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Prevejo capítulos mais longos daqui para frente. Perdão por qualquer erro de digitação e boa leitura!

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Eu estava mexendo no celular atrás do balcão quando fui pega no flagra, quase gritando de susto.

— Você está me evitando ou só me esqueceu mesmo?

— Puta que pariu, Elena. — Coloquei a mão no peito como se isso fosse acalmar meu coração, olhando para os lados em busca de Victória.

Elena era a meia-irmã de Elias, alguns anos mais nova e olhos azuis claros como um céu sem nuvens ao invés do verde escuro revolto dele. Tinham a mesma covinha no queixo, os mesmos traços clássicos, a mesma altura e o mesmo cabelo castanho liso – o dela bem mais longo.

Eu fazia parte de um grupo de amigos enquanto namorava Elias: nós dois, Nora, Elena, Lola e Samuel. Sempre tive a impressão que eles eram mais amigos de Elias do que meus, e tive certeza disso com o término. Me permiti ser adotada pelos amigos de Victória depois, mas ainda doía vê-los juntos e rindo pelo campus, mais do que eu era capaz de demonstrar. Eu me perguntava se eles sabiam da traição antes de mim, se eles também riam assim pelas minhas costas antes e agora.

Enfiei o celular no bolso de trás do jeans, sentindo um músculo saltar no meu maxilar.

— O que você está fazendo aqui?

Elena semicerrou os cílios alongados para mim antes de dar uma olhada superficial nos doces.

— Dois sonhos, por favor. — Ela batucou a unha lilás pontuda no vidro grosso. Meu coração apertou e rezei para que minhas mãos não tremessem – era o que ela costumava comprar para nós duas no fim dos turnos de sexta quando vinha me buscar depois de suas aulas e íamos ao apartamento onde ela morava com Elias.

— Para comer aqui ou para viagem?

— Você não ouviu a minha pergunta ou está realmente me evitando?

— Estou trabalhando, Elena.

— Eu sou a única cliente aqui, então...

— Porque o sol mal nasceu nessa merda, não porque estamos falindo e você é nossa única esperança.

— Esse boné é uma maldição para os nossos cabelos... — Victória murmurou, finalmente reaparecendo, e parou assim que nos viu. — Hm, bom dia?

— Bom dia para quem, Victória?

Eram seis da manhã de quarta-feira. Eu devia estar indo dormir a essa hora, não acordada no trabalho.

— Vic, me empresta a Natália rapidinho? — Elena perguntou, se virando para mim. — Para comer aqui.

Fuzilei Victória com os olhos, mas ela só deu de ombros ao puxar o próprio celular do bolso. — Boa sorte.

— Sério isso?

— Ela é a única cliente aqui, então...

Revirei os olhos com força, bufando ao colocar os doces em um prato e dei a volta no balcão para me encontrar com uma Elena mastigando o lábio e nos guiando para uma das mesas. Franzi o cenho para Victória em uma pergunta silenciosa: Eu realmente posso me sentar com um cliente durante meu turno? E recebi apenas mais um dar de ombros como resposta.

Me joguei na cadeira em frente à de Elena.

Ela parecia nervosa em suas roupas e acessórios de aparência muito cara para alguém que eu sabia ser muito simples. Isso me fez lembrar de Eva e seu estilo comum demais para alguém que vivia em uma mansão de três andares, com um estúdio inteiro só para ela. Pigarreei, recobrando o foco antes que eu pudesse desviá-lo para alguém em específico cujas roupas caras e estilosas combinavam perfeitamente com o lugar onde morava e o carro que dirigia.

— Então...

Me interrompi quando Elena deslizou o prato para o centro da mesa redonda. — Você sabe que eu não vou comer isso sozinha.

— E você sabe que eu estou trabalhando, que merda, odeio repetir. — Deslizei o prato de volta para ela. — Está me confundindo com Nora, igual ao seu irmão? Eu não sou aquela que pode ser subornada com comida.

— Uma pena que não haja cigarros no cardápio. — Ela tentou um sorriso.

— Nada disso é engraçado. Se você veio aqui para tirar sarro de mim, eu...

— Não! Natália, não. Desculpa, ok? Eu só quero conversar. Você não responde nenhuma das minhas mensagens.

— Então vamos direto a merda do ponto. Se eu esqueci você? Minha memória é espetacular, eu não poderia esquecer nenhum de vocês tão rápido nem se quisesse. Se eu estou evitando você? Não, eu estou evitando meu celular e não é por birra, é porque eu estou atolada de coisa para fazer. Essa manhã foi a primeira vez em dois dias que consegui tocar nele sem ser para desligar o despertador. E você apareceu.

— Você está brava.

— Jura? São seis horas da manhã, Elena, estou brava desde quando acordei. Agora fale o que você quer.

Elena suspirou, olhando para o sonho – bonito e ainda morno – com desânimo.

— Queria pedir desculpa em nome do meu irmão, eu acho. Mas isso soou muito menos ridículo quando estava só na minha cabeça.

Suspirei, me inclinando no encosto da cadeira e cruzando os braços.

— Você sabia?

— Não, nem Lola. Mas Samuel sabia. Eles são melhores amigos e tudo mais.

Ergui as sobrancelhas. — Samuel foi o primeiro a me mandar mensagem perguntando se eu queria apoio.

Deus do céu — Elena bufou, apoiando os cotovelos na mesa e afundando a cabeça nas mãos. — isso tudo é tão horrível. — Ela levantou o rosto rapidamente em seguida. — Você não... não vai ficar com Samuel, né?

Bufei com horror.

— É claro que não.

— Sabe, somos só eu e Lola agora. Estou morando na casa dela, junto com a mãe dela. — Deus de ombros. — Briguei com Elias. Foi feio. Não só por sua causa, mas porque Nora está morando lá e eles estão brigando o tempo todo também e Samuel... se afastou. Não é mais a mesma coisa sem você.

— Mas vocês estão sempre para lá e para cá.

— Não essa semana.

Parei para pensar. — Verdade.

— Tudo explodiu no fim de semana passado.

— Não acredito que eles estão simplesmente morando juntos.

Elena soltou uma risada seca.

— Não por muito tempo.

Um silêncio longo se arrastou desconfortavelmente e eu comecei a chacoalhar a perna sem perceber. Uma senhorinha, cliente antiga, entrou, cumprimentou o caixa e foi em direção aos pães.

— Como você... — falamos ao mesmo tempo, e eu senti minhas bochechas esquentarem enquanto Elena ria de novo, tomando partido. — Como você está, Natália?

Dei de ombros, me perguntando se falava sobre Sales, se ela me julgaria ou ficaria com ciúmes, visto que toda mulher que transava com ele parecia ficar apaixonada.

— Estou indo, empurrando com a barriga e tudo mais.

— É, eu vi no stories do Pascoal você empurrando com a barriga no fim de semana — sua voz ganhou um tom mais divertido quando eu esfreguei o rosto para tentar arrancar o sorriso que ameaçava crescer. —, sério, qual o nome dessa brincadeira mesmo?

— Eu vou matar o Pascoal — uma risada me escapou. —, mas era a dança da cordinha. Não sei como eu não quebrei a coluna ou caí e rachei o crânio.

— Você sempre foi forte para bebida. Mesmo bêbada, tipo, era a bêbada mais... sóbria.

Nós rimos, e eu me vi mordendo o lábio quando o silêncio voltou, mas mais confortável dessa vez.

— Senti sua falta. — Admiti. — De você e de Lola. — Meus ombros caíram. — E até de Nora.

O queixo de Elena tremeu em um sorriso melancólico. Ela esticou as mãos para mim, e eu estendi a minha.

— Nós também sentimos sua falta. Bom, eu e Lola. — Seus dedos gelados apertaram os meus. — Sinto muito, de verdade, sobre o que aconteceu. Parece que Nora... sempre foi falsa com você. Mas só Elias sabia disso, eles dois. Elias me contou que eles ficavam falando muito de você. Duvido que eram coisas boas.

Como Elena não sabia que eu e Nora nos conhecíamos melhor do que ninguém há anos, independente de traições, eu apenas meneei com a cabeça quanto a isso. Falsa não seria exatamente a palavra correta, mas que ela não me considerava como eu a considerava era fato e doía.

Meu namorado e minha melhor amiga. Eu mordi com força o interior das bochechas para não chorar.

— Que merda. — Falei, pigarreando quando minha voz saiu rouca.

— Sim.

— Por que? Sério, por que?

Elena deu de ombros. — Inveja? Falta de amor próprio? Qualquer coisa, menos sua culpa.

— Porque eu sou quieta e difícil, ele me disse. — Arfei um soluço seco. — Talvez a pior pessoa para se relacionar.

E Nora pensava mais em homens do que nas amigas.

— Não, Nali... — Elena trouxe sua cadeira para perto da minha, passando um braço pelos meus ombros. Deixei que ela pressionasse o queixo na minha bochecha, deixei que me abraçasse com força como podia naquela posição desajeitada. Eu sentia falta de ser segurada assim. Afundei meu nariz em seu suéter lilás cheiroso, apreciando suas unhas afiadas no meu couro cabeludo. — Você sempre foi assim, e isso nunca impediu eu, Lola e mesmo Victória de nos relacionarmos com você. Amizade é uma relação tão seria quanto namoro, sabia? E nós nunca desistimos de você. Elias é meu irmão, e por isso eu conheço ele o bastante saber que ele sequer tentou. Você não merece isso, você merece reconhecimento. E vai ter. tem! Mas tipo, do jeito romântico, logo vai encontrar alguém que te ame por inteiro. Sério, você é um puta mulherão por dentro e por fora, tem literalmente um monte de cara querendo você. Um deles tem que prestar.

Eu não tinha tanta certeza disso, mas roubei um pouco da de Elena para mim.

Um pigarro alto nos fez saltar. Victória passou os olhos sobre nós, sobrancelhas arqueadas.

— O rapidinho acabou. — Ela disse num tom beirando o ácido, olhando o esmalte rosa lascado das unhas com um interesse suspeito antes de mirar Elena. — O que você está fazendo de pé tão cedo, garota?

— Pois é — eu disse. —, e esse nem é o meu turno de verdade.

— Como eu disse, estou morando com Lola agora, por um tempo, — explicou enquanto nos levantavamos. — e ela ainda mora com a mãe. Ela acorda cedo para ir à academia antes da aula e eu tenho sono leve, então me ofereci para comprar manteiga para a mãe dela porque acabou ontem e porque eu não ia conseguir dormir de novo de qualquer jeito e enfim... Aí eu vi você.

— Entendi — sorri. — A manteiga fica para lá. Quer que eu embale os sonhos?

— Pode ficar para vocês, eu pago.

Antes que eu pudesse negar, Victória sorriu e pegou o prato rapidamente. — Obrigada!

Cutuquei Victória quando Elena se afastou após me dar outro abraço.

— Ciúmes, gata?

— Cala a boca.

Normalmente, quando eu dava um fora em qualquer cara, isso fazia deles mais insistentes. Era necessário cerca de três cortadas bem diretas para fazê-los parar, e eles ainda ficavam emburrados e reclamando por aí.

Sandro Sales era o completo oposto de todos eles.

A brincadeira de curtidas acabou completamente. E quando postei fotos da festa do fim de semana, ele não comentou nem retweetou. Eu provavelmente deveria estar satisfeita por ter nos polpado um grande drama, mas na verdade fiquei estralando os dedos, bufando, de cara fechada e fumando como uma chaminé.

Ter Elena e Lola de volta em minha vida ajudou, mas ainda estávamos tentando nos acostumar ao trio lentamente, porque a minha rotina cheia também não contribuía. Eva também era uma novidade bem-vinda, trocando fotos e memes aleatórios sem sentido durante o dia. Uma das selfies continha o rosto concentrado de Sales ao volante no que seria um ângulo terrível para qualquer um, mas que nele apenas acentuou o pescoço forte e o pomo de adão, e eu respondi com uma selfie do meu cotoco.

Apesar de estudarmos no mesmo prédio, era um prédio enorme e, por isso, não nos esbarramos durante quase toda a semana. Quase.

Sexta-feira era o meu dia mais corrido. Eu tinha várias aulas pela manhã, grupo de estudos à tarde, atravessar metade do campus para arrastar Victória de onde quer que estivesse com Bruna e ir para nosso turno. Às vezes íamos à um bar depois, às vezes até a uma festa. Mas a bebida nos deixava sonolenta e voltávamos para casa antes das três.

Ainda era uma da tarde, e eu tinha acabado de sair da sala e meu estômago estava ameaçando me engolir de fome quando topei com Trindade na saída do prédio.

— Lótus, porra — praguejei, por pouco não deixando cair o tablet. — Eu ia fazer você pagar.

— Não seria um problema — ele abriu um sorriso fácil. — Gêmeo errado, aliás.

— Não é tudo a mesma coisa?

— Assim você fere meus sentimentos.

— Levi. — A voz de Sales trovejou atrás de mim. O sorriso do gêmeo errado ficou maior quando ele me percebeu estremecer. Respirei fundo antes de me virar para encontrar aqueles olhos sugadores de alma. — Natália.

Sandro — cumprimentei em um tom zombador leve, porque ele sempre me chamava pelo nome enquanto eu o chamava pelo sobrenome, então pisquei surpresa para o brilho prateado em sua sobrancelha esquerda. — Um piercing. Sério?

— Não o julgue, Natália, é influência minha. — Disse Levi antes de estirar a língua para exibir a bolinha de prata no meio da carne rosa.

— Ah. — Eu ri, incerta do que fazer.

— Não gosta de piercings? — Perguntou Sales, diabólicamente divertido.

— Eu tenho um piercing, Sales.

Ele sorriu. Meu coração parou e acelerou rapidamente, tropeçando e quase me matando.

— Eu sei.

Sim. Sim, ele sabia.

— Isso é uma tensão sexual? — O sorriso de Levi ficou perverso, me fazendo arregalar os olhos. — Não parem por minha conta, por favor.

— Talvez outra hora. Eu preciso ir almoçar.

— Vem com a gente — convidou Trindade. —, a Eva vai amar ver você.

— Eu estou de carro, obrigada.

— E daí? Sandro pode ir contigo para te mostrar o caminho.

— Eu realmente...

— Nós pagamos.

Mordi o lábio com força, pensando nos dez reais na minha carteira e na marmita sem graça que isso pagaria. Bom, talvez eu pudesse ser subornada com comida, no fim das contas. Ainda mais se essas contas não sobrassem para o meu bolso. Olhei para Sales, que parecia menos tenso do que o usual, mas ainda todo reservado. Era só um almoço e uma viagem de carro, não significava que a gente iria transar no banco de trás.

Suspirei. — Tudo bem. Só porque eu estou com fome. E por Eva.

O sorriso mutável de Levi se tornou vitorioso.

— Não precisa me agradecer depois.

Escolhi deduzir que ele estava falando sobre pagar a comida, e rejeitei a isca do duplo sentido indecifrável.

— Eu não vou.

Ter Sales no meu carro era enervante.

As janelas estavam abertas, e eu fumava um cigarro enquanto dirigia, tentando não prestar muita atenção nos músculos espremidos sob a camisa justa de manga longa que ele vestia, no ronronar profundo de sua voz, ou nos lábios relaxados que eu encontrava toda vez que roubava um olhar rápido em sua direção.

— Você está de bom humor hoje.

— Só pensando que, depois de você ter negado meu banco do carona, eu estou no seu.

— Vale lembrar que uma coisa não tem nada haver com a outra. Isso aqui foi um arranjo não planejado.

— Então vamos planejar um.

— Não. — Eu disse decidida, fumando o final do cigarro e jogando a bituca no lixo suspenso na marcha do carro.

— Não é nada do que você está pensando.

— Você não sabe o que estou pensando.

— Mas sei o que você não quer. Comigo.

Debati mentalmente se Sales achava que eu não queria transar com ele de novo. E tive que rir.

— Diga, então.

— Eva está muito empolgada com você...

— Claro que está. Provavelmente sou a primeira amiga dela, porque vocês acham que tem algum poder sobre o círculo social da coitada.

— Não é nossa culpa se ela não sabe fazer amigos. O único lugar onde controlamos com quem ela socializa é na Elite. É necessário.

— Porque vocês são traficantes.

— Nós não... — Sales chiou baixinho. — Merda, Eva.

— Sim, eu sei. Não, eu não vou contar para ninguém.

— Você não sabe de nada. — Todo o humor leve na voz de Sales sumiu. Olhei de relance para ele e seus lábios estavam crispados, tensos novamente. — Não é assim. E não era para você saber disso.

Pigarreei.

— Minha boca é um túmulo. Agora continue o que estava dizendo.

— Foi por isso que você não quis...?

Não — cortei, arqueando as sobrancelhas em aviso. — era isso que você estava dizendo.

— Oh. — Senti quando uma compreensão errônea caiu sobre Sales. Mordisquei o lábio inferior, me perguntando se eu teria prolongado isso – o que quer que fosse – com ele sabendo do seu envolvimento com o tráfico, caso eu não tivesse medo e vergonha da minha vingança ridícula para meu ex-namorado acabar vindo à tona. — Hm, então... sobre Eva.

— Sim.

— Entendo você não querer nada comigo depois de... enfim. Mas não podemos agir estranho agora que Eva está tão animada com a ideia de novos amigos. Eu não quero que fiquemos estranhos, sabe, logo teremos que socializar e tudo mais. Seria chato, você sabe. Foi só uma vez, tudo bem. Mas nós podemos ser... amigos?

— Amigos. — Testei a palavra em minha língua. Não gostei. Mas eu engoli mesmo assim, fazendo careta.

Amigos.

— Por Eva? — Ele insistiu.

Não apenas por Eva, mas mesmo por Sales, seria melhor assim de qualquer maneira. Puxei outro cigarro, estendendo para que ele acendesse para mim com o isqueiro jogado no console do carro. Sales o fez rapidamente, e traguei com força, decidindo.

Suspirei.

— Amigos.

E ri.

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