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𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐍𝐈𝐍𝐄𝐓𝐄𝐄𝐍

𝐋𝐈𝐆𝐇𝐓 𝐌𝐄𝐀𝐋

⛈︎彡𝐃𝐚𝐥𝐥𝐚𝐬, 1963, 𝐝𝐢𝐚𝐬 𝐚𝐭𝐮𝐚𝐢𝐬 - 𝐂𝐢𝐧𝐜𝐨 𝐇𝐚𝐫𝐠𝐫𝐞𝐞𝐯𝐞𝐬.

— DESDE QUANDO o macacão aprendeu a jogar sujo? — murmurei, irritado, ao me teleportar para o beco e desabar no chão logo em seguida.

Eu sabia que Luther não era o mais brilhante da família, mas esperava algo mais… previsível. A raiva fervia dentro de mim, e o aperto no peito não era apenas pelo impacto da queda, mas pelo medo constante do apocalipse que se aproximava. Eu não podia falhar.

Suspirei, tentando me recompor, e então a vi. Lila. Sorrindo. Aquela cara de deboche. E claro, com seu figurino de quem nunca se encaixa — blusa e calça pretas que contrastavam com os ridículos coturnos vermelhos.

— Não acredito — sibilei, quase sem fôlego.

Era óbvio que Lila estava envolvida em algo grande, e eu sabia que não podia confiar nela nem por um segundo. Aparecer depois de eu ter jurado matá-la? Ela só podia estar desesperada ou muito confiante de que escaparia.

Antes que eu pudesse pensar em outra coisa, ela disparou. Rápida. De repente, já estava na avenida. Eu, irritado, tentei ignorar o fato de que ela me obrigava a adiar Celeste. Sim, eu deveria estar com a Celly agora, mas...

— Celeste vai ter que esperar um pouquinho — murmurei, contrariado, e corri atrás da maldita.

Cheguei ao NU-SHOL PAINTS minutos depois, com o coração acelerado. A adrenalina tomava conta de mim, mas, claro, eu não ia deixar transparecer. De longe, vi Lila quebrar o vidro da porta, indiferente à dor ao usar o próprio braço para abrir a fechadura e se esgueirar para dentro.

Sem querer dar chance ao azar, me teleportei para dentro. Ela não ia me pegar em uma armadilha tão óbvia. Reapareci logo atrás dela, que, como sempre, parou com aquele sorriso provocador estampado na cara.

— Qual é a sua, moça biruta? — cortei o silêncio, irritado.

— Quer saber pra quê? Não foi você quem disse que ia me matar se me visse de novo? — Ela deu de ombros, despreocupada. Aquilo me irritou ainda mais.

— Ah, eu me lembro muito bem — sorri, cínico, cada palavra saindo com gosto de veneno.

— Então, tagarela, quero só ver — ela provocou, mal terminando a frase antes de se mover. Eu me teleportei para trás dela, mas ela já me acertava com um chute no rosto.

O impacto me jogou no chão, a dor explodindo na lateral do meu rosto. Gemi entre os dentes, mas não ia dar a ela a satisfação de me ver desistir. Levantei, e ela já corria de novo, como uma sombra fugidia pelos corredores sujos e abandonados.

Corri atrás dela, segurando meu poder, planejando o momento certo. Deixei que ela avançasse um pouco, só para garantir que eu poderia encurralá-la mais à frente. Num piscar de olhos, me teletransportei para sua frente, bloqueando seu caminho.

Girei no ar, tentando acertá-la com os pés, mas ela desviou com agilidade. Não me deixei abater, usei o outro pé para tentar um chute ainda mais forte, mas novamente errei.

A sequência de socos que ela lançou em minha direção foi rápida, mas eu reagi à altura. A cada golpe que eu devolvia, a irritação no rosto dela aumentava. Ela já não sorria, o que me dava uma satisfação sombria.

Ela levantou o joelho, acertando em cheio meu estômago. O ar saiu do meu corpo em um segundo, mas me forcei a avançar, ignorando a dor. Rebati com um chute poderoso no peito dela, fazendo-a cambalear para trás. Ela se apoiou na mesa no centro do local, mudando de posição rapidamente.

Aproximei-me, mas... nada. Ela tinha desaparecido. Franzi o cenho, confuso. Como diabos ela sumiu assim? Então, ouvi a voz dela, sarcástica como sempre.

— Estou esperando — ela cantou, balançando os pés com aquele sorriso irritante.

Me teletransportei de novo, reaparecendo na frente dela. Mas ela já tinha desaparecido. De novo. Dessa vez, encostada em uma coluna, debochando:

— Só isso?

Aquilo foi a gota d'água. Peguei um cano jogado no chão, não porque precisava, mas porque a ideia de esmagar aquele sorriso com ele parecia particularmente satisfatória. Teletransportei-me mais uma vez, pronto para acertá-la, mas acertei apenas a caixa de eletricidade, que soltou faíscas no impacto. Lila tinha desaparecido novamente.

Antes que pudesse processar o que tinha acontecido, senti o ar se mover atrás de mim. Me abaixei no último segundo, desviando de um chute que teria me derrubado. Em resposta, passei meus pés nos dela, derrubando-a. O gemido de dor que escapou de sua garganta foi quase prazeroso de ouvir.

Sem perder tempo, pressionei meu pé contra o pescoço dela, garantindo que ela não fosse a lugar nenhum.

— Você é melhor do que eu pensava — Lila disse, a voz rouca, quase sem ar.

— E você é patética. Pode sair agora — grunhi, sem tirar os olhos dela, enquanto ouvia os passos da Gestora se aproximando.

— Muito bem — a voz da Gestora soou, calma, como se tudo fosse um jogo para ela. — Você descobriu.

— Não foi difícil — respondi, mantendo Lila presa. — Ela luta igual a todos os robozinhos da Comissão.

— Ainda assim, estamos juntos novamente, não é? — A Gestora deu uma longa tragada em seu charuto, como se saboreasse a situação. — Mas eu preciso saber... sentiu saudades, seu merdinha?

A fúria subiu instantaneamente. O ódio pulsava no meu peito. Apertei o pé no pescoço de Lila, que soltou uma risada fraca, mesmo com dificuldade para respirar.

— Você tem um bom faro — a Gestora comentou, observando com desdém enquanto Lila contorcia as pernas, sufocando sob meu pé.

— Infiltrar ela num manicômio pra se aproveitar do meu irmão simplório... foi genial — respondi, sarcasmo escorrendo da minha voz, mas com aquele toque amargo de verdade.

— Pois é... filha de peixe, peixinho é.

Filha?! Meu estômago deu um nó. Virei a cabeça tão rápido que quase ouvi o pescoço estalar.

— E-Ela é sua f-

— Filha — completou a Gestora, com aquele tom casual que ela usava pra falar sobre qualquer coisa. — Minha única, então seria bom não esmagar a traquéia dela.

Suspirei pesadamente, sentindo a frustração subir pela garganta como um refluxo ácido. Tirei o pé de cima de Lila, que rolou de lado, tossindo e engolindo o ar como se fosse a última gota de água no deserto. Levou alguns segundos para se recompor antes de ficar ao lado da mãe, olhos cheios de ódio.

— Eu vou adorar matar você algum dia — rosnou Lila, os dentes cerrados.

— Lila, querida... dá um minutinho para nós? — A voz da Gestora era um veneno doce, o tipo que escorria sem pressa, corroendo tudo que tocava.

— É, os adultos precisam conversar — acrescentei, o deboche pingando de cada sílaba. O olhar que ela me lançou poderia ter me perfurado... se ela fosse mais esperta. Ela saiu dali em passos apertados, completamente irritada. Pegou um disco do chão e jogou na parede como um baque que ecoou por todo o local.

— O que você quer? —  rosnei, cada palavra carregada de irritação, me aproximando da Gestora.

Ela sorriu, como se estivéssemos prestes a ter uma conversa sobre a previsão do tempo.

— Cinco, você gosta de jazz?

Jazz? Sério?

— É... me traz algumas boas lembranças — admiti, a imagem de Celly flutuando na minha mente, daquele primeiro beijo, o som suave de jazz ao fundo.

— O jazz é como uma mulher bonita — ela começou a explicar, se afastando, dançando pelas palavras como uma cobra prestes a atacar. — Complexo, emotivo, difícil de agradar, não entrega o ouro e faz você penar.

— Eu espero que essa enrolação esteja indo para algum lugar — murmurei, minha paciência se esgotando.

— Com a minha liderança, a Comissão seria como jazz — ela concluiu, aproximando-se de mim, o sorriso serpentino ainda presente.

— E a diretoria da Comissão? — perguntei, já impaciente.

— Ah, é aí que você entra — ela deu de ombros, e o toque dela na ponta do meu nariz quase me fez voar no pescoço dela. Não confiava nem um pouquinho.

— Não. Não, não é — retruquei, afastando-me. Ela suspirou como se eu estivesse sendo infantil.

— Em troca de eliminar a diretoria, eu garanto que você e sua família podem sair dessa linha do tempo e voltar a 2019, inteiros.

Minhas sobrancelhas arquearam, mas não mudei minha expressão.

— E a terceira guerra mundial? Vai estourar em alguns dias.

— Seus irmãos saem, e isso é evitado.

— E o apocalipse, quando voltarmos a 2019?

Ela deu de ombros, casualmente.

— Isso também.

Meu estômago revirou.

— Eu me lembro perfeitamente que você disse que aquele apocalipse tinha que acontecer. Que ele precisava acontecer.

Ela sorriu, inclinando-se como se fosse me contar um segredo.

— Naquela época eu seguia as regras. Agora... — ela fez uma imitação exagerada de uma batida de jazz, girando ao redor de mim — é no improviso.

— Jazz... — sussurrei, finalmente entendendo a analogia, mas não gostando nem um pouco da conclusão.

— Exatamente — ela sorriu, parando bem na minha frente.

Algo dentro de mim gritava que isso não estava certo. Matar a diretoria só para colocá-la no poder? Eu mal conseguia confiar em mim mesmo, quanto mais nela. Mas e se ela estivesse falando a verdade? E se fosse a única maneira?

Pensei em Celly. Como ela se sentiria se soubesse que eu matei mais pessoas? Que eu me transformei no monstro que sempre temi?

— E a diretoria? — perguntei, desviando o olhar. — Ninguém sabe quem eles são.

— Correto. Mas uma vez por trimestre fiscal eles se reúnem.

— Onde?

Ela sorriu, pronta para soltar mais um enigma.

— A pergunta é quando. Eles se encontram em algum lugar no tempo, mas nunca repetem o local.

— Mas você sabe onde será, não sabe? — provoquei, sentindo uma leve faísca de ironia me aquecer.

— Acha que eu seria boa no que faço se não soubesse?

Cruzei os braços e me joguei numa banqueta, meus pensamentos girando.

— Preciso de tempo pra decidir. E… — estreitei meus olhos diante da possibilidade — quero pedir uma coisa além disso.

Ela riu, satisfeita.

— Claro. Você sempre pode pedir mais.

Minha expressão endureceu.

– Quem é Celeste Hale? A Comissão deve monitorar ela, porque tenho certeza que normal ela não é. — dei de ombros. Se tudo desse errado, eu poderia realmente ganhar com o acordo dela. — Quero que consiga a ficha dela.

Ela hesitou, e pude ver a mente dela calculando as implicações.

— Você é espertinho... — Sorriu, mas logo fez uma careta. — Okay. Mas não prometo que o documento estará completo.

— Por que não?

Ela deu de ombros com aquele ar de superioridade irritante.

— Há ordens de cima. O caso é confidencial. Quanto mais pessoas sabem, maior a chance de dar errado, não é? Mas posso tentar. Se você aceitar meu acordo e prometer não estragar a linha do tempo... dela.

Revirei os olhos.

— Como eu disse, preciso de tempo pra pensar.

Dei as costas para ela, prestes a me teletransportar. Consegui sentir o seu sorriso ácido direcionado para mim.

— Não esqueça, o fim do mundo tá logo ali na esquina. Do jeito que as coisas vão, sou sua única opção. — Ela falou. Sua voz carregada de seriedade, como se estivesse realmente certa do que falava.

Olhei para trás, sem virar totalmente, um pequeno sorriso surgindo nos lábios.

— Não. Ainda não é.

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⛈︎彡𝐃𝐚𝐥𝐥𝐚𝐬, 1963, 𝐝𝐢𝐚𝐬 𝐚𝐭𝐮𝐚𝐢𝐬.

— Cinco! — Allison gritou assim que entrou na loja de eletrônicos. Desde que Cinco chegara do encontro com a Gestora e com Lila, ficou sentado nas escadarias da loja, pensando nos prós e nos contras do acordo que possivelmente aconteceria. Quando ouviu os gritos da irmã, ergueu-se rapidamente, imaginando que sua garota havia finalmente voltado. — Vem aqui!

O garoto não demorou muito para se teleportar para onde a irmã estava. A noite estava fresca e os irmãos que antes haviam saído para se alimentar, acabaram se embebedando. Não esperavam que fossem desnudar todos os seus problemas uns para os outros, e de repente, bebidas alcóolicas tornaram-se interessantes demais para eles. A mais sóbria dali, parecia ser Vanya.

— Cuida da Celly. — Allison pediu, descendo do carro. — Ela tomou uma garrafa inteira de Vodka. Espero que não tenha uma cirrose.

— Eu não vou ter uma cirrose — a menor falou com a voz arrastada, enquanto descia do carro de Vanya com o restante da bebida em mãos. Seus joelhos estavam trêmulos, parecia realmente afetada. Cinco só pôde lembrar da sua semana passada, quando ambos ficaram bêbados na biblioteca após fracassarem com a prótese ocular.

— Deixou ela beber? — Cinco perguntou preocupado ao vê-la.

— Ela já tem mais de trinta anos. Tecnicamente, é mais velha que eu — Allison argumentou, dando de ombros. Ela parecia corada pela bebida, mais alegre que o normal, se é que era possível.

— Meu Deus... — o garoto murmurou, fazendo seu braço ficar apoiado em seus ombros enquanto ele a guiava para dentro da loja de aparelhos. Deu somente alguns passos dali até Allison retornar para o veículo e deixá-los só:

— Eu tô indo, irmãos. — gritou. Naquela altura, parecia que sua voz estava baixa demais. — Vanya vai me largar em casa pra eu tentar consertar meu casamento.

Cinco sorriu. Estar ali, com Celly, era como se todos os problemas fossem embora. "Ela deve ter se divertido", pensou. Pôs seu braço ao redor da cintura dela respeitosamente, a guiando pelos enormes degraus da escadaria da loja. Ao tentar subir as escadas, Celeste tropeçava, e muitas vezes chegava a quase se machucar, se não fosse por Cinco a segurando firmemente. "Vamos lá", "Temos só mais três degraus pela frente", ele falava, na tentativa de encorajar a garota a não ficar por ali mesmo.

— Eu tô com tanto sono... — a garota falou com a voz pesada enquanto ambos passavam pela sala desorganizada de Elliot.

— Prometo que você vai poder dormir bastante. — Ele sorriu. Passou as mão nos cabelos embaraçados dela, franzindo o cenho. "Como ela ficou nesse estado?", pensou, sorrindo enquanto se divertia com a situação deplorável da garota.

— O que você fez no rosto? Sua boca está sangrando — a garota perguntou ao ver os lábios levemente inchados do garoto. Ela franziu o cenho, estreitou os olhos para ver nitidamente.

Ele abriu a boca, mas não saiu nada. Pensou se deveria realmente falar para ela sobre o contrato com a gestora. O que ela pensaria dele? O contrato tinha de tudo para dar certo, independente das suas vontades. E se ela o impedisse? Possivelmente estaria certa.
Contudo, decidiu que poderia compartilhar com ela, levando em conta que possivelmente esqueceria no dia seguinte — tanto pelos efeitos colaterais do álcool quanto pela própria memória de peixe dela.

— Encontrei a gestora. — ele deu de ombros. — Se amanhã tudo der errado, achei um jeito de descobrirmos quem é a outra Celeste — o garoto falou, a guiando para dentro do quarto dos dois. Empurrou a porta com o ombro e guiou ela para perto da cama, agora retirando o casaco da garota, que a deixava suada devido ao calor concebido pelo álcool.

— E por que isso só vai acontecer se tudo der errado amanhã? — a garota perguntou se jogando na cama, enquanto a cabeça doía com o leve impacto, que parecia muito maior do que realmente era. Ela se acomodou, abraçando a almofada.

— Porque eu vou ter que fazer mal a muitas pessoas. Sabe? Prometi a mim mesmo não fazer mais isso. Por nós. — ele explicou, respirou fundo, enquanto as orbes castanhas dela o encaravam. Aqueles olhos brilhantes e puros, mesmo que já tivessem presenciado coisas que ele nunca imaginaria. Sentiu que ela o entendia. Ele levantou-se, indo ao banheiro para pegar uma escova, para desembaraçar os cabelos da garota.

Quando voltou, ela sentou-se automaticamente, mesmo que relutante com os cuidados. Ela parecia querer conversar, mesmo que estivesse cansada o suficiente sequer para pensar. Cinco escorregou a escova pelos cabelos ondulados e dourados dela, pensando que ela o odiaria por estragar seus cachos. Acabou sorrindo com a possibilidade de ter que lidar com a fúria dela na manhã seguinte. Mesmo que bêbada, ele pôde ouvir murmúrios de reclamação vindo dela, mesmo que baixos o suficiente para ele poder ignorar.

— Eu tenho uma pergunta pra te fazer — ela falou, o garoto, que agora terminava de pentear seus cabelos, parou com a escova, a jogando em qualquer lugar do quarto. Ele sentiu que ela o deixaria encurralado com perguntas desconexas e vergonhosas, e pensou se não deveria obrigá-la a dormir para que preservasse sua própria imagem. Antes que pudesse fazer algo, foi surpreendido pelos olhos penetrantes dela:  — Você achou a outra Celeste bonita?

— O-o quê? — Ele perguntou, surpreso, sentindo a garganta secar. Pela expressão dela, sentiu no mesmo momento que tudo havia ido por água abaixo. A situação era quase cômica.

— Por que você gaguejou? — Celeste franziu o cenho, e seu olhar, antes comum, agora estava repleto de uma tristeza exagerada, amplificada pela bebida que ainda circulava em seu sistema.

— Ah, eu... — Cinco começou, tentando manter a calma e escolhendo cada palavra com cuidado. — Você sabe que vocês são idênticas, não sabe?

— Ah, jura? — ela ironizou, e Cinco sentiu-se um idiota enquanto a observava se afastar, cambaleando, para se deitar na cama.

— Sério, minha querida — disse ele, e viu Celeste revirar os olhos, fingindo que ia vomitar ao ouvir o apelido. Irritada, ela se jogou na cama, afastando-se dele. Cinco, ainda sentado ao lado dela, puxou seu rosto suavemente, tentando fazê-la olhar para ele, embora ela teimasse em desviar o olhar, fazendo birra. — Me olhe, Celly.

— Por que eu deveria? — ela retrucou, ainda evitando seu olhar. — Peça para ela te olhar.

— Eu gosto de você por muitas razões, Sunshine. Quando eu disse que vocês eram iguais, me referia apenas à aparência. — Ele fez uma pausa, sabendo que, embora ela não olhasse, estava ouvindo. — Gosto de como você é bondosa. Gosto da sua lealdade com as pessoas importantes pra você. — Ele notou que ela finalmente o encarava, seus olhos iluminados por uma nova esperança. — Gosto de como você se preocupa com os outros, mesmo quando não recebe o mesmo em troca... E gosto do quanto você adora ouvir música em vitrolas antigas porque te lembra do nosso primeiro beijo. — Cinco sorriu. — E acho graça de como você é modesta e ama receber elogios.

Celeste soltou uma risada alta, o efeito do álcool a deixando ainda mais expansiva. Cinco se sentiu aliviado; parecia que, desta vez, havia dito as palavras certas, e o melhor de tudo, havia sido completamente sincero. Ele poderia continuar elogiando: amava a caligrafia desajeitada dela e a forma como ela caminhava saltitando quando estava de bom humor, mesmo sem perceber.

— Aquela ideia de morarmos em uma casa grande, com um gato e um cachorro... ainda é só nossa, né? — ela perguntou, agora com os olhos alegres, irradiando segurança.

— Claro que sim — Cinco deitou-se ao lado dela. — Fico feliz que não tenha se esquecido disso.

Ela sorriu, e ele beijou sua testa com carinho, em um gesto de proteção. Mas, então, viu os olhos dela se encherem de medo, as lágrimas ameaçando escorrer.

— E se a gente não conseguir impedir o apocalipse? — A voz dela tremeu de leve, o medo nítido. Largou a almofada que estava segurando e a trocou por ele, abraçando-o apertado. — Nem conseguimos da última vez...

— Não fala assim — Cinco pediu, abraçando-a ainda mais forte, os dedos entrelaçando-se nos fios dourados de seu cabelo. — Nós sempre tentamos, meu bem. E vamos tentar de novo. É o que fazemos.

— Quem se importa? — ela suspirou, dando de ombros. — Acho que deveríamos aproveitar nossos últimos dias. Quem sabe eu devesse gastar o dinheiro que eu nem tenho comprando muitas roupas.

— Que roupas você compraria? — Cinco entrou na brincadeira, querendo desviar a conversa dos medos dela.

— O vestido vermelho da vitrine da Princeton’s. Vi hoje... — respondeu ela com um sorriso, a voz se arrastando conforme o sono tomava conta. — Você me ama, né?

Ele olhou para ela, o rosto sereno.

— Não.

Celeste franziu o cenho, afastando-se por um segundo, pegando um travesseiro para atacá-lo, enquanto ele sorria de forma provocativa. Ela tentou golpeá-lo com o travesseiro, mas estava fraca demais para causar qualquer dano. Cinco soltou uma gargalhada, divertindo-se com a frustração dela.

— Você é um babaca — resmungou, largando o travesseiro e deitando-se ao lado dele, ofegante. Murmurou alguns xingamentos quase inaudíveis, enquanto ele ria de leve. Sem hesitar, Cinco passou o braço ao redor da cintura dela, puxando-a para perto. — Sai! — ela pediu, se debatendo, mas sua raiva logo se dissipou quando Cinco começou a encher seu rosto de pequenos beijos carinhosos. Aos poucos, ela sorriu novamente, relaxando nos braços dele, que a seguravam de uma forma meio desajeitada, mas reconfortante.

— Você sabe que eu te amo. Te amo muito. Muito mesmo.

Ela se aconchegou mais em seus braços, um sorriso satisfeito no rosto, como se tivesse ganho o maior dos prêmios. Mudou de posição, ajustando-se para apoiar a cabeça no peito dele, para poder olhar diretamente em seus olhos — algo que ela adorava fazer. Ficou em silêncio por alguns instantes, até que, sem conseguir segurar, soltou uma pergunta que jamais faria se estivesse sóbria.

— Sabia que nossos irmãos não acreditaram quando eu disse ser virgem hoje? — ela perguntou, olhando nos olhos do rapaz como se estivessem tendo uma conversa banal, como se falassem sobre o assunto diariamente.

— Você está falando sério? — ele perguntou, engasgando com a revelação súbita. As bochechas de Cinco arderam, e uma onda de dúvida o atingiu: será que ela lembraria dessa conversa no dia seguinte, caso ele quisesse continuar? — A... ah. Você é? Digo... virgem. — O garoto hesitou, a voz trêmula, o peito queimando de vergonha. Imaginava que, enquanto estivera fora todos esses anos, ela poderia ter se envolvido com outros rapazes. E, se isso tivesse acontecido, realmente não a culparia.

— É óbvio, Cinco. — Celeste afundou o rosto no peito dele, como se o esconderijo a protegesse do mundo. — Nunca pensei em fazer isso com outra pessoa que não fosse você.

— Ah. Sério? — Ele não conseguiu esconder a felicidade nas palavras, um sorriso involuntário se formando em seus lábios. Enquanto as pessoas costumavam ser sinceras quando bêbadas, sentiu que aquele momento era verdadeiramente especial. O calor em seu rosto se intensificou, uma combinação de vergonha e alegria. Era difícil para ele se sentir assim, vulnerável, exposto daquela forma.

Ele também nunca havia tido relações com mais ninguém. O único contato que teve com mulheres após o terror do apocalipse foi na Comissão. No entanto, sua mente sempre estava em outro lugar; ele simplesmente não conseguia prestar atenção nelas. Todos os dias, seus ombros estavam sobrecarregados pelo peso da responsabilidade de consertar tudo e retornar para Celly. Mas, mesmo assim, a esperança de revê-la sempre superava qualquer fardo que carregava.

Nada fora daquele caminho importava; as distrações, os problemas e até mesmo os encontros fugazes se tornavam irrelevantes diante do amor que sentia por ela. Cada passo que dava em direção ao futuro era guiado por uma única direção: voltar para a garota que realmente importava. O mundo em colapso à sua volta parecia insignificante quando comparado ao brilho dos olhos de Celeste, à maneira como seu sorriso iluminava os dias mais sombrios. Para ele, o verdadeiro significado de lutar pela sobrevivência sempre foi se reunir com ela, encontrar um caminho que os trouxesse de volta ao que tinham, ao que sonhavam.

— Sim... — ela deu de ombros, seus olhos transbordando sinceridade. — …você já fez isso antes? É bonitinho demais para nunca ter feito. — Um pequeno sorriso sorrateiro surgia em seus lábios enquanto ela coçava os olhos, fitando o rosto do garoto.

— E-eu estava sozinho no apocalipse. Lembra, amor?

— Ah! — Ela riu, divertindo-se ao lembrar de um detalhe tão importante. — Desculpa aí!

— Tá tudo bem. Mesmo que eu estivesse cercado por muitas mulheres, nenhuma delas se compararia a você. — Ele falou com sinceridade, seus olhos brilhando com uma admiração resplandecente. — Você é boa demais pra mim.

— Você acha? — Ela perguntou, erguendo as sobrancelhas, a expectativa dançando em seu olhar.

— Acho que você é o amor da minha vida. Não apenas acho, tenho certeza. — Ele sorriu, como se o mundo inteiro pudesse desaparecer ao redor deles.

Ela pareceu se acalmar um pouco, observando o rosto do garoto com atenção. Sorriu junto com ele, quase deixando o sono a levar.

— Cinco... você é bem bonitinho. — Ela falou, suas bochechas rubras pela declaração. Seus olhos castanhos examinavam o rosto dele de maneira tão intensa que ele quase podia sentir seus segredos sendo desmascarados.

— Ah, eu sou? — Ele perguntou, sem perceber o quanto havia gostado daquilo. Seu coração acelerado pulsava forte, e ele a apertou ainda mais em seus braços, como se quisesse proteger aquele momento.

— Uhum. — Ela concordou de olhos fechados, completamente acomodada. — Você me dá tesão.

O garoto arregalou os olhos, sentindo o coração querer sair pela boca, incrédulo. "A bebida está deixando-a maluca", pensou, determinado a prometer a si mesmo que nunca mais a deixaria chegar àquele ponto de embriaguez.

— F-fico… feliz por isso. — Ele murmurou, franzindo o cenho. Tentava ser o mais respeitoso possível, ciente de que a garota não estava com a cabeça clara. A ideia de quanto ela se arrependeria ao lembrar-se disso no dia seguinte o atormentava. Conseguia imaginar perfeitamente a cena: ela, gaguejando de vergonha e pedindo desculpas.

Celly, deitada em seu peitoral, quase adormecida, murmurou suavemente:

— Não me deixe sozinha de novo...

Cinco a olhou com carinho, passando os dedos delicadamente pelo rosto dela, sua pele quente sob seu toque. Prometeu silenciosamente que nunca a deixaria sozinha. Curvou-se com dificuldade, beijando os cabelos dela com ternura, e, em um sussurro quase inaudível, desejou-lhe uma "boa noite".

Foi então que percebeu que ela realmente havia adormecido, puxando a eletricidade da lâmpada do quarto, mergulhando tudo em um suave crepúsculo que favorecia o descanso. Cinco nunca tinha ido dormir tão feliz quanto naquele momento, envolto pela paz que emanava da presença dela. A segurança e a tranquilidade que sentia o preenchiam de um modo que ele nunca havia experimentado antes, e ele se permitiu sonhar com o que o futuro poderia reservar para os dois.

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O dia seguinte passou rapidamente. Celeste e Cinco se encontravam agora na rua Magnólia, em frente a um grande prédio. No dia anterior, Reginald havia enviado um de seus mordomos para entregar um convite formal, convidando toda a família Hargreeves para um jantar. Era um convite simples, mas cheio de formalidades. Cinco havia tentado convencer os irmãos a não irem, preocupado que tudo desse errado.

— Tem certeza que é aqui? — perguntou a garota, hesitante.

A cabeça dela ainda doía levemente, um eco das inconsequências da noite anterior, fazendo-a lamentar algumas de suas decisões. Ela não se lembrava de tudo, mas tinha flashes da noite passada: estar na mesma cama que Cinco, algumas declarações embaraçosas sobre sua virgindade e o fato de achar ele atraente. Meu Deus, como eu vou superar essa burrice? Prometeu a si mesma que não beberia tanto novamente.

Cinco a olhava durante o dia, desviando o olhar, como se soubesse que ela havia se lembrado da noite anterior. Ela realmente queria pedir desculpas, mas achava que isso só aumentaria sua vergonha.

— É o que está no convite — ele respondeu, dando de ombros. — Precisamos nos sair bem para não arriscarmos nossa existência. Pronta?

— Pra ver o papai? Sim — disse ela, dando de ombros, mas logo fez uma careta. — Pra ouvir as besteiras que ele fala? Nem um pouco.

— Celly — ele a encarou, ambos parados, os olhares se cruzando. — Precisamos ter cuidado para não deixarmos escapar nada sobre onde estamos ficando — pediu, parecendo cansado.

— Eu sei. Se necessário, eu...

— ...não deve poupar energia — ele completou, fazendo-a concordar com a cabeça. Antes de continuarem, ela franziu o cenho:

— Você sabe que temos poderes, né? E que éramos assassinos treinados? Acha que alguém conseguiria nos vencer? É uma pergunta genuína. — Ela estreitou os olhos.

— É sempre bom prevenir. E, sendo modesto... se eu não conseguir te proteger, é melhor esperar pelo pior.

Ele segurou a mão dela, e juntos começaram a caminhar em direção ao enorme prédio.

Enquanto o vento leve soprava em seus rostos, a bainha do vestido roxo de Celeste balançava. O coração de ambos batia acelerado, nervoso. Ao adentrarem no "Southi and Life", subiram as escadarias do hall de entrada com um misto de apreensão e determinação.

A decoração colorida das altas paredes contrastava com o piso simples sob seus pés. O aroma de lavanda preenchia o ar, revelando a limpeza do local. Funcionários se moviam apressadamente, dando um ar de atividade ao espaço.

— Estou nervoso — Cinco murmurou ao passar por uma grande porta de vidro, indo em direção aos elevadores. Antes que pudesse ouvir um "vai dar tudo certo" da garota, ela o puxou, colocando as mãos em seus ombros e olhando-o nos olhos. Ele sorriu levemente com a aproximação, prestando atenção a cada detalhe dela.

— Se controle — ela pediu, com a voz firme. — Vamos fazer do jeito que treinamos com o Elliot hoje. Confia em mim: vou ter que me controlar pra não voar no pescoço daquele idiota… então, sei que você vai se sair bem melhor que eu. Eu sei disso.

Cinco pareceu relaxar, respirando fundo. Um sorriso pequeno apareceu em seus lábios. Ele puxou a cintura da garota, trazendo-a mais para perto. Ela arregalou os olhos, surpresa com o toque, especialmente após a noite anterior, e ofegou ao sentir os lábios dele roçarem os seus, de forma suave. Em resposta, ela se entregou ao beijo, um momento puro que fez suas mãos, que antes estavam nos ombros dele, agora envolverem a nuca do rapaz. Quando se separaram, Cinco a encarou com seus olhos azuis, como se visse algo especial. Ela sentiu as bochechas aquecerem sob seu olhar e se afastou, um pouco envergonhada.

— Só pra você saber… — ele começou, procurando as palavras certas. — Eu sei que você se lembra de ontem… — O coração dela disparou, e ela ficou vermelha. — Não levei em consideração nada do que você disse, pois sei que não estava sóbria.

— Ah… — ela sibilou, tentando abrir a boca para se defender, mas as palavras falharam. Cinco entrou no elevador, ansioso, esperando que tivesse dito algo que a deixasse menos nervosa. Ao entrar lentamente, Celeste se posicionou ao lado dele, evitando o toque físico e o contato visual. Um silêncio perturbador e vergonhoso entre ambos. Ela respirou fundo. — Eu… eu estava bêbada.

— Eu sei — ele deu de ombros, divertindo-se com a vergonha dela. Ela fez mais uma pausa. Novo silêncio, parecendo ainda mais profundo e terrível quanto o outro. Só o garoto parecia se divertir com o nervosismo dela. Foi pego de surpresa quando ela quebrou rapidamente o silêncio, como se falar sobre qualquer coisa da noite anterior fosse queimá-la.

— Mas não menti em nada — disparou rapidamente, a declaração tão abrupta que fez Cinco se surpreender. Ele havia se convencido de que tudo o que ela dissera não era para ser levado a sério, mas ao ouvi-la afirmar que fora sincera, ele corou. Antes que pudesse articular uma resposta, um "Espera aí" familiar fez Celeste suspirar de alívio, segurando a porta para que não se fechasse.

Diego se posicionou entre Celeste e Cinco, percebendo que havia interrompido algo importante. Celeste o encarou, esboçando um sorriso tímido que logo se dissipou, e então desviou o olhar para Cinco, que apenas crispou os lábios e acenou com a cabeça, seu semblante carregado de tensão. Enquanto os irmãos se acomodavam no elevador, cada um segurando seus convites individuais, o clima de expectativa tornava-se quase palpável, todos prontos para reencontrar o familiar que mais os havia traumatizado. Antes que a porta se fechasse, todos os irmãos — até mesmo Ben, que, mesmo em seu estado, fazia-se presente — conseguiram entrar.

— Bom, todo mundo veio — Cinco comentou, surpreso, enquanto um nó de nervosismo se formava em seu estômago. "Ótimo, agora tudo vai dar errado", pensou, ironicamente. "Se eu tivesse pedido que estivessem aqui, eles teriam dado um jeito de não vir." — Por favor, não mencionem nada sobre a casa do Elliot. Para o nosso bem — advertiu aos irmãos, com a voz firme, mas um toque de ansiedade.

A porta se fechou abruptamente à frente de Luther, que havia chegado por último e ficou mais próximo da saída, aumentando a expectativa ansiosa entre os irmãos.

Instantes depois, um mau cheiro começou a se espalhar pelo elevador, fazendo todos contorcerem os narizes e franzirem o cenho em nojo. Celeste não hesitou em tampar o nariz com a ponta dos dedos, tentando evitar o fedor que emanava de Luther.

— Droga, Luther. Que horror! — a garota murmurou, enquanto os outros gemiam de repulsa, virando o rosto para o lado oposto, na esperança de escapar do odor insuportável.

— Perdão, eu tô nervoso — ele justificou, envergonhado, com a cabeça baixa.

Assim que a porta se abriu, os irmãos se apressaram a sair do elevador, todos deixando Luther para trás, como se ele fosse um peso indesejado.

— Você tá de brincadeira… — Allison resmungou, saindo com o casaco no nariz, sua expressão de nojo clara.

— Que absurdo — Klaus murmurou, fazendo uma careta, já imaginando o que estava por vir.

Quando a garota parou para observar a decoração do ambiente, percebeu que o lugar tinha um ar acolhedor. O estilo "tiki lounge" a aguardava, com mesas de toalhas coloridas, paredes de madeira e lâmpadas amarelas que criavam uma atmosfera tropical, quase mágica. Era a única que havia parado em frente ao elevador, admirando a decoração, enquanto os outros se dispersavam pelo salão.

— Uau — ela murmurou, encantada com o ambiente.

— Olhem aqui. Quando o papai chegar, quem vai falar sou eu — Cinco se pronunciou, assumindo um tom autoritário, lembrando a todos que era o mais velho. Arrumou o blazer uniformizado e lançou um olhar sério para Celeste, que rapidamente desviou o olhar, evitando a tensão entre eles.

— Eu também tenho algumas perguntas pra ele — Diego comentou, referindo-se a Kennedy, sua voz carregada de determinação.

— A gente não quer assustá-lo, certo? Talvez ele possa nos ajudar a impedir o fim do mundo e voltar pra casa — argumentou Cinco, esfregando as mãos nervosamente, o medo evidente em sua expressão.

— Você realmente acha que ele vai saber de alguma coisa? — Celeste perguntou, finalmente se juntando ao grupo. — Eu aposto que ele vai dizer, no máximo, algo sobre "virar uma noz" e "escorregar no gelo".

— Espero que esteja errada, Sunshine. — Ele murmurou. Os olhos carregados de aflição.

— Precisamos descobrir por que ele planeja matar o presidente — Diego insistiu, sua voz firme como se fosse um ultimato.

— Isso é questão de vida ou morte, seu imbecil — retrucou o irmão, o desespero transparecendo em sua voz.

— Calma, acho que seria melhor a gente se revezar pra falar — Vanya interveio, sua voz calma contrastando com a agitação do grupo, enquanto procurava um objeto decente para implementar sua ideia. — Pronto, quem tiver com essa concha na mão pode falar.

— Vanya, a gente não tem tempo pra um debate — Cinco rebateu, tentando conter a frustração que crescia com a falta de noção dos irmãos.

— Eu vou começar — Allison o interrompeu, pegando a concha na mão e se aproximando da grande mesa circular no centro do salão. — Todo mundo sabe que eu falo melhor em público do que vocês.

— Ah, tá bom, filhinha do papai — Diego debochou, o sarcasmo evidente em sua voz.

— Está com ciúmes, Número Dois? — ela provocou, os olhos brilhando de desafio.

— Ei! Chega de números. Somos a Equipe Zero — Diego pediu, se aproximando da morena com um olhar intenso. — Todo mundo. Equipe Zero.

— Diego — Luther chamou, rindo da situação. — Você não tá com a concha — sorriu de forma debochada.

Com um controle difícil de manter, Diego arrancou a concha da mão da irmã e a arremessou contra uma coluna, estilhaçando o objeto em mil pedaços. Celeste deixou os ombros caírem em derrota, pensando se tudo realmente daria certo como havia imaginado. Cinco, de forma sorrateira, teleportou-se para o lado dela e envolveu ela ao redor do seu braço direito, a trazendo para perto do corpo dele.

— Típico — Allison murmurou, revirando os olhos, a irritação estampada em seu rosto. Celeste, com a aproximação repentina, sentiu seu rosto corar. Sentia que o garoto estava fazendo aquilo para tentar aliviá-la da tensão, e, de alguma forma, funcionou.

— Se controla, Diego — Celeste pediu, observando o irmão se deixar levar pela raiva. — Você tá pior que o Klaus.

— Ah, não! Sem comparações. Eu não fico quebrando as coisas aleatoriamente — Klaus se defendeu, levantando as mãos em rendição, tentando evitar o foco de irritação.

— Tem razão. É só ele que faz isso — Celeste disparou, fazendo Diego bufar, frustrado.

— Olhem, precisamos nos concentrar! — Cinco interrompeu, buscando restabelecer a ordem em meio ao caos. — Temos uma missão, e se não nos organizarmos, tudo pode desandar.

Mal tinham tempo para discutir mais. Instantes após o estilhaçar da concha, Reginald adentrou o salão com um livro sob o braço, seus passos pesados denunciando sua pressa.

Celeste engoliu em seco ao vê-lo tão próximo e vivo, sua presença cortante como uma lâmina, enquanto ele entrava na sala com seu jeito ranzinza que, por um momento, pareceu dissipar-se ao olhar para ela.

O ar pesou entre os irmãos, que o observavam com uma pressão emocional esmagadora. Era como se todas as péssimas lembranças voltassem à tona, deixando todos abatidos em questão de segundos.

Reggie se sentou à mesa, e, imediatamente, os irmãos o acompanharam, lembrando da regra de infância: o papai sempre se senta primeiro.

— Não somente vocês vandalizaram meu laboratório, soltaram meu chimpanzé, invadiram o consulado do México, me perseguiram e me atacaram repentinamente, mas também me chamaram em diversas ocasiões de...

— Oi, pai, como é que tá a vida? — Klaus interrompeu com a usual irreverência, sentando-se à mesa e balançando casualmente um drink nas mãos.

—... pai — o homem concluiu com uma exasperação visível. Seu olhar, cortante como uma lâmina, se voltou para Celeste. Ela sentiu o peso daquela análise fria e minuciosa, e o desconforto tomou conta de seu corpo. — E ainda tem o motivo mais estranho de todos... você — ele continuou, mantendo o foco nela. — Minha investigação provou que vocês não são da CIA, nem da KGB, e muito menos do MI5. Então, quem são?

O nervosismo de Celeste era palpável. Sua perna tremia involuntariamente debaixo da mesa, denunciando seu pavor. Cinco, sempre sereno, pousou a mão firmemente sobre sua coxa, e o simples toque a fez respirar fundo e tentar recobrar a calma.

— Somos seus filhos — Cinco finalmente quebrou o silêncio que pairava pesado, sua voz firme, porém carregada de tensão.

— Do futuro — Celeste completou com um tremor na voz, o olhar do pai ainda queimando sobre ela. Sentia-se de volta à infância, à época em que cada erro seu parecia ser uma catástrofe sob o julgamento impiedoso do pai. Aquele olhar a fazia quase ouvir as antigas vozes que a assombravam, sussurrando que ela falharia, como sempre.

— Em 1989, você nos adotou e nos treinou para lutar contra o fim do mundo. Nos chamou de Umbrella Academy — Cinco continuou, como se estivesse relatando um fato, mas com um tom que carregava anos de ressentimento.

— Mas por que eu adotaria set...

— Oito — Allison o interrompeu com uma voz afiada. — Um de nós não está aqui.

— Morreu. Um de nós morreu — Diego afirmou, seco, enquanto Klaus parecia alheio à conversa, discutindo com Ben, que suplicava para ser notado pelos outros. A frustração de Klaus era evidente; estava cansado de ouvir apenas as reclamações de um irmão morto.

— Mimimi, já chega. Chega, tá bom? — Klaus explodiu, impaciente, interrompendo o momento com seu deboche habitual, gesticulando para que todos voltassem ao foco da conversa.

— Não importa. — Reginald retomou a fala, seus olhos analisando cada um com uma frieza calculada. — O que poderia ter me levado a adotar oito delinquentes mal-educados? — ele perguntou, como se a ideia fosse completamente absurda.

— Temos habilidades especiais — Cinco declarou, sua voz carregada de uma seriedade implacável.

— Especiais? Em que sentido? — Reginald rebateu, desafiando-os.

— No sentido mortal — Celeste respondeu com firmeza, seu olhar intenso refletindo a tensão do momento.

— Sim, no sentido de superpoderes — Luther completou, tentando suavizar o peso das palavras de Celeste.

— Podem me chamar de antiquado, mas acredito em algo chamado "prova". Provem. — Reginald desafiou com um olhar severo.

— Agora todo mundo quer uma demonstração — Allison murmurou com sarcasmo polido.

— Não somos animais de circo. Não vamos equilibrar bolas no nariz nem bater palmas como focas para te entreter — Luther retrucou, claramente ofendido.

— Em 2019, isso fazia parte da sua personalidade — Celeste lançou, com um sorriso irônico, recebendo de Luther um olhar irritado. Ele parecia tão desconfortável quanto ela por estar ali.

Sem aviso, Diego, impetuoso como sempre, atirou uma de suas facas diretamente no pai. A lâmina passou a milímetros do rosto de Reginald antes de fazer uma curva precisa e se cravar na pilastra de madeira atrás dele. Reginald, impassível, apenas começou a anotar algo em seu caderno, como se o ataque não fosse digno de reação.

— Tá escrevendo o quê? — Diego perguntou, a fúria crescendo em sua voz.

— Já são duas faltas para você, meu jovem — Reginald respondeu calmamente, o tom de provocação suficiente para fazer Diego se levantar, pronto para reagir.

Cinco, agora claramente tenso, teletransportou-se à frente de Diego, bloqueando seu avanço.

— Para! — Cinco o repreendeu, com firmeza.

— Isso é interessante — murmurou o velho, anotando mais uma observação, como se nada ao redor o abalasse.

— Tá legal — Cinco disse, voltando a se sentar, a tensão em sua postura evidente. Ele pousou a mão novamente sobre a coxa de Celeste, tentando transmitir alguma calma. — Um resuminho: Luther, super-força; Klaus, comunga com os mortos; Allison faz qualquer um fazer qualquer coisa...

— Só que ela nunca usa o poder — Diego interrompeu com uma pitada de desprezo.

— Eu ouvi dizer que você se deu um soco na cara — Allison retrucou, sua voz cheia de deboche. E, como esperado, Diego socou o próprio rosto, gemendo de dor.

Cinco levantou as sobrancelhas, lançando um olhar que dizia "Esse é o poder dela".

— Merda! — Diego exclamou, esfregando o rosto dolorido. Enquanto isso, um sorriso discreto surgiu no rosto de Celeste. Apesar de tudo, parecia que certos momentos da reunião familiar a deixavam um pouco mais à vontade.

— E vocês duas? — Reginald perguntou, voltando o olhar analítico para mim e Vanya.

— Eu posso te eletrocutar — Celly disse casualmente, levantando a mão e mostrando a eletricidade pulsando em meus dedos. — E a Vanya... bom, não é uma boa ideia testar os poderes dela — adicionou com cautela.

— Realmente não é uma boa ideia — Klaus concordou rapidamente.

— É — Luther completou, com o semblante tenso.

— Tudo bem — Vanya disse com um sorriso, como se estivesse disposta a provar seu controle. — Eu me controlo.

— Se controla? — Reginald questionou, cético.

— Da última vez, explodiu a lua — Celeste respondeu, sua voz cortante como um lembrete do perigo que todos ali já conheciam bem demais.

— Eu não faria isso — Luther disse, sua voz um tanto hesitante, quase se perdendo no caos. Vanya, porém, estava completamente alheia a qualquer advertência. A concentração em seus poderes a isolava do ambiente, enquanto cada um dos irmãos tentava desesperadamente convencê-la a parar.

Ela ergueu um garfo e, com um movimento simples, bateu-o no copo de vidro. O som agudo reverberou, e Vanya, sem querer, canalizou sua energia naquele pequeno ruído. O resultado foi imediato e devastador: um abacaxi explodiu de repente, lançando pedaços por toda a sala, manchando as roupas de todos.

— Droga, meu vestido tava limpinho — Celeste esbravejou, sentindo o suco do abacaxi escorrer pela pele. Todos bufavam e murmuravam irritados para Vanya, ou apenas resmungavam para si mesmos.

— Opa — Vanya se encolheu, constrangida, uma mistura de culpa e timidez passando em seu rosto.

— Impressionante... — Luther soltou a respiração, que nem percebeu que estava segurando. Ele estava agradecido que não tinha sido pior.

Antes que qualquer um pudesse reagir, Diego tomou a iniciativa, sua voz carregada de frustração:

— Olha só, a gente sabe que você está envolvido em um complô pra assassinar o presidente.

Ao ouvir isso, uma onda de desespero silenciosa se abateu sobre Celly. Era como ver as últimas fagulhas de esperança se apagarem.

— Você foi hospitalizado há pouco tempo, não é mesmo? — Reginald rebateu com um tom frio e cortante.

— Não, eu...

— Ainda parece estar sofrendo de delírios de grandeza e paranóia aguda — Reginald continuou, cada palavra cuidadosamente escolhida para ferir.

— Eu tô?! — Diego retrucou, puxando de sua carteira a foto do pai, vista no vídeo dos Frankel. — Explica isso. É você. Isso é daqui a dois dias, na praça. No local exato onde o presidente vai ser morto.

Reginald observou a foto com uma expressão de leve desdém, antes de pegá-la calmamente em suas mãos. Ele olhou os detalhes com uma frieza inquietante.

— Bom... acho que você descobriu — ele disse, quase como uma provocação. — Você, sozinho, desvendou meu complô nefasto. É isso que quer ouvir? Você se acha um herói? O último homem decente que vai nos salvar da nossa decadência? Que vai impedir a corrupção e a conspiração? Que delírio fantástico... A triste realidade é que você é um homem desesperado, tragicamente ignorante da sua própria insignificância. Desesperadamente apegado ao seu raciocínio falho. Em suma, um homem perdido e...

— Já chega, Reginald! — Celeste explodiu, sua voz cheia de uma raiva contida há anos. As palavras saíram como veneno, quase cuspidas de sua boca. Ela não conseguia mais suportar as humilhações que o pai impunha ao irmão.

Diego, que até então mantinha uma fachada de indiferença, começou a murchar sob o peso das palavras do pai. Lentamente, sentou-se, os ombros caindo como se estivessem sendo esmagados pelo fardo de anos de desprezo.

— Pode por favor nos tratar bem uma vez na vida?! — Celeste insistiu, sua paciência já havia se esgotado. Sua voz tremia de tanto reter a fúria. — Acha certo a forma como trata as pessoas? Se nos tornamos assim, foi porque você errou conosco! — Ela se levantou de súbito, as mãos espalmadas sobre a mesa, como se o simples toque pudesse liberar a tensão em seu corpo. — O que somos é um reflexo dos seus medos e problemas pessoais. Diariamente, você descontava tudo na gente!

— Celly, tá tudo bem — Cinco tentou intervir, puxando discretamente a barra do vestido dela, como se quisesse acalmá-la.

— Não! Não está, Cinco! — ela rebateu, sua voz se elevando com a intensidade de quem já não conseguia mais conter suas dores. — Nós passamos por muita coisa. Metade dos nossos traumas e problemas vêm da sua criação mal executada! Fomos criados por uma pessoa horrível, um pai horrível, que não percebe o quão terrível é! Você tem medo, Reginald. É um homem medíocre, incapaz de amar a ninguém além de si mesmo. Vive em função dos seus desejos egoístas, mas é cego para seus próprios erros. Isso te torna insensível, te impede de atingir qualquer grandeza real. Você é uma pessoa péssima, sem compaixão por ninguém! — As palavras dela, apesar de firmes, vinham carregadas de anos de dor, e finalmente, ela colocou tudo para fora.

Reginald a observou em silêncio, seus olhos fixos nela de uma forma diferente. Pela primeira vez, ele enxergou algo na garota. Seria o medo? O fato dela estar tão exausta que o deixara pensativo? As palavras, duras como pedras, o atingiram como antes haviam atingido Diego. Mas ao invés de irritá-lo, de certa forma, aquilo o deixou intrigado.

Celeste voltou a se sentar, ofegante, ainda tremendo da adrenalina que corria em suas veias. Cinco, silencioso, apertou sua mão, entrelaçando seus dedos com os dela. Ele sabia que ela tinha razão e que o peso de tudo que tinham passado estava sufocando-a. Mesmo assim, Cinco tentou retomar o controle da conversa.

— Nada disso importa agora — ele disse, tentando manter a compostura perante o pai. — Temos uma guerra catastrófica chegando em cinco dias. Precisamos descobrir como impedi-la.

— Guerra? Os homens sempre estão em guerra uns com os outros — Reginald respondeu com indiferença, como se o conceito de conflito fosse algo trivial.

— Esta não é uma guerra comum — Celeste replicou, mais calma, mas ainda firme. — É o juízo final. O fim do mundo.

— Muito bem, se vocês são tão especiais, por que não resolvem o problema? — Reginald provocou, sua voz repleta de sarcasmo.

Nesse momento, Klaus começou a tremer de maneira estranha. Ben, o irmão morto, cansado de ser ignorado, decidiu agir. Ele lançou seu espírito em direção a Klaus, tentando tomar controle de seu corpo. Klaus ergueu os braços para cima, o corpo convulsionando, os espasmos violentos. Todos voltaram sua atenção para ele, alarmados.

— Ele tá tendo uma convulsão? — Allison perguntou, confusa.

— Overdose é mais provável — Diego comentou, sua voz carregada de sarcasmo.

— A gente faz alguma coisa? — Luther perguntou, claramente sem saber como lidar com a situação.

— Klaus! — Cinco chamou, desesperado. Precisavam da atenção de Reginald, e Klaus estava arruinando tudo. — Agora não é a hora. O que está fazendo?!

— Eu... sou... — Klaus lutava para falar, a voz presa, enquanto dentro de si travava uma batalha contra o espírito de Ben.

— Fala logo — Reginald disse, sua confusão agora evidente.

— Ben! — Klaus finalmente murmurou, antes de cair no chão, os braços estendidos, gemendo de dor. Cinco suspirou, derrotado, quase desistindo de vez.

Celeste olhou para a cena e sentiu uma pontada de culpa. Talvez, se ela não tivesse perdido o controle mais cedo, as coisas não teriam descambado para esse ponto.

— Tudo bem. Obrigado por terem vindo — Reginald disse, com uma frieza cortante, pegando seus livros de anotações e se levantando da mesa. — Já vi o suficiente.

Celeste soltou um suspiro de frustração, o desespero crescendo dentro dela. Antes que pudesse reagir, Luther, em um gesto de desespero, se levantou bruscamente e rasgou sua camisa, revelando o corpo monstruoso que havia ganhado por causa de Reginald.

Ela virou a cabeça, completamente incrédula com o que o loiro acabara de fazer.

— Agora sim vamos ferrar com a linha do tempo — Celeste murmurou, enquanto Cinco se jogava na cadeira, sem qualquer esperança restante.

— Olha o que você fez comigo! — Luther gritou, antes do pai sair do lugar. — Olha pra mim!

— Ai... merda! — o moreno ao lado de Celeste murmurava. Para a inquietação de Luther, Reginald pareceu não se abalar com o que via. Não importava para ele.

— Você de pulôver — Reginald chamou a atenção de Cinco, que no mesmo instante arrumou a postura e voltou a prestar atenção. — Quero uma palavra a sós. Junto com a garota — dessa vez, apontou para ela.

Cinco suspirou pesado e olhou para a garota, em um pedido silencioso de a defender, caso fosse necessário.

— A conta, por favor — pediu Allison, terminando sua bebida.

Mais um capítulo!
Obrigada pela leitura! Votem e comentem! 💗

OBS: Estou fazendo revisão em todos capítulos. Não quero postar o capítulo de sexta sem todos estarem revisados. Se eu conseguir concluir a revisão geral até a próxima postagem, ok. Se não, só vou fazer atualização assim que eu terminar a revisão! Assim que eu soltar o próximo capítulo, quer dizer que o cronograma volta ao normal.

revisão concluída ☑️💚