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𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐓𝐖𝐄𝐍𝐓𝐘 𝐄𝐈𝐆𝐇𝐓

𝐁𝐔𝐑𝐄𝐀𝐔𝐂𝐑𝐀𝐓𝐈𝐂 𝐒𝐔𝐈𝐓

EM UM INSTANTE, os quatro reapareceram no meio de uma paisagem branca e gelada. O vento cortante lançou flocos de neve contra seus rostos, e Celly encolheu-se instintivamente, abraçando o próprio corpo. O frio repentino e a mudança de cenário os deixaram confusos, e Cinco não demorou a soltar uma crítica amarga.

— Que ideia brilhante, Lila! — disparou, com sarcasmo venenoso. Em sua mente, o pensamento ecoava: "Eu sabia que isso ia dar errado!". — Bem-vinda à Era do Gelo.

Celly, ainda tremendo, bateu o queixo e cruzou os braços, claramente arrependida de não estar melhor preparada. Seus olhos se estreitaram enquanto ela olhava ao redor, algo no fundo de sua mente lhe dizia que havia algo de errado ali.

— Erramos mesmo? — perguntou, arqueando uma sobrancelha. — Talvez eu tenha gerado energia demais...

Enquanto os outros reclamavam e resmungavam, Lila, com um olhar astuto, notou algo à frente. Um sorriso vitorioso iluminou seu rosto enquanto ela se virava para os companheiros.

— Calem a boca e olhem!

Os três seguiram o olhar de Lila, e, através da tempestade de neve, a silhueta de uma estrutura imponente começou a emergir. Mesmo desgastada, ainda era reconhecível.

— A Comissão — sussurrou Cinco, incrédulo. Sua mente fervilhava: "Isso está errado… muito errado."

— É normal ela ter esse clima? — perguntou Celly, intrigada.

Sem esperar uma resposta, a outra Celeste, da Sparrow, disparou pela neve como se algo a puxasse. Cinco, sem pensar duas vezes, tirou o blazer e o entregou a Celly.

— Aqui. — Sua voz era breve, mas o gesto falava por si.

Enquanto ele tremia sob o frio cortante, os quatro começaram a avançar, lutando contra a neve fofa que afundava sob seus pés. Celly, agora protegida pelo blazer, murmurou um agradecimento abafado, e então, pequenas esferas de fogo começaram a dançar em suas mãos, ajudando a combater o frio.

Sem dizer nada, a Sparrow liderava a corrida com determinação, incentivando os outros a seguirem. Assim que alcançaram a entrada, passaram pela enorme porta envidraçada, enquanto Lila ria triunfante.

— Funcionou! — exclamou ela, mas o sorriso logo sumiu.

Por dentro, o prédio da Comissão era um cenário de destruição. As paredes antes elegantes estavam deterioradas, as janelas quebradas, móveis destroçados, e o ar carregava o peso do abandono.

— Não esperava vê-la assim na minha primeira visita — murmurou Celly, com um tom de ironia que tentava mascarar o desconforto. Ainda assim, seus olhos subiram até a cúpula de vidro, tentando imaginar como aquele lugar deveria ter sido antes de cair em ruínas.

— Puta merda! — xingou Lila, girando nos calcanhares para absorver o estrago. — Eu saí faz pouco tempo... Por quanto tempo eu fiquei fora?

A outra Celeste, incapaz de falar, respondeu em Libras: "Acho que não muito." Seu olhar traía sua frustração. Toda esperança parecia se desmanchar no vazio.

— O Paradoxo do Avô deve estar afetando tudo — Cinco disse, franzindo o cenho. Sua preocupação agora era palpável. — Até os lugares fora do tempo.

— Isso é possível? — Lila questionou, incrédula, com uma sobrancelha erguida.

— Parei de anotar o que é possível faz um tempão — respondeu Celly, tentando esconder sua crescente apreensão.

Os olhares trocados entre Lila e Cinco apenas reforçavam a gravidade da situação. A Sparrow, que já havia trabalhado ali, entendia parcialmente o problema, mas isso não tornava a visão menos impactante.

— O apocalipse é muito pior do que vocês imaginam, não é? — Celly perguntou, sua voz tremendo levemente. Ela odiava aquela sensação de impotência. Sempre que parecia haver um momento de trégua, tudo desabava de novo.

Antes que Cinco pudesse responder ou pegar a maleta que largara no chão, um estrondo ecoou pelo espaço. Pedaços do teto começaram a despencar, gerando um som agudo ao colidirem com o chão.

— Cuidado! — gritou Lila, já se movimentando.

Cinco agarrou as maletas rapidamente, e todos correram para a frente, desviando dos escombros que caíam pesados no centro da recepção.

— Alguém me lembra por que a gente achou que isso era uma boa ideia? — murmurou Celly, com um resmungo cansado.

Cinco colocou uma mão firme em seu ombro.

— Acredite, eu tô me perguntando a mesma coisa. — Ele resmungou, a voz carregada de exasperação. — É melhor a gente continuar. — completou, resignado. Lila e a Sparrow lançaram-lhe olhares rápidos, enquanto Celly mantinha os olhos presos nos detalhes do prédio ao redor. Havia algo incômodo naquela arquitetura; não pela decadência evidente, mas pelo que representava. Dentro daquelas paredes, ordens para assassinatos eram emitidas como se fossem memorandos comuns.

— Vamos checar o Painel de Controle Infinito.

"Vamos?" pensou Celly, arqueando uma sobrancelha. Não reclamou, embora a escolha de palavras a fizesse questionar. Enquanto isso, Lila e a Sparrow já formavam uma dupla sem cerimônias.

— Eu e a Charmander vamos na sala do Herb. — Lila declarou com um dar de ombros despretensioso. Celeste, a da Sparrow, assentiu, como se fosse óbvio. — Aquela barata sobrevive a qualquer coisa.

— Tentem não matar ele. — Cinco pediu, recebendo um joinha casual como resposta.

Celly e Cinco subiram as escadas em silêncio. Apesar da calma aparente, a tensão era palpável. Os olhos da garota percorriam cada parede desgastada, enquanto os dedos deslizavam distraidamente pelas superfícies frias. Ela imaginava como a Comissão deveria ser nos seus dias de glória — provavelmente deslumbrante. Quando ela estava prestes a virar o corredor errado, Cinco agarrou sua mão, puxando-a na direção certa.

— Esse lugar é estranho — resmungou, franzindo a testa. Cinco apenas sorriu de lado, mantendo a mão em sua nuca, em um gesto brincalhão que conseguiu suavizar o peso do momento.

— É muito melhor quando está normal. — Cinco comentou, sua voz séria destoando da leveza do toque. — Com sol, calor e… cheio de gente.

Os olhos dele pareciam carregados de algo mais profundo. Não era exatamente vazio, mas também não era cheio. Uma exaustão constante se misturava com a felicidade contida de estar ao lado dela. Celly podia ler tudo isso como se fosse um livro aberto. Sempre foi boa observadora, mas com Cinco era ainda mais fácil. Sentiu a necessidade de desviar seus pensamentos para longe do apocalipse que pairava sobre ambos.

— Você gostava de trabalhar aqui? — perguntou, casual, enquanto deslizava a mão até a própria nuca, onde a dele ainda repousava. Em um movimento espontâneo, puxou o braço dele para que envolvesse seu pescoço em um meio abraço. Cinco arqueou as sobrancelhas, surpreso. Ela raramente demonstrava interesse pela Comissão, e agora estava ali, curiosa.

— O lugar era bom. — Ele deu de ombros, sincero. — Era organizado. E... o pessoal era até suportável.

— Como era? — insistiu, genuinamente curiosa. Ele sorriu de leve, e algo na expressão dele parecia se aquecer.

De repente, ele se soltou dela, avançando alguns passos como se fosse uma criança contando sobre sua antiga escola.

— Ah! Aqui, as paredes eram pintadas de amarelo. — Ele apontou para o corredor à frente. Celly não conseguiu conter um sorriso ao vê-lo tão envolvido. — E… bem ali naquela sala — indicou uma porta à esquerda — era onde assinavam as ordens para os agentes temporais. E no terceiro andar, tinham um mural com os agentes mais parabenizados... Eu sempre estava lá! — falou com um toque de orgulho. Então o sorriso se desfez, dando lugar a uma expressão melancólica. — Era legal ser parabenizado quase todo dia.

Celly sentiu um nó na garganta. Entendia como isso devia ser confuso para ele: amar a estrutura, mas odiar o propósito; tolerar as pessoas, mas desprezar suas atitudes. Cinco desviou o olhar, como se quisesse fugir de suas próprias memórias. 

— Sabe, foi bom aqueles dois dias em que achávamos ter impedido o mundo de acabar. — A voz saiu quase como um sussurro.

— Tem razão. Gostaria que tivéssemos tido mais tempo. — Ela falou, a tristeza evidente no tom, enquanto ambos continuavam a caminhar lado a lado.

Após um breve silêncio, Celly perguntou, quase para si mesma: 

— Cinco, o que aconteceria se a gente achasse que o fim do mundo estava impedido? Quem sabe... talvez nem tivéssemos ligado para o desaparecimento das lagostas. Ou das vacas.

Ele ergueu uma sobrancelha, o semblante levemente divertido. 

— Eu adoraria ter feito o apocalipse esperar quando você tava em cima de mim.

Celly soltou um riso baixo e sorriu, balançando a cabeça. 

— Sério? — provocou, convencida. "Cinco, desistindo de salvar o mundo por minha causa?", pensou, radiante.

— Sim. — Ele respondeu, tão sincero que a pegou desprevenida. — Eu quase rezei para que você continuasse no meu colo aquela hora e-

Ele não terminou. Antes que pudesse concluir a frase, Celly já estava com os braços ao redor do pescoço dele, seus lábios se encontrando em um beijo intenso. Não era apenas paixão; havia algo mais profundo, algo que palavras não poderiam traduzir.

As maletas caíram no chão com um baque surdo, mas Cinco nem notou. Suas mãos instintivamente envolveram a cintura dela, como se quisessem segurá-la ali para sempre.

As línguas se entrelaçaram em um beijo carregado de intensidade, enquanto os braços de Cinco a puxavam para ainda mais perto. Havia uma conexão quase surreal entre eles. Apesar do frio que fazia o corpo dele tremer, naquele momento, isso não importava. Para Cinco, havia algo adorável em vê-la usando aquele blazer de alfaiataria que era visivelmente maior do que o necessário para ela.

Quando se afastaram, ela desviou o olhar, encarando o chão com uma expressão melancólica. Cinco, por outro lado, manteve os olhos fixos nela, tentando decifrar aquela confusão interna que ela parecia carregar. Ele sabia o que estava por vir, mas preferia não ouvir.

— Devemos mesmo salvar o mundo? — perguntou, a voz baixinha, quase um sussurro carregado de medo e dúvida. — Poderíamos estar fazendo isso… nos amando até que o mundo acabasse.

Por um instante, a ideia soou tentadora até mesmo para ele. 

— Seria bom. — Sua resposta veio em um tom igualmente baixo, quase como se ele quisesse acreditar nisso. Mas não podia. — Só que… eu trabalhei minha vida toda para impedir o apocalipse. Não vai ser hoje que vou desistir, querida.

As palavras dela cortaram como uma lâmina. 

— Quem garante que vamos conseguir?

Finalmente, seus olhos se encontraram, e aquele castanho intenso, profundo, quase o derrubou. Ele podia ver o peso daquelas dúvidas nela, mas a verdade era que ele também carregava as mesmas incertezas.

— Ninguém. — A sinceridade crua na voz dele era cruel, mas necessária. Era a única resposta que podia dar. Ela suspirou, frustrada, desviando o olhar para tentar processar aquilo. — Mas vamos nos esforçar. — Ele insistiu, num tom quase suplicante. — Por favor… vamos tentar só mais essa vez.

Por um momento, o silêncio reinou. Ela crispou os lábios, lutando internamente, até finalmente ceder com um aceno de cabeça. Cinco não pôde deixar de sentir alívio, ainda que breve. Olhando ao redor, notou algo importante.

— É aqui. — Ele anunciou, indicando com um gesto para a porta decorada ao lado.

Celly soltou-se dele e entrou na sala com passos cautelosos, o olhar curioso analisando cada detalhe. Cinco a seguiu, carregando as maletas com ele.

A sala estava destruída, um eco do que provavelmente já fora um ambiente organizado e funcional. Painéis de controle cobriam as paredes até o teto, com diversas telas, botões e alavancas espalhados. Celly passou os dedos por um balcão, levantando poeira e sujeira enquanto explorava o espaço.

— Beleza… — Cinco murmurou para si mesmo, o cansaço evidente na voz. Deixou as maletas no chão, próximas à porta, e se aproximou diretamente do painel.

O painel era imenso, um emaranhado de telinhas, cabos e mecanismos intrincados, um monumento à tecnologia que controlava literalmente qualquer ação na linha do tempo.

— Tomara que esteja funcionando… — Ele resmungou, hesitante. Se aquilo não trouxesse respostas, Cinco sabia que estariam sem saída.

Celly observou sua tensão e deixou escapar um pequeno sorriso. Ela sentia a energia da máquina.

— Está. — Ela afirmou com uma calma que parecia deslocada naquele caos. Aproximou-se, ficando ao lado dele.

Cinco respirou fundo e clicou em um botão. Quase imediatamente, uma imagem tremulou na tela. Era Herb, aparecendo como uma gravação desesperada. Sua voz ressoou pela sala.

— Houve um rasgo no continuum espaço-tempo que está engolindo tudo! Ah, minha doce Dot! A Iris... todos se foram! Eu já tentei de tudo. Eu não sei mais o que fazer. A linha do tempo tá desmoronando. Isso... é... o-

Antes que pudesse terminar, a figura de Herb desapareceu em uma explosão de luz. Era como se ele tivesse sido desintegrado em um piscar de olhos.

Celly e Cinco trocaram um olhar carregado de entendimento e temor. Não precisavam dizer nada para saber o que aquilo significava. Sabiam que era o fim.

Cinco fechou o semblante, o peso do fracasso e da incerteza esmagando-o. O que fariam agora? Como poderiam lutar contra o Paradoxo do Avô, que agora ameaçava consumir até mesmo o próprio tempo? Ele não sabia a resposta — e isso o aterrorizava mais do que qualquer outra coisa.

O som de passos ecoou pela sala, interrompendo o breve silêncio. Lila e a Sparrow apareceram, trazendo consigo a leveza cômica que parecia sempre acompanhá-las.

— Eu daria tudo por uns ovos mexidos agora — anunciou Lila, enquanto cruzava a sala com desdém pelo ambiente decadente. Atrás dela, Celeste espirrava com o pó que flutuava no ar, causando uma cena quase teatral. Comparadas ao clima tenso entre Cinco e Celly, a dupla parecia estar em uma sitcom.

Cinco engoliu em seco, tentando manter a compostura. 

— Isso é maior do que a linha do tempo, Lila — murmurou, a voz baixa e carregada de seriedade.

— O que é maior do que a linha do tempo? — Lila arqueou uma sobrancelha, intrigada.

— O universo inteiro.

Lila e a Sparrow trocaram um olhar e deram de ombros, como se aquilo fosse apenas mais um detalhe do dia.

— Saquei…

— Os cachorros e as pessoas que sumiram… — Cinco começou a juntar as peças em voz alta, o tom incrédulo enquanto o raciocínio se formava. — Isso é o oposto do Big Bang.

Celly inclinou a cabeça, uma sobrancelha levantada. 

— Ou o oposto da criação divina, depende do ponto de vista.

— Independente do ponto de vista, querida — Cinco disse, olhando diretamente para ela com uma expressão séria —, em vez de o universo se expandir, ele está desmoronando sobre si mesmo.

— Como um prolapso retal — murmurou Lila, casualmente.

O comentário pairou no ar como um balde de água fria. Celly franziu a testa, claramente tentando entender de onde aquilo tinha vindo, enquanto a Sparrow fez uma careta que parecia dizer: "Sério?".

— É uma analogia estranha, mas faz sentido. — Cinco deu de ombros, como se tentasse manter a sanidade no meio daquela conversa absurda.

"Você é muito esquisita", a Sparrow sinalizou em Libras, recebendo apenas um encolher de ombros de Lila como resposta. Então, como se lembrasse de algo, Celeste ergueu um livro verde, segurando-o como um troféu improvisado.

— Ah, isso — Lila lembrou, enquanto a Sparrow balançava o livro. — Pode ter respostas.

Celly foi mais rápida que Cinco e pegou o livro, examinando-o com curiosidade. Ela leu o título em voz alta, o tom carregado de ironia. 

— O Manual Mestre…? A pessoa que criou esse título claramente não tinha criatividade.

— Eu teria dado esse título — retrucou Cinco, franzindo o cenho, ofendido pela crítica inesperada.

— É o primeiro e único! — exclamou Lila, como se fosse algo digno de um prêmio.

Enquanto isso, a Sparrow acendeu uma pequena esfera de fogo em sua mão, o calor irradiando o suficiente para trazer algum alívio ao frio gelado. Lila, distraída, encontrou alguns lápis no balcão e os posicionou entre os dedos, imitando garras — estilo Wolverine.

— Pra que serve isso? — perguntou Celly, levantando uma sobrancelha, sem esconder a curiosidade. Enquanto isso, ela folheava o índice do manual com rapidez, procurando algo útil. — Vocês não estudaram todos os manuais? — perguntou, sem tirar os olhos do livro.

— Esse tem mais informações — Cinco respondeu, ajudando-a a procurar, embora claramente desconcertado com a crítica.

Não demorou muito para Celly encontrar o que buscava. Era algo tão crucial que dedicaram uma seção inteira a ele. Ela apontou com firmeza para a passagem que tratava dos paradoxos.

— Beleza… Manual Mestre: "No improvável caso de um Paradoxo do Avô, o fundador e todos que forem essenciais devem…"

— "...ser imediatamente remanejados para o bunker operacional." — Cinco completou a leitura, a voz carregada de incredulidade enquanto Lila se inclinava para espiar a página.

— O fundador? — Lila repetiu, confusa. — Que fundador?

— Eu não sei — Cinco admitiu, pensativo. Enquanto isso, suas mãos esbarraram nas de Celly, ambas tão gélidas quanto o ambiente ao redor. Sem pensar, ele segurou as mãos dela entre as suas, num gesto quase instintivo para buscar calor.

Celly, ainda segurando o livro com uma mão, encontrou o olhar dele. Eles não precisaram trocar palavras. Havia um entendimento silencioso: tinham uma nova missão.

— Nós temos que achar esse bunker… — Cinco começou.

— Agora! — responderam em uníssono, Lila, Cinco e Celly, enquanto a Sparrow olhava para eles com uma expressão magoada, como se dissesse: "Só eu não pude falar? Sério?"

Lila, claro, não perdeu a oportunidade de transformar o momento em uma piada. 

— Toquem no verde!

Cinco apenas balançou a cabeça, frustrado, enquanto ele e Celly se afastavam da sala. A garota ergueu as sobrancelhas, achando graça da brincadeira, enquanto a Sparrow soltava uma risadinha discreta.

— Não tocou no verde — Lila comentou em tom de lamento, mas com um sorriso travesso. — Se ferraram!

Cinco suspirou, já cansado antes mesmo de começar. — Você só pode estar brincando.

— Não pode falar! — Lila retrucou, rindo, enquanto os seguia.

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— Isso aqui é um monte de porcaria burocrática. Não tem nenhuma diretriz clara sobre como gerir uma crise — Cinco reclamava enquanto subia as escadarias, o Manual Mestre ainda aberto em suas mãos. Desde que saíram da sala do Painel de Controle Infinito, ele não havia encontrado nada que realmente ajudasse. — Olha, gente, eu nem devia estar aqui. Eu tava fora. Eu tinha parado, mas aqui estou eu, arrastado de volta para o caos. Por que eu não consigo escapar desse inferno?!

— Porque você adora — Lila deu de ombros, com um sorriso maroto. — E por que você ama a Super-choque.

— Foi mal — Cinco percebeu as reclamações e parou por breves segundos, soltando um suspiro exasperado enquanto tentava recuperar a paciência.

Eles retomaram a caminhada pelos corredores sem teto, onde a neve invadia o local, tornando a passagem difícil e escorregadia.

— Problemas apocalípticos e a Celly são as únicas coisas que fazem o seu coração acelerar — Lila afirmou, dando de ombros. Ela e a Sparrow trocaram olhares cúmplices e deram risadinhas silenciosas.

— Eu não sei por que as pessoas ficam falando isso — Cinco se irritou, franzindo o cenho. Durante todo o trajeto, ele continuava reclamando, enquanto Celly, ao seu lado, ouvia atentamente. — A Celly eu entendo, isso é óbvio. Eu amo ela. — Ele falou, sincero. Celly ergueu as sobrancelhas, confiante. — Mas apocalipses? Na verdade, eu não gosto do caos. Não quero desordem. Eu... quero me aposentar.

— Tá, e ter uma vida normal fazendo compras e pagando imposto? Junto com ela? Você ia morrer de tédio.

— Ei! — Celly retrucou, ofendida. A outra Celeste, da Sparrow, observava a cena, achando graça de todo aquele diálogo.

— Não tédio por você, Celly. Tédio da vida que pessoas normais levam. — Lila explicou, revirando os olhos. Depois, sorriu maliciosa para os dois. — Com você ele ia adorar.

Os quatro — Lila e a Sparrow atrás, e Cinco e Celly à frente — finalmente encontraram a porta do piso inferior. Cinco colocou a mão na maçaneta e abriu a porta com naturalidade.

— Lila, você também não nasceu pros prazeres domésticos, né? — Cinco debochou. As três passaram primeiro, com ele ficando por último. Celly liderava o grupo, seguida por Lila, Celeste e, por fim, o garoto.

— Claro que eu não nasci — Lila falou pensativa. Então, ergueu as sobrancelhas. — Graças a Deus.

Todos desceram as escadas, onde as luzes frequentemente falhavam, forçando Celly a ligá-las novamente. O ambiente era aconchegante, com todos juntos, tagarelando enquanto procuravam pelo Bunker. Conversas desconexas e baboseiras — muitas vezes iniciadas por Lila — faziam os outros se entreolharem para segurar o riso. Celeste, da Sparrow, deixava um "rastro de fogo" por onde passava, suficiente para aquecê-los em meio ao frio.

— Olha só. Pode ser só uma questão de tom, mas, sei lá, cara. — Lila resmungou, até parando para olhar mais de perto o rosto de Cinco. — Você podia melhorar o jeito que fala, sabe? É muito irritante.

— O que tem de errado com o tom de voz dele? — Celly perguntou, erguendo uma sobrancelha. Cinco franziu o cenho, murmurando para si mesmo: "Eu que pergunto".

— Sei lá. Mas só tô falando porque você pode melhorar isso no futuro — Lila continuou, dando de ombros.

Eles passaram pelo corredor estreito e saltaram sobre algumas caixas velhas que atrapalhavam o caminho. Enquanto Lila e Sparrow tagarelavam entre si, Cinco foi o primeiro a perceber uma grande porta pesada. Um sorriso triunfante se formou em seu rosto.

— Tá sorrindo por quê, hein? — Celly perguntou, erguendo uma sobrancelha. Ela estava tão ocupada tirando o pó do blazer que usava que não percebeu onde estavam. Cinco deixou o sorriso se alargar ainda mais.

— Por causa daquilo.

"BUNKER DE OPERAÇÕES", escrito em letras fluorescentes que brilhavam no escuro. Celeste ficou boquiaberta, imaginando que teriam de caminhar ainda mais. A Sparrow soltou um resmungo impaciente. Ela havia vindo até ali apenas para recuperar a voz, mas a descoberta parecia ter capturado sua atenção demais para deixá-la de lado.

"Tenho quase certeza de que vamos encontrar no máximo um cadáver", a Sparrow gesticulou em Libras, apressando-se para abrir a porta. Sua curiosidade e impaciência falavam mais alto. Celly e Cinco trocaram olhares cúmplices, apenas dando de ombros antes de segui-la.

— Graças a Deus — Lila resmungou assim que a porta foi destrancada. — Já tava cansada de caminhar.

Os três apressaram o passo e passaram pela entrada. Lila foi a segunda a atravessar, entrando com um "com licença", como se realmente esperasse encontrar alguém ali dentro. Era um misto de alívio e expectativa. Afinal, isso significava que estavam mais perto de uma resposta concreta.

Mas o que encontraram foi… nada. Apenas corredores. Extensos, iluminados e absurdamente monótonos. Celly soltou um longo suspiro, já desgostosa.

Sem hesitar, Lila seguiu o corredor à direita, aparentemente guiada por alguma intuição inabalável. Os outros não protestaram. Se não fosse o caminho certo, voltariam e tentariam a outra direção. Simples assim.

— Que lugar esquisito — Celly murmurou, observando as paredes perfeitamente conservadas. Apesar de entediante, o ambiente parecia intacto, como se tivesse escapado do desgaste e do caos que tomaram o resto do local.

— O bunker de operações... — Lila murmurou para si mesma, com entusiasmo crescente.

Enquanto isso, Cinco analisava o corredor com uma expressão inquieta. Por que aquele lugar parecia tão... familiar? Ele sempre sentiu uma conexão com a Comissão, mas aqui havia algo diferente. Algo mais profundo, quase desconcertante.

"Parece não ter sofrido a deterioração pelo paradoxo", a Sparrow comentou em Libras, ecoando os pensamentos de todos. Havia algo estranhamente intacto naquele lugar, algo que os mantinha em um silêncio reflexivo, como se temessem quebrar a aura enigmática que os envolvia.

Até que, finalmente, eles se depararam com uma porta pesada, parecida com um cofre. Era maciça, feita de ferro, com um sensor de reconhecimento ocular bem ao centro. Celly ergueu as sobrancelhas, soltando uma risada sem humor.

— Maravilha — ela resmungou. — Tem alguém importante aqui?

Lila sorriu de forma prepotente, quase como se estivesse se preparando para um desfile de ego.

— Eu sou a filha da Gestora, queridinha. — Ela se vangloriou, espremendo-se entre eles e inclinando-se para o sensor. O dispositivo captou seus olhos, enquanto o restante do grupo esperava em silêncio. Cinco, por outro lado, parecia mais nervoso que o habitual, suando como se estivessem sob um sol escaldante em vez daquele frio gélido.

Uma voz robótica ecoou pelo ambiente, interrompendo a tensão.

— Acesso negado.

O constrangimento foi imediato, e Lila recuou com uma expressão que oscilava entre incredulidade e vergonha.

— Estamos ferrados. — Sua voz soou abatida. — Se nem eu consigo entrar, quem vai?

— Que droga.

— Merda.

Celeste se aproximou, tocando o braço de Cinco de forma encorajadora, sugerindo que ele tentasse também. Mas, ao notar a mão dele absurdamente suada, mesmo sem estar usando o blazer, sua expressão passou de incentivo para um misto de choque e nojo.

— Você tá suando?! — Ela exclamou, incrédula. — Devemos estar com menos de cinco graus Celsius aqui embaixo!

Lila riu, mas seu olhar era de pura aversão.

— Caramba, você tá suando feito um camarão velho no gelo. — Sua voz carregava uma pitada de deboche. Até a Sparrow fez uma careta de confusão. — O quê que houve?

Cinco franziu o cenho, tentando processar o próprio estado. Só havia uma explicação plausível: a psicose do paradoxo. Mas... não havia nenhuma outra versão dele por perto. Exceto, talvez, dentro daquele cofre.

"Não, isso é loucura", ele pensou, tentando afastar a ideia. Respirando fundo, decidiu arriscar. Talvez sua própria marca ocular fosse a chave para entrar. Talvez, só talvez, houvesse algo ali dentro que explicasse tudo.

Cinco deu um passo hesitante à frente, ignorando os resmungos enojados das garotas sobre o estado lamentável de sua sudorese. Com o coração batendo mais rápido do que gostaria, inclinou-se até que seu olho azul ficasse alinhado com o sensor. Aquele momento parecia um teste de nervos, e, como se o universo tivesse decidido brincar com ele, a voz fria e robótica ecoou:

— Acesso permitido.

As três se entreolharam, surpresas. Celly arregalou os olhos, enquanto Lila lançou um olhar divertido.

— Acho que você não é pouca coisa não, hein? — provocou Lila, enquanto a versão da Sparrow permanecia de sobrancelhas erguidas, impressionada com o ocorrido.

A porta pesada deslizou lentamente, revelando o interior do bunker. Lila e a Sparrow foram as primeiras a entrar, tomadas pela curiosidade. Cinco, por sua vez, ficou parado, a tensão estampada no rosto. Celly percebeu e colocou uma mão firme em seu ombro, como quem diz: "Está tudo bem". Ela entendia o que estava passando pela cabeça dele. Seja lá o que estivesse ali dentro, havia uma chance de ser uma das suas versões.

— Vamos lá. — Ela deu dois tapinhas nas costas dele e entrou com determinação.

A sala revelou-se como algo saído de um filme de ficção científica: o piso preto e reluzente refletia as luzes de LED azul que corriam verticalmente pelas paredes. O teto brilhava com painéis de energia, amplificando a luminosidade. No centro do ambiente, uma cápsula solitária chamava atenção.

— Nossa... — Lila murmurou, atônita, enquanto seus olhos vagavam pelo local.

— Quanta decoração... — Celly comentou com ironia, arqueando as sobrancelhas.

Cinco estava tenso, mas algo curioso aconteceu assim que atravessou a porta: a sensação de suor e coceira desapareceu quase instantaneamente. Como se aquele lugar tivesse apagado sua ansiedade. Agora mais calmo, ele começou a explorar o local, aproximando-se de Celly, que parecia bastante interessada... em outra coisa.

Havia um pequeno canto com três cadeiras arredondadas e confortáveis, uma mesinha ao lado e algumas garrafas de bebidas alcoólicas. Os olhos de Celly brilharam.

"Meu Deus, o álcool me persegue", pensou, enquanto se servia disfarçadamente, assobiando para parecer inocente. Mal começou a encher o copo quando sentiu uma mão pousar em seu ombro.

"Isso deve estar vencido", a Sparrow gesticulou com uma expressão séria, mas levemente divertida.

Celly riu e deu de ombros, segurando o copo como se fosse um troféu.

— O que pode acontecer? — respondeu com um sorriso travesso. — Pra mim, toda bebida alcoólica segue a lógica do vinho: quanto mais velho, melhor. Quer um pouco?

A Sparrow estreitou os olhos, avaliando a situação.

"Eu não bebo".

Celly quase engasgou, chocada com a revelação.

— Tá brincando?!

A outra balançou a cabeça negativamente. Perplexa, Celly levou alguns segundos para processar.

— Realmente somos muito diferentes uma da outra... — murmurou para si mesma, saindo de perto e segurando firme o copo.

Enquanto isso, Cinco e Celly já estavam no fundo da sala, próximos à cápsula que dominava o espaço. Cinco apontou para ela, os olhos estreitos e cheios de preocupação.

— É ele, né? O fundador.

A cápsula era feita de metal e vidro, dentro dela repousava o corpo de um idoso, incrivelmente bem conservado. Até mesmo sua respiração podia ser ouvida, amplificada pelos aparelhos ao redor. Lila chegou antes dos outros e olhou para aquilo com uma careta de puro desdém.

— Parece uma lata de sardinha. Eu esperava um homem, não uma... lata — disse, batendo levemente na estrutura metálica.

Celly finalmente se aproximou, com o copo de bebida na mão. Ao olhar mais de perto, ficou boquiaberta, quase cuspindo o que estava bebendo. Ela e Cinco se entreolharam, e ele parecia ainda mais confuso do que ela.

— Eu não tô acreditando nisso... — murmurou Celly, chocada.

— Não pode ser... — Cinco completou, incrédulo.

— O que foi? — Lila perguntou, arqueando uma sobrancelha. Era evidente que só eles entendiam o que estavam vendo. A outra Celeste se aproximou, curiosa, para inspecionar o corpo na cápsula.

— Sou eu — Cinco sussurrou, como se mal pudesse acreditar no que dizia.

Por alguns segundos, o silêncio reinou na sala, até ser quebrado pela gargalhada escandalosa de Lila.

— Então durante todo esse tempo você reclamou da Comissão, mas foi você quem fundou ela?! — Ela estava incrédula e não parava de rir. — Clássico!

Cinco permaneceu em silêncio, a confusão evidente no rosto. Celly, por sua vez, parecia mais interessada na aparência do homem na cápsula.

— Você não envelheceu mal — disse ela, abaixando-se para examinar o rosto dele mais de perto.

A pele do homem na cápsula era tão pálida que parecia nunca ter conhecido o sol. Algumas manchas de idade começavam a despontar, mas o rosto quase sumia sob a barba longa e descuidada, crescida durante anos de hibernação. Celly inclinou a cabeça, avaliando a cena como se fosse um projeto a ser restaurado.

— Só precisa de uma repaginada, sabe? Pegar um pouco de vitamina D e dar um pulo numa barbearia. — Ela batucou levemente na cápsula, tentando aliviar o clima, mas Cinco parecia completamente alheio à tentativa de humor.

— Se eu realmente fundei isso, por que não consigo me lembrar? — murmurou ele, confuso, franzindo o cenho como se tentasse juntar peças de um quebra-cabeça impossível.

— É porque ainda não aconteceu — respondeu Celly, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Cinco a olhou, desconfiado, como se quisesse perguntar: "Mas como eu, do passado, estaria vivendo em algo construído no futuro?". Ela suspirou com impaciência e continuou: — A Comissão vai além do tempo, né?

Lila aproveitou a deixa para entrar no debate com seu tom sempre provocador:

— Eu aqui, achando que você era um rebelde, mas no fundo, é só um engravatado da cabeça aos pés. — O riso zombeteiro escapava enquanto ela balançava a cabeça. — Você não consegue nem respirar sem esse lugar, hein?

Cinco ignorou o comentário, mas seu desconforto só aumentava. Ele esfregou as mãos nervosamente antes de passá-las pelo pescoço.

— Tem algo errado... — disse ele, com a voz trêmula. — Lá fora eu sentia o paradoxo me corroendo, mas aqui dentro... nada.

Antes que pudessem continuar debatendo, um som metálico ecoou pela sala. A cápsula começou a soltar vapor pelas laterais, enquanto a maca do homem idoso deslizou lentamente para fora, expondo apenas sua cabeça. O resto do corpo permanecia escondido, conservado dentro do mecanismo. Quando o vapor finalmente dissipou, o homem abriu os olhos, a voz rouca cortando o silêncio:

— Nós nunca fomos muito espertos, não é?

O tom cansado e vagaroso era acompanhado por uma leve tosse, como se ele precisasse relembrar como usar as cordas vocais. Seus olhos, embora vagos, tinham algo de familiar e enigmático.

— O bunker de operações é à prova de paradoxos. Eu o projetei como um quarto do pânico, para o caso de um colapso no continuum espaço-tempo. — Ele olhou ao redor, respirando com dificuldade. — Nesse espaço, todas as suas permutações podem coexistir. Você está aqui por causa... do Kugelblitz.

— Isso é nome de queijo? — perguntou Lila, arqueando uma sobrancelha.

— É "bola de eletricidade" em alemão — explicou Cinco, tentando organizar os pensamentos. — Um tipo bem estranho de buraco negro.

— Buraco negro? Causado pelo paradoxo do avô? — Celly deu mais um gole na bebida enquanto observava. 

O idoso, no entanto, pareceu notar sua presença de forma especial, mas muito respeitosa. Seus olhos brilharam como se estivessem vendo uma velha conhecida, e ele esboçou um sorriso gentil. Cinco, ao lado dela, percebeu o olhar e levantou uma sobrancelha. "Sério isso? Mais uma versão minha interessada nela?!" pensou, já um tanto enciumado. 

— Mais ou menos isso, Celly — respondeu o homem, com um tom sereno que carregava anos de cansaço.

A voz dele soava fraca, claramente pouco usada, e cada palavra parecia exigir um esforço monumental. Celly sentiu um peso no peito. Ele estava sozinho ali por tanto tempo... Onde estaria ela, sua versão daquele futuro? Morrera antes dele? As perguntas começaram a martelar em sua mente.

— Ele pode sugar outras linhas do tempo? — Lila perguntou, sua curiosidade atiçada.

— Bingo! — respondeu o idoso, soltando um sorriso fraco.

Cinco, no entanto, estava perdendo a paciência.

— Tá, e como consertamos isso? — perguntou, tentando conter o tom exasperado.

— É, viemos até aqui. Precisamos de respostas. — Celly completou, dando um passo à frente.

O homem tossiu repetidamente antes de responder, a voz quase zombeteira:

— Não consertem.

O silêncio na sala foi quebrado apenas pelo suspiro longo e frustrado de Cinco. Ele cruzou os braços e falou entredentes, sua impaciência começando a transparecer.

— Se você criou tudo isso, então também deve ter criado uma solução.

O idoso inclinou levemente a cabeça, como se estivesse ponderando, e respondeu com esforço:

— Tudo o que vai restar é... o Oblivion.

Os quatro se entreolharam, as expressões confusas se refletindo no silêncio desconfortável que tomou conta do lugar. Celly colocou a mão no ombro de Cinco, estreitando os olhos como se tentar decifrar o enigma que acabavam de ouvir pudesse trazer algum alívio.

— Oblivion? — Lila quebrou o silêncio, a confusão escancarada na voz.

— Isso é o quê, hein? — Celly perguntou, franzindo o cenho. — Você criou isso também? Pra resolver paradoxos?

O velho soltou um riso curto e sombrio, que logo se transformou em uma tosse cansada. Quando voltou a falar, sua voz soava amarga, quase como um aviso:

— Aquilo é o inferno. — Ele fez uma pausa para recuperar o fôlego e lançou um olhar fixo para sua versão mais jovem. — Pode ser sua salvação... ou o lugar onde você vai sofrer mais do que imagina.

Cinco franziu o cenho, a confusão misturando-se com um leve desconforto. Afinal, o Oblivion era uma saída ou uma armadilha?

— Enquanto a linha do tempo não for restaurada... — continuou o velho, o tom sombrio aumentando a tensão na sala. — O Oblivion só trará péssimas lembranças.

De repente, as travas da cápsula emitiram um estalo mecânico. A maca interna deslizou para fora, revelando o corpo completo do homem. O ambiente pareceu escurecer por um instante. E então, o detalhe chocante: ele estava sem um braço, cortado quase na altura do cotovelo.

— Isso é só uma das coisas que esperam você lá dentro. — O velho declarou com gravidade, seus olhos pousando em Celly por um momento.

Mas a tensão atingiu o ápice quando Cinco, o mais jovem, finalmente explodiu.

— Escuta aqui, seu babaca! — Ele deu um passo à frente, sua voz entrecortada por raiva e frustração. — Eu passei os últimos vinte dias correndo por aí, salvando o mundo de apocalipses, só pra poder ter uma vida ao lado da MULHER QUE EU AMO! — Ele apontou para Celly com a mão trêmula. — E agora, estou preso nesse corpo adolescente, com os hormônios à flor da pele, e tudo o que eu quero é sair daqui, comprar um Corvette Stingray 1970 e rodar o mundo com ela!

O velho o olhou com uma expressão que misturava cansaço e diversão amarga, mas Cinco não parou.

— Quero realizar exatamente o sonho que você tem, ou tinha, sei lá! Uma casa, com a varanda do tamanho que ela quiser, e um monte de animais pra gente cuidar! Você sabe, porque você é eu!

Lila tentou intervir, tocando o braço de Cinco com uma expressão preocupada.

— Pega leve com ele, Cinco.

Mas Celly não disse nada. Apenas ficou ali, observando em silêncio. Conhecia Cinco o suficiente para saber que ele precisava colocar aquilo para fora. "Deixa ele surtar", pensou, terminando sua bebida em um único gole enquanto Cinco continuava.

— Isso é entre mim e eu mesmo, Lila! — Ele berrou, afastando-a sem cerimônias. — Esse Kugelblitz não é um furinho que dá pra costurar com uns alfinetes, é UM COMPACTADOR DE LIXO GIGANTE QUE VAI ENGOLIR O UNIVERSO TODO! — Ele respirou fundo, as mãos tremendo. — Então agora eu quero que você me diga, bem claramente, como consertar isso!

O silêncio que se seguiu foi sufocante. O velho, com sua expressão cansada, pareceu refletir por um momento antes de responder, a voz quase sumida:

— Faça o que fizer... — Ele tossiu, o som áspero quebrando o silêncio. — Não salve o mundo.

A sala inteira ficou paralisada. Cinco engoliu em seco, encarando sua versão mais velha com uma mistura de incredulidade e desespero.

— O que você disse? — perguntou, sua voz mais baixa, mas cheia de tensão.

Cinco engoliu em seco, o peso das palavras atingindo-o com força. O velho continuava a tossir, seu corpo fraco e marcado pelo tempo. Então, num último esforço, ele ergueu o braço com uma energia esgotada e puxou Cinco para mais perto. O garoto resistiu, mas foi arrastado para o toque, sem opção. A boca do mais velho estava quase encostada no seu ouvido, e a tosse era tão insuportável que o som da respiração áspera preenchia o espaço entre eles. Finalmente, o velho sussurrou, tão baixo que só Cinco poderia ouvir:

— Não leve-a.

Cinco ficou imóvel, seu ouvido colado à boca do mais velho, absorvendo aquelas palavras que soavam como um enigma. Ele estava atônito, tentando processar o que significavam, mas nada fazia sentido. "O que ele quer dizer com isso?", pensou, sem conseguir desviar o olhar da versão mais velha, cuja respiração já estava mais pesada. Então, enquanto o silêncio tomava conta do momento, os olhos do velho se fecharam. A tosse cessou. O corpo relaxou.

O silêncio se estendeu, profundo e aterrorizante, como um manto de escuridão caindo sobre tudo. Cinco, com o coração apertado, percebeu que a versão mais velha de si mesmo havia morrido, ali, de forma tão súbita e silenciosa. O choque lhe roubou as palavras. Ele se afastou lentamente, ainda tentando entender o que acabara de acontecer, o que ele deveria fazer com aquela informação.

— Droga... — Celly murmurou, o som de sua voz quebrando o clima de tensão que se espalhou. Ver a pessoa que você ama morrer diante de seus olhos era uma experiência cruel. Uma tristeza súbita tomou conta dela. Ela sentiu a perda, mas de uma forma distante, como se fosse algo impossível de processar.

Cinco, por outro lado, parecia mais perplexo do que qualquer outra coisa. Não parecia irritado com a morte da sua versão mais velha, como seria de se esperar. Na verdade, ele estava tão confuso quanto o resto de todos ali. O que realmente acontecera?

— Como assim "não salve o mundo"?! Cinco! COMO EU RESOLVO ISSO?! — Ele gritou para o corpo inerte. — EU PRECISO DE RESPOSTAS, SEU IMPRESTÁVEL!

Celly tocou levemente o braço dele, sua voz baixa e calma.

— Ele tá morto, Cinco. — Seus olhos encontraram os dele, sérios, mas suaves. — Se foi.

Cinco ficou parado, olhando para seu outro eu morto. Era uma cena difícil, sem dúvida, mas, no fundo, a raiva de si mesmo era o que mais o consumia. Ele estava irritado, e pensava consigo: "Não leve-a?! Mas que diabos! Levar quem?! Esse merda não sabe nem ajudar direito!". A frustração queimava dentro dele. Mas, à medida que o tempo passava, aquela raiva foi dando lugar a algo mais pesado: a tristeza. A tristeza de saber exatamente como seria o seu fim.

— Podem nos deixar a sós? Por favor. — Cinco pediu, sua voz grave e cansada. A Sparrow e Lila olharam para ele, soltando um suspiro, mas não disseram nada. Celeste deu-lhe um tapinha reconfortante no braço, e as duas saíram em silêncio, sem palavras, mas com aquele olhar frustrado que só quem estava ali podia compreender.

Celly, que ficara ao lado dele, apertou o braço de Cinco com mais força, tentando oferecer algum conforto, mesmo que as palavras não fossem suficientes. Quando a porta metálica se fechou atrás delas, Cinco soltou um suspiro profundo, e em um murmúrio raivoso, disse: "Esse filho da puta…"

Celly suspirou, exasperada.

— É uma merda, né? — Ela perguntou, sua voz baixa, cheia de empatia. — Ver você morrer assim…

— Você morreu antes. — Cinco falou de forma seca, quase amarga. Ele sabia que ela provavelmente pensava que ele estava tão focado em seu eu mais velho que nem havia notado, mas ele prestara atenção. Ele sempre prestara. — Quantas vezes eu te vi morrendo, hein? Eu… — A voz dele vacilou, e, por um momento, ele ficou vulnerável, mais do que jamais esperaria ser. Celly franziu o cenho. Ele não estava falando apenas da morte dele, mas de algo mais profundo, mais pessoal. — …queria que fôssemos de outra linha do tempo. Uma onde eu morro primeiro e você não sofre porque não se lembra.

— Quer que eu tenha Alzheimer? — Celly perguntou, uma risada leve escapando de seus lábios. Ela não conseguiu evitar. E, para sua surpresa, Cinco riu junto com ela, ainda que fosse um riso curto. Ele se achou ridículo de repente. 

— Ah, é. Isso foi idiotice. Não pensei nisso. — Ele admitiu, com um suspiro.

— Mas seria útil só para esse caso. — Ela deu de ombros, mas havia uma leve brincadeira no seu olhar. E então, fez um bico triste. — Mas eu esqueceria de todo o resto.

— Acha isso? Eu já vi casos de casais que se lembraram um do outro. — Cinco comentou, o tom descontraído voltando. Era engraçado como conseguiam sair do tema pesado com tanta naturalidade. — Se um dia você tiver isso, eu vou cobrar que você se lembre de mim, viu?

— Eu espero que eu não tenha. É sério! E, se eu tiver, posso apostar que vou lembrar do nascer do sol e das suas gentilezas.

Cinco sorriu, o sorriso genuíno e reconfortante, como se, de alguma forma, ela fosse a âncora que o mantinha firme. Mesmo naquele momento sombrio, vendo a morte de sua versão mais velha, com Celly ao seu lado, tudo parecia mais suportável. Ela tinha esse poder sobre ele, de tornar tudo um pouco mais leve.

Ela sorriu de volta, apoiando a cabeça no ombro dele, e, enquanto o silêncio preenchia o espaço entre eles, Cinco notou algo estranho: uma tatuagem no peito do corpo morto. Ele franziu o cenho e se aproximou para ver melhor, os olhos buscando entender o que era. Ali, ele encontrou uma sequência de símbolos. Era um padrão complicado, com algo que se assemelhava a uma rosa dos ventos, estrelas e símbolos que ele não conseguia decifrar.

— Que tatuagem fajuta, hein? — Celly reclamou, fazendo uma careta.

— Nem me fale. Que porcaria de rabiscos. — Cinco resmungou, incrédulo. Ele tocou na pele tatuada, deslizando os dedos por ela. — Se eu quiser fazer isso aqui, faça-me o favor de impedir.

— Ah, eu vou. Nem se preocupe. — Ela disse, com sinceridade, dando-lhe dois tapinhas no braço. Ela percebeu a expressão dele e viu quando ele ergueu uma sobrancelha, um misto de curiosidade e desafio nos olhos.

Ele não respondeu, mas tirou uma faca do bolso do blazer e começou a cortar a pele tatuada. Celly não ficou para ver. O estômago dela estava fraco pela bebida velha e mal conservada que ela havia tomado, e ela não queria mais presenciar aquela cena. Mas, lá estava ele, retirando aquela pele, como se acreditasse que isso o guiaria para algum lugar — talvez para a verdade, ou talvez para uma saída.

Enquanto isso, em algum lugar distante, no entrelaçamento do tempo e do espaço, Viktor começava a entender a causa do Paradoxo do Avô. Harlan, já avançado em idade, revelava como tudo se desenrolara. O garoto de 1963 havia matado suas mães. Ele era a chave para todo esse desastre.

A culpa deveria recair sobre ele, teoricamente. Mas seria isso verdade se ninguém tivesse viajado no tempo? Claro que não. Mas essa era a ironia da vida — pequenos detalhes, quase imperceptíveis, podiam causar catástrofes gigantescas. E a relação de Viktor com o garoto de 1963 custaria, no final, não apenas a existência dele, mas a de toda humanidade.

Oi leitores! Obrigada a todos que me acompanharam durante todos esses capítulos. Cada dia que passa eu me emociono mais ao ver o número de leitura e votos crescendo! Vocês não tem noção do quando isso muda meu dia para melhor!
Amo vocês, votem e comentem! 💗

revisão concluída ☑️💚