Capítulo 8 - Aqui não é a Coreia
Enquanto caminhava pelo aeroporto, Vanessa viu pessoas livres andando de um lado ao outro e isso a incomodou. Odiava ter que viajar porque observava famílias saindo de férias, estudantes com sorrisos largos no rosto, cantores e seus instrumentos sentindo-se cheios de ânimo e fé nos próprios sonhos.
Mas, a coreana fazia parte do grupo de pessoas infelizes, sem liberdade de escolha e que estavam viajando contra a vontade. Durante a infância, quando saía de férias com os pais, quase não podia escolher para que país ia. Além disso, sempre viajavam na companhia de três guarda-costas e isso era péssimo! As crianças tinham medo de chegar perto dela, e Vanessa passava a viagem tentando disfarçar a insatisfação. Porém, ela conseguia entender porque vivia solitária, afinal qual criança em sã consciência tentaria passar por aqueles brutamontes de quase dois metros com músculos enormes apenas para brincar?
Brincava sozinha, estudava sozinha, viajava sozinha, estava sempre sozinha.
Mas, isso mudou depois que Jeong-ho chegou em Seul. Ele era filho de um casal que conheciam os pais dela. Logo, teve liberdade para brincar com alguém que pertencia ao seu grupo: os ricos. Jeong-ho e os pais eram cristãos e por essa razão, enquanto brincavam juntos, ele acabou contando tudo que aprendia a Vanessa e assim, ela finalmente decidiu ser cristã, aos quatorze anos.
Seus pais concordaram, mesmo sendo ateus - coisa muito estranha, que nem a própria menina entendia. No entanto, Jeong-ho não era apenas um colega de escola, era mais do que isso. Ele foi alguém usado por Deus para libertá-la das garras da solidão, contudo naquele momento, caminhando até o avião que ia para Harvard, a coreana sentia-se correndo em direção a um lugar desconhecido e que a forçava a voltar à solidão.
Na verdade, às vezes, ela gostava da solidão. Era mais fácil de lidar com o que não tinha controle. Mas, à medida que os pés tocavam a entrada do aeroporto, um arrepio percorreu sua espinha e ela quis correr, em desespero. Qual razão? Era porque estava começando a perceber que quando queria, a solidão podia ser bem assustadora.
Nari ou Vanessa Kim, tinha como pai o Yeong-gi que um dia foi um médico renomado na Coreia e em outros países, mas que abriu mão da carreira para se casar com a grande Mi-Suk. Os dois casaram e a filha se tornou alguém importante para a economia da Coreia do Sul, afinal, como herdeira dos pais que eram Chaebols da Coreia, podia ser como uma princesa bem rica. Verdade seja dita, era podre de rica!
A coreana fazia parte daquilo e com razões suficientes, sentia um frio na barriga e o peso da coroa que, às vezes, era mais difícil de suportar.
— Senhorita Kim? — o guarda-costas a chamou depois de parar em sua frente.
— Sim? — respondeu, deixando de fitar o casal apaixonado que estavam em sua frente — Podemos embarcar?
— Sim, está tudo pronto.
Vanessa assentiu e começou a caminhar, seguindo-o.
— Está tudo bem? — Yung-ji quis saber.
Vanessa suspirou e entregou as passagens à aeromoça.
— Tudo certo, podem seguir reto, para a primeira classe — a morena falou, apontando com a mão na direção.
Os dois sorriram para ela e continuaram andando. Eles foram até suas poltronas e sentaram-se, um ao lado do outro.
— Você parece péssima...
— Nem percebi, Yung-ji... Como conseguiu descobrir que estou irritada por ter que abandonar minha vida para ir estudar com estrangeiros xenofóbicos?
— Acha mesmo que todos são assim? Não é você que está sendo xenofóbica agora?
Ela cruzou os braços.
— Nem todos são, admito... E Retiro o que disse. Mas, — disse, olhando para ele, quase fuzilando-o — Você me entendeu.
— Eu sei o que você quer dizer.
A coreana soltou o ar pela boca e encostou as costas no assento.
— Eu nunca quis ser seu guarda-costas, senhorita Kim...
Ela ficou chateada e pressionou os lábios para não magoá-lo. Yung-ji sorriu enquanto a olhava. E pela milésima vez desde que se tornou guardião daquela garota mimada - assim ele a apelidou mentalmente - sentiu-se orgulhoso por estar ao seu lado.
— Sabia que hoje em dia existe uma tradição com os guardas-costas?
— Mwo?
— Meu pai me contava que todos os homens da nossa família eram guarda-costas. Ele dizia que na era Joseon, um homem da nossa família também foi guarda real. Não sei se é verdade, mas aquilo foi suficiente para me fazer achar legal o trabalho dele.
— Você era uma criança muito boba, Yung-ji. Seu pai só quis te enganar.
— Eu sei — deu de ombros — Mas me fez sentir orgulho dele. Quando fui crescendo e o via sendo obrigado pelo seu avô a fazer trabalhos além do que devia, fiquei tão revoltado... Tivemos uma briga feia e naquele dia, meu appa teve o primeiro infarto.
— Ainda lembro dele levando doces quando ia me buscar na escola.
— Nee... — ele ficou pensativo — Mas aos poucos fui entendendo como o trabalho dele era importante e hoje estou aqui, cuidando da garota mimad...
— Mwo? — reclamou, arregalando os olhos e deu um tapinha leve em seu braço.
— Nada...
— Mas, Yung-ji, porque está me contando isso?
O homem olhou para ela, bagunçou seus cabelos e sorriu.
— Porque você não quer ser médica hoje, mas um dia, não vai conseguir se imaginar sem essa formação. Porque você não consegue ver, mas as vidas que um dia salvará, vai aquecer seu coração, senhorita Kim...
Ela suspirou e encostou a cabeça no ombro dele.
— Então você gosta de ser meu guarda-costas e seu coração está aquecido?
— Aigoo... Do que está falando? Sabe quantas vezes quase morri por causa daquelas suas fugas? Aigoo... Queria estar no Havaí agora, deitado em uma rede, bebendo alguma coisa com frutas e com o sol me queimando.
— Yung-ji! — falou, saindo do ombro dele e cruzou os braços. — Pode ir embora se quiser...
Ele deu uma gargalhada meio alta e gostosa de ouvir. Em seguida, puxou-a para voltar ao seu ombro.
— Aigoo, aigoo... Não seja rancorosa.
Os dois riram juntos depois disso...
[...]
Longas horas depois do embarque, finalmente pousaram em Cambridge, cidade onde Harvard estava localizada.
— Vamos para seu apartamento... Ele está a quase vinte minutos da universidade.
— Ele comprou um apartamento? — perguntou, colocando o cinto de segurança. Eles ainda estavam no estacionamento do aeroporto.
— Achei que já soubesse. Você vai morar lá até a formatura — respondeu, dando partida no carro.
— Onde está a minha liberdade? Eu pensei que ia morar em um dos dormitórios... — respirou fundo.
— Sinto muito.
Vanessa não respondeu.
Por que tinha pensado que seria tão fácil? Ela revirou os olhos e fez uma oração, pedindo que o Espírito Santo acalmasse seu coração. Tentava de todo jeito lembrar das palavras dEle, as que deixavam claro que Seus planos eram muito maiores que os dela. Era a única coisa que fazia-a seguir adiante, sem murmurar tanto. Mas, sempre que Yeong-gi dava um jeito de estragar a alegria que sentia, Vanessa tinha vontade de...
Já dentro do apartamento, a coreana pôde admirá-lo melhor. A nova casa não era tão pequena; a sala estava mobiliada com móveis de alta qualidade em tons mais frios. Havia uma TV enorme na parede - que ela quase nunca ia usar -, e outros itens de decoração espalhados pelo cômodo. Claro, precisava ter uma pirâmide egípcia em algum lugar. A pirâmide, que foi colocada ao lado da TV, estava coberta por uma caixa de vidro e haviam raios vermelhos ao redor dela, deixando claro que era cara suficiente a ponto de precisar de todo aquele aparato de segurança ao seu redor.
Feita com ouro puro, com certeza.
A coreana girou os olhos até as demais partes do apartamento e a cozinha, que era integrada à sala, estava recheada de eletrodomésticos de qualidade. Após alguns passos, viu três portas; uma que dava em um quarto grande, ao lado havia outra porta que era o escritório e closet e outra, que levava ao banheiro.
Para muitas pessoas, morar em seu próprio apartamento, cheio de móveis de ponta, podia ser como um sonho. Mas não para Vanessa Kim. Só o fato de ter a própria casa aos dezoito anos, indicava que não pertencia a uma família comum. E pior, o fato dos móveis, casa, roupas de cama, decoração e eletrodomésticos já estarem em seus lugares sem ela ter escolhido, mostrava que não, não tinha liberdade nem para fazer coisas comuns.
— Senhorita Kim... Já trouxe todas as malas. Meu apartamento é aqui do lado, se precisar de mim, por favor, me chame que virei imediatamente, Nee?
Vanessa concordou e fez uma reverência de cabeça antes dele sair. Segundos depois, achava-se sozinha. Detestava estar solitária novamente, mas não podia fazer nada. Se jogou no sofá e constatou que ele era muito confortável. Por fim, virou para o lado e admirou o sol se pôr através das janelas de vidro.
Era isso, agora não tinha mais volta.
[...]
Vanessa acordou cedo, arrumou a mochila e bebeu uma vitamina de frutas que ela mesma fez, depois que o guarda-costas chegou no dia anterior com alguns alimentos. Quando arrumada, pediu que Yung-ji a levasse para a universidade de carro. Após a deixar no estacionamento, Yung-ji disse que ia levá-la para casa após a última aula. Ela fez uma reverência e começou a andar em direção a sua sala onde ia ter a primeira aula.
Assim que parou em frente a porta de vidro que dava no auditório, ela congelou. Parecia que os pés estavam grudados no chão. O medo aumentou, fazendo o rosto ficar rosado e os olhos encheram um pouco de lágrimas. Também sentiu que o coração batia tão rápido que a qualquer momento ia parar fora do peito. Era um... ataque de pânico?
— Aish! — sussurrou — Não vou conseguir — pensou, enquanto examinava a porta de vidro.
— Oi — alguém a chamou e tocou em seu ombro. — Você é nova por aqui?
Vanessa não respondeu. Na verdade, estava tão concentrada no medo que mal ouviu a garota lhe chamar.
— Moça? — desta vez, a jovem passou para frente, ficando cara a cara com Vanessa Kim. A menina que parecia ter a mesma idade que ela, passou as mãos em frente ao rosto da coreana fazendo-a voltar à realidade.
— Sim? — respondeu em inglês, analisando a garota.
Era praticamente de sua altura. Usava uma calça jeans, uma bota preta que ia até seu tornozelo, vestia uma blusa branca social que estava dobrada para cima trazendo um ar despojado para o lock. Além disso, era morena, tinha cabelos lisos e olhos em um castanho mais escuro. A jovem segurava um smartphone nas mãos, um que tinha sido lançado no início do ano e que era bem caro, por sinal.
— Melissa! — alguém gritou-a, fazendo Vanessa seguir o som da voz — Porque você não me esperou? É assim que você se diz minha amiga, em? Fiquei atrasada por sua causa! — falou, depois de parar ao lado da tal Melissa.
— Ah, Victor, eu te chamei sim! Você murmurou alguma coisa que nem me esforcei para entender e virou para o outro lado. Pensei que não vinha para a aula. Para de drama...
— Drama, Melissa? Se eu me atrasar de novo para a aula desse velho ele me caçará pela universidade inteira, entendeu? Vai falar com meus pais e eu — ela passou o dedo pelo pescoço e fez uma barulho estranho, como se o mesmo tivesse sido cortado com uma faca. — Estou frita!
— Quem está frita? — um jovem falou, aproximando-se delas.
O rapaz que falou estava acompanhado. O outro jovem chamou a atenção de Vanessa devido ao penteado, cor da pele - que era mais escura que a dos outros - e cor dos olhos. Era verde esmeralda.
Vanessa nunca tinha visto pessoas tão diferentes em aparência na Coreia. Afinal, lá tinha um padrão de beleza e a grande maioria se matava para seguir. Boa parte da população consistia em pessoas brancas, magras, com os olhos redondos, cabelos lisos e um pouco altos. O governo permitia a entrada de imigrantes no país, mas desde dois mil e vinte, depois da pandemia, isso ficou mais difícil. Então, ver pessoas de cultura diferente andando e falando sem formalidades era, no mínimo, estranho para ela. Todo esse sistema, de não gostar muito de imigrantes, presente em uma parcela pequena de idosos, vinha de muitos fatores, mas um deles era porque eles não tinham um histórico muito bom com outros povos, principalmente com o Japão.
Por ser de uma família rica, Vanessa quase não tinha contato com pessoas pobres ou de aparência diversificada como aquelas. Tudo bem, ela viajava muito, mas não a ponto de ficar tão próxima de pessoas... tão diferentes. Diferentes em todos os sentidos. Diferentes de um jeito bom...
— Fala com sua irmã, Paulo. Ela me abandonou hoje, já é a terceira vez essa semana... — a menina que tinha chamado Melissa disse, fingindo chateação.
O tal de Paulo ficou do lado dela, lhe deu um beijo na bochecha e passou o braço por cima do pescoço dela. Em seguida, o outro jovem fez o mesmo com a Melissa.
— Meu amor... A Mel não tem culpa, você realmente tem sono pesado — Paulo falou, depositando outro beijo na menina, mas nos lábios.
— Tenho, né? — disse, sorrindo. Depois virou-se para Vanessa que ainda estava parada, encarando eles. — Espera... Quem é essa?
— Vocês nem me deixaram perguntar o nome dela. Principalmente você, Rebeca — Melissa reclamou, saindo de perto do tal garoto de olhos verdes. — Eu sou Melissa Caller, muito prazer — disse, estendendo a mão.
Vanessa ficou parada olhando-a, séria.
— Acho que no seu país é mais comum fazer de outro jeito, né? Eu vi em um dorama que as pessoas fazem assim... — ela disse, curvando o corpo mais do que deveria, pois, na Coreia até as reverências tinham certas regras.
Vanessa achou engraçado e esboçou um sorriso de canto, muito sutil.
— Essa aqui é minha melhor amiga, Rebeca Victor — falou, apontando para ela. — Esse é Paulo Caller, meu irmão gêmeo e namorado da Rebeca. E esse aqui, — disse apontando para o jovem que estava do seu lado. — Esse é Fernando Walk, melhor amigo do meu irmão e meu namorado.
Vanessa fez uma reverência para todos. Eles fizeram o mesmo que ela.
— Vocês vão entrar? — o professor da turma perguntou, parando ao lado deles. Em seguida, empurrou a porta e entrou, sem esperar.
Melissa agarrou Vanessa e Rebeca pelo braço e as levou para dentro do auditório. Vanessa achou tão estranho, mas entendeu-a mesmo assim. Afinal, não estava mais na Coreia e sim em Harvard, lugar que reunia muitas nações ao mesmo tempo. Estava em sua nova casa pelos próximos cinco anos.
"Chaebol" é o termo coreano que define conglomerados como Samsung e Hyundai. São o coração da economia da Coreia do Sul e foram um dos pilares da política industrial que permitiu ao país sair da pobreza.
Mwo - O quê?
Em primeiro lugar: aaaaaaaaaaaaaaaa agora vocês finalmente sabem como a Melissa conheceu a Vanessa. 🤭
Em segundo lugar: aaaaaaaaaa o guarda-costa a Vanessa não é um amor? Muito engraçado. 😍
E aí, todo mundo surtando com os grupinho do livro Te Entreguei Meu Coração aparecendo? Eles vão aparecer mais a partir daqui, principalmente quando chegar na parte do PRESENTE do livro. Vocês não perdem por esperar. Falei e sair correndo. ☺️
Se o capítulo tiver com um - no lugar do — me aviseeeem!
Espero vocês no sábado às 13h.
Inclusive, o horário pra postar os capítulos está bom?
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