✹ 15 ✹
Avisando sobre menções a violência familiar por aqui. Perdão por qualquer erro de ortografia e boa leitura!
✹✹✹
Ele não era o melhor pai do mundo. Mas ele tentava ser. E isso sempre foi o suficiente para mim.
— Natália — sua voz rouca e alta reverberando pela casa foi a primeira coisa que ouvi quando passei pela porta naquele dia, transpirando com a mochila pesada da escola nas costas. Eu xinguei baixinho enquanto entrava ainda com a respiração ofegante da corrida. —, venha até aqui.
Eu obedeci, segurando a alça puída sobre o ombro como se minha vida dependesse disso, pensando em qual das merdas que eu tinha feito ele descobrira – eu realmente esperava que não fosse o boquete que fiz semana passada no banheiro masculino e jurava que o cara mijando na cabine ao lado escutara alguma coisa enquanto eu apertava o pênis do garoto em minha frente com força para ele não gozar e nem soltar um pio –, como ele descobrira e qual seriam as consequências.
Eu estava bem em ouvi-lo gritar a plenos pulmões, apesar de ele ficar assustador quando isso acontecia, porque as explosões não duravam muito e eu só teria que fazer hora no quarto até que ele se acalmasse antes que eu voltasse pedindo desculpas que seriam aceitas com um grunhido e um revirar de olhos. Mas eu torcia para que mamãe não se metesse porque ela gostava de me castigar usando um galho pesado e grosso em minhas costas e pernas. Muitas vezes farpas encravaram nas feridas com pus e bolhas tornando impossível dormir à noite e eu chorava por semanas sem poder falar ao meu pai, porque minha minha mãe dizia que ele iria bater nela por isso e seria minha culpa enquanto apoiava ameaçadoramente a longa madeira na porta da cozinha para o quintal. Eu tremia toda vez que passava por lá.
— Oi, pai. — Eu murmurei, olhando de soslaio para a cozinha em busca de qualquer pista que mamãe havia vindo almoçar em casa como fazia às vezes, mas o corpo grande de meu pai se erguendo infinitamente da poltrona chamou minha atenção por primeiro.
— Como foi a aula hoje?
Eu queria espremer os olhos, mas ele achava conversas sem olho no olho desrespeitoso e sinal de covardia. Tudo o que eu pensava era: o boquete não, o boquete não, o boquete não.
— Tranquilo. — Pigarreei, me perguntando que matérias eu tive enquanto não estava dormindo no fundo da sala. — A professora de redação mandou a gente ler um livro. — Eu não me lembrava o nome, mas devia ser o suficiente.
Ele piscou, parecendo descoordenado por um segundo, como se não esperasse por isso. — Um livro? Tem na biblioteca da sua escola?
Eu nunca entrei na biblioteca da minha escola.
— Não sei. Vou procurar o resumo na internet. — Dei de ombros, olhando rapidamente para a cozinha mais uma vez. — O senhor precisa de alguma coisa? Quero tomar um banho, estou suada.
— Hm — ele sentou de novo, colocando os pés na mesinha de centro. — Teve educação física? Era minha parte preferida do dia.
Talvez ele não tivesse descoberto nenhuma merda minha. Franzi o cenho com o pensamento e sua pergunta. Eu passava minhas aulas de educação física na arquibancada enrolando o professor com qualquer papo furado.
— Na verdade, não. Eu achei que tinha um carro me seguindo enquanto eu voltava, daí corri metade do caminho. — Não perdi quando ele enrijeceu e franzi o cenho ainda mais. — Está tudo bem, pai?
— Eu fumo quinze cigarros por dia e sobra alguns para o dia seguinte. — Ele começou, de repente. — É pelo final do maço de ontem que costumo começar o hoje, três cigarros assim que acordo, como você sabe. E quando abri o maço novo agora, ele já estava aberto com três cigarros faltando.
Eu troquei o peso da perna, a bolsa parecendo chumbo em minhas costas e uma gota de suor descendo pela minha nuca enquanto intercalava olhares nervosos entre ele e a cozinha.
— Pai, você sabe que eu sou péssima em matemática.
Ele bateu com o punho fechado no braço da poltrona. — Eu não estou de brincadeira nessa porra!
— Pai. — Saiu como uma súplica.
— Responda.
— O senhor não me fez nenhuma pergunta.
— Natália Capelo. — Rosnou com os lábios tensos de raiva.
Pelo menos não era o boquete.
— Eu peguei os três cigarros. — Falei rapidamente, com os olhos fechados com força. — M-mas era para o meu colega. Ele estava querendo há algum tempo e me pagou um lanche por eles.
Outro murro. — Você é uma mentirosa de merda. Abra a porra desses olhos!
Eu abri, limpando as lágrimas que escaparam e que nada fizeram para aplacar a ira de meu pai.
— Na próxima vez que mentir para mim, sem nem poder olhar na minha cara como uma covarde filha da puta — continuou, levantando-se de novo. —, eu juro que...
Batidas fortes ecoaram na porta, calando-o imediatamente. E um assobio forte cortou o ar. A casa de repente ficou tão silenciosa que era possível ouvir o motor da geladeira e vozes murmuradas do lado de fora. Eu funguei, confusa.
— Pai?
Ele enfiou a mão na minha boca, cobrindo metade do meu rosto, fitando com olhos arregalados o pequeno corredor que, virando, dava para a entrada de casa.
— Você trancou a porta? — Sussurrou.
Eu pensei. E não, não tinha trancado. Os ladrõezinhos do bairro eram meus amigos, Enila logo estaria chegando e eu não via perigo com meu pai ali. Franzi as sobrancelhas em desculpa. O aperto no meu rosto se intensificou.
— Merda. Como era o carro que você achou que estava te seguindo?
Como caralhos eu falaria com a boca fechada? – foi o que tentei transmitir pelo meu olhar frustrado.
As batidas voltaram mais fortes. Um assobio mais alto, seguido do nome de meu pai. Ele me puxou pelo braço até a cozinha, que estava vazia, e abriu a porta para o quintal com pressa e afobação.
— Pai, o que está acontecendo?
— Vá para o trabalho de sua mãe e...
— Eu não quero ir para o trabalho da mamãe!
Ele grunhiu, me enxotando com tanta força que a mochila escorreu ardendo pelo braço até para no meu cotovelo. — Então vá para a casa da sua avó. Eu busco você mais tarde. Onde está Enila?
— Na escola, ela tem aula até mais tarde. — Puxei a alça de novo e olhei por sobre seu ombro quando outro assobio veio. — Quem são eles? O que está acontecendo?
— Ligue para a sua irmã e mande ela ir para a casa da vovó também. Eu busco vocês de noite.
— Mas, pai...
— Obedece! — Ele semicerrou os olhos em minha direção. — Se você mentir para mim de novo e roubar meus cigarros, eu conto para a sua mãe. — E fechou a porta ao mesmo tempo que fechei a cara.
Eu bufei, narinas inflando enquanto encarava a tinta lascada da parede por cerca de cinco segundos antes de puxar a outra alça da mochila e dar a volta pela lateral. Ao chegar na calçada, me surpreendi com um carro preto grande e lustroso que lembrava um tubarão na frente de casa, o mesmo que eu vira de longe durante todo o trajeto até ali.
E, encostado nele, havia um homem careca com uma cobra tatuada no rosto brincando com um isqueiro vinho de tampa dourada. Na porta de casa, dois homens com jaquetas de couro.
Uma sensação ruim tomou conta do meu estômago e apressei o passo. Quando dei uma olhada para trás apreensiva, o careca estava me olhando de volta.
✹
— Me diga algo sobre você.
Arqueei uma sobrancelha para Sandro, que levou o canudo do refrigerante até a boca. Comer com ele em um estabelecimento público parecia muito sério, então eu o fiz comprar lanches para a viagem antes de pararmos no estacionamento vazio de um parque mal movimentado e abrir as janelas.
— O que você quer saber? — Perguntei, dando uma mordida no meu x-bacon.
— Algo de valor. — Ele dá de ombros. — Acho que mereço, depois de compartilhar com você um segredo que pode me prejudicar.
— Eu nunca usaria isso contra você.
Ele assentiu calmamente. — Confio em você.
Pensei em contá-lo algo que poderia me prejudicar como uma boa troca de informações. Seus olhos eram grandes, sinceros e convidativos. Mas eu não confiava neles.
Suspirei, tomando alguns goles do meu suco enquanto pensava. Até que lembrei dele espichando os olhos para as mensagens de Enila no meu celular durante o trajeto até a casa de Pascoal. Falar dos pais parecia fazer sentido em situações como aquela, e não era algo que eu me importasse o suficiente.
— Minha mãe está morrendo, câncer. — Me perguntei se minha voz soava tão monótona para mim quanto para ele. — Eu não a visitei depois que saí de casa. Nenhuma vez.
— Vocês não se davam bem?
Sorri friamente. — Eu a odiava.
Sandro me olhou estupefato.
— Tipo, completamente?
— Completamente.
— A ponto de não sentir falta dela se ela morresse?
Pensei enquanto mastigava, então respondi: — Por um tempo, depois que saí de casa, achei sentir muita falta dela. Mas eu sentia falta de ter uma mãe, não da minha mãe.
Sandro parecia mortificado e confuso.
— Eu... desculpe. — Ele riu, nervoso. — Eu só não conhecia alguém sem um pingo de amor pela mãe. Não te criticando, mas sabe, eu faria tudo pela minha.
— Sei que faria. — Meu sorriso ficou mais caloroso, mais triste. — Queria poder dizer o mesmo.
— Posso perguntar o por quê?
— O por quê de que?
— De você não gostar nada dela.
Uma coleção inteira de imagens vieram em minha mente, algo que nunca me deixaria. Eu estremeci.
Peguei a mão de Sandro e a coloquei na minha coxa tatuada, vendo a confusão em seu olhar evaporar até restar apenas a mortificação ao sentir as cicatrizes sob ela.
— Meu Deus. — Ele aproximou o rosto, agarrando minha coxa para um ângulo bom sob os postes de luz.
Eu abri a boca para explicar, então mordi o lábio. Eu não podia, não conseguia. Afastei suas mãos e abracei minhas pernas, encaixando o queixo entre meus joelhos.
— Os das costas não ficaram cicatriz. Mas os da minha perna infeccionaram.
— O que foi isso?
— Minha mãe. — Mal passou de um sussurro, mas foi tudo o que eu consegui dizer.
Sandro me olhou com algo parecido com pena, mas que passava muito longe disso. Eu não conseguia descrever o que era. Voltei a atenção para o meu lanche, não podendo afastar a sensação de que tinha falado demais, de que não deveria ter me exposto assim, de que ele perceberia que eu era defeituosa não só por fora, mas muito mais por dentro, que eu não era capaz de amar, que eu não era digna de ser amada. Nos meus momentos mais sombrios, eu não culpava Elias por ter me traído. Eu o entendia. Eu pensava que faria o mesmo no lugar dele.
— E seu pai? — Pergunta errada.
Eu engoli com força, perdendo a fome no meio do caminho.
Meu pai. O que ele pensaria de mim agora? Provavelmente gritaria a plenos pulmões o quanto eu era burra por me envolver com alguém com problemas tão parecidos com os que o matou, provavelmente falaria que minha mãe estava certa e que eu finalmente havia me tornado uma cópia viva dela e minha irmã que eu tanto julguei fora quem crescera na vida no fim das contas.
Eu me sentia condenada.
— Está morto. — Talvez parte de mim tenha morrido com ele naquela noite. E a outra parte vinha morrendo lentamente até hoje.
— Sinto muito. — Eu mal podia ouvir sua voz. — Natália? Toma um pouco do seu suco.
Minha respiração estava acelerando e eu nem notara. Franzi o cenho, mas obedeci, e sua mão pesada em minha nuca foi uma boa âncora.
— Eu não tenho pai. — Ele disse enquanto eu sugava todo o suco pelo canudo, massageando minha nuca. Olhei para ele para que continuasse. — Ele traiu minha mãe. Bom, ele traiu uma mulher com minha mãe, eu acho. Ele conheceu minha mãe depois e manteve as duas. Teve família com as duas. Mas era com minha mãe que ele vivia, usufruindo do nosso dinheiro enquanto a outra família se afundava na pobreza.
— Meu Deus. — Murmurei em volta do canudo, entretida.
— Um dia, uma mulher foi tirar satisfação com ela lá em casa enquanto meu pai estava viajando a trabalho. Não sei se ele realmente viajava ou se ia ver a outra família. Ela era muito bonita, mas simples e alguns anos mais velha, mas realmente bonita. Ela infartou na nossa varanda. E meu pai nunca mais voltou.
— Frouxo.
— Minha mãe pagou por tudo dela, mesmo em depressão. Velório e enterro. Tenho nojo dele. Vergonha. Todos os dias eu acordo com o propósito de não ser aquele homem.
— Você não é. — Engoli em seco. — Você é incrível. Puxou a sua mãe, graças a Deus.
Ele abriu um sorriso pequeno, lindo.
— Você também é incrível. Nós não somos nossos pais. Eles não nos definem. Só nós decidimos nossa vida. Gosto de pensar assim.
Eu sorri também. — É um bom começo de vida adulta.
— Sim. É sim.
Quando terminamos de comer e tomar as bebidas em seguida, eu não aguentava mais toda aquela aura deprimente. Abri um sorriso malicioso para Sandro em aviso antes de empurrar a alavanca reclinável de seu banco, não segurando uma gargalhada quando ele despencou deitado em um susto de olhos arregalados.
— Foi mal. — Eu disse, fechando as portas e trancando-as.
— Tudo be... — Eu o calei com um beijo, me deslocando para cima dele.
Suas mãos deslizaram pelas minhas coxas nuas com fome, seus dedos se entrosando para dentro do short até agarrarem a carne nua da minha bunda com força e encaixar seus quadris fortes entre minhas pernas. Ele engoliu meu gemido com algo perto de um rosnado, deixando-me ofegante e fazendo algo dentro de mim derreter como manteiga para entre minhas pernas.
Enquanto Sandro beijava meu pescoço, corri minhas mãos para dentro de sua camisa e ondulei em seu colo, mal vendo o carro preto lustroso escondido nas sombras no outro lado da rua através da névoa turva de desejo que me cegava.
✹✹✹
Uma dúvida: preferem cenas mais implícitas ou explícitas?
Não esqueçam de votar e comentar o que estão achando! Até mais!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top