperar: uma mãe quase sempre ausente.
Enquanto isso, Anthony Blake saía para jogar o lixo fora. A noite avançava, e Thomas e Samantha estavam na sala, entretidos com a tevê. Assim que Anthony colocou o saco de lixo na lixeira, sentiu o tempo ao seu redor praticamente parar. Ele prendeu a respiração. Aquilo só podia significar uma coisa, e ele sabia muito bem o que era. Anos de experiência na Comissão não haviam apagado a sensação opressiva daquele tipo de presença. Por que, diabos, o passado tinha que voltar para assombrá-lo outra vez?
Com um suspiro exasperado, ele limpou as mãos nas calças, tentando se preparar, e se virou. Ali estava ela — a gestora.
Os cabelos elegantemente penteados, aquele sorriso sutil e falsamente amigável. Meses antes, ela havia levado um tiro de Hazel, direto na cabeça. Muitos acreditaram que seu reinado finalmente havia acabado, mas lá estava ela, de volta, inflexível e pronta para retomar seus planos, como se nada pudesse detê-la.
— O que você quer agora? — perguntou Anthony, com um tom que deixava clara sua impaciência.
A gestora ergueu as sobrancelhas, fingindo surpresa. Anthony sentiu o desconforto crescer; ele só queria voltar para sua família, mas o tempo estava congelado. Não havia escapatória dessa conversa indesejada.
— Oh, Tony! Toda essa impaciência? — ela retrucou, com um tom sarcástico, aproximando-se dele e segurando firmemente a maleta em suas mãos.
Ela parecia medir cada palavra. Os olhos traiçoeiros brilhavam, e o modo como se aproximava deixava claro que estava pronta para convencê-lo, custasse o que custasse. Anthony já estava farto de joguinhos.
— Foi você que mandou ele? — ele perguntou direto, querendo respostas.
— Quem? O pirralho? — Ela riu, divertida. — Ah, devo dizer! A Comissão sente falta dessa sua agilidade. Quase trouxe o nosso procurado pro abate? — Ela insinuou, com um tom carregado de veneno.
A provocação fez o sangue de Anthony ferver. Ele deu um passo à frente, chegando bem perto dela, quase a derrubando com sua presença imponente. Detestava aquela mulher com todas as suas forças.
— Eu não "trouxe ele pro abate". Eu não faço mais isso! Não mato pessoas! Desde…
— Amélia? — Ela interrompeu, com um sorriso presunçoso. Era como se soubesse exatamente onde tocar para feri-lo. Ele desviou o olhar, o tempo paralisado em volta deles parecendo congelá-lo por dentro.
— O que você quer comigo? — repetiu, agora com os últimos resquícios de paciência escapando.
A gestora sorriu, um sorriso que parecia quase infantil, mas havia algo de predatório nos seus movimentos. Ela deu um passo para o lado, depois um para frente, circulando Anthony com uma calma calculada.
— Quero que me ajude.
Anthony soltou uma risada incrédula, erguendo uma sobrancelha. Não podia acreditar no que acabara de ouvir.
— Você está brincando?
— Não. — Ela respondeu, séria.
Anthony pareceu esgotado. Sem dizer mais nada, virou-se e começou a caminhar de volta para casa, decidido a deixar aquela conversa para trás e voltar para sua família.
— Faça o tempo rodar, estou cansado demais para aturar suas bobagens. — Ele disse, sem olhar para trás, apenas pedindo que tudo voltasse ao normal. A gestora o observou se afastar, sentindo o controle escapar de suas mãos.
Ele já estava quase alcançando a porta de casa, o tempo ainda congelado, quando a voz dela soou novamente, completando a oferta:
— Quero te nomear para a diretoria.
Anthony parou no mesmo instante. Sua mão estava estendida para a porta, mas ele hesitou. O coração deu uma batida errada. Aquela era a posição que ele e Amélia sempre haviam sonhado alcançar juntos — um sonho que se perdera com a morte dela, um sonho que ele jamais pensou em reviver. Ele engoliu em seco, sentindo a tentação que a proposta lhe trazia, mas com o alerta de que a gestora não era confiável.
A gestora pigarreou, percebendo que tinha sua atenção. Começou a caminhar em sua direção, cada passo calculado para reaver o controle que ela tanto ansiava. Anthony sabia que estava entrando em território perigoso, que estava prestes a ser manipulado por aquela mulher traiçoeira. Mas, diante da chance de honrar o sonho de Amélia, sentiu-se dividido.
— Nós dois sabemos… o quanto o Número Cinco tirou os holofotes de você. — A gestora continuou, se aproximando até parar bem atrás dele, enquanto Anthony permanecia de costas, o olhar fixo à frente. O ódio que sentia por Número Cinco fervilhava em sua mente.
Conhecera Amélia anos depois de ingressar na Comissão. Ela era uma pessoa que odiava matar, que não compactuava com a violência desnecessária. Tinha planos radicais, queria transformar a Comissão em algo diferente, menos brutal. Anthony lembrava-se vividamente do primeiro encontro, de como fora amor à primeira vista ao descobrir que era ela quem cuidava de seus casos.
Ele havia mudado completamente por ela. Ou melhor, ela o transformara sem esforço, apenas sendo quem era. Eles eram diferentes em muitos aspectos, mas tinham uma sintonia única. Amélia nunca teve a chance de chegar à diretoria, embora sonhasse com isso. Era um objetivo compartilhado, uma meta que planejavam alcançar juntos. Quando Anthony estava prestes a ser promovido, sabia que finalmente poderia nomeá-la. Caminhariam lado a lado.
Mas então, tudo mudou. O único sobrevivente do famoso apocalipse aceitou o contrato da gestora, e todos os anos de trabalho de Anthony foram jogados fora. Os holofotes foram desviados dele, e Amélia adoeceu. Depois, veio o nascimento de Thomas, um momento que trouxe tanto alegria quanto preocupação. Ela se recuperou, para o alívio dele, mas o susto ficou.
Foi aí que decidiram deixar a Comissão. Agora tinham uma família, uma nova vida. Ao menos, até Amélia engravidar de Samantha. O nascimento da filha foi uma alegria intensa, mas logo em seguida, veio a notícia devastadora: Amélia havia falecido no parto. Anthony sentiu seu mundo ruir. Deixou para trás todos os sonhos que construíra ao lado dela. Thomas guardava algumas lembranças da mãe, mas Samantha nunca a conheceu.
E agora ali estava ele, ouvindo a proposta da gestora. Ele odiava aquela mulher. Sabia o quanto ela favorecia Número Cinco, o mesmo que arruinara sua chance de realizar o sonho ao lado de Amélia. Tudo havia sido tirado dele. Se não fosse por Cinco, talvez ela tivesse conquistado seu objetivo antes de deixarem a Comissão, antes de sua morte.
Anthony nunca imaginou que Celeste estivesse ligada a isso. Sentiu-se traído de todas as formas. Todos os sinais estavam ali, mas ele nunca percebeu. Mesmo assim, seu carinho por Celeste era profundo, e a ideia de ajudar a gestora lhe causava repulsa.
— Você, com os contatos que possui… vai me passar a época da fiscalização. Eu sei que eles se reúnem… — a gestora conferiu o bilhete em suas mãos, confirmando o que já sabia — …uma vez a cada trimestre fiscal.
— E então? — Anthony virou-se para ela, o estômago revirando. Aquilo parecia ao mesmo tempo certo e errado. Embora uma parte dele quisesse perdoar Cinco por causa de Celeste, outra parte queria honrar a memória de sua esposa, realizar seus sonhos em nome dela. — Como serei nomeado?
A gestora sorriu, satisfeita. Ela o tinha na palma da mão.
— Vamos manipulá-los. A Diretoria é apagada. Eu dou um golpe, fico no topo e te nomeio. Você terá a flexibilidade de horários que precisa para cuidar da sua família. Um ótimo salário, a capacidade de alternar entre a Comissão e a vida real em segundos… e claro — ela hesitou, consciente do peso de suas palavras —, Amélia sentirá orgulho de você.
Todos têm seus anseios. Alguns desejam pouco, outros desejam muito e farão de tudo para conquistar cada um de seus sonhos.
Ao voltar para casa e encontrar os filhos adormecidos no sofá, Anthony sentiu um aperto amargo no peito. Uma culpa pesada o consumia, a mesma que o atormentava desde o momento em que entrou para a Comissão. Ainda assim, ele sabia que faria qualquer coisa por seus filhos, até mesmo continuar com aquele jogo sujo. Com a decisão crescendo dentro de si, ele correu para o quarto, pegou o telefone e, depois de uma breve hesitação, fez uma ligação: pediria ajuda a Hillenkoetter.
Celeste Hale teve sua confiança abalada de forma devastadora quando entrou no escritório privado de seu próprio pai e se deparou com os últimos contatos com os outros onze majestosos. Em segundos, ficou claro para ela que não poderia confiar nele completamente. Cheques em nome de Antony Blake revelaram uma verdade incômoda e trouxeram à tona o que realmente estava acontecendo.
Mesmo assim, Reginald Hargreeves era apenas um homem obcecado e ambicioso, incapaz de aceitar a morte da esposa amada. Sim, ele era ganancioso e indiferente à dor alheia, mas como culpá-lo por isso?
Ele queria apenas completar seu plano — um plano que, embora insano, estava disposto a seguir até o fim, mesmo que custasse qualquer sacrifício e exigisse os esquemas mais incrivelmente complexos.
Pra quem não viu a série: SIM! Lila é filha adotiva da gestora.
Eu gostei desse capítulo, fiquei bem boba em escrever a cena dos nosso protagonistas
Bjos! votem e comentem!💗
revisão concluída ☑️ 💚
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