𝐓𝐇𝐄 𝐆𝐑𝐄𝐄𝐍 𝐃𝐑𝐄𝐒𝐒
*•.✧☽*:⛈︎✧☂.•*
𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐒𝐄𝐕𝐄𝐍𝐓𝐄𝐄𝐍
𝐓𝐇𝐄 𝐆𝐑𝐄𝐄𝐍 𝐃𝐑𝐄𝐒𝐒
彡𝐃𝐚𝐥𝐥𝐚𝐬, 1963, 𝐝𝐢𝐚𝐬 𝐚𝐭𝐮𝐚𝐢𝐬.
O DIA ESTAVA SENDO… interessante. Desde que havíamos encontrado Vanya, ela me encarava como se pudesse enxergar todos os meus pecados. Embora eu tivesse certeza de que ela realmente havia perdido a memória e se esquecido completamente de como tudo havia terminado entre nós por causa do Apocalipse, o olhar dela parecia perfurar minha alma, tentando decifrar algo escondido em meus olhos. Era como se, bem no fundo, ela soubesse o que eu tinha feito para impedir o fim do mundo.
Depois de um almoço rápido na lanchonete, pegamos o carro dela e fomos até o apartamento de Luther. Precisávamos convencê-lo a se juntar a nós. Ele era um dos irmãos que se adaptaram à vida em Dallas e, como os outros, não queria se envolver em outra enrascada e arriscar perder tudo novamente. Quando chegamos ao prédio, saí do carro, sendo acompanhada por Cinco.
— Não demore — ele pediu. Vanya já estava subindo em direção ao apartamento, enquanto Cinco observava. Ele acreditava que só ela poderia convencer Luther. Talvez sua perda de memória o fizesse sentir alguma emoção ou empatia pela irmã, apesar de tudo.
— Não vou — respondeu ela, com um simples dar de ombros, determinada.
O dia estava claro e quente, típico do clima de Dallas. Eu e Cinco aguardávamos o retorno de Vanya, encostados na lataria do carro, nossas mãos entrelaçadas em um gesto suave e íntimo. Eu o olhava de relance, aqui e ali, e via o contorno do rosto dele cada vez mais destacado sob a luz do sol. Seus olhos azuis brilhavam de um jeito único, refletindo aquele brilho quase hipnotizante. Quando nossos olhares se encontravam, ele sustentava o contato por alguns segundos a mais. E eu logo desviava o olhar, como se não aguentasse a intensidade daquele momento.
Desviei o olhar mais uma vez, mas dessa vez quase podia sentir o olhar dele se fixando nos meus lábios, mesmo sem encará-lo diretamente.
— Você tá bonita — ele comentou de repente, em tom despreocupado, enquanto soltava nossa mão para ajeitar uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha.
Virei-me para ele, sentindo aquela atração diária que parecia crescer a cada dia. Ele se afastou da lataria e se colocou à minha frente, tão próximo que senti meu autocontrole começar a vacilar. Suas mãos foram parar no meu rosto, uma de cada lado. Seus polegares acariciavam minhas sobrancelhas, enquanto suas palmas descansavam nas minhas bochechas. Cinco me olhava com uma ternura apaixonante, como se não houvesse mais nada no mundo. E então, me peguei sorrindo como uma boba.
— O que foi, hein? — perguntei, sentindo minhas bochechas corarem. Era quase engraçado lembrar que, na noite anterior, ele mal conseguia conter o desejo; agora, me olhava com uma admiração tão pura, quase sem nenhum traço de luxúria. Era extraordinário.
— Estou vendo você — respondeu ele, com um simples dar de ombros, enquanto seu polegar deslizava até o meu queixo, inclinando levemente minha cabeça para cima. Meu sorriso se abriu ainda mais, um pouco desconcertado.
— Ah é? Quase não reparei — brinquei, ironizando. Seus olhos se fixaram nos meus lábios, sem esconder nada.
Fechei os olhos, instintivamente. E então, senti seus lábios tocarem os meus. Foi um beijo simples, delicado e cheio de carinho. Suas mãos apertaram meu rosto de leve, transmitindo toda a intensidade daquele momento, enquanto minhas mãos se enlaçaram na sua nuca. Para ele, talvez tivesse sido um incentivo, se não tivéssemos ouvido um estrondo vindo do prédio.
Os tijolos do terceiro andar caíram da parede, destruindo a parede em um círculo imperfeito, enquanto Cinco permanecia diante de mim, com as mãos em meu rosto. Ele virou lentamente a cabeça para a parede, fazendo uma careta de irritação, como se tivessem-no interrompido no meio de algo importante.
— Que família unida. — Resmunguei, incrédula, observando Luther, furioso, através do buraco na parede que ele mesmo havia feito com um soco.
Cinco fechou os olhos, parecendo reunir a pouca paciência que ainda lhe restava. Quase pude ouvir um "Eu não tenho um mísero momento de paz com ela, meu Deus" sair entre os dentes dele. Ele respirou fundo e, quando se virou para a entrada do prédio, viu Vanya saindo em passos rápidos, com uma expressão ainda mais irritada do que a dele.
Cinco se afastou, caminhando até a irmã.
— Pelo visto a conversa foi bem familiar — murmurei com ironia, enquanto olhava de volta para a parede e notava Luther nos observando de soslaio. Ele parecia quase desejar uma boa sorte sarcástica. Retruquei, quase inconscientemente, sibilando: — Você merece ser eletrocutado de novo.
Luther revirou os olhos. Eu não havia falado alto o suficiente para ele ouvir, mas ele decifrou pelo movimento da minha boca e minha evidente irritação. Quando voltei a olhar para Cinco e Vanya, ambos pareciam confusos, embora a irritação dela fosse evidente.
— Ah, tô vendo que deu tudo certo — Cinco ironizou, aproximando-se de Vanya, que passou por ele sem nem olhar para trás, claramente decidida a se afastar de todos nós. Franzi o cenho, intrigada. "Desde quando ela ficou tão irritada assim?", pensei. — Tá pronta pra ir?
— Vou voltar pra fazenda — respondeu ela, ainda irritada. Franzi o cenho, surpresa com a mudança repentina.
— Não mesmo!
— Isso é inaceitável, Vanya!
Cinco e eu nos aproximamos rapidamente dela. Vanya correu para o carro, mas me coloquei em frente à porta, abrindo os braços para impedir sua fuga. Mesmo assim, ela parecia determinada, avançando em minha direção enquanto Cinco tentava argumentar:
— Temos que ficar juntos, lembra?
Aquela frase pareceu ser o estopim. Vanya parou abruptamente, encarando Cinco com fúria, e deu alguns passos firmes em sua direção.
— Pra quê? Pra eu acabar com o mundo de novo? — rebateu ela, cheia de amargura.
Senti meu coração apertar. "Até onde ela sabe?", me perguntei, preocupada. Logo essa preocupação se transformou em raiva crescente por Luther. "Esse idiota fofoqueiro!"
— Idiota. Eu vou matar ele — murmurou Cinco, com os olhos fixos em Luther, que ainda observava através do buraco que havia feito. Cinco parecia tão frustrado quanto eu. Soltei os ombros, resignada.
Vanya continuava parada entre nós, como se esperasse alguma explicação convincente. Revirei os olhos, impaciente. Explicar o óbvio sempre me irritava.
— Só omitimos esse detalhe, tá? — rebati, enquanto Cinco intervinha para completar:
— Precisamos de todos juntos se quisermos continuar vivos aqui. Ou então, você volta e morre em alguns dias.
Ela revirou os olhos, visivelmente irritada.
— Vocês iam me contar?!
— Quer saber? Em nossa defesa, não. — Cinco deu de ombros, indiferente.
— É! E dá pra nos culpar? No último dia que estávamos juntos, você decidiu demolir a academia em cima da gente.
Um lampejo de culpa pareceu atravessar o rosto dela, mas logo foi substituído pela raiva. Vanya passou por mim, claramente decidida a ir embora, e parou bem diante da porta do carro, esperando que eu saísse da frente.
— Saia da frente — pediu ela, ríspida.
— Não vou deixar você ir embora assim, Vanya.
Minha voz saiu firme. Ela me encarou por um momento, respirando fundo, enquanto Cinco, logo atrás, parecia prestes a explodir de frustração. Eu sabia o quanto ele odiava a teimosia dos outros — ainda que fosse igualmente teimoso.
Suspirei, exasperada. "Não serei eu a brigar com ela de novo", pensei, saindo da frente do carro. Vanya não hesitou em destrancar a porta, sem nem me olhar.
— Ótimo, mais algum segredo de família que esqueceram de me contar? — perguntou ela, entrando no carro enquanto Cinco e eu permanecíamos do lado de fora.
— Tem vários, na verdade — respondi, cansada, cruzando os braços e tentando negociar. — Mas, se ficar, prometemos contar tudo.
— Deveriam ter feito isso desde o começo — ela retrucou, ressentida. "É, não posso culpá-la por isso".
— Não dava pra contar tudo de uma vez — Cinco interveio, defendendo nossa posição. Na verdade, tudo era muito. Eu mesma duvidava de que conseguiria explicar toda a nossa história. Mas naquele momento, faria qualquer coisa para que ela ficasse. Ela bateu a porta do carro, enquanto Cinco se aproximava e batia com o dedo no vidro, frustrado com a ideia de não ser ouvido.
Vanya baixou o vidro lentamente, mas manteve o olhar fixo na estrada à frente.
— Quero saber uma coisa — pediu ela, ainda evitando nos encarar. — Eu cheguei aqui muito machucada. Quero saber quem fez isso comigo — finalmente, seus olhos se encontraram com os meus, e pude perceber que ela já desconfiava.
Um breve silêncio se fez. Sabia que se eu contasse a verdade, talvez perdesse a chance de fazer as pazes com ela. Mas, naquele momento, não tinha escolha. Respirei fundo, irritada, e finalmente admiti.
— Fui eu, Vanya — confessei, e ela soltou um riso nasalado, com um sorriso irônico no rosto, como se tivesse ouvido uma piada. Cruzei os braços, tentando manter a calma, embora sentisse meu próprio incômodo crescer. — E me desculpe, de verdade! Não pense que eu não me machuquei também. Cheguei aqui com ossos quebrados e quase perdi o movimento de dois dedos. — Minha voz falhou, carregada de mágoa e uma ponta de desespero. Ela não podia ir embora, não agora. Precisávamos impedir o apocalipse. — Não foi fácil te machucar. Eu só queria que... você voltasse a si de algum jeito — continuei, sincera, enquanto ela me observava. Após uma breve pausa, Vanya tocou o volante, colocando a chave na ignição. Reunindo coragem, completei: — Tinha tantas expectativas, imaginando como seria se impedíssemos o apocalipse.
— Tipo o quê? — perguntou ela, num tom inesperadamente sério. Agradeci mentalmente por sua disposição em me ouvir. Engoli em seco, nervosa por falar algo tão direto na frente de Cinco. Respirei fundo e, ao notar o olhar atento dele, senti minhas mãos suarem. Fechei os olhos, e então, deixei as palavras saírem como um alívio.
— Viver uma vida com ele.
Cinco sorriu, olhando para mim como se tivesse ganho algo precioso. "Meu Deus, que vergonha". Vanya soltou um suspiro, sem parecer convencida. E eu não a culpava por isso.
— Eu sinto muito, mas não posso ajudar vocês. — Ela concluiu finalmente, ainda hesitante.
— O fim do mundo tá chegando — Cinco insistiu, colocando a mão no carro e encarando-a firmemente. — Só me promete que, quando precisar de você, vai estar pronta.
— Eu não posso te ajudar. Eu nem sei quem eu sou — ela respondeu, dando de ombros, parecendo confusa, embora um pouco da raiva já tivesse se dissipado. Ligou o carro, determinada a sair.
— Você é nossa irmã e faz parte da Umbrella Academy. Goste ou não, é isso que você é!
— Isso é quem eu era — ela rebateu, ajeitando-se para partir. — Nova linha do tempo, nova eu. — E saiu cantando pneu, deixando a frustração clara.
— Não! Não é assim que funciona, Vanya! — Cinco gritou, mas ela já estava longe.
Bufei, tomada por uma raiva que me fez passar as mãos pelo pescoço e jogar a cabeça para trás. "Mas que família ridiculamente teimosa!", pensei, irritada. E então, lembrei do que havia dito sobre expectativas. Quase fiz uma careta. Eu não costumava ser tão aberta sobre meus sentimentos. O que Cinco fazia comigo para me deixar tão intensa? Tudo bem, não menti, mas… mesmo confiando nele, ainda havia um receio. E se ele me deixasse de novo? Meus pensamentos foram interrompidos pela voz de Cinco:
— Então você quer viver uma vida comigo, hm? — Ele provocou, com aquele sorriso malicioso e um brilho traiçoeiro nos olhos. Eu me ajeitei, encarando-o, tentando manter o controle. Não queria que ele achasse que eu cederia fácil.
— Isso não foi nada.
— Tem certeza? — Ele perguntou, convencido. Tentei não revirar os olhos, segurando um sorriso. — Tive certeza de ter visto seus olhinhos brilharem.
Revirei os olhos para ele, fazendo uma careta.
— Os seus que estão brilhando agora.
Ele fechou a cara, visivelmente desconcertado.
— Você tem esse efeito. É por isso que te chamo de Sunshine, né?
— Ah-ha! Sabia que faltava alguma coisa. Era o apelido. Já estava até sentindo falta. — Ironizei, dando-lhe um empurrão com o ombro, brincalhona. Cinco abriu um sorriso largo.
— Pensei que achasse esse apelido ridículo. — Ele levantou a sobrancelha, desconfiado. Continuei andando, ele me seguiu, mãos nos bolsos.
— Estou aprendendo a… gostar. — falei, tentando soar indiferente. Sempre gostei, claro. "Espero que essa mentira não esteja óbvia".
— Aprendendo, é? Se bem me lembro, você até me deu um beijão depois que te chamei assim pela primeira vez. — Cinco argumentou, cheio de si, com um sorriso convencido.
— Foi meu método pra calar a sua boca. — Dei de ombros, tentando manter a expressão impassível, mas o sorriso já escapava.
Olhei para trás e, para minha surpresa, vi Luther nos mostrando o dedo. Era quase repulsivo. Cinco parou também para encará-lo.
— Vanya teimosa e… esse idiota. — Resmunguei. — Começo a achar que tudo isso é de família.
— A parte da imbecilidade eu me recuso a compartilhar com ele. — Cinco resmungou. — Será que é tarde demais para ser desadotado? — Ele disse, saindo, e eu o acompanhei. Colocou as mãos nos bolsos, com uma careta irritada. Depois, como se de repente preferisse estar mais próximo, passou um braço sobre meus ombros, num gesto amigável.
— A não ser que a gente mate o papai. Mas isso mudaria a linha do tempo. — Dei de ombros, pensando no assunto.
— Será que impediria o futuro apocalipse? — Ele perguntou, a voz cheia de curiosidade enquanto caminhávamos de volta para a casa de Elliot, envolvidos em uma conversa que, mesmo com o peso de tudo o que passamos, de alguma forma parecia leve.
「· · • • • ⛈︎ • • • · ·」
— Então você deixou ela ir? — Diego perguntou a Cinco, enquanto Lila retirava os pontos do corte em seu abdômen, resultado da facada que levara na noite da invasão à empresa do pai. A expressão de Diego era de pura confusão. Para ele, nada daquilo fazia sentido. Cinco sempre insistira que deviam ficar juntos para impedir o apocalipse, e agora simplesmente deixava Vanya ir...?
— Olha, a Vanya tem muita coisa pra pensar. Mas ela vai voltar. Eu sei que vai. — Cinco respondeu, dando de ombros com aparente indiferença.
— E quanto aos caras que estavam atrás dela?
— Os suecos? — Cinco perguntou, como se estivesse forçando o irmão a ser mais claro.
— É. Como você sabe que eles não vão atrás dela de novo? — Diego perguntou, aceitando uma xícara de café que Elliot lhe ofereceu. A tensão pairava no ar, todos na sala pareciam envolvidos no assunto.
Desde que Cinco e Celeste haviam chegado, discutiam sobre o que fazer a seguir. Ficar juntos era o plano principal, mas mesmo o mais simples dos passos parecia estar desmoronando.
— Aí está a questão. — Celeste resmungou, com ironia. Afundou-se na poltrona, cansada e desajeitada. — Ele não sabe.
Lila, até então em silêncio, parecia querer se envolver. Ajustou a postura no sofá, inclinando-se levemente para a frente.
— Ao menos sabem quem mandou eles? — Lila perguntou.
Celeste franziu o cenho, incomodada. "Por que tanto interesse, hein?", pensou, desconfiada. Desde que conhecera Lila, não sentia que podia confiar nela. Mesmo Elliot, meio atrapalhado e tolo, parecia mais confiável. Lila, por mais divertida que fosse, ainda não inspirava a menor segurança para Celly.
— Ah, eu tenho minhas suspeitas — Cinco sorriu, pegando uma xícara de café, enquanto Celeste continuava sentada no sofá, mordiscando um biscoito de chocolate. Cinco estava tão desconfiado quanto ela. — Mas agora, nossa prioridade é encontrar o papai e conseguir respostas. Todo o resto depende disso.
— Conseguir respostas, Cinco? — Celeste resmungou. Não podia estar mais em desacordo com a ideia de encontrar o pai. Afinal, a última coisa que queria era revê-lo, especialmente depois daquele estranho encontro com uma versão de si mesma. — Falar com ele não vai mudar nada e ainda coloca nossa existência em risco.
— Isso não importa, eu já o encontrei — Diego falou, confiante.
— E deixou ele escapar — Cinco respondeu com um biquinho sarcástico, relembrando a falha do irmão. — Antes que pudéssemos conversar com ele.
— Ele me esfaqueou — Diego falou, meio decepcionado, baixando os olhos e com uma expressão frustrada.
— Tô surpreso que ele tenha esperado tanto, Diego. — Cinco resmungou, afiado.
— É — Celeste concordou com um sorriso traiçoeiro. — Todo mundo já teve essa vontade.
Ela e Cinco trocaram um olhar cúmplice, como se houvesse uma compreensão perfeita entre eles. Ela ergueu a mão em um high five, que Cinco prontamente correspondeu, os dois rindo da provocação. Diego, ao lado, fez uma careta, atingido pelo golpe.
Lila riu também, estendendo as duas mãos para eles, esperando que a incluíssem na brincadeira enquanto murmurava um "Gostei!". Mas os dois a ignoraram; naquele momento, a desconfiança era mais forte do que a camaradagem.
— Que bom que sabemos onde o papai vai estar hoje à noite — Cinco comentou, lançando a Celeste um sorriso grato por ela ter encontrado o convite de Hoyt.
Ele tirou o convite do bolso do casaco, exalando uma confiança prepotente. Celeste se ajeitou na poltrona, ficando mais alerta; aquilo, sim, era um detalhe crucial. Cinco pegou o papel com a caligrafia elegante e o estendeu para Diego, que arrancou o convite de suas mãos com certa força, ainda remoendo a provocação anterior.
— Onde você conseguiu isso? — Diego perguntou para Celeste, com um olhar curioso e desconfiado.
— No escritório do papai, antes de… — respondeu, hesitante ao lembrar da misteriosa mulher mais velha que havia encontrado lá. Respirou fundo, ainda perplexa com a experiência. — …ver alguém especial.
— Quem? Pogo filhote? — Diego brincou, rindo da ideia de cruzarem com uma versão infantil de Pogo, como se fosse algo absurdo, mas não impossível, dada a época.
— Sim — Cinco respondeu rapidamente, interrompendo Celeste antes que ela pudesse contar a verdade na presença de Lila. Afinal, os dois preferiam mantê-la fora de assuntos importantes.
— "Hoyt Hillenkoetter e o consulado geral do México, em Dallas, o convidam cordialmente para um baile…" — Diego leu o convite em voz alta, com a voz arrastada e um desinteresse quase palpável.
— Ei! Espera aí! — Elliot interveio com uma xícara de chá nas mãos, parecendo ter visto um fantasma. — O Hoyt Hillenkoetter?! Tá falando sério?
— Você o conhece? — Celeste perguntou, confusa, estreitando os olhos e olhando para ele com desconfiança.
— Temos que ir. Vai ter uma torre de frutos do mar — Lila brincou, olhando divertida para Diego ao lado, claramente mais empolgada com a festa do que com o real objetivo da missão.
— Não! Hillenkoetter é um dos Doze Majestosos. — Elliot corrigiu, o tom carregado de tensão, como se tivesse acabado de esbarrar em um segredo monumental.
— Doze Majestosos? — Diego perguntou, confuso, mas agora interessado.
— O quê?! — Elliot exclamou, incrédulo com a falta de informação dos outros. Ele saiu apressado para procurar algo, parecendo atordoado e afobado. — É um comitê secreto. Cientistas, militares, o estado profundo... ninguém sabe exatamente o que eles fazem.
— Espera aí! Eles são do governo?! — Celeste perguntou, cada palavra de Elliot tornando aquilo ainda mais esquisito.
— Governo paralelo — ele corrigiu. — Kennedy foi o primeiro presidente a tentar expor tudo isso.
Celeste ficou instantaneamente interessada, uma sensação de inquietação a invadindo. Se Kennedy havia realmente se metido com pessoas tão poderosas, ele provavelmente estava em perigo. E ela sabia, como uma viajante do tempo, que em poucos dias ele seria assassinado. Será que esse tal governo paralelo poderia estar envolvido? Um arrepio percorreu sua espinha.
— Não se pode mexer com esses caras — Elliot continuou, finalmente encontrando o que procurava em meio à sua bagunça. — Achei! É essa.
Ele correu para o centro da sala, onde todos o aguardavam ansiosos. Jogou a fotografia sobre a mesinha de centro com determinação. Todos se inclinaram rapidamente para examinar a imagem.
— E esse é o Hoyt — Elliot disse, apontando para um homem engravatado que estava na ponta de uma longa mesa, cercado por outros dez homens igualmente bem-vestidos.
— Só tem onze aqui — Lila comentou, franzindo o cenho em confusão.
— É porque só identificaram onze até agora.
— E o décimo segundo? — Diego perguntou, deixando Elliot sem respostas. No mesmo instante, Celeste e Cinco trocaram um olhar, passando teorias silenciosas entre eles.
"Merda", pensou Celeste. Naquele instante, os três irmãos pensaram a mesma coisa: Talvez, seu pai fosse o décimo segundo.
「· · • • • ⛈︎ • • • · ·」
Enquanto Celeste observava seu reflexo no espelho, uma certeza brotava: ela gostava, ao menos um pouco, da moda dos anos 60. Talvez fossem os vestidos elegantes, embora ainda preferisse suas calças, que às vezes causavam olhares enviesados. Era uma relação de amor e ódio com os estilos de 1963.
Mas ali, ao ver o vestido verde que escolheu, percebeu que ele lhe caía bem. Não era chamativo, mas realçava sutilmente a cor dos olhos e o tom da sua pele clara. Um verde suave, com um decote de um ombro só, e uma sofisticação que só os mais atentos perceberiam. O tecido envolvia sua cintura com precisão, destacando as curvas, enquanto o lace-up back nas costas adicionava um toque provocante, um detalhe ousado para a época. Celeste prendeu o cabelo num rabo de cavalo simples, ajeitando a franja com um capricho que não costumava ter.
Irritada por não conseguir amarrar o laço sozinha, notou Cinco parado na porta, segurando um sorriso. Ele a observava com uma expressão que transbordava desejo contido; a vontade dele era de se ajoelhar ali e suplicar para que ela nunca o deixasse, mas preferiu ir com calma, reprimindo a impulsividade que ela sempre provocava.
— Vai me ajudar a amarrar o vestido ou só vai ficar aí me olhando? — ela disparou, irônica. Cinco deu alguns passos lentos até ela, sem pressa, sem dizer nada. "Preferia tirar esse vestido", pensou ele, quase incapaz de conter a vontade.
Posicionando-se atrás dela, viu Celeste puxar o rabo de cavalo para o lado, deixando as costas expostas. O vestido estava frouxo, com tentativas falhas de amarração.
Cinco olhou o reflexo deles no espelho e, com dedos firmes, começou a amarrar as cordinhas do vestido. Mesmo concentrado no ato, lutava contra o impulso de livrá-la daquelas roupas apesar de achá-la deslumbrante nelas.
Quando terminou, seus dedos deslizaram lentamente pelas partes nuas de suas costas, onde as amarrações finas revelavam pedaços de pele. Ela sentiu um arrepio percorrer a espinha; aquele toque delicado era... quase arrebatador.
A respiração dela se alterou, e, sem conseguir conter a curiosidade, perguntou:
— O que você está pensando? — Sabia que, quando ele a tocava com essa calma intensa, ou estava em conflito ou num comum momento de carinho. A expectativa de um elogio era quase palpável.
— Que não queria ter amarrado o seu vestido. — A resposta dele foi envolta num tom baixo, suave. Ela percebeu o conflito interno e virou-se, encarando-o.
— Por que não?
Ele hesitou. Dizer o que pensava tão diretamente pareceria uma ousadia. Ele apenas sorriu, malicioso, enquanto ela o fitava com uma certa inocência, ainda que imaginasse o que ele realmente desejava lhe dizer.
Ela fez um biquinho, o olhar de baixo para cima, esperando uma resposta mais direta. Cinco suspirou.
— Porque agora vou ficar pensando em você. — Murmurou. Por um instante, ela ficou frustrada; sabia que havia mais do que ele estava dizendo, mas o respeito dele era quase desconcertante.
— Ah, é? E eu vou estar com esse vestido nos seus pensamentos? — Ela perguntou, levando as mãos até a gravata dele, ajeitando-a casualmente.
Cinco sorriu, mas desta vez um sorriso de pura travessura. Lembrou-se do quanto gostava de vê-la desconcertada. Sim, seria ousado, talvez um pouco provocador, mas ver a reação dela seria impagável.
Ele deslizou as mãos até sua cintura, virando-a de costas novamente, o movimento suave. Eles se viram refletidos no espelho, e ele deixou que seus polegares percorressem o decote do vestido, subindo devagar, até encontrar a pele. Sentiu o leve estremecer dela.
— Não. — Ele disse, malicioso, inclinando-se para beijar-lhe o pescoço. Ela suspirou, inclinando a cabeça para o lado, cedendo ao toque. — Você estará nua.
Celeste engasgou, e ele não conteve uma gargalhada, sincera, apreciando a surpresa no rosto dela, agora corada.
— Você já foi mais cavalheiro. — Ela murmurou, tentando disfarçar o embaraço, embora ele visse que, no fundo, ela adorou a provocação.
Celeste percebeu que, com o tempo, conhecia mais dele do que esperava; e que talvez ele tivesse uma mente tão pervertida quanto a dela.
Celeste virou-se com um sorriso travesso e deu um tapa leve no braço dele, como se quisesse repreendê-lo. As provocações entre os dois estavam ficando cada vez mais ousadas.
— A-ha. Tem razão. — Ele suspirou, fingindo uma frustração exagerada. — Tenho ficado muito pervertido pra você?
Com um gesto suave, ele segurou a mão dela, trazendo-a para mais perto, como se o ar ao redor deles tivesse ficado subitamente mais denso. O polegar de sua outra mão deslizou até o queixo de Celeste, erguendo o rosto dela para que seus olhos se encontrassem, fixos e intensos.
— Eu até que gosto. — Celeste admitiu, enquanto um sorriso malicioso, tão provocador quanto o dele, nascia em seus lábios.
Os dois se aproximaram e se beijaram. Era um beijo calmo, como quase sempre, mas carregado de intensidade. As mãos dele, que antes seguravam as dela, agora a envolviam num abraço suave, como se ele temesse que ela pudesse desaparecer. Ele a tocava com uma delicadeza profunda, um carinho que transmitia todo o desejo e o cuidado que sentia por ela. Quando ela cedeu, deixando sua língua encontrar a dele, o beijo se tornou ainda mais íntimo, com a familiaridade e a saudade que sempre os acompanhavam.
Mas, antes que pudessem se entregar por completo, foram interrompidos. Diego entrou no quarto sem hesitar, ignorando o beijo deles com uma naturalidade que beirava a provocação. Fez uma careta ao notar a cena, pegou uma gravata para Elliot e, ao perceber o olhar raivoso de Cinco, comentou, com um toque de sarcasmo:
— Sinto muito interromper os dois adolescentes cheios de hormônios, mas temos que sair em trinta minutos. — Ele ergueu as mãos em sinal de rendição e, finalmente, deixou o quarto.
Cinco soltou um suspiro frustrado. "Luther de manhã, agora ele... quem vai ser o próximo, hein?", pensou, irritado.
Ainda assim, Celeste percebeu a frustração evidente nele, mas manteve-se calma. Sabia que, em algum momento, teriam o tempo só deles.
— Relaxa aí. — Ela pediu, a voz suave, mas com um tom que transmitia a confiança de quem sabia que ele precisava de um momento para se acalmar.
Cinco então inclinou a cabeça para trás, soltando um longo suspiro, como se estivesse tentando se livrar da frustração que se acumulava. Quando voltou a olhar para ela, o olhar intenso de sempre estava lá, mas agora, ele aproveitou a proximidade para deslizar as mãos, de forma quase imperceptível, pela coxa dela. O toque foi sutil, mas carregado de intenção, como se quisesse deixá-la ciente de que ainda havia algo mais não dito entre eles.
Ela sorriu, um pouco desconcertada com a forma como ele a tocava, mas ao mesmo tempo sentindo aquela chama acesa entre os dois. A tentação de ceder àquele momento e ficar ali com ele, trancada no quarto, entregando-se aos beijos e carícias, quase a venceu.
Mas, resistindo ao impulso, ela se afastou dele, sentindo a ausência dele em cada movimento. Antes de sair, deu um tapinha rápido em seu ombro, com um sorriso travesso.
— Vamos nos atrasar.
「· · • • • ⛈︎ • • • · ·」
A viagem até o consulado do México foi rápida. Dez minutos depois de Celeste sair do quarto, todos estavam a bordo do carro que Diego e Lila haviam roubado.
Ao chegarem, algo imediatamente os alertou de que aquela não seria uma festa comum. Havia uma atmosfera de exclusividade e poder, com a presença de pessoas importantes claramente envolvidas. Estacionaram a uma certa distância.
Quando desceram, Cinco e Celeste já pareciam desconfiados do lugar. Diante deles, uma mansão imponente, com grandes colunas na fachada, exibia uma mistura de realeza e rusticidade. Havia um amplo pátio com um gramado verdejante, que se separava do estacionamento por um pequeno muro. A entrada estava vigiada e bem recepcionada. Eles pularam o muro com cuidado, movendo-se furtivamente entre os carros para não levantar suspeitas. O convite só havia sido útil para informar a data e o horário da festa; seus nomes não estavam na lista. Teriam que se infiltrar.
Diego foi o primeiro a avançar entre os carros, parando ao lado de um veículo azul. Celeste logo o seguiu, com Cinco e Lila atrás.
— Qual é o plano? — Lila perguntou, claramente curiosa. Todos estavam agachados ao lado do carro, tentando se manter discretos.
— Boa pergunta. Deveríamos ter discutido isso antes, né? — Celeste resmungou, irritada. Quando estava com Cinco no quarto, ela acreditava que já tivessem decidido o que fazer, mas não. Não havia plano algum.
— Nos infiltramos, identificamos, extraímos e voamos. — Diego respondeu, dando de ombros com confiança, como se o plano fosse simples.
— Do que ele tá falando? — Lila perguntou, confusa. Olhou para Celeste e Cinco, esperando alguma explicação.
— Encontramos o velho e damos o fora. — Cinco respondeu de forma direta, simplificando tudo. Os três trocaram olhares e, como se tivessem tido uma revelação, olhavam para Diego com caras de "Você é muito estranho".
Diego, um pouco constrangido, deu de ombros e murmurou:
— Foi o que eu disse. Venham comigo.
Com passos rápidos, ainda agachado, ele avançou cautelosamente entre os carros. Celeste olhou para Cinco logo atrás dela, desconfiada, uma sensação de desconfiança crescendo dentro de si. A falta de credibilidade em Lila estava ficando cada vez mais evidente.
— Podem ir. — Lila sorriu educadamente.
Celeste estreitou os olhos, sentindo a irritação crescer. Cinco franziu o cenho, e quem o conhecia bem sabia que um comentário ácido estava prestes a sair de sua boca.
— O que foi? Não posso ser educada? — Lila perguntou com uma risada desdenhosa. Ela sabia que os dois desconfiavam dela, mas isso não a incomodava.
— Para com isso, tá? — Cinco retrucou, as palavras saindo com raiva contida. — Meu irmão idiota até pode acreditar em você, mas eu não confio nem um pouco.
— Ai, que menino sem fé. — Lila zombou, um sorriso travesso surgindo em seus lábios. Ela achava quase divertido ver Cinco irritado, especialmente por ele ser um adulto preso no corpo de uma criança.
— Não enche o meu saco. — Cinco respondeu, impaciente, já perdendo a paciência.
Celeste, cansada das discussões, puxou o blazer de Cinco, chamando sua atenção e demonstrando sua própria frustração.
— A gente não tem tempo pra isso, tá legal? O papai já deve ter chegado. Estamos perdendo tempo!
Cinco bufou, sabendo que ela estava certa. A garota, irritada, seguiu em frente, movendo-se rápido pelo meio dos carros, indo atrás de Diego.
Lila soltou um sorriso malicioso.
— É melhor obedecer sua namoradinha.
Cinco, estressado, estreitou os olhos e se aproximou dela de forma ameaçadora.
— Olha aqui! Seja lá o que diabos você está fazendo com a gente, se quiser ser uma filha da puta comigo, tudo bem. Mas se fizer qualquer coisa para ela… vai se arrepender de ter nascido. — Cinco disse calmamente, com uma ameaça nas entrelinhas, sem levantar a voz. Lila, por mais que tenha se divertido, sentiu um calafrio correr pela espinha.
Cinco então se afastou, atravessando os carros até se juntar a Celeste, que já conversava com Diego. Eles seguiram todos juntos, avançando pelo terreno com uma cumplicidade silenciosa. Quando chegaram às portas dos fundos, o guarda que bloqueava a entrada foi rapidamente neutralizado por um choque elétrico. Celeste, apesar de odiar ter que fazer aquilo, foi a mais rápida em agir.
Eles adentraram no local, atravessando um extenso corredor, até chegarem à área leste do salão.
— Que trabalheira danada! — Lila reclamou, apertando os pés nos saltos. — Esses sapatos estão me matando, e essa música… horrível.
O ambiente em si era agradável — exceto pela música irritante que parecia ecoar nos ouvidos de todos. A decoração era elegante, luxuosa, e os garçons circulavam oferecendo petiscos e bebidas a todo momento. As paredes imponentes, os lustres de cristal e o piso macio e encarapetado conferiam ao lugar um toque de realeza.
Cinco não demorou a pegar uma taça de champanhe assim que entrou no ambiente. Ele a segurava com uma mão enquanto, com a outra, envolvia a cintura de Celeste em um gesto de carinho protetor, como se quisesse evitar que se perdessem na multidão. Não podiam se separar. Não depois da perseguição aos suecos, depois de Vanya. Quem seria o próximo alvo da família? Eles precisavam se manter juntos.
— Não tô achando o papai. — Diego resmungou, os olhos se movendo cautelosamente de um lado para o outro. Parecia que ele acreditava que bastava procurá-lo com o olhar.
— Vai ver ele está em uma reunião ultra secreta. — Celeste respondeu, irônica. Mesmo divertindo-se com a situação, ela não podia deixar de pensar, no fundo, que aquilo era bem possível.
— É. — Cinco concordou, virando-se para Diego com um olhar sério. — Fica atento aos Doze Majestosos. Eu te vejo lá em cima. — Ele disse, direcionando a garota para seguir em frente. Mas, ao fazer isso, lembrou-se de que Diego, por mais que fosse impulsivo, ainda era imprevisível. Fez uma careta, uma oração silenciosa para que seu irmão não fosse fazer alguma besteira. — Diego, tenta não fazer nada idiota, tá?
Diego revirou os olhos, mas Cinco ignorou o gesto. Quando os dois viram Lila e Diego, já estavam imersos na vibração da festa, despreocupados. Mesmo com a distração deles, o objetivo ainda estava claro na mente de todos: encontrar Reginald.
Cinco levou a taça de champanhe aos lábios e deu um pequeno gole. Celeste, que o observava com atenção, não conseguia desviar os olhos da bebida. Havia algo em seu olhar que pediu silenciosamente para provar, algo que não passou despercebido por Cinco. Ele sorriu, não pensando duas vezes antes de entregar a taça para ela enquanto subiam as escadas principais. Celeste agradeceu com um sorriso e, logo depois, virou a taça, matando sua sede de forma quase apressada.
Ao chegarem no segundo andar, Cinco olhou ao redor. Estranhamente, não havia muita gente por ali. Ele franziu o cenho, desconfiado, especialmente por perceber que havia apenas uma porta ao longo do corredor.
— Se falarmos com o papai logo, podemos aproveitar a festa. — Celeste comentou, interessada em se distrair um pouco. Cinco, puxando a mão dela para mais perto, acelerou os passos pelo corredor.
— Você poderá aproveitar a festa. Eu prometo. Mas vou ficar de olho em algumas coisas. — Cinco disse, em um tom sério, focado. Celeste fez um bico, contrariada. Gostaria de aproveitar a festa ao lado dele, mas sabia que ele tinha seus próprios motivos para agir daquela forma.
— Vou nos teleportar. — Ele avisou antes que ela pudesse responder.
Não houve tempo para mais palavras. De repente, eles estavam dentro de uma sala, em um armário de casacos, observando de longe uma reunião de homens entrando, aguardando o início do encontro à medida que a noite se aproximava.
— Era o melhor lugar para nos teleportar? — Celeste sussurrou, irritada com a sensação de confinamento. O armário estava apertado e, por mais que tentasse se concentrar no que estava acontecendo ali, ela se sentia inquieta. O calor excessivo devido aos casacos a incomodava, e o espaço apertado parecia sufocá-la.
— Shh. — Cinco pediu, com um tom de paciência, mas sua postura demonstrava controle. Colocou o dedo indicador nos lábios dela, pedindo silêncio. O corpo dele estava colado ao dela, e, inesperadamente, Celeste percebeu que não se importava mais com o espaço apertado. Ao menos não com Cinco tão próximo. Ele sorria de forma quase maliciosa, o calor de sua proximidade tornando tudo ainda mais intenso.
A sala estava abafada, quente, e a mão de Cinco desceu até a cintura dela, tornando ainda mais difícil se concentrar no que estava acontecendo à sua frente. Celeste sabia que deveria estar ali para espionar, para entender o que acontecia naquela reunião secreta, mas a proximidade de Cinco e o toque de sua mão faziam com que ela perdesse o foco.
"Meu Deus", pensou, ciente de que estava ali para algo importante, mas a tentação de puxar a gravata de Cinco e beijá-lo de maneira irreversível parecia mais atraente a cada segundo.
Enquanto isso, a conversa na sala continuava, e Celeste conseguiu captar uma voz masculina, fria e calculista.
— ... e outros locais de queda de nave. E como sabem, não podemos permitir que se metam nos nossos negócios. Confirmei que a comitiva estará na rua correta. Nosso pessoal vai estar lá. — A voz vinha de um homem de óculos escuros, o rosto encoberto, mas que transmitia uma seriedade cortante.
— Não temos como errar. — Concluiu um dos majestosos, a voz firme e implacável.
Foi então que outra voz cortou a conversa, fazendo o estômago de Celeste se revirar. Aquela voz... a voz inconfundível de Reginald. Um arrepio percorreu sua espinha ao reconhecê-la. O tempo parecia suspenso, e a sensação de iminente perigo tomou conta de seu corpo. Ela não sentia saudades dele — ao contrário, um nó apertou sua garganta. A tensão no ar se intensificou, e a atmosfera ficou ainda mais densa e carregada.
O homem diante deles mantinha a mesma aparência, exceto por alguns fios de cabelo branco a menos no topo da cabeça. O monóculo, como sempre, repousava sobre seu rosto, e a aura de superioridade que ele exalava estava intacta. Era como se os anos não tivessem passado, como se nada tivesse mudado.
— Consegui o que me pediram. — Reginald falou com uma voz profunda, mas carregada de desgosto. Parecia abominar o plano em curso, e Celeste podia quase sentir a tensão em suas palavras. A ideia de que ele fosse o presidente só aumentava a sensação de desconforto. Ao fundo, ela percebeu uma ponta de esperança em seu pai, mas foi logo abafada por um pressentimento desagradável. — A ideia, no entanto, é extremamente antiética. Com um pouco de manipulação, poderão conseguir algo semelhante ao que queriam. Não foi isso que vocês pediram? Alguém poderoso, alguém que não deixasse rastros? Consegui essa pessoa para vocês, mas por que diabos ainda não me dão ouvidos?
— Já está tudo planejado. Você é o único que discorda. — Um dos majestosos respondeu, a impaciência transparecendo em sua voz.
— Eu não estou discordando... — Reginald respondeu, a voz tensa, mas ainda carregada de um tom de autoridade, como se tentasse manter o controle sobre a situação.
— É o que parece. — Retrucou outro majestoso, fumando seu charuto com um ar de desdém. Reginald respirou fundo, tentando recuperar a compostura, como se estivesse à beira de perder a paciência.
— Eu já fiz a minha parte. Espero que notem a seriedade das minhas ações. Gastei uma quantia considerável para garantir que alguém nos ajudasse. — A frustração em sua voz era quase palpável.
— Isso não estava no acordo. Sabe o que está fazendo, Sir Hargreeves? — O majestoso de óculos falou, o tom sério e incisivo. — Está agindo de forma impulsiva.
— Eu concordo. — O outro majestoso concordou, sua voz carregada de reprovação. — Você não discutiu conosco. Só com o Hoyt.
— E eu já deixei claro que não concordava com essa ideia. — Hillenkoetter levantou as mãos, tentando justificar-se. Todos na sala pareciam prontos para apontar o erro de Reginald.
— Mas eu disse que provaria que estavam errados! — Reginald retrucou, a frustração transbordando de sua voz. Ele estava claramente perdendo a paciência. Celeste, por outro lado, sentia-se cada vez mais alarmada. Sabia que Reginald era rigoroso, mas a intensidade do momento sugeria que ele estava lidando com algo muito mais significativo. — Não poderiam, ao menos, esperar mais alguns dias?
— Isso não trará mudanças eficazes agora. — Hoyt interveio, interrompendo Reginald. Ele deu uma tragada profunda no charuto, os olhos fixos na mesa à sua frente. O silêncio na sala era pesado, e os olhares trocados entre os majestosos indicavam que a decisão estava prestes a ser tomada. — Ao menos… se conseguirmos trazê-la até a chegada do presidente, podemos considerar encerrar o plano. Quem sabe, se provar sua eficácia, talvez possamos conduzir as coisas ao seu modo. Usá-la para tirar o Kennedy da jogada sem matá-lo. — Ele deu a palavra final.
Os outros majestosos assentiram, murmurando suas concordâncias com palavras como "Isso" e "Concordo". Reginald parecia estar em uma posição delicada, sem saída. Ele suspirou, como se estivesse sentindo o peso da derrota. Então, como se atraído por uma força invisível, seu olhar se voltou rapidamente para o local onde Cinco e Celeste estavam escondidos. Os dois conseguiram ver perfeitamente seu rosto — tão familiar, tão igual ao que sempre fora. Estavam cinquenta e seis anos atrás, e o pai deles continuava o mesmo, imutável. Era uma visão aterradora, algo sinistro, para dizer o mínimo.
— Pai... — Cinco sibilou, atordoado, como se tivesse visto um fantasma. Para ele e Celeste, aquilo não era apenas uma simples visão, era como se o passado estivesse ali, diante de seus olhos, encarnado de forma tão vívida quanto antes.
Os majestosos pareciam perceber a desconfiança que o Hargreeves sentia ao notar o armário de casacos no canto da sala. Reginald deu alguns passos calculados, astutos, como se tentasse não alertar quem quer que estivesse ouvindo. Com um movimento preciso, ele pegou um ferro da lareira e bateu contra as frestas de madeira do armário, quebrando-o com facilidade. O som ecoou pela sala, e em um segundo, Cinco e Celeste estavam diante de uma visão aterradora: uma luz azul iluminando rapidamente o armário, antes de desaparecer tão rapidamente quanto surgiu. Reginald havia os encontrado — ou melhor, quase.
Cinco e Celeste haviam teleportado-se. Agora, estavam em outro corredor, ofegantes e assustados. O susto foi imenso quando Reginald atacou o armário, mas, surpreendentemente, Celeste parecia começar a se acostumar com a experiência de se teletransportar. Ela não reclamou, talvez por já estar se acostumando com a ideia.
Porém, Cinco não prestou atenção nisso. Sua mente estava a mil, martelando a questão incessantemente como uma gota d'água. "O que diabos esse velho está tentando aprontar?", pensou, intrigado. Será que havia alguma ligação com a desconfiança que sentiu de Anthony quando o conheceu?
Sabia que, se ao menos alguém que conhecesse Celeste estivesse envolvido na possível traição e corrupção de Reginald, talvez ela estivesse correndo perigo. Mas, de algum modo, Celeste não parecia se preocupar com isso. Apesar de ser observadora, ela confiava cegamente em todas as pessoas que havia conhecido. Essa confiança era um traço de sua personalidade, e embora fosse algo belo, em um mundo permeado por traições, a ingenuidade dela era uma falha fatal.
— Minha linda… — Cinco disse com um tom suave, fazendo Celeste parar para olhá-lo com atenção. — Procure Diego, tá bom? Não fique sozinha, por favor.
Ela o olhou com um olhar preocupado, a expressão carregada de incertezas.
— Vai fazer o que? — Ela perguntou, a preocupação em sua voz clara.
— Terminar de ouvir a conversa. Vou ser mais discreto. Não posso te levar junto. — Ele tentou justificar, mas sabia que a verdadeira razão era outra. Queria estar sozinho, pois, se suas suspeitas sobre Anthony estivessem corretas, Celeste ficaria sabendo junto com ele. De repente, o pior pensamento atravessou sua mente: se estivesse certo, seria melhor contar a ela com calma, e com provas.
Ela resmungou, visivelmente triste, mas então lembrou do champanhe — possivelmente um Freixenet Italiano — que havia roubado de Cinco. A perspectiva de voltar à festa e se embebedar, nem que fosse um pouco, parecia mais tentadora agora.
— Beleza. — Ela resmungou, forçando uma cara de tristeza. Soltou um suspiro e recebeu um beijo protetor na testa de Cinco, um gesto que ela adorava. Ele sempre a tratava com tanta suavidade, com uma delicadeza que fazia seu coração derreter, quase tanto quanto os beijos mais intensos que ele lhe dava, especialmente aqueles ardentes quando ele ficava consumido por ciúmes, como na vez em que Thomas lhe causou desconforto.
— Eu volto logo. — Cinco prometeu, o tom sério, mas caloroso. — Por favor, não fique sozinha.
— Tudo bem, tudo bem. — Ela resmungou, tentando disfarçar a frustração, e logo começou a procurar Diego.
Cinco concordou e se teleportou, deixando-a sozinha. Celeste, por sua vez, baixou os ombros em frustração, sentindo uma pontada de tristeza por não poder acompanhá-lo, mas logo o sentimento foi ofuscado pela ideia do champanhe. Ela começou a alternar entre a tristeza de não poder participar da missão com ele e a satisfação de poder se embebedar um pouco. Mas, à medida que descia as escadas, percebeu que o champanhe, embora fosse bom, não era o suficiente para ela. Fez uma careta. Naquele momento, queria algo mais forte.
Ela desceu rapidamente, buscando Diego ou, se fosse necessário, até Lila, para cumprir o pedido de Cinco e não ficar sozinha.
Enquanto isso, Cinco estava quieto, no banheiro da sala, com a orelha grudada na porta, ouvindo cada palavra da conversa dos doze majestosos. Seu coração batia acelerado, a sensação era como um soco no estômago. Ele estava tão certo de estar errado sobre Anthony que, ao ouvir as palavras que foram ditas, teve a certeza de que Celeste ficaria devastada.
— Eu já paguei ao psiquiatra! Devem me ouvir! — Reginald berrou, sua voz embargada de frustração. Bateu as mãos na mesa, irritado por sua ideia nem sequer ser considerada. Mas então, uma batida na porta o interrompeu.
Não era a porta do banheiro. Era a porta da sala dos doze majestosos. Reginald franziu o cenho, incomodado. Quando ouviu a voz do outro lado, sentiu o sangue ferver. "Mentiroso nojento", pensou com amargura.
— Me desculpe pela demora, senhores. — A voz de Anthony soou do outro lado da porta, e Cinco reconheceu-a imediatamente. Mesmo sem saber exatamente de onde, ele sabia quem era.
— Está atrasado meia hora! — Reginald resmungou, irritado, descontando sua frustração no momento. Não era a intenção, mas saiu naturalmente.
— Eu sei. — Anthony respondeu, o tom de sua voz carregado de constrangimento. Cinco percebeu que ele estava nervoso. — Bem... só passei para agradecer pelos negócios. Principalmente ao Sir Hargreeves.
— Não foi nada. — Cinco ouviu o resmungo de Reginald. — Onde está ela agora?
— Coloquei um novo peão na jogada. Meu filho, Thomas... está com ela agora. A troca de favores decidida: eu ganho ao mantê-la longe... daquele... nojento, e vocês, bem, já ganharam, é claro.
O estômago de Cinco se revirou. "Aquele nojento?" Ele soubera exatamente a quem Anthony se referia. O ódio mortal em suas palavras era inconfundível. Cinco sentiu-se um idiota. Os sinais estavam bem à sua frente o tempo todo. Anthony Blake trabalhara na Comissão. Famoso como o assassino solo da organização. Embora nunca tivesse chegado a conhecê-lo naquela época, tudo parecia fazer sentido agora. A aversão que ele sentira ao visitar a casa de Anthony, o desconforto, a animosidade — tudo estava interligado. Mas o mais perturbador era a sensação de que Anthony estava, de alguma forma, tentando separar ele de Celeste, usando tudo o que tinha ao seu alcance.
Cinco sabia o que precisava fazer. Precisava voltar. Precisava encontrá-la antes que fosse tarde demais. Ele se teleportou para fora, deixando de lado qualquer curiosidade sobre o que mais poderia ser discutido naquela sala. Ao se materializar na festa, deu de cara com um sueco. O ambiente estava saturado de problemas, mais do que ele poderia suportar. Celeste estava longe, acompanhada de Thomas — aquele moleque inútil — e ele acabara de fazer uma descoberta perturbadora sobre o falso carinho de Anthony por ela. Estava quase perdendo o controle.
"Quantos mais problemas vou ter que enfrentar agora?", perguntou-se, sentindo o peso da pressão crescer a cada segundo.
「· · • • • ⛈︎ • • • · ·」
— Celeste? — Uma voz familiar a chamou ao fundo, carregada de admiração assim que a encontrou. Celeste, que estava se divertindo na festa, roubando algumas taças e pedindo algo mais forte aos garçons, se virou rapidamente. Por um momento, pensou estar delirando.
Ela queria que fosse Diego, seu irmão, mesmo que talvez acompanhado de Lila. Mas, para sua surpresa, era Thomas. Ela quase engasgou, mas rapidamente disfarçou.
Era Thomas, vestido com um terno preto impecável, que o fazia parecer mais elegante do que Celeste jamais imaginara.
— Thomas…? — Ela perguntou, a confusão evidente em sua voz. Era ótimo vê-lo ali, ela sentia uma alegria imensa, afinal, estava com saudade dele. Mas... por que ele estava ali?
— E-eu… oi. — Thomas respondeu, com a voz hesitante.
— Oi. — Ela murmurou, desconfortável, ainda tentando entender o que estava acontecendo. Ele parecia tão desconcertado quanto ela. Celeste percebeu isso, claramente, e segurou a taça com mais força, sentindo uma inquietação crescente. "O que ele está fazendo aqui?", pensou. Ela tinha certeza de que os anos passados com os Blakes haviam sido suficientes para que ela entendesse a situação financeira deles. Eles nunca seriam convidados para uma festa como aquela. Era o tipo de evento que reunia magnatas bilionários, como o próprio pai dela. Não o tipo de festa frequentado por um psiquiatra pai solteiro.
— Onde está Samantha? — Ela perguntou, tentando mudar de assunto, mas a distância entre os dois parecia apenas aumentar. Havia algo estranho no ar, como se ambos se repeliam naquele momento. Thomas abriu a boca, pronto para dizer algo, mas as palavras não saíam. Ele não queria estar ali. Odiava aquele plano idiota.
— Com a tia Annabeth. — Ele respondeu, simples, sem muita emoção. Dava um passo à frente, mas Celeste, instintivamente, recuou. Seus olhos evitaram os dele, procurando algum sinal que explicasse o que estava acontecendo. Ela se sentiu traída, mas não sabia por quê. Tudo estava confuso, e, mais do que isso, estava desconfiada. Mas… deles? Nunca havia desconfiado deles. Eles foram as pessoas em quem mais confiou, então, por que sentia que estavam mentindo para ela?
— O que está fazendo aqui? — Ela perguntou, direta, um pouco mais irritada. Ela deu um passo à frente, decidida, estreitando os olhos. Ali, naquele instante, ela viu um relance de verdade nos olhos dele. Ele queria contar. A música "Put Your Head on My Shoulders" tocava suavemente ao fundo, uma melodia lenta e calma, em total contraste com a tensão que pairava entre os dois. Por mais desconfortável que fosse o momento, Thomas não pôde deixar de sentir que aquela música expressava, de alguma forma, sua própria confusão. Ele gostava dela, mas quase odiava-se por isso.
— O papai conseguiu um convite. Veio falar… com alguém importante. — Thomas respondeu, mas Celeste sentiu que ele quase havia revelado toda a verdade. Ela franziu o cenho, frustrada.
Os dois se observaram em silêncio, de longe. Thomas estava em um conflito interno devastador. Queria contar a Celeste sobre a mudança repentina de seu pai. Queria contar sobre a conversa que tiveram, quando seu pai disse que amava sua mãe, e que ele precisava ajudá-lo no Consulado, porque Amélia teria orgulho dele. Afinal, Thomas havia sido o único filho que Amélia teria conhecido. Era seu dever. Mas, por outro lado, ele sabia que o que estava fazendo com Celeste estava errado. Ela era a garota que queimava o arroz, mas que sempre estava lá para ajudar Samantha. A garota que achava graça dos efeitos cinematográficos mais antigos, embora ele nunca entendesse por que ela os achava ruins. A garota que, quando Samantha perdeu o primeiro dente, colocou um dólar debaixo do travesseiro dela, alimentando as fantasias infantis da menina.
Celeste, para ele, era extraordinária. Mas, ao mesmo tempo, ele se perguntava se realmente a conhecia. Seis anos se passaram, e ele nunca soubera de seu passado. Ele continuaria obcecado por ela se soubesse que ela tinha um passado sombrio? Se soubesse que ela possuía poderes? Talvez fosse apenas a ingenuidade dele que o mantinha tão preso a ela.
— O que você está fazendo, Thomas? — Celeste perguntou, exasperada, seu tom de voz denunciando sua frustração. Ela queria que ele fosse verdadeiro com ela, mesmo que isso a machucasse.
Ele engoliu em seco, sem saber como começar. Então, se aproximou, pegando a mão delicada de Celeste. Seus dedos, completamente remendados, contrastavam com a suavidade dela, e isso o fez sentir uma dor estranha. Ele não queria tocá-la daquela forma, não ali, não naquele momento.
Celeste não recuou. Queria ver até onde ele iria. Quem sabe, entrar no jogo dele fosse a única maneira de que ele se abrisse, de que finalmente fosse sincero.
Os dois estavam próximos, quase o suficiente para uma dança desajeitada. Celeste respirou fundo, tentando organizar os pensamentos que se atropelavam em sua mente. Teorias surgiam, mas nenhuma delas parecia se encaixar. Afinal, ali estava Thomas, diante dela. O que ela estava pensando? Ele era o garoto que ela vira crescer, o garoto com quem sempre tinha compartilhado tudo. Mas agora, eles se viam de uma maneira completamente diferente. Apesar de tudo, eles se amavam. Mas de um jeito totalmente distinto. Ela o via apenas como um irmão.
— Eu estou ajudando o papai. — Ele murmurou, sua voz baixa, quase inaudível, enquanto o som vibrante da festa ao fundo parecia se intensificar.
— No que? — Celeste insistiu, sua voz carregada de desconfiança, ainda buscando respostas.
— Isso não importa agora. — Ele falou, com um tom desinteressado. Celeste deu um passo para trás, pronta para ir embora. Queria encontrar Diego e sair dali o mais rápido possível, mas ele a segurou com um olhar piedoso. — É por causa da mamãe.
Seu coração deu um salto. Thomas nunca falava sobre ela. A palavra "mamãe" parecia tão distante, mas ali estava ele, abrindo uma porta que Celeste não sabia se queria ver. Ela hesitou, sentindo-se compelida a voltar. Ele precisava dela ali, de algum modo, e ela não conseguia deixar de atender ao chamado dele.
— A mamãe… trabalhou com meu pai. Se conheceram em uma empresa estranha. — Ele disse, a dor evidente em cada palavra. Parecia contar uma história que ele não conhecia completamente, mas que sentia profundamente. — Ele… parou de fazer coisas erradas. Os dois tinham o objetivo de crescer juntos, no cargo, sabe? Daí… eu nasci. — Ele fez uma careta, o sofrimento ainda mais visível. Celeste viu seus olhos brilharem, mas não com felicidade. Era tristeza. Ele engoliu em seco, tentando segurar algo que parecia pesado demais para carregar.
Mesmo que, no fundo, fosse sincero, o choro era claramente falso. A história que ele contava tinha se tornado um conto de fadas que ele queria acreditar, mas não sabia o suficiente para entender a verdade. Sua mãe nunca contou tudo a ele. E Anthony, após a morte de Amélia, se fechou em um silêncio absoluto. Tudo que Thomas sabia sobre ela eram as lembranças borradas e a história que ele contava agora para Celeste.
As lágrimas escorreram pela face de Thomas. Era uma atuação impecável, e Celeste, sem perceber, acreditava no sofrimento dele. Mas, por mais que a encenação fosse bem-feita, havia um fundo de verdade. Ele estava jogando aquele jogo para ganhar tempo para o pai, para separá-la da família, para que o trio loiro e estranho pudesse atacar o namorado dela pelas costas. Mas, no fundo, a frustração de Thomas transbordava. Ele sabia que estava sendo manipulado por Anthony, mas, de alguma forma, acreditava que era o certo a fazer. Ele devia isso a Amélia. O nascimento dele tinha impedido que ela realizasse seus sonhos. Agora, ele acreditava que era seu dever ajudar Anthony a honrar o que ela não pôde alcançar.
— Olha, Thomas… — Celeste tentou intervir, visivelmente preocupada com a situação.
— Está tudo bem. Só… — Ele limpou as lágrimas e a olhou com uma expressão sombria. — Fique longe dele.
Celeste sentiu um frio na espinha. Não podia acreditar no que estava ouvindo. Deu um passo para trás, incrédula.
— Com licença, do que você está falando, Tom?
Ele olhou para os lados, como se estivesse pronto para ser mais sincero do que jamais deveria ser. A tensão estava prestes a explodir. Ele falaria, custasse o que custasse. E se isso desse tempo para o trio da empresa eliminar Cinco? Ele não se importava.
— Do seu namoradinho. — Ele resmungou, a repulsa clara em sua voz. Celeste riu, incrédula, como se fosse uma piada. Ele parecia tão patético. — Escute o que estou dizendo, Celly… ele é perigoso.
Ela quase gargalhou. Como assim, "perigoso"? Quem era ele para falar algo sobre Cinco? A raiva cresceu em seu peito enquanto tentava se afastar, determinada. Mas Thomas, sem pensar, puxou seu braço com força, quase sem perceber que estava apertando tanto os dedos ao redor dele. Celeste sentiu o desconforto, mas ignorou. Não queria dar a ele a satisfação de vê-la ceder, não naquele momento.
— Estou falando sério… Celly. — Ele insistiu, mantendo-a presa. Celeste quase revirou os olhos. Sentia um nó apertar em seu estômago. Algo estava errado com Cinco. Ela sabia disso. Mas onde toda essa história levaria? — Ele não te merece…
Celeste não respondeu. Puxou o braço com força, quase sentindo a dor do beliscão quando seu braço finalmente se desvencilhou dos dedos dele. Os dois se encararam, em um silêncio pesado. O suspense era palpável. Ela suspirou, irritada, já sem paciência.
— Você não sabe de absolutamente nada, Thomas. — A voz dela foi firme, clara. Ele ouviu as palavras como um soco. Ele sabia que estava errado, mas não conseguia deixar de se sentir ferido. Ela estava certa. Ele nunca fora sincero com ela. — Conseguiu estragar nossa amizade agora.
A palavra "amizade" ecoou no ar como uma lâmina afiada, cortando o que restava de qualquer conexão entre os dois. Thomas assistiu enquanto ela se afastava, passos apressados, atravessando o salão com pressa. Celeste colocou a taça de volta na bandeja de um garçom, sua mente a mil enquanto caminhava em direção à saída. O que Thomas dissera ainda ecoava em sua cabeça, mas a raiva e a confusão a impediam de pensar com clareza.
Celeste estava prestes a explodir de raiva. "Quem aquele pivete pensa que é?", pensou, seu sangue ferver com a frustração. Odiava quando os outros se sentiam no direito de opinar sobre sua vida. Ela tentava subir as escadas para encontrar Cinco, mas antes que pudesse dar um passo, alguém puxou seu braço com força. Ela quase gritou, pronta para mandar Thomas embora, expulsá-lo, fazer ele desaparecer de sua vida. Mas quando percebeu que não era ele, que a mão não era familiar, ela ficou ainda mais confusa. A mulher a puxava em direção à porta dos fundos, levando-a para a área externa do prédio. Celeste tentava entender o que estava acontecendo, sentindo-se perdida, mas com uma vontade imensa de seguir em frente, de chegar até Cinco.
— O que você está fazendo?! — Ela gritou, sua irritação visível, antes de perceber quem estava diante dela. Seu rosto se transformou em espanto, um choque repentino.
Era ela. Mas mais velha. Aquela mesma mulher que Celeste vira na noite da invasão. Seus cabelos lisos, tão perfeitos, caíam em ondas para o ombro, e ela usava um vestido caríssimo que fazia Celeste se sentir... inferior. O coque baixo, elegante e impecável, a orquídea branca decorando seu cabelo, contrastava com o vestido preto, bordado à mão, com detalhes brilhantes. O colar com o pingente em seu pescoço e os brincos grandes de pérola davam a ela um ar surreal, como se estivesse em um outro mundo, inalcançável. "É narcisismo eu achar ela linda?", Celeste se questionou, um sorriso escapando de seus lábios, mesmo diante da confusão.
— Okay, vou direto ao ponto. — A mulher falou de maneira simples, mas com uma determinação que parecia quase desconcertante. Cruzou os braços e respirou fundo, como se estivesse se preparando para algo grande. Elas estavam na rua, longe da agitação das multidões. Celeste sentia que aquela mulher estava em uma espécie de pânico controlado, mas ainda assim, com uma urgência em suas palavras. — Eu não sei o que Reggie está planejando, mas sei que você o conhece, mesmo sem saber de onde.
— Reggie? Quem chama aquele velho de Reggie?! — Celeste respondeu, mais em deboche do que qualquer outra coisa. A mulher segurou seu braço, sem força, apenas para garantir que ela olhasse diretamente nos olhos dela.
— Quer respeitar o meu pai por um instante, por favor?
— Seu pai?! — Celeste exclamou, o choque tomando conta de sua expressão. Ela não conseguia processar as palavras de imediato. Seu coração deu um salto, quase saindo pela boca.
— Sim! Meu pai. — Ela falou com uma naturalidade que parecia só aumentar o mistério da situação. — Eu não sei o porquê, mas os... amigos dele... estão procurando alguém poderosa.
— O que eu tenho a ver com isso?!
— Na verdade, você não tem nada a ver com isso. — A mulher parecia genuína, como se estivesse tentando explicar algo que não compreendia completamente. Sua voz estava carregada de uma sinceridade angustiante. — Eu não sabia o que meu pai estava planejando, mas, durante o jantar, eu toquei no assunto sobre você. Na hora, não percebi, mas agora tenho quase certeza de que ele está à sua procura.
— Oi? — Celeste virou a cabeça, sem entender nada. O que ela queria dizer com tudo aquilo? Ela soltou o braço da mulher e ajeitou seu vestido, uma tentativa nervosa de se manter no controle da situação. Ela hesitava, mas havia algo em tudo aquilo que fazia sua cabeça girar. Algo estranho. Algo que a deixava com uma sensação de déjà vu.
— Isso não importa... — A mulher tentou continuar, mas parou abruptamente. Ela não sabia nem o nome de Celeste. As palavras ficaram penduradas no ar até que a morena respondeu.
— Celeste. Pode me chamar de Celly. — Ela estendeu a mão, ainda com receio de estar tão perto de alguém tão parecida com ela mesma. Era uma sensação estranha, como se sua própria imagem tivesse se distorcido. Algo parecia muito errado, mas não conseguia fugir disso.
— Celeste... — A mulher sorriu, mas a expressão parecia quase sarcástica. — Belo nome. Pode me chamar de... Celeste também. — Ela falou com um tom quase zombador. — Olha só... eu tenho algumas suspeitas sobre as pessoas com quem meu pai tem conversado ultimamente. Eu realmente não queria te envolver nisso, já que nem te conheço, mas... como eu disse, mencionei você durante o jantar e meu pai ficou estranho, muito estranho. Eu não entendi na hora, mas agora percebo que ele não é confiável, não é?
— Do que você está falando?!
— Quer me deixar falar?!
— Como você sabe-
— Ontem, quando entrei no escritório dele, notei alguns cheques e cartas que ele havia escrito para o Hillenkoetter. Pelo que entendi, ele queria minhas... habilidades. Mas depois que falei sobre você, meu pai deve ter convencido Hillenkoetter de que você seria útil para o que eles estão planejando. — A mulher parecia desesperada, como se as palavras estivessem saindo rápido demais de sua boca. Celeste percebeu, de repente, que Diego estava certo quando dizia que ela falava rápido demais quando estava nervosa. E agora ela mesma via isso acontecendo.
Diego!
— Você sabe o que eles estão planejando? — Celeste perguntou, sentindo um frio na espinha. Se o que ela estava ouvindo fosse verdade, talvez tivesse algo ali que ajudasse Diego, algo que a levasse a impedir o que estivesse por vir. Um possível pista sobre o apocalipse.
— Não... mas eu vi cheques para Anthony Blake. Se não me engano, era ele. Talvez isso não ajude em nada, mas...
— Anthony Blake? — Celeste sussurrou, sentindo a dor de uma decepção profunda apertar seu peito. Ela mal conseguia processar. Cada palavra da mulher parecia fazê-la afundar mais na confusão. Mas, no fundo, sabia que fazia sentido. Anthony havia... traído ela? Quanto dinheiro ele teria recebido para frequentar uma festa como aquela? O que Hillenkoetter tinha a ver com isso? E Reggie? Seu pai? Mesmo sem conhecê-la, ele ainda conseguiu decepcioná-la profundamente, mesmo nesta linha do tempo.
— Eu já vi ele na minha casa algumas vezes. Acho que ele é psicólogo ou psiquiatra, mas tem alguma relação com meu pai e Hillenkoetter, tenho certeza. O cheque para Anthony devia ser algo muito importante, uma quantia absurda de dinheiro... — A mulher parecia desconcertada, mas também incrivelmente calma, como se estivesse revelando algo que há muito tempo estava guardado.
— Eu acho que sei o que isso tudo tem a ver comigo. — Celly murmurou, sua mente tentando juntar as peças do quebra-cabeça. Ela sentia tudo ao seu redor desmoronar. — É provável que Anthony esteja trabalhando com Hillenkoetter para descobrir onde eu estou ficando... para me separar de Cinco. — Ela terminou, a voz cheia de incredulidade e horror. Tudo parecia um pesadelo. Ela não conseguia acreditar nas palavras que saíam da sua boca, mas a verdade parecia cada vez mais clara.
— Conhece o psicólogo?!
— Ele é psiquiatra, na verdade. — Celeste corrigiu, a dor da traição apertando seu peito.
Ela não se dignou a agradecer. Apressada, tudo o que queria era voltar para perto de Cinco, e o nó no estômago a incomodava a cada passo. Sua mente estava acelerada. Seria isso tudo parte do plano desde o começo? Separá-la dele?
Com agilidade, ela atravessava o salão, desviando das pessoas e dos garçons que carregavam bandejas de comida. Antes de alcançar as escadas — que estavam lotadas e provavelmente a levariam a Thomas ou Anthony —, decidiu seguir o caminho mais rápido, subindo a escada menor de emergência. As portas fechadas a escondiam dos olhares curiosos, e Celeste se sentia como se estivesse correndo contra o tempo. Afobada, a sensação de pressa era avassaladora. Ela tinha que chegar até Cinco.
Quando abriu a porta e tentou subir os degraus, um homem alto, com pele clara e vestido com o uniforme dos garçons, a agarrou pelo braço com brutalidade e a lançou contra a porta de emergência. O impacto fez com que Celeste gemesse de dor, a cabeça pulsando com a força do golpe. Sua visão ficou turva. Algo estava muito errado — aquele homem não era um garçom.
Ele apertou seu pescoço com força, as mãos fechando-se ao redor das laterais da sua garganta. Desesperada, enquanto tentava recuperar o fôlego, observou que os cabelos do homem eram quase brancos, mas ele não parecia velho. E então, um pensamento gelado atravessou sua mente:
— Dö!
"Morra" em sueco. Ele era da Comissão. A maldita máfia sueca que Cinco havia mencionado dias atrás com Vanya. Se ele estava aqui, no consulado... Cinco e Diego estavam em perigo.
Celeste não pensou duas vezes. Mesmo sem fôlego, agarrou a mão do homem com força, canalizando toda a carga elétrica que seu corpo podia gerar. Em um segundo, o homem caiu, eletrocutado. Ele não estava morto — a descarga não havia sido forte o suficiente para isso. Ela tossiu algumas vezes, apoiando as mãos nos joelhos enquanto tentava recuperar a respiração. Levantando-se, retomou sua corrida, subindo rapidamente os degraus.
Ao sair da escada de emergência, se deparou com o corredor onde Cinco estava. Quando ele avistou-a, ela conseguiu ver um evidente alívio em seus olhos.
Cinco havia falado antes sobre "irmãos suecos" da Comissão, e Celeste logo compreendeu: os três lutariam contra cada um deles. Os dois agentes que atacavam Cinco, Lila e Diego agora eram tão parecidos com o homem que ela havia deixado inconsciente no andar de baixo quanto duas gotas d'água. Seus cabelos eram loiros, quase brancos, e a altura, imponente.
Lila estava ajudando Cinco a lutar contra um deles, enquanto Diego segurava o outro, mantendo-o preso. Celly não hesitou e lançou uma rajada de eletricidade no homem que estava sozinho, atacando Diego. O homem estremeceu e caiu no chão, tremendo. O irmão, que lutava com Cinco e Lila, ouviu o barulho e gritou algo em sueco, distraindo-se. Um erro fatal.
Cinco aproveitou o momento de descuido, empurrando o homem loiro com força em direção à janela. O vidro se estilhaçou ao redor dele, e o homem caiu até o térreo.
Cinco não perdeu tempo. Correu até Celeste, pegando sua mão com firmeza e a guiando para as escadas, os olhos fixos em Reginald, que estava se preparando para sair.
— Vem comigo — ele pediu, seu rosto sujo de sangue, mas seus olhos demonstrando uma determinação inabalável. Ele apertou a mão dela, avançando lado a lado, rápidos, como se o tempo estivesse se esgotando.
Quando Celeste viu Reginald junto com Grace, a confusão tomou conta de sua mente. A presença de Grace ao lado dele deixava tudo ainda mais confuso, ainda mais impossível de entender. Cinco soltou a mão de Celeste, murmurando algo que ela não conseguiu compreender direito.
— Ανδρα μοι ἔννεπε, μοῦσα! — Cinco gritou em grego, sua voz carregada de frustração. Ele tentava chamar a atenção de seu pai, que já estava prestes a entrar no carro, olhando para trás, surpreso com o grito.
— πολύτροπον, ὃς μάλα πολλά! — Celeste gritou, o coração batendo forte no peito. Ela lembrava de todas as palavras de Odisseia, que Reginald os forçava a treinar semanalmente. E agora, naquele momento de desespero, a lembrança vinha à tona como se fosse uma resposta, uma última tentativa de alcançar o pai.
A outra Celeste, que estava com Reginald, olhou para eles, balançando a cabeça negativamente em um gesto de indiferença. Ela recebeu um pequeno beijo na testa de Reginald e entrou no carro, seguida pelo mais velho.
Cinco e Celeste suspiraram ao mesmo tempo, frustrados, percebendo que não tinham tido nem uma única chance de falar com ele.
— Era ele, não era?! — Diego perguntou, mancando enquanto se aproximava, acompanhado por Lila, que carregava seus saltos nas mãos. Todos estavam atordoados, confusos. A luta havia cessado, mas o motivo de estarem ali, na festa, parecia ter desaparecido. Não tinham cumprido seus objetivos.
— Era... — Celeste murmurou, sua voz falhando ao tentar ser firme. O peso da traição de Anthony ainda estava esmagando seu peito, tornando difícil respirar direito. Ela não conseguia mais raciocinar com clareza, perdida entre o que havia acabado de descobrir e o que ainda restava para fazer.
Espero que tenham gostado! os próximos capítulos já estão planejados! se me der na telha eu faço postagem extra essa semana! Amo vcs vocês 💗 votem e comentem!!
revisão concluída ☑️ 💚
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top