Capítulo 24 - Eu prometo que...
Vanessa passou para o hall de entrada, tirou as botas que Jeong-ho lhe deu de presente e calçou as pantufas azuis. Ela só queria descansar, mas foi direto para a cozinha procurar alguma coisa para comer. Após colocar a bolsa na bancada, a coreana fitou uma sacola de papel marrom em cima da mesa e seus olhos encheram de lágrimas.
- Seu velho bobo - comentou, limpando o rosto.
Era o dia que Yung-ji intitulou como "o dia da besteira". Ele ia até à padaria da esquina e comprava doces para ela. Tudo começou depois que a coreana terminou a amizade com Melissa e Rebeca. As meninas faziam uma noite de pijama e comiam enquanto assistia, o guarda-costas percebeu como Vanessa ficou depois que houve a briga e criou o dia para animá-la. A tradição durava até aquele momento.
O guarda-costas deixava a sacola de papel recheada de doces em cima da mesa, assim, quando a coreana chegasse do plantão, podia se deliciar com as guloseimas. Yung-ji também deixava um bilhete toda semana grudada na sacola, e geralmente os recados consistiam em frases, filosofias e até piadas. Naquele dia, o guarda-costas não parou apenas na citação, mas escolheu ir além.
A coreana pegou a sacola, foi até o sofá e sentou. Depois, a abriu e tirou um Cupcake de lá. A cobertura era feita de glacê azul com glitter, seu favorito. Ela mordeu o doce e sentiu o gosto salgado das lágrimas se misturando com o doce do glacê.
- "Não são as ervas más que afogam a boa semente, - começou a ler, baixinho. - E sim a negligência do lavrador".
A coreana não suportou ler mais e abaixou as mãos, colocou o doce em cima do "braço" do sofá. Ele não era só um guarda-costas; Yung-ji, depois de Deus, foi representação de um bom pai que a coreana teve contato. Ele a mimava, a corrigia quando necessário e acima de tudo, a amou. Vanessa não conseguia entender porque o guarda-costas estava partindo, mas naquela altura nem se importava mais, só queria que ele voltasse.
Ela chorou por meia hora, sem parar. E voltou a ler só quando as lágrimas desaceleraram.
"Minha criança... As sementes más são jogadas em nós com severidade. Mas não são elas as culpadas pelo estrago. São os lavradores, aqueles que a jogaram com rispidez. E nós, que somos o solo, recebemos o impacto e colhemos frutos que nem plantamos... Então, o que nos resta é lutar para que os lavradores ruins não consigam mais plantar em nós. Minha criança... um dia você aprenderá a melhor forma de se esquivar, e sinto muito por não estar presente para ver esse espetáculo! Mas, saiba que mesmo longe, estou torcendo por você. Coma bem... Park Yung-ji."
Vanessa voltou a chorar, se dando conta de que ele realmente foi embora.
A coreana estava com saudades, porque se ele estivesse lá, curaria a insônia que ia ter naquela noite. Yung-ji ficava de guarda na porta do apartamento, mas quando não conseguia dormir, Vanessa abria a porta e o puxava para dentro. Ela preparava lamen para comer e juntos, conversavam sobre assuntos aleatórios até resolverem qual filme iam assistir. Yung-ji fazia massagem em seus pés - uma ótima massagem, aliás - e por fim, deixava Vanessa adormecer em seu ombro. Ela sempre acordava na cama no dia seguinte.
Vanessa suspirou, lembrando desse momento. Enquanto lutava contra as lágrimas, o celular começou a tocar. Ela assou o nariz no lenço umedecido que estava em cima da mesa e atendeu a chamada, sem pensar muito.
- Nee...
- Mwo... Está chorando? - Jeong-ho disse, preocupado.
- Nee... - respondeu, levantando a cabeça para evitar o choro. - O Yung-ji... ele foi embora.
A coreana ficou com a voz chorosa e lutou consigo para não chorar de novo.
- Nee? Yung-ji? Todo mundo sabe que ele nunca ia escolher partir. Não está exagerando? Ele foi visitar a eomma?
- Ani. Ele foi embora pra sempre. Me entregou a carta de demissão. Hoje foi o pior dia, oppa... - murmurou, e deitou no sofá.
- Espera, ele se demitiu?
- Um...
- Aigoo, Aigoo... Tem alguma coisa estranha. Por que ele faria isso?
- Não sei, mas sinto uma nuvem negra se aproximando de mim, oppa... Recebi outra pirâmide e...
- Aish! - ele resmungou, irritado. - Outra?
- Antes do Yung-ji se demitir a recebi. Era horrível. O appa me enviou um bilhete recitando mais uma vez aquela filosofia estranha. Aí o Yung-ji entrou na sala, se demitiu e quando saí do hospital o appa me ligou e o novo guarda-costas se apresentou. E hoje...
- Tem mais?
- Nee... O canal da Melissa foi hackeado hoje. Acha que...
- Não posso afirmar, mas é bom você não irritá-lo por um tempo. Talvez tudo melhore.
- Acha? - ela arqueou a sobrancelha, com um pouco de dúvida, afinal, sua vida conseguia ter mais surpresas ruins que boas.
- Aigoo, pra onde foi a Vanessa Kim que eu conheço? Você não desistia de lutar nem quando estava com o pé enfaixado. Essas coisas não são nada perto de você... Vai ficar tudo bem.
Ela sorriu.
Jeong-ho contou uma piada e a fez rir. O clima passou de pesado para leve e eles continuaram conversando e buscaram dar atualizações cada um sobre a própria vida. Porém, Vanessa escondeu que estava namorando o Gustavo, e Jeong-ho escondeu as mudanças principais que aconteciam em sua vida. Se os dois, naquele momento, escolhessem falar a verdade, no futuro, as coisas seriam mais fáceis para todos os envolvidos.
A ligação terminou uma hora depois e a coreana foi tomar banho.
O tempo inteiro tentou pensar em uma maneira de encontrar Yung-ji, pois se um funcionário importante fosse demitido por seu pai, significava que ele ia sumir do mapa! O número de telefone do funcionário mudava e o mesmo era enviado para alguma parte isolada do mundo onde não podia abrir a boca para contar o que não devia. E, se alguém louco o bastante resolvesse vazar alguma informação confidencial da família Kim, Yeong-gi dava um jeito de calá-lo, se é que entende...
Vanessa secava o cabelo ao mesmo tempo que suspirava. Mas, estava ficando sem ar no quarto e decidiu ir para a sacada do apartamento. Lá, quando olhou para baixo, lembrou que há algumas noites, aquele lugar seria palco para sua morte trágica. Porém, depois de pensar bastante, entendeu que na maioria dos casos, morrer era mais fácil, mas viver era difícil. A coreana decidiu seguir o caminho mais difícil, afinal, se viveu por vinte e quatro anos e meio, podia aguentar um pouco mais...
Contudo, Vanessa Kim se equivocou em um ponto. Viver e morrer são duas coisas difíceis. Se estamos vivos, mas sem vontade de permanecer assim, isso se torna difícil. A morte é, às vezes, a chance que alguém encontra para aliviar a dor. Decidir morrer também é difícil, mas se escolhemos viver, temos chances de tentar de novo.
Vanessa Kim não queria morrer naquele dia, ela só não via outra saída a não ser a morte. Afinal, ninguém que busca dar um fim a própria vida deseja realmente isso, a pessoa só não sabe como encontrar um caminho melhor para permanecer vivo. Mas, ao final de tudo, Deus lhe mostrou que enquanto existir vida, ainda havia esperança nEle.
A partir daquele dia em diante, Vanessa Kim ou Kim Nari escolheu o caminho mais difícil; a vida. Tanto morrer quanto viver é para os fortes, mas viver é muito mais valioso, prazeroso, emocionante e inspirador. A coreana tinha sede da vida e estava indo em direção a Alguém que podia lhe dar vida em abundância.
Ela sorriu pensando nisso. Em seguida, uniu as mãos e fez uma breve oração:
- Appa... o Senhor pode me dizer o que fazer agora? Sinto que algo ruim está prestes a vim para me atingir com tudo, mas Appa, acho que agora não tenho mais medo de coisas das quais não tenho controle - ela fez uma pausa para sorrir. - Só me diga o que fazer e eu farei, mas proteja o Gustavo, por favor? E Appa, onde quer que o Yung-ji esteja, o proteja também. Em nome de Jesus, amém.
Ela abriu os olhos satisfeita e girou o calcanhar para entrar, mas parou quando ouviu Gustavo dedilhar o violão. Ele estava sentado na sacada ao lado o tempo todo e respeitou o momento dela. No entanto, sentiu sua falta e quis conversar antes de dormir.
Vanessa olhou para o lado e o viu sorrindo. Ela sentiu o coração apaixonado acelerar e deu adeus a sua rotina noturna, voltando para a barra de proteção. A coreana ficou a centímetros da sacada dele; e um muro baixo que dividia o espaço os fazia manter mais distância. Mas, se quisessem, podiam dar as mãos até mesmo ali, afinal as sacadas eram tão unidas que formavam uma só.
- Quer conversar? - perguntou, deixando o violão na poltrona.
Ela confirmou com a cabeça. Gustavo parou ao lado dela e fitou o céu.
- Ele foi embora?
- Me entregou a carta de demissão mais cedo...
Nesse momento, Vanessa o olhou.
- Acha que o Yung-ji pode voltar?
Gustavo sorriu e a olhou.
- Não sei, mas acho que ele teve um bom motivo pra partir.
- Afinal, de qual lado você está?
Ele riu.
- De nenhum, senhorita Kim. Estou apenas analisando os fatos, só os fatos...
- Nee, nee... - murmurou, cruzando os braços.
- Só estou dizendo que às vezes não entendemos as decisões de quem amamos. Até podemos achar que aquilo não é o melhor e tentamos mostrar o caminho certo, mas cabe a cada um escolher o que fazer. Seu guarda-costas escolheu partir e, como disse, ele deve ter uma boa razão para isso. - ele terminou de falar e ofereceu um sorriso gentil para ela.
Vanessa virou para frente, e seus olhos estavam perdidos na imensidão do céu azul escuro cheio de estrelas. Ela suspirou, refletiu sobre o que o namorado falou e lutou contra os pensamentos que diziam que só estava vivendo uma mentira.
- No que está pensando, senhorita Kim?
- No que conversamos no corredor... - disse, revelando apenas uma parte de seus pensamentos. Depois, virou para ele e estendeu o dedo mindinho. - Prometa que vai me encontrar se um dia eu me perder...
- Eu preciso prometer? - perguntou, a fitando. Ele cruzou os braços e franziu o cenho. - Acha que vou correr de você, senhorita Kim?
- De maneira nenhuma, senhor Mark. Mas me prometa mesmo assim... - voltou a insistir, olhando para a própria mão estendida.
Gustavo Mark deu um sorriso e estendeu o dedo mindinho. Por fim, uniram os dois dedos e Vanessa disse:
- Repita comigo, senhor Mark: Eu prometo...
- Eu prometo...
- Que vou te encontrar.
- Que vou te encontrar - ele sorriu, se divertindo.
Os dois se olhavam com intensidade. Eles confiavam em cada palavra que era dita e havia sinceridade em suas vozes.
- Prometo que... - continuou, depois de muito lutar para se concentrar.
- Prometo que... - ele falou, estranhando a outra parte.
- Te amarei para sempre e vou... - a essa altura, uma lágrima solitária escorreu e a voz dela já estava embargada.
- Eu te amarei para sempre e vou...
- Confiar em Deus e em nós.
- Eu confiarei em Deus e em nós... - ele repetiu, deixando finalmente os olhos marejar.
Os dois selaram a promessa juntando os polegares. Gustavo Mark deu um beijo em suas mãos e sorriu, limpando as lágrimas que escorreram do rosto dela. Vanessa Kim retribuiu o sorriso e deu um beijo na bochecha dele, sentindo o gosto de sal que foi deixado pela lágrima naquela parte. Depois, eles se beijaram, sentindo que o mundo inteiro sumiu naquele momento.
O que importava era Deus e eles.
[...]
De manhã, Vanessa ligou para a governanta da mansão Kim. A senhora de sessenta anos atendeu, com uma voz de sono. Vanessa pôde imaginar sua aparência; Eun-ji provavelmente usava uma touca branca na cabeça enquanto cozinhava algo gostoso. Deveria estar com aquele vestido branco e preto que ia até à altura dos joelhos e por baixo do tecido ia uma meia calça no tom da pele dela. Eun-ji estaria usando uma maquiagem básica e mesmo com sono, deve ter sorrido ao ouvir a voz de sua pequena Nari. A senhora com certeza não estava dormindo porque sempre priorizava a organização da mansão e mesmo cansada, era a última a se deitar.
- Eun-ji? - Vanessa disse, pegando a bolsa para sair de casa.
- Diga, minha pequena...
- Bogo sip-eoyo... - resmungou, tentando engolir o choro.
- Aigoo... - a senhora disse, parecendo emocionada. - Bogo sip-eoyo, Bogo sip-eoyo, Bogo sip-eoyo!
Vanessa riu com a felicidade dela, mas logo lembrou do que deveria fazer e disse:
- Eun-ji, sabe onde o Yung-ji está?
- Nari, sabe que não tenho autorização pra dizer onde ele está.
- Mas Eun-ji... É importante, alguém pode... alguém pode morrer! Por favor, me ajude.
Ela apertou o botão do elevador e esperou as portas fecharem. A senhora voltou a falar em seguida, percebendo a gravidade do que ela fazia.
- Nari...
- Eun-ji... Eu preciso de ajuda e só Yung-ji pode me socorrer. Você é a mãe dele, claro que sabe onde ele está. Eu prometo não contar pra o Appa.
- Nari... - ela pareceu desesperada, do outro lado da linha. - Você não vai arrumar confusão, vai?
- Já me viu arrumar alguma confusão na vida?
- Já, e muitas...
Vanessa riu, saindo do elevador do prédio que morava. Depois seguiu até o carro.
- Eu cresci, Eun-ji. E agora você pode me chamar de Vanessa Kim.
- Aigoo... Vanessa Kim. Você sempre será minha Nari. Onde já se viu, crescida...
- Ah, vamos Eun-ji, diga onde ele está, por favor? - implorou, se concentrando em abrir a porta do carro e convencer a governanta que estava na Coreia.
- Está bem, está bem. Só posso dizer que ele está no Japão agora. Pobre Yung-ji, por que ele puxou ao pai? Deveria ser menos teimoso e não enfiar o dedo onde não foi chamado. Meu filho... tenho tanta pena do meu filho.
Vanessa sentiu os olhos ficarem marejados, mas respirou fundo para manter o controle ou Eun-ji podia chorar e no final não ia revelar mais nada! Kézia estava na mira do pai e Gustavo ia correr perigo também. Desde criança ouvia os guarda-costas falando sobre o que acontecia com quem descumpria a ordem do grande Kim Yeong-gi e o final era sempre trágico. Ela duvidava das histórias, mas quando começou a trabalhar depois de se formar, começou a achar que não conhecia tão bem o pai.
- Em qual cidade do Japão ele está, Eun-ji? Me passe o endereço.
- Eu não sei, Nari. Ele fez o que não devia e agora estou aqui, sofrendo por ele. Mas diga, você já comeu?
- Nee, nee... Mas Eun-ji, você tem o número dele?
- Não, Nari. Ele me liga de um telefone fixo, acho que é de alguma pensão ou hotel no Japão.
- Ahh... - falou, abrindo o porta luva do carro em busca de um bloco de notas e caneta. Depois de achar, disse: - Diga o número, Eun-ji.
A governanta, mesmo receosa, disse o número e depois desligou dizendo que tinha muito a fazer. Vanessa conectou o celular ao rádio do carro e durante o percurso até o hospital, foi ligando para o local, mas ninguém atendeu. Por fim, quando chegou no estacionamento aberto do hospital Caller, desligou o carro e tentou mais uma vez. No quarto toque, alguém atendeu.
- Um homem chamado Park Yung-ji está hospedado nesse hotel? - falou, em japonês.
- Com quem estou falando? - a mulher perguntou, impaciente.
- Não importa! Ele está ou não está aí?
- Senhora, não podemos dar informações pessoais dos nossos hóspedes, desculpe.
Vanessa respirou fundo e revirou os olhos.
- Qual é o nome do hotel? - ela disse, tentando não parecer desesperada.
- Imperial Hotel, em Tokyo... - respondeu, bocejando.
- Ótimo... - Vanessa deu um sorriso vencedor. - Então lhe direi quem sou. Você está falando com a dona desse hotel, Kim Nari, filha de Yeong-gi e Mi-suk. Agora diga, Park Yung-ji está ou não hospedado aí?
- Quem me garante que a senhorita é quem está falando? - a mulher disse, rindo. - Senhorita, se você é a Kim Nari, eu sou a rainha da Tailândia...
A coreana suspirou e teve uma ideia.
- Se não acredita vou lhe dizer... Você deve ser a senhorita Yumi, a garota loira que sempre vive lixando a unha quando não tem alguém te olhando. Ah, você não gosta de mim desde que lhe dei uma boa lição quando descobri isso. Satisfeita? - Vanessa falou, vencedora.
A mulher ficou muda.
- Desculpe, senhorita Kim... - falou, com a voz mais baixa do que antes. - Park Yung-ji está hospedado aqui no quarto duzentos e dez.
- Muito obrigada e, senhorita Yumi, espero que tenha parado com seus maus hábitos...
Vanessa sorriu, comemorando, mas logo desfez o sorriso quando viu o novo guarda-costa vindo em direção ao carro. Ela pegou os pertences, desceu do veículo e o trancou. Depois, andou lentamente em direção ao homem, buscando forças para não perder o domínio próprio.
- Senhorita Kim... - ele fez uma reverência demorada quando se aproximou. - Seu pai me encarregou do trabalho de te proteger, por favor, deixe-me fazer meu trabalho.
- Que seja... - revirou os olhos e jogou a chave no ar para que ele pegasse. - A partir de hoje, seu trabalho é só o de me levar para casa, deixe que eu resolvo com o appa.
- Sim, senhorita... - fez outra reverência longa.
Vanessa revirou os olhos, baixou o braço e carregou a bolsa pela alça. Depois, voltou a andar em direção a porta do hospital, pronta para encontrar Yung-ji e trazê-lo de volta, pelo bem de sua sanidade mental.
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