Capítulo 9 - Não importava, ia aproveitar
Vanessa caminhou ao lado de Melissa e seus amigos. Assim que entrou no auditório, teve que descer alguns degraus até que parou perto dos assentos. Havia bancadas transparentes curvadas e longas espalhadas e atrás delas havia cinco cadeiras ao todo. O auditório tinha vinte mesas nesse estilo, deixando o espaço de dois metros para que os alunos se locomovessem entre cada fileira.
Em frente aos assentos, havia uma lousa também transparente, e um projetor estava posicionado no teto. Ele era usado quando os professores queriam dar aula de casa. O aparelho ligava assim que o educador iniciava a vídeo chamada e em seguida transmitia um holograma em tamanho real. A aula acontecia normalmente. Porém, naquela manhã em especial, o professor resolveu aparecer lá, já que daria as boas-vindas a quatro alunos recém-chegados.
Depois que Vanessa analisou todo o auditório, sentiu Melissa a puxando em direção a segunda fileira de assentos. Os cinco sentaram-se e a aula começou. Aconteceu a boa e velha apresentação, mas não demorou muito, pois o professor começou a ensinar usando o quadro transparente. A coreana se sentiu um pouco desconfortável por ter sentado ao lado daquelas pessoas estranhas, mas eles se comportavam de um jeito tão gentil que parecia que ela já fazia parte do grupo a tempos.
E por falar em grupo, no final da aula descobriram que aqueles que se sentaram na mesma fileira iam fazer trabalhos juntos até o final do semestre. Vanessa estava atrasada nas matérias por chegar depois do início das aulas, mas sentar com aquelas pessoas, fazer parte do grupo deles, ajudava. Então, estava ligada àquelas pessoas e isso ia ser ruim.
— Entendido? — O professor James perguntou, desligando o projetor em 3D que projetava um corpo humano no meio da sala.
— Yes! — todos falaram.
— Podem sair, menos a Senhorita Rebeca Victor e Vanessa Kim. Preciso falar com ambas.
Nesse momento, o coração de Vanessa gelou. Chegou naquele dia, por que já estava sendo chamada pelo professor para conversar. Ela pensou no pior. E quem pensou no pior também foi Rebeca Victor que já sabia que ia ouvir o velho discurso de "os alunos mais inteligentes não se atrasam".
Os estudantes começaram a guardar os materiais e Paulo, Melissa e Fernando saíram da sala. Antes de ir, Melissa sussurrou para a amiga um "te esperamos lá fora". Assim que só restavam as duas meninas e o professor James na sala, ele começou a falar.
— Então você ia se atrasar para minha aula novamente, senhorita Victor? — comentou, cruzando os braços.
James era um professor jovem, com no máximo quarenta anos. Bonito, boa "pinta" como dizia a própria Rebecca. Mas, apesar de ser legal com os alunos sempre que podia, odiava atrasos. Fosse eles para assistir aulas ou entregar trabalhos. E Rebecca Victor tinha praticado ambos.
Com a cabeça baixa e os dedos entrelaçados, ela se preparou para ouvir e o professor disse:
— Quando vai entregar o trabalho que passei há duas semanas?
— Está pronto, só... só preciso adicionar as referências.
— Então, senhorita Victor — falou, cruzando os braços — O trabalho não está pronto já que faltam as referências.
— Ain professor, por favor, será que pode me dar mais dois dias? — disse, segurando as mãos dele. — Prometo que dessa vez vou entregar no prazo.
— Victor, você me acha um idiota? Com sua idade, eu já estava formado com honras... Quando vai parar de gravar esses vídeos sobre maquiagem para se concentrar no que veio fazer aqui?
Vanessa, que ainda queria saber porque precisava ouvir aquilo, ficou paralisada como uma estátua, e mesmo sentindo vontade de ajudar, pensou ser melhor se manter neutra.
— Mas eu não vivo...
— Senhorita Victor — ele interrompeu-a — Estou falando para o seu bem. Nem todos conseguem passar por essa porta. Você conseguiu e convenhamos, não é burra. Nós dois sabemos que você está concentrada nesses vídeos por aquele motivo e apesar de gostar, veio aqui com vontade de se formar. Então, Victor, concentre-se.
Vanessa viu os olhos de Rebeca lacrimejar e entendeu que o professor sabia de alguma coisa que talvez nem a Melissa tinha conhecimento. Mas, preferiu fingir-se de boba.
— Obrigada...
— Victor, você pode ir.
Ela deu as costas e começou a andar, mas parou quando o professor a chamou.
— Você tem dois dias, Victor.
— Ahh! — gritou, dando pulinhos. — O senhor é o melhor!
Ele riu e balançou a cabeça.
Em seguida, virou para Vanessa.
— Seja bem-vinda, senhorita Kim.
— Obrigada — sussurrou, fazendo uma reverência demorada.
— Gostaria de dizer duas coisas. Número um — falou, levantando um dedo — Você pode ser poderosa na Coreia do Sul, mas está em outro país e na minha sala, eu sou poderoso. Não vou tratá-la de forma diferente. Entendido?
A coreana sorriu, satisfeita. Era tudo que queria.
— Sim...
— Número dois — ele levantou o outro dedo — Não me parece que você deseja ser médica e não sei porque veio parar aqui. Mas, se está aqui, é bom dar seu melhor, não acha?
— O quê? — perguntou, levantando a cabeça para olhá-lo.
— Você me entendeu, Kim. Faça o melhor, não aceito menos.
— Sim... — sussurrou, voltando a abaixar a cabeça.
Nesse momento, o professor parou de falar, cruzou os braços e fitou-a, pensativo.
— Por que você é tão passiva?
— Desculpe... — ela disse, abaixando mais a cabeça.
— É disso que estou falando, Kim! — exclamou, batendo com a mão na mesa, fazendo Vanessa erguer a cabeça, assustada. — Está fugindo da polícia?
— Não — a coreana arregalou os olhos, surpresa.
— Matou alguém e escondeu o corpo no dormitório?
— Não...
— Usou drogas?
— No meu país isso é contra a lei... — disse, confusa com as perguntas.
— Você está em outro país, senhorita Kim. Mas, que seja — deu de ombros. — Então porque você anda como se devesse até a Interpol?
— Eu... — ela falou, unindo as mãos.
— Levante a cabeça!
Confusa, a coreana obedeceu e fitou os olhos na cor de mel de James.
— Ajeite os ombros, Kim...
Ela obedeceu novamente.
— Respire fundo!
— O qu...
— Respire...
Ela obedeceu.
O professor sorriu e balançou a cabeça.
— Entendi, você se comporta como um soldado. Senhorita Kim, olhe para mim direito.
— Sim? — falou, fitando-o. Não fazia ideia do que estava acontecendo, mas achou que devia obedecer.
— Relaxe, nós não estamos em guerra. Você não é um soldado, não deve a ninguém e não fez nada ilegal. Quando andar, levante a cabeça e os ombros. Se falar com alguém, olhe nos olhos e... sorria mais.
Nesse momento, Vanessa sentiu vontade de chorar, pois, alguém entendia como ela se sentia. Apesar de não saber como o professor foi capaz de ler seus pensamentos, estava tão grata... E ele, assim que percebeu que ela se emocionou, abriu um sorriso largo disse:
— Vai passar, Kim...
A coreana soltou o ar pela boca e sentiu um peso sair das costas. A angústia não sumiu por completo, ia demorar seis anos para isso, porém, por aquele momento, a paz bastava.
— Pode ir, te vejo na próxima aula.
— Obrigada — comentou, fazendo uma reverência.
O professor Mark James sorriu e deu as costas para terminar de arrumar a mesa.
Vanessa, ainda pensativa, caminhou até o carro que já estava lhe esperando na entrada da Universidade. Mas antes de entrar nela, ouviu Melissa a chamando e virou-se para saber o que ela queria.
— Vamos comer em uma lanchonete aqui perto, você quer ir com a gente? — perguntou em inglês, olhando-a com um sorriso super largo nos lábios.
A coreana continuou olhando-a, séria.
Ninguém a chamava para sair em grupo na escola. Na verdade, as meninas de famílias ricas saiam para o shopping a fim de gastar dinheiro. Por isso ela sempre corria para ficar na companhia de Jeong-ho. A coreana odiava andar de um lado ao outro gastando dinheiro com coisas que elas nem iam usar. Era chato e idiota, por isso negava os convites e passava a tarde — quando estava livre — estudando a bíblia, cantando e jogando jogos de tabuleiro com Jeong-ho. Mas, na vida nova, também ia receber convites sinceros?
— Ei! — Melissa a chamou novamente, só que mais alto — Meus amigos estão esperando por você, vamos... — disse, puxando-a pela mão.
Sabe quando começamos a fazer algumas coisas no automático? Então, desde que saiu da Holanda, Vanessa continuava entrando e saindo naquele modo automático. Parecia que usava isso como sua defesa contra as situações que não tinha controle. E foi por essa razão que a coreana seguiu Melissa até a lanchonete. Claro, Yung-ji foi atrás dela.
Ao chegar lá todos foram gentis e legais, porém, enquanto os novos colegas comiam e conversavam sem parar, Vanessa ficou em silêncio, olhando os carros voadores passarem de um lado ao outro. Não conseguia processar como as coisas tinham mudado tão rapidamente e pior, não sabia como lidar com o calor humano dos novos amigos. Era assustador. Podia confiar neles? Eles desejavam ser seus amigos, ou queriam algo em troca? Ficou pensando nisso sem parar e quando dava, esboçava um sorriso discreto para eles, mesmo sem saber o assunto da vez.
Por fim, se despediram e ela pôde voltar para seu apartamento, sozinha.
Depois de tomar banho e comer o bom e velho Lámen, sentou-se no sofá e ligou para Jeong-ho. Queria contar como estava apavorada. Ele atendeu no segundo toque e logo ela começou a falar, falar e falar. Na presença de pessoas estranhas, mantinha-se calada e dava sorrisos discretos, mas isso não acontecia com ele. Jeong-ho tinha algo que sempre a fazia ser uma faladeira. Com ele, podia dizer tudo, sem medo. E foi isso que fez por quase duas horas até que pegou no sono ali mesmo, com o amigo ainda na linha.
[...]
Ao passar os dias, Vanessa começou a se acostumar com os ares daquele país. Melissa e Rebeca se mostraram ótimas amigas e sempre que não tinham aula, marcavam de sair para comer, já que Rebeca parecia ter um monstro dentro do estômago.
Além disso, ela aproveitava os feriados para visitar Jeong-ho. Aos poucos, foi olhando-o de maneira diferente, se é que entende. Mais fofo, gentil, carinhoso, com o corpo cheio de mudanças... Ele ficou diferente e a coreana também. As meninas do câmpus começaram a notar isso, fazendo Vanessa sentir um pouquinho de ciúme. Jeong-ho ria de suas crises, bagunçava os cabelos dela, curvava o corpo e dizia:
— Não ligo pra elas e você sempre será a minha pessoa favorita...
Depois sorria de novo e lhe fazia cócegas. A coreana desfazia a cara emburrada e tudo voltava ao normal.
Enfim, apesar das diferenças, a coreana foi se acostumando com a nova vida. As coisas estavam se acertando, seu pai não "enchia tanto seu saco" com relação aos estudos — tudo bem, ele a visitava às vezes com sua mãe para fazer pressão, mas não era exagerado. Porém, nada estava como antes e finalmente, Vanessa começou a se sentir importante para mais pessoas. No final das contas, não tinha apenas Deus e Jeong-ho do seu lado. Aprendia pouco a pouco que sua existência parecia ser necessária para outras pessoas.
Faltava três meses para o final do semestre, a aula terminou e a coreana ia voltar para casa a fim de dormir o dia inteiro, porém, quando Melissa Caller a chamou para fazer uma proposta, Vanessa notou que tinha amigas de verdade.
— Vanessa... — a brasileira começou a dizer depois de fechar a mochila.
— Nee...
— Por que você não mora no câmpus?
Vanessa levantou os olhos e fitou-a. Como ia explicar tudo? Não sabia por onde começar, por isso continuou olhando-a, séria. Fernando coçou a garganta depois de perceber o clima e abraçou a namorada pela cintura. Ele lhe disse algo no ouvido que a coreana não entendeu, em seguida, deu um sorriso para Vanessa e disse:
— Tudo bem se você não quiser falar sobre isso, Vanessa.
— Não é isso... — sussurrou.
— Vanessa? — desta vez, Rebeca a chamou e ficou do seu lado. Em seguida, colocou a mão por cima de seu ombro e a puxou para perto. — Tudo bem com você?
— O quê? — disse, voltando sua atenção para ela.
— Está tudo bem? — Melissa perguntou, aproximando-se.
A coreana olhou para os amigos e viu preocupação ali. Por isso, não tinha porque continuar escondendo a verdade sobre o pai ser tóxico.
— É complicado dizer, mas meu appa... comprou o apartamento e quer que eu fique lá...
— E você gosta de ficar sozinha? — Rebeca quis saber, desconfiada.
— Rebeca! — Paulo disse, tentando pará-la.
— Deixa ela falar — reclamou com o namorado e fitou a coreana — Você gosta?
— Sinceramente... Não — balançou a cabeça, segurando o choro.
— Pode parecer loucura, mas porque você não vem morar com a gente? Nosso quarto tem uma cama sobrando e também oramos. Acho que Deus quer isso. Seria bom pra você, o que acha? — Melissa comentou, pausadamente.
Vanessa ficou em silêncio. Em primeiro lugar, se sentiu muito amada. Nunca teve amigas tão leais e que se importavam com o que sentia. Elas desejavam tê-la por perto... E saber que era amada e querida a fez se emocionar. Mas, não parou por aí, afinal, Yeong-gi nunca ia deixá-la mudar.
A coreana respirou fundo, balançou a cabeça e disse:
— Obrigada pela intenção. Mas é melhor eu ficar onde estou... — assim que terminou de falar, pegou a mochila de cima da mesa e começou a andar para que seus amigos não a vissem chorando.
— Espera, Vanessa! — Rebeca gritou e correu em sua direção, alcançando-a na porta do auditório. — A Melissa está resolvendo isso por você, o pai dela conhece o seu. Eles são ótimos amigos, inclusive. Garanto que o pedido do Doutor Rafael é uma ordem, não importa onde!
— Obrigado por seu otimismo, Rebeca. Mas garanto que o appa não vai permitir... — disse, engolindo o choro, em seguida, passou por Rebecca e começou a correr.
Depois de passar por alguns corredores, Vanessa avistou Yung-ji no estacionamento, com os braços cruzados olhando para o nada. Ela correu mais rápido e acabou tropeçando, caindo no chão em seguida. Quando olhou para o pequeno machucado nas mãos, viu que começou a sangrar e respirou fundo. A vontade de chorar aumentou, mas apesar de lutar, a coreana se rendeu e deixou as lágrimas saírem.
— Tá tudo bem? — Fernando perguntou, abaixando do lado dela. Ele era o mais calmo e tranquilo do grupo. Conversava com Vanessa no chat online e mostrava-se preocupado com ela, assim como a namorada. Mas, diferente de Melissa Caller, Fernando sabia ouvir e confortar ao mesmo tempo.
Vanessa virou o rosto. Não queria ser vista chorando. Porém, Fernando passou as mãos pelo rosto dela e limpou suas lágrimas. A coreana sentiu mais vontade de chorar e abaixou a cabeça, e mais lágrimas vieram. Um minuto depois, Yung-ji finalmente chegou no local e ajudou-a a ficar de pé.
— O que aconteceu, senhorita Kim? — disse, ajeitando os cabelos longos e lisos dela.
— Nada, Yung-ji. Só vamos pra casa...
Eles deram as costas e o guarda-costas ajudou-a a caminhar. Mas, assim que chegaram perto do carro, ouviram Melissa gritar. Ela quis ignorar, mas Yung-ji a fez parar a fim de ouvir o que a menina tinha a dizer. Depois que os alcançou, tanto ela quanto Rebeca buscaram recuperar o fôlego.
— Eu não tenho nada para falar com vocês, não agora...
— Espera! — Melissa gritou, segurando a porta do carro para ela não entrar — Ele deixou!
— Do que você está falando?
— Meu Deus, Melissa. Você é muito devagar pra essas coisas! — Rebeca disse, ficando na frente da amiga — Eu te disse, o que o Doutor Rafael pede é uma ordem, não importa onde e quando. Seu pai deixou você morar com a gente, vamos te ajudar a pegar suas coisas.
Vanessa ficou sem reação por um tempo. Os olhos lacrimejavam e quando entendeu o que aconteceu, soltou o ar que estava preso nos pulmões e chorou. Sentiu que estava vivendo em um sonho e não queria acordar dele!
— Será que isso é liberdade? Ou momentos de pausas para a onda maior vir destruindo tudo? — Ela pensou, enquanto abraçava as amigas — Eu não vou pensar nisso...
Aaaaaaaaaa voltei, desculpem o atraso. 😅
Espero que gostem do capítulooo - e deixa a 🌟
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