Capítulo 29 - Recuar ou avançar?

Assim que saiu pela porta do terraço, ela foi até o elevador e apertou o botão. Quando as portas abriram novamente, caminhou pelo térreo sem destino, buscando entender os últimos acontecimentos. Estava em choque, pois nunca pensou que precisaria ter que ir tão longe para se proteger do pai. Era pesado demais para suportar sozinha. Ficou tão confusa que saiu do plano original que a limitava a ficar no telhado, esperando Ji-hoon aparecer para só aí, ir salvar a Melissa Caller.

Ela caminhava a passos lentos, e seu cérebro ignorava a gritaria, a fazendo ouvir apenas um barulho agudo. Era como se tivesse acabado de sair viva de uma explosão que comprometeu parte de sua audição. Via pessoas correndo de um lado ao outro, e pensou em acabar com tudo. Não era certeza de que iria sobreviver ao desastre natural, então não fazia mal morrer um pouco mais cedo — foi o que pensou, mas estava errada.

"A vontade de viver mantém a vida de um doente, mas, se ele desanima, não existe mais esperança."

É verdade, a vontade de viver mantém um doente vivo, mas se ele desanima, não há mais esperança. A pequena coreana ainda estava viva até aquele momento porque queria viver, e isso era suficiente para a encher, em alguns momentos, de esperança. No entanto, andando lentamente pelo hospital, o choque a fez querer ficar no lugar de Melissa.

O que estou fazendo? — sussurrou, controlando a respiração.

As portas da recepção, local onde a médica agora estava, se encontravam escancaradas. A ventania as fazia bater uma na outra, deixando o barulho de vidro se quebrando ecoando pelo lugar. Os pacientes que conseguiam andar corriam para o abrigo que ficava na parte subterrânea do hospital. Alguns caiam, mas eram ajudados por outros pacientes ou enfermeiras. As pessoas que estavam em camas, eram levadas por médicos ou enfermeiras. Os elevadores estavam superlotados e o barulho do vento misturado com os gritos era desesperador.

A coreana não sabia como chegou ao lugar, mas ficou parada no meio daquele grande espaço, ainda em choque. E ao ver a correria, sentiu pânico.

— A Melissa... — silabou, deixando algumas lágrimas escorrerem. — Eu preciso salvar a Melissa.

Sua boca dizia uma coisa, mas o corpo não obedecia. A médica só sabia salvar vidas, apesar da sua estar por um fio, mas colocou a vida de alguém em risco e isso era demais pra ela. Até aquele momento, buscou fazer tudo com sangue frio, mas agora, vendo a gravidade da situação, começou a processar as coisas. Levou Melissa para o telhado quando um desastre natural estava vindo, onde estava com a cabeça? Arriscou demais, e agora não conseguia lidar com "o sangue" nas mãos.

— O Gustavo, eu preciso salvar a Melissa... — dizia, limpando as lágrimas que escorriam. — Eu, um desastre, o mar está, o que...

Dizia frases sem sentido, e continuou parada no meio da recepção, fitando as portas de vidro batendo umas nas outras. Ela só pensava em como chegou àquele ponto...

A coreana também desejava que Gustavo estivesse lá. Mas, no fundo, Vanessa sabia que não podia querer lutar pela vida se estivesse ao lado de Gustavo Mark. A vida deveria ser um presente de Deus, um presente dado exclusivamente para cada pessoa, de forma individual. Viver deveria ser uma decisão dela, para ela. Porém, apesar de estar entendendo que conseguia ser "forte sozinha", queria sentir o conforto humano que ele lhe dava.

— Eu preciso viver... Eu preciso — começou a falar para si. Nessa altura, parecia que Deus estava a fazendo despertar de uma vez por todas para começar a se movimentar antes que fosse tarde demais. — A Melissa, eu tenho que buscar a Melissa...

No momento em que falou, sentiu alguém esbarrar nela, a fazendo cair no chão. As mãos foram de encontro ao piso, e a coreana tentou não colocar o peso do corpo sobre elas, afinal era um instrumento de trabalho. Ela caiu por cima do tornozelo e sentiu uma dorzinha aguda começar em seguida. Naquele momento da vida, ela já estava disposta a aceitar qualquer coisa que a "vida" enviasse, então não ficou surpresa ao se ver chorando depois de cair no chão.

Às lágrimas escorriam como uma cascata. O rosto ficou molhado e ela abaixou a cabeça, deixando o choro sair livre. Estava desesperada por consolo. Porém, em meio aos prantos, se deu conta de que precisava levantar quando ouviu uma criança começar a gritar. Ela soltou o ar pela boca e olhou para o relógio no pulso. Já tinha passado mais de dez minutos.

— Eu tenho que voltar... Preciso tirar a Melissa de lá.

Ela limpou o rosto, ficou em pé e sentiu o tornozelo esquerdo pinicar um pouco.

— Dá pra aguentar — disse para si, tentando se incentivar.

A passos rápidos — na medida do possível — tombando em algumas pessoas em certos momentos, foi em direção a algum elevador a fim de salvar a Melissa. Enquanto andava, olhou o relógio de novo e percebeu que já ia chegar a vinte minutos desde que viu a Melissa. Vanessa sentiu o coração acelerar e temeu pela vida dela.

Aish! — resmungou, apertando o botão do elevador que, com certeza, estava congestionado. Não podia correr, afinal o tornozelo começou a doer mais. Subir todas as escadas estava fora de cogitação, pois demoraria, no mínimo, vinte minutos para chegar ao último andar. — O que eu faço?

Dizia, apertando o botão do elevador. No entanto, enquanto se concentrava, não percebeu que o guarda-costas se aproximou. Ele segurou no pulso dela e a puxou, sem aviso prévio. O homem começou a caminhar rápido em outra direção. Como tudo aconteceu muito rápido, ela só assimilou o que aconteceu quando o forçou a parar bruscamente. E então, ordenou que ele a soltasse.

— Senhorita Kim! — seu guarda-costas falou, em coreano. — Nós temos que ir para o abrigo.

— Eu não vou com você a lugar algum! — reclamou, tentando se soltar, mas foi em vão.

— Sinto muito por isso, senhorita Kim — disse, em seguida, se abaixou e carregou-a.

A coreana estava presa ao colo do homem forte de quase dois metros de altura. Ela não tinha chances, mas ainda assim, começou a dar socos no braço dele para voltar ao chão.

A Melissa — pensava, ainda tentando se soltar. — Eu tenho que tirar a Melissa de lá!

— Me solta agora! — gritou. — Eu quero ver qual será sua desculpa quando o appa descobrir o que você está fazendo. Eu ainda não terminei de dar uma lição na Melissa, me solta!

— A prioridade agora é a senhorita, esqueça o plano. Se eu não te salvar estarei encrencado, senhorita Kim. Me deixe fazer meu trabalho — disse, segurando-a firme.

Vanessa bateu nele até estar no abrigo, a salvo.

Quando percebeu que estava "livre'' com os pés no chão do abrigo, correu com dificuldade — em direção à porta enorme do lugar, mas o guarda-costas a impediu. Ele pensava que a coreana queria dar um fim em Melissa, mas o que ela queria era salvá-la antes que o pior pudesse acontecer. Mas agora parecia tarde demais, o tempo estava se esgotando e ela não podia sair. A coreana roía a unha ao mesmo tempo que pensava no que fazer.

Appa — orou, mentalmente — Eu preciso de um sinal, por favor... Me ajude a salvar a Melissa. Atrase o desastre, ou não permita que ele venha. Me ajude, appa...

Assim que terminou de orar, abriu os olhos e deu de cara com Rebeca parada em sua frente. Ela estava com os braços cruzados, um dos pés batia no chão enquanto os olhos estavam carregados de raiva.

— ONDE ESTÁ A MELISSA! — gritou.

Rebeca deu dois passos para frente e desferiu um tapa no rosto de Vanessa.

A médica arregalou os olhos e colocou as mãos na parte que foi acertada. Ela fechou os olhos com força e umedeceu os lábios. Sabia que merecia aquele tapa. Então, quando o guarda-costas deu um passo a fim de protegê-la e retribuir o tapa em Rebeca, negou com a cabeça e com o olhar, disse não. Mas ele não ia desistir tão fácil.

— O que você pensa que está fazendo? — Ji-hoon falou em coreano, mas Rebeca não entendeu e o ignorou.

— Está tudo bem, Ji-hoon — Vanessa respondeu em coreano, afastando o corpo dele, ficando cara a cara com Rebeca. — Ela é inofensiva...

O guarda-costas quis voltar a protegê-la, mas a coreana fez um sinal com a mão, indicando que estava tudo bem.

— Eu sei que você a sequestrou, sua louca! Me diga agora onde ela está! — Rebeca voltou a gritar, chamando a atenção de algumas pessoas próximas.

— Talvez ela esteja por aí gravando aqueles vídeos idiotas, Rebeca. Não me culpe por sua amiga ser burra...

— Burra? Você só pode estar de brincadeira, sua lunática!

Rebeca avançou em Vanessa, mas o guarda-costas foi para a frente da coreana novamente, fazendo a blogueira parar bruscamente. Vanessa deu dois toques no ombro do homem, pedindo que ele saísse da frente, e relutante, o homem obedeceu. Ela não ficou com medo de Rebeca, na verdade, a blogueira estava só protegendo a melhor amiga. E se a Dali estivesse sumida no meio de um desastre natural, ia se comportar igual. A coreana ficou feliz por Rebeca ser tão protetora e por Deus enviar auxílio mesmo quando ela "perdeu pontos" com Ele.

— Por ser uma pessoa tão boa, vou te mostrar as últimas palavras de sua amiga — Vanessa disse, e levou a mão até o segundo bolso da calça, tirando de lá o celular de emergência. Depois, abriu o aplicativo da galeria e estendeu as mãos. — Aqui, pegue. Acho que as últimas palavras dela são incompreensíveis, mas pelo menos vai poder vê-la antes dela morrer.

Rebeca puxou o celular com raiva e deu play no vídeo. Em seguida, viu a melhor amiga amarrada em um pilar de concreto no terraço. Ela levou a mão até a boca, assustada e voltou a olhar para a Vanessa.

— Você precisa ser tratada, Vanessa! Você só pode tá de brincadeira, né? Meu Deus, amiga... eu já estou indo — falou, dando meia volta e correndo em direção a um grupo de médicos mais distante.

Vanessa sentou na cadeira, e soltou o ar, aliviada. Então, fitou a blogueira conversando com Fernando e os médicos. Mas, no meio deles, viu os cabelos loiros que era tão familiar. Seu coração acelerou e teve vontade de chorar, mas segurou as lágrimas dentro dos olhos, pois não podia colocar tudo a perder.

— Está tudo bem, senhorita Kim? — Ji-hoon perguntou, analisando o rosto dela que estava levemente vermelho no local que recebeu o tapa.

Ela continuou olhando para Gustavo, que desviou a atenção de Rebeca e percorreu os olhos pelo enorme salão. Ele não a viu. A coreana engoliu o choro.

Nee... — confirmou, olhando para baixo. — Procure alguma coisa para eu comer, por favor...

Vanessa viu Fernando dar as costas e sair pela porta de metal do abrigo. Nesse momento, ela respirou novamente, aliviada.

O guarda-costas foi procurar algum alimento para que ela pudesse comer. Vanessa passou as mãos pelos cabelos, bagunçando-os um pouco. Enfim, subiu as mangas do jaleco até os cotovelos e tirou do punho direito um prendedor de cabelo. Ela fez um coque bagunçado e se levantou, procurando um lugar mais afastado para se recompor, mas não conseguiu andar.

Ela se irritou, e revirou os olhos. Em seguida, olhou para os pés e fitou as botas que o melhor amigo a deu. Nesse instante, sentiu saudade de casa e dos amigos, também ficou com saudade de Gustavo, pois ia fazer quase um dia inteiro que não trocaram uma palavra. A angústia tomou seu coração e quando ia cair no chão para chorar, percebeu que alguém a abraçou forte por trás. Um choque percorreu seu corpo ao sentir o abraço, e imediatamente, viu os olhos encherem de lágrimas.

— Eu pensei... — ele disse, apertando-a contra o próprio corpo. As lágrimas que saiu de seus olhos caiam nos ombros da coreana. Pelo abraço, ela conseguiu entender o que o holandês queria dizer. — Eu pensei que nunca mais ia ver esse coque em você...

A vontade de viver mantém a vida de um doente, mas, se ele desanima, não existe mais esperança. Provérbios 18:14

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