Fita 3 - lado B
Acompanhei o movimento casual das costas. Mal dava para dizer se o terno estava amarrotado, sua firmeza surpreendente contribuía para a irrelevância da roupa.
A postura denunciava ter feito isso algumas vezes. Não pude impedir meus olhos de o seguirem até parar no elevador.
Em vida deve ter sido alguém importante.
Agia tão naturalmente e imponente, como se nada ao redor lhe afetasse. Mesmo com a enxurrada de olhares curiosos caindo em cima, mantinha-se focado em cada passo.
Chamando atenção daquele jeito não conseguiria enganar ninguém. Ele acha mesmo que deixariam passar despercebido um homem com mais de meio metro de altura?
Meus queridos colegas tinham fome de novidade e, Ryo Sio, definitivamente, era algo totalmente inédito.
Lanço uma olhadela para duas mulheres estáticas. Uma dona de um sorriso enjoado (trabalhando diretamente no Receptio) ‒ acompanhada de sua duplinha dinâmica, vulgo nova treinadora do Improvement.
Aquela era minha atual inimiga e, de longe, a pessoa que mais desgosto. Além de tomar o lugar de Ji-woo, tratou de montar uma confraternização ás escondidas para comemorar.
Nesse dia minha amiga entornou várias garrafas de Whisky e ‒ para não perder velhos hábitos ‒ Soju.
‒ O que ele pensa que está fazendo? ‒ semicerro o olhar analiticamente, tendo a sensação de que aquela alma ultrapassaria meus limites.
Em pouco tempo minha raiva pela puta da treinadora não seria nada comparado a fúria que sinto por ele.
Ignoro as batidas erradas no peito, enfim saindo das sombras e abandonando meu cantinho da vergonha. Caminho normalmente, mas incapaz de tirar o movimento fluído e confiante de Ryu Sio da cabeça.
Quase pude sentir inveja. Ele era bom naquilo.
Andava como se respirasse. Não perdia a pose, mesmo parado feito um dois de paus engravatado.
Nunca admitirei isso em voz alta. Era desagradável o suficiente pensar involuntariamente nessas coisas.
‒ Pronto agora a defeituosa estragou tudo ‒ disse a desgraçada do acolhimento, que de acolhedor não tinha nada além do par de peitos.
Aperto meus dedos, ignorando o próximo comentário e os próximos e alguns outros depois desse. Falar dos outros era um hábito infeliz muito praticado.
Evitavam falar entre si, mas na hora de compartilharem suas opiniões insignificantes abriam o vaso que chamavam de boca.
Após anos não paravam de falar merda.
Enfim chego ao elevador, sentindo o peso diminuir e os pulmões voltarem a funcionar. Enfrentava a sensação de afogamento todos os meus malditos dias de existência.
Não tinha escolha. Trabalhava ali e fui criada para isso.
Minha atenção recai para o movimento bruto dos punhos cerrados de Sio. De alguma forma percebi estar afetado pelas vozes.
E aprendi da melhor forma que se permitir demonstrar desaprovar tipos de atitudes, não as tornava menos presentes no cotidiano.
A opção confiável era vestir mascaras. Nunca demonstrar verdadeiramente o que sente sob nenhuma circunstância.
‒ Não mostre que te afetou ‒ apenas digo, enfatizando pelo meu semblante que eles não valiam a pena ‒ Vai por mim, um soco não basta para calar a boca desse tipo de gente.
A frase a seguir me deixa em choque. Quase rio pelo espanto de escutá-lo dizer aquilo com todas as letras.
Algo que genuinamente acreditava e repudiava. O tom era carregado de desprezo, quase rosnou.
Nenhuma mulher merece ter o nome nas bocas imundas desses canalhas.
O melhor é que não especificou, apenas mostrou seu ódio generalizado por todos igualmente. De certa forma era admirável.
Ele me encara, indecifrável, soltando um pequeno o que foi?
‒ Para alguém sem coração, até que você é respeitoso ‒ sorrio mostrando todos os dentes.
A essa altura as portas haviam se fechado. Por instantes esqueci o que vim fazer aqui e de apertar o maldito botão.
‒ Não tenho coração nem sentimentos, mas não sou um monstro grotesco ‒ respondeu firme, profundo e rouco. Sinto seu olhar brevemente sob mim, antes de dar continuidade ‒ Minha educação permanece.
Não noto quando começo a rir.
Foi algo tão leve e espontâneo que, quando dei por mim, apenas saia, alto e continuo. Não pensei se era dele que eu ria ou, simplesmente, do que disse.
Um grandalhão engravatado temido por todos da empresa revelando ser respeitoso e consciente. Quase podia considerá-lo um exemplo de masculinidade saudável.
‒ Seus pais te educaram bem ‒ digo finalmente, meio arfante pela respiração falha.
Mas aí tudo para.
Minha risada se esvai tão rápido quanto surgiu, restando nada além do barulho motorizado da saída de ar.
Vislumbro fraquejar, estufando o peito com um bolo formado ali dentro. As veias do pescoço dilatadas revelavam ausência de oxigênio.
Percebo que não o conheço. Que ele não passa de um estranho.
O corpo estava rígido. Os dedos longos chegaram até a gravata, puxando seu nó para facilitar a entrada de ar.
Pondero se devo ou não quebrar essa distância. Muitos muros não tinham um buraco para passarem.
Talvez eu devesse respeitá-lo e continuar na minha bolha indiferente, pelo meu próprio bem.
‒ Está tudo bem? ‒ pergunto, ignorando completamente minha razão, responsável pelos pensamentos hesitantes de antes. Tinha que prezar pela minha segurança ‒ Sua pele empalideceu de repente...
Estico o braço, aproximando meus dedos da testa. O calor corporal invadiu as partes frias do meu corpo, tentando-me a passá-los vagarosamente pela lateral da face.
Os traços se contraíram, manifestando-se conforme sentia a umidade. Pequenas gotas de suor se formavam, pingando.
Noto uma espécie circular de cicatriz. A região tinha uma tonalidade roxa, alguns riscos em volta.
‒ Não me diga que eu fiz isso? ‒ brinco um pouco, a um suspiro distante do ferimento. Numa piscada, seus movimentos abruptos não passam de um borrão, me botando contra a parede rapidamente ‒ Que porra deu em você?
Solto um grunhido descontente.
Protesto contra a atitude, forçando meus pulsos contra o aperto firme de seus dedos. Um gesto em vão, considerando que o semblante sério indiciava que não me largaria por nada.
Minhas costas são pressionadas, enquanto minha temperatura corporal se esvai, não restando nada além de um calor de cinquenta graus.
Temi focar demais dentro das íris escuras intensas e deixar o rubor se espalhar pelas bochechas. A situação era humilhante o suficiente.
Demonstrar ter me afetado era o mesmo que entregá-lo uma faca para me apunhalar logo depois.
‒ Desde que chegou vêem tentando arrumar maneiras de me controlar, mas adivinha só? Eu não sou uma força manipulável ‒ o tom gutural reverberou pelas paredes metálicas, ecoando em minha mente ‒ Não pode tocar em mim. Nem ouse me domar.
Seu rosto se inclina de encontro ao meu. Involuntariamente nossas respirações se misturam, irregulares como o movimento do peitoral.
Engulo com dificuldade, forçando a focar em outra coisa. Qualquer ponto ao redor poderia ser mais interessante.
Mas estava presa, hipnotizada pelo sondar.
‒ O que foi, hm? Não tem mais nenhuma ordem? ‒ murmurou rouco, soprando perigosamente em meu pescoço. Os malditos arrepios vieram a tona ‒ Gostou de como minhas mãos esmagam seu fraco coração?
‒ Não sei, até onde me lembro não tenho um. Apenas finjo ‒ repito suas palavras como provocação, relembrando os minutos lentos que passamos naquele prédio ‒ Ao contrário de você. Não tem um, mas mesmo assim insiste em me agarrar e correr atrás de mim.
Um sorrir escarnecido brinca em seus lábios tentadores.
Um sonido ao fundo me desperta, mas não a tempo de ser interrompida pelo tom presunçoso e irritantemente promíscuo de Ryu Sio.
‒ Dentre nós dois, não sou eu que sou um cachorrinho ‒ inclinou a cabeça, acompanhando o movimento com o fantasma de um sorriso ‒ Mas na minha visão você está bem perto de um Shiba do que um Hottwailler.
Não evito o cruzar de sobrancelhas e o franzir de cenho raivoso.
Ele acabou de me comparar com um cachorro em miniatura loiro de rabinho enroladinho e rechonchudo?
‒ Escuta aqui, seu...
‒ Estou interrompendo algo?
Uma voz familiar pigarreou, rompendo a tensão compartilhada entre mim e a alma que vou desgraçar.
Maldito seja Ryu Sio, me comparando com um cachorrinho babão de madame. Odeio mais a mim por ter me afetado tanto por uma provocação tão baixa.
‒ Na verdade não, chegou bem na hora ‒ minha voz morre, deparando-me com o mesmo sobretudo de hoje cedo e o mesmo franzir de lábios ‒ Black?
‒ Algum bicho te mordeu? ‒ implicou, a atenção demorando mais do que o necessário no homem em minha frente ‒ Nunca escutei meu nome sair da sua boquinha fofa.
Voltou para mim, entrando e parando. Mesmo com companhia Sio demorou para me liberar, não percebendo a presença do ceifeiro.
Trato de ficar de um lado e empurrar o engravatado para o outro. Meu peito agitado ficou agoniado pelo calor quase sufocante.
No final Ji-woo tinha razão, ele era mesmo um problema. Um problema bem vestido e de providencia duvidosa.
O olhar entediado do ceifeiro repousou nos botões intocados. Todos apagados e sem nenhum indício de que seriam apertados.
Evito pensar no que teria acontecido caso não tivesse aparecido. Talvez eu finalmente teria dado um soco em seu estômago depois de puxá-lo pela gravata.
‒ Chegamos? ‒ pergunto, notando o elevador parado. Ficar dentro de um cubículo com um cara era insuportável, imagine com dois caras.
Sendo que um deles já te viu nua.
‒ Pelo visto ficaram tão ocupados que sequer perceberam não saírem do lugar ‒ pontuou com certo humor ácido se manifestando num sorrir afável ‒ Não que me surpreenda com sua postura.
‒ O que pretende insinuar, ceifeiro? ‒ enfatizo o cargo com profundo desgosto. Sentia nojo dele, ele não era mais o homem com quem passei minhas noites solitárias.
‒ Nada! Não sou ninguém importante para questionar suas condutas e métodos ‒ ergueu as mãos em redenção, não conseguindo passar falsa inocência nos gestos maldosos. Aquilo gerava uma espécie de redemoinho em meu estômago, subindo em forma de azia ‒ Mesmo que eles envolvam contato íntimo e uso de artifícios pessoais para obter bons resultados.
Respiro fundo.
Ryo Sio quieto era impressionante, mas só não tão impressionante quanto assustador. Algo se passava por sua vasta mente turbulenta.
Notei um pequeno pulsar da mandíbula. Talvez ele esteja irritado desde quando me aproximei, no entanto, aquela situação era diferente.
Estávamos distantes e, mesmo assim, demonstrava inquietação.
‒ Engraçado, não fui eu que precisei me gravar transando com uma funcionária para subir de cargo ‒ falo sem perder o sorrisinho, notando seus ombros cobertos pelo tecido escuro e grande enrijecerem ‒ Talvez seu método seja mais eficaz. Afinal, foi somente por ele que conseguiu sua estimada promoção.
Aproveito que ele não responde de primeira e dou um passo a frente, sussurrando alto o suficiente apenas para ambos escutarmos.
‒ Espero que esteja mais feliz. Sua existência miserável ganhou um significado ‒ me certifico de roçar a boca em sua orelha, ciente do efeito gerado ‒ Pena que sacrificou seus culhões para isso.
As portas se abrem, anunciando a chegada ao andar escuro e lâmpadas falhando entre piscadas. Black demorou a notar se tratar de seu setor.
Retorno ao meu lugar, o notando voltar a respirar pelo movimento dos ombros e das costas. Demorou-se um pouco mais do que dois minutos, soltando uma tosse seca.
‒ Você, Kingsman ‒ chamou por cima do ombro, gesticulando com um movimento silencioso ‒ Venha comigo rapidinho.
Aperto meus dedos contra o colo.
Minhas botas de couro tornaram-se pesadas, obrigando-me a permanecer no lugar enquanto via a alma engravata se afastar.
Tento processar o que estão falando, mas a distância não permite que as vozes me alcancem. O movimento de lábios é escondido, também me impossibilitando de lê-los.
Na minha visão Sio negaria e rosnaria como um cão raivoso que não recebe ordens, mas ele simplesmente foi. Sem insistirem.
Fiquei puta.
Noto Black me lançar uma olhadela, tendo consciência de que me doía de curiosidade. Ele era capaz de muita coisa, especialmente quando elas me afetavam negativamente.
A alma assentiu silenciosamente, descendo as mãos para os bolsos. Aquele movimento simples soou ameaçador.
Não me preocupava, quem deveria se preocupar era o coitado ceifador.
Black piscou, com ar de sabichão e especialista. Sio não caiu nessa e tombou a cabeça para o lado, estudando com certa graça disfarçada no olhar.
‒ O que eles estão aprontando? ‒ pergunto para o nada, tratando de impedir o elevador de fechar com a mão.
O seguro por tempo suficiente, sem deixar de acompanhar o final da conversa em que Sio inclinou-se, sussurrando com o mesmo tom marcante no ouvido do ceifeiro.
Era capaz de arrepiar somente de ver a cena, o que aumentava a frustração confusa dentro de mim.
Quando dei por mim, ele afastou-se com ar casual. Engulo rapidamente, concertando minha postura ao liberar a passagem.
As portas se fecham de novo e, novamente, me encontro sozinha com ele no mesmo ambiente. Não tão apertado quanto o espaço dividido na moto, mas, mesmo assim, mais carregado.
O homem estava parado como se nada tivesse acontecido e toda a cena observada fosse um delírio meu.
‒ Então, sobre o que as mocinhas discutiram? ‒ disfarço a voz com desinteresse, evitando olhá-lo. Foco nos números dissolvidos na tela, dando lugar a novos.
Ele estala a língua, meio comovido.
Lia pelo bater ansioso dos meus pés e a forma que me inclinava sorrateiramente para trás e para os lados.
‒ Até que, para um Shiba, você é bastante atrevida ‒ apenas disse, provocando com um pequeno subir de lábios. Quase inexistente.
Mas senti que sofreria por toda eternidade ao seu lado. Seria o pequeno cachorrinho atrevido que o morde quando convém.
📢Esse capítulo deve ser enviado antes da noite de natal.
Desejo a todos ótimas festas e um ano novo mais prospero do que o querido caos dessa história! Controlem suas emoções e até o próximo ano!
💕Nunca se sabe, podemos nos ver antes ksksk
Fiquem ligados nos recadinhos. Um beijo doce de biscoito MuahMuah <3
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