ℓємвяαηçαѕ
Chapter 2
Lembranças
Quarta-feira, 31 de outubro de 2008
Clary
Fazia quase um minuto que Mary estava à porta; eu podia ver o reflexo dela na janela escurecida pelo entardecer. Continuei olhando para a planilha na tela do computador, perguntando-me como podia estar escuro quando eu saí para o trabalho de manhã, e agora já está escuro de novo.
— Clary?
Virei a cabeça.
— Perdão. Eu estava com o pensamento longe. O que foi? Ela se apoiou na porta. uma das mãos na cintura. seu comprido cabelo castanho- escuro preso num coque.
— Eu perguntei se você já está acabando.
— Ainda não. Por quê?
— Não se esqueça de que hoje é a despedida da Alinne. Você vai, não é? Voltei a olhar para a tela.
— Para ser sincera, não sei. Preciso terminar isso. Pode ir na frente. Vou tentar passar lá mais tarde, se der.
— Tudo bem — disse ela finalmente, saiu batendo os pés, embora as sapatilhas não fizessem muito barulho.
Esta noite, não, pensei. Justo esta noite, não.
Aquela festa natalina horrorosa, eu ainda podia aceitar, mas sair para celebrar a despedida de alguém que eu mal conheço já é demais. Eles vêem planejando o evento desde agosto; particularmente. acho que fim de novembro é cedo demais para comemorar o Natal, mas foi a data que escolheram. E depois disso não vão mais parar de festejar até chegar vinte e cinco de dezembro. Cedo ou não, terei que ir, do contrário já posso até ouvir os comentários que farão sobre minha falta de "espírito de equipe". e só Deus sabe o quanto eu preciso deste emprego.
Assim que a última pessoa saiu do escritório. fechei a planilha e desliguei o computador.
Sexta-feira, 31 de outubro de 2009
Sexta-feira , Noite De Hallowen, os bares da cidade festejam o Dia das Bruxas até quase transbordar o caldeirão.
No pub Cheshire Arms, eu tinha bebido sidra e vodca, e acabei me perdendo de Vick,Lizzy e Dot. Mas fiz uma nova amiga, Lydia, que estudou na mesma escola que eu, embora eu não me lembre dela. Não que isso tivesse importância para alguma de nós. Lydia estava fantasiada de bruxa sem vassoura, com uma meia-calça de riscas cor de laranja e uma peruca preta de náilon,e eu, de noiva de Satã, com um vestido vermelho de cetim apertado e sapatos de seda vermelho-cereja que custaram mais que o vestido. Já haviam passado a mão em mim algumas vezes.
Por volta de uma hora. a maioria das pessoas já estava indo pegar o ônibus de volta para casa. indo à procura de um táxi. ou simplesmente saindo cambaleante para mergulhar na noite gelada. Lydia e eu seguimos para o bar River, o único lugar que provavelmente nos deixaria entrar.
— Você vai super arrasar com esse vestidinho, Clarissa — disse Lydia, batendo os dentes.
— Tomara. Foi caro para cacete.
— Será que vamos encontrar alguma coisa decente aí dentro? — perguntou ela, observando esperançosamente a fila desorganizada.
— Dúvido. Além do mais. você não disse que não queria mais saber de homem nenhum?
— Eu disse que não queria mais saber de relacionamentos. Não quer dizer que não quero mais saber de sexo.
Fazia um frio cortante e estava começando a chuviscar. O vento varria os odores de sexta-feira à noite ao meu redor e levantava meu vestido. Apertei o casaco em volta do corpo e cruzei os braços.
Lydia e eu nos dirigimos à entrada VIP. Lembro que questionei se aquilo era mesmo uma boa ideia. se não seria melhor encerrar a noite por ali. mas então percebi que ela já havia entrado.e resolvi segui-la. Acabei sendo barrada por uma parede de terno cinza-chumbo.
Quando ergui o rosto. vi um par de olhos azuis incríveis e um cabelo louro num topete. O tipo de pessoa com a qual não convém discutir.
— Espere aí — disse a voz, e encarei o segurança.
Ele não era tão grande quanto os outros dois, mas ainda assim era mais alto do que eu.
Tinha um sorriso bem atraente.
— Oi — falei. — Você vai me deixar entrar com a minha amiga?
Ele ficou calado por um momento, me olhando por mais tempo do que seria conveniente.
— Vou — falou por fim —, claro. É só que...
Esperei que ele terminasse a frase.
— Só que o quê?
Ele olhou de relance para os outros seguranças, que estavam conversando com uns adolescentes que insistiam para que os deixassem entrar.
— Por um instante não acreditei na minha sorte.
Só isso.
Eu ri da cara dele.
— Não está sendo uma boa noite?
— É que eu tenho uma queda por vestidos vermelhos — disse ele.
— Acho que este ficaria pequeno em você.
Ele riu e afastou a corda de veludo, deixando-me passar. Senti que estava me olhando enquanto eu deixava meu casaco na chapelaria; então arrisquei uma olhada para a porta e o vi novamente, ainda me observando. Abri um sorriso para ele e subi os degraus rumo ao bar.
Tudo de que me lembro daquela noite é de dançar até ficar zonza, sorrindo e achando graça das pessoas com minha mais nova melhor amiga. e de dançar naquele vestido vermelho até encontrar o olhar de alguém, um cara qualquer, e, o melhor de tudo, de achar um canto escuro dentro da boate e transar encostada na parede.
Quinta-feira, 1° de novembro de 2008
LEVEI MUITO, MUITO TEMPO PARA SAIR de casa hoje de manhã. Não foi por causa do frio,embora o aquecedor pareça demorar séculos para começar a fazer efeito. Nem por estar escuro.
Acordo todo dia antes das cinco, e desde setembro que a essa hora ainda não há um ponto de claridade.
Levantar da cama não é problema para mim; o problema é sair de casa. Depois de tomar banho, me vestir e comer alguma coisa, inicio o processo de verificar se o apartamento está seguro, antes de sair para o trabalho. É como o inverso do que eu faço à noite, só que um pouco pior, pois sei que o tempo está contra mim. Posso passar a noite toda conferindo tudo, se eu quiser, mas de manhã sei que tenho que ir para o trabalho, de forma que há um limite.
Preciso deixar as cortinas das salas de estar e de jantar ao lado da varanda abertas exatamente no mesmo ponto todos os dias, caso contrário não poderei voltar para casa. As persianas são formadas por dezesseis lâminas e estão em cada uma das portas que dão para o pátio; tenho que deixá-las abertas de forma que eu veja somente oito lâminas de cada lado ao olhar de fora, dos fundos do prédio.
Se eu enxergar uma lasquinha que seja da sala de jantar por entre as lâminas da persiana, ou se as cortinas não estiverem retas, então tenho que voltar e começar tudo novamente.
Acabei ficando ótima nisso, mas ainda assim me toma muito tempo. Quanto mais minuciosa eu for, menos chances terei de me xingar pelo caminho por meu descuido e de ficar conferindo a hora.
A porta é o maior problema. Onde eu morava antes, naquele apartamento apertado de subsolo em Kilburn, pelo menos minha porta dava direto para a rua. Aqui tenho que verificar várias vezes à porta do meu apartamento — entre seis e doze vezes — e depois a porta do prédio, que dá para a rua.
O apartamento em Kilburn até tinha uma porta de acesso ao prédio, porém nada mais, nenhuma porta dos fundos ou janelas. Era como se eu morasse numa caverna. Não havia rota de fuga, o que significava que eu nunca me sentia realmente segura lá dentro. Aqui é muito melhor: as portas francesas dão para uma pequena varanda, e logo embaixo está o telhado do galpão de depósito, que divido com os outros apartamentos, embora eu não saiba se alguém mais o utiliza.
Posso passar pelas portas de vidros, pular para o telhado do galpão e de lá para o gramado.
Seguindo pelo jardim e passando pelo portão, chego ao beco dos fundos em menos de trinta segundos.
Às vezes preciso voltar e conferir mais uma vez a porta do meu apartamento. Se algum dos outros moradores apenas fechou a porta do prédio, sem trancar, com certeza tenho que verificar minha porta de novo. Qualquer um pode ter entrado.
Hoje de manhã, por exemplo, foi um dos piores dias.
Não somente a porta do prédio não tinha sido trancada como também estava entreaberta.
Quando me aproximei da entrada, um homem de terno a abriu, me assustando. Atrás dele vinha um outro homem, este mais jovem e alto, de calça jeans e casaco com capuz. Cabelo escuro e rente, a barba por fazer, olhos verdes com um ar cansado. Ele sorriu para mim e pediu desculpas sem emitir som, o que ajudou um pouco.
Ternos ainda me assustam. Tentei não olhar para aquele, mas ouvi o homem dizer,enquanto subia as escadas, "...este acabou de ser desocupado, se quiser, vai ter que ser rápido".
Um corretor imobiliário.
Os estudantes chineses do último andar devem ter finalmente decidido se mudar. Já não eram mais estudantes, se formaram no início do ano — deram uma festa que durou a noite toda,enquanto eu, deitada na minha cama no andar de baixo, ouvia o som de pés subindo e descendo as escadas sem parar. A porta da frente ficou destrancada a noite toda. Fiz uma barricada empurrando a mesa de jantar para bloquear a minha porta, mas o barulho me deixou angustiada e ansiosa.
Observei então o segundo homem, que seguia o de terno pela escada.
Para meu horror, o homem de calça jeans se virou no meio do lance de escada e sorriu para mim novamente, um sorriso de pesar desta vez, erguendo as sobrancelhas como se já estivesse cansado da voz do corretor. Senti que fiquei tremendamente ruborizada. Faz muito tempo que não mantenho contato visual com um estranho.
Ouvi os passos subindo até o último andar, o que significava que haviam passado pela minha porta. Olhei o relógio — já eram oito e quinze! Mas eu não podia simplesmente ir embora e deixá-los lá dentro do prédio.
Bati a porta com firmeza e girei a chave, forçando a porta algumas vezes para ter certeza de que estava bem fechada. Com as pontas dos dedos percorri o contorno da porta, conferindo o alinhamento com o batente. Girei a maçaneta seis vezes, verificando se estava trancada. Um, dois, três, quatro, cinco, seis. Depois conferi o contorno da porta mais uma vez. E então a maçaneta,seis vezes. Um, dois, três, quatro, cinco, seis. E o contorno da porta de novo. E por fim a maçaneta, mais seis vezes. Senti o alívio que me toma quando consigo fazer isso direito.
Depois subi até meu apartamento, irritada porque aqueles dois imbecis iam me atrasar.
Sentei na beira da cama por um instante, fitando o teto, como se pudesse enxergar os dois homens através do reboco e das vigas. O tempo todo eu lutava contra a vontade de verificar as trancas das janelas novamente.
Eu me concentrei na respiração, olhos fechados, tentando acalmar meu coração, que batia disparado. Eles não vão demorar, disse a mim mesma. O cara está só dando uma olhada.
Não vão demorar. Está tudo bem. O apartamento está seguro. Eu estou segura. Já fiz isso direito antes. A porta do prédio está fechada. Está tudo bem.
Volta e meia um ruído me assustava, muito embora parecesse vir de muito longe. A porta de um armário batendo? Talvez. E se eles tiverem aberto uma janela lá em cima? Dava para ouvir um vago murmúrio, muito distante para que eu conseguisse distinguir as palavras. Eu me perguntei quanto estariam pedindo pelo aluguel — quanto mais alto, melhor. Por outro lado, eu não teria a varanda. Por mais que eu goste de me sentir inatingível, dispor de uma rota de fuga é igualmente importante.
Olhei as horas — quase quinze para as nove. Mas que merda eles estavam fazendo lá em cima? Fiz a besteira de olhar para a janela do quarto, e aí, evidentemente, tive que ir verificá-la. O que bastou para me fazer conferir tudo de novo, começando pela porta, e lá estava eu na minha segunda ronda, de pé sobre o tampo do vaso sanitário, passando os dedos pela beirada da janela de vidro fosco que nem sequer abre, quando ouvi baterem a porta no último andar e descerem a escada.
— ...uma área agradável e tranquila, para dizer o mínimo. Não precisa ter medo de deixar o carro na rua.
— Ah, sim, mas eu devo andar mesmo de ônibus. Ou de bicicleta.
— Acho que há um depósito coletivo no jardim; vou me informar melhor quando voltarmos ao escritório.
— Ótimo. Mas provavelmente vou deixá-la no corredor.
No corredor? Que cara de pau! Já não está bagunçado o bastante desse jeito? Por outro lado, assim talvez alguém mais além de mim teria interesse em trancar a porta do prédio.
Acabei de verificar tudo, deixando a porta por último. Nada mal. Fiquei esperando por aquela ansiedade, a necessidade de recomeçar tudo, mas me senti bem. Eu tinha feito tudo certo, e apenas duas vezes. A casa estava silenciosa, o que facilitava as coisas. E o melhor de tudo, desta vez a porta do prédio estava bem encaixada, indicando que o homem de calça jeans a tinha fechado direito ao sair.
Talvez não viesse a ser um mau morador, afinal de contas.
Eram quase nove e meia quando finalmente cheguei à estação do metrô.
Terça-feira, 11 de novembro de 2009
QUANDO O VI PELA SEGUNDA VEZ , aquela lembrança desaparecera completamente, de forma que passei um bom tempo olhando para ele. Atraente, boca sensual, com certeza me parecia familiar — alguém em quem eu já dei uns amassos em algum bar?
— Você não se lembra de mim — disse ele, a decepção clara em sua voz. — Você estava com um vestido vermelho. Eu estava na porta do River.
— Ah, claro! Desculpe — falei, balançando a cabeça como se aquilo ajudasse a fazer sentido. — É que eu... não reconheci você sem aquele terno.
Isso me deu a oportunidade de olhá-lo de cima a baixo, avaliando-o. Ele estava de short, tênis e uma camiseta preta — pronto para se exercitar, e muito diferente de como eu o vira da última vez.
— Sei, mas aquilo não seria muito confortável para malhar.
— Imagino.
Repentinamente me dando conta de que eu ainda estava encarando as coxas dele, percebi que devia estar horrenda, após fazer uma hora de ginástica — o cabelo ruivo preso para trás, algunsfios grudados no meu rosto vermelho, a camiseta suada. Encantadora.
— Bom, legal encontrar você de novo — disse ele, me olhando de cima a baixo numa fração de segundo.
Eu não sabia dizer se ele estava sendo abusado ou um tanto inconveniente. Mas então ele concluiu a frase com um sorriso meio de lado que não era nem um pouco lascivo, apenas muito sexy.
— É, digo o mesmo. Eu... eu preciso tomar um banho.
— Claro. Até mais, então. — E com isso ele se virou e subiu a escada da academia correndo, de dois em dois degraus.
No chuveiro, me peguei desejando tê-lo encontrado antes, quando estava chegando à academia, em vez de só na saída. Assim poderíamos ter conversado direito, e eu não estaria com aquela aparência acabada. Por alguns instantes contemplei a possibilidade de fazer hora na lanchonete até ele terminar de malhar. Será que assim eu pareceria muito fácil? Muito desesperada?
Bem, o que posso dizer? Já faz algum tempo. Os últimos homens de quem gostei foram casos de apenas uma noite; algumas vezes eu estava tão bêbada que nem me lembro dos detalhes.
Não há nada de errado nisso, é claro, eu estava apenas me divertindo enquanto era tempo. Estava cansada de relacionamentos na época, queria aproveitar a fase solteira, essas bobagens. Talvez fosse hora de começar a sossegar um pouco. Talvez fosse hora de começar a pensar no futuro.
Enquanto me enxugava no vestiário vazio, algo de repente me ocorreu: eu não devia estar tão mal assim, caso contrário ele não teria me reconhecido. Da última vez que ele me vira, eu estava usando um vestido de cetim vermelho, o cabelo solto caindo pelos ombros. Hoje eu estava em trajes suados de ginástica, sem maquiagem e de rabo de cavalo — bem diferente. E ainda assim ele me reconheceu no mesmo instante; eu vi isso nos seus olhos.
E ele tinha dito "Oi de novo".
Desde aquele dia, eu não tinha voltado ao River, embora na época saísse à noite várias vezes por semana. No último fim de semana fui visitar alguns amigos na Escócia, dois dias exaustivos sem tempo para dormir — mas isso não me impediu de sair para beber depois do trabalho. Na sexta-feira acabamos no Roadhouse, um bar recém-inaugurado na Market Square.
Estava lotado, graças aos preços promocionais das bebidas por ser o primeiro fim de semana deles em funcionamento, e em menos de meia hora Lizzy e Dot estavam se agarrando cada uma com um cara. Por um tempo fiquei dançando e bebendo, bebendo e dançando, sozinha e feliz da vida, encontrando pessoas conhecidas e batendo papo, berrando no ouvido dos outros por causa do volume da música.
Havia uns homens bem interessantes por lá, mas poucos estavam sozinhos.
E esses poucos eu já conhecia, ou por já ter ficado com eles antes, ou por eles já terem ficado com alguma amiga minha.
Agora, eu já estava ansiosa pelo fim de semana. Sexta à noite eu tinha combinado de sair com Lizzy, Dor e sua irmã, Emma, mas depois disso o fim de semana seria só meu.
Voltei para o carro sorrindo para mim mesma, pensando que talvez pudéssemos dar um pulo no River.
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