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Perdão por qualquer erro de ortografia e boa leitura!
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Eu era uma pessoa solitária.
Eu tinha família e amigos, mas ainda me sentia sozinha. Um vazio inexplicável no peito que, quando pequena, sonhava um dia encontrar alguém ou alguma coisa para completá-lo. Mas nada mudou na medida em que fui crescendo, conhecendo pessoas e descobrindo coisas de que gostava. Aquilo crescia comigo, sugando um pouco de mim lentamente até não restar nada.
Nunca gostei de dormir sozinha, encolhida no canto de uma cama enorme desejando alguém me abraçando enquanto eu chorava em silêncio por nada e tudo ao mesmo tempo até que o sono dos exaustos me alcançasse. Mas logo descobri que dormir com alguém podia ser ainda mais desconfortável e até constrangedor, porém também era distração o suficiente para minha mente perturbada.
Tudo melhorou quando adotei um gato na adolescência e quando comecei a ir no psicólogo. Foi um alívio perceber que eu não era uma oceano profundo como pensava, mas transparente e rasa como um lago. Ficou mais fácil conviver com quem eu era quando eu sabia quem eu era, uma garota tão acostumada a ficar enfiada em uma caixinha dentro da minha mente que fiz dela um lar, começando a evitar as pessoas por escolha própria depois que notei que elas, na verdade, não valiam muito a pena. Às vezes, eu queria morar nessa caixinha para sempre. Às vezes, eu queria destruí-la e voar livre pelo mundo.
— Você criou uma zona de conforto, — foi o que o meu psicólogo falou em uma das nossas consultas. — o que pode ser o ideal e seguro por um tempo, mas seus recursos de sobrevivência estão acabando e se você não criar um plano para sair dessa ilha logo, vai morrer.
Mas parecia que sempre que eu tentava dar um passo para fora de minha caixinha, eu era amassada de volta para dentro. Sempre que eu tentava atravessar o mar, as ondas me engoliam.
Era exatamente como eu me sentia quando o sol começou a entrar pelas frestas das persianas, iluminando a cama e nossos corpos nus sobre ela. Em manhãs como essa, eu lembrava de uma tirinha curta que havia visto em algum lugar onde um menininho cabisbaixo olhava para o sol espreitando na janela que o encorajava a encarar mais um dia. Mas eu já era uma mulher, e o sol um astro brilhante e cruel que iluminava cada ferida em minha alma.
Olhei para o homem ao meu lado. Sandro Sales dormia como se não fizesse isso há anos.
Até eu consegui cochilar um pouco, surpreendentemente. Mas assim que acordei na escuridão e me aconcheguei no corpo masculino me cercando, ainda emaranhada na confortável teia do sono, respirei o cheiro suave e másculo de sabonete e me deleitei por alguns segundos antes de franzir o cenho e me perguntar onde estava o cheiro da loção pós-barba e perfume de Elias. Então me lembrei que aquele não era meu namorado, que eu não tinha mais namorado porque ele estava se agarrando com minha melhor amiga, que aliás também não era mais minha melhor amiga, e eu nunca me senti tão sozinha em toda a minha vida, encolhida muito nua ao lado de um estranho. Até que braços fortes, mas suaves, puxaram minha cintura e me encaixaram em um peito musculoso, mas macio, antes de pernas longas se enlaçarem com as minhas e um rosto descansar na minha nuca, a respiração morna parecendo atravessar minha pele até meu coração miserável.
Por um momento, pegando no sono, eu me senti um pouco criança novamente, mas não mais sozinha. Até a manhã chegar e, com ela, a realidade de minha vida.
Então eu me levantei, me vesti e fui embora.
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— Você!
Havia um dedo esquelético na minha cara, a unha rosa pontuda quase tocando meu nariz. Eu parei por reflexo por um segundo antes de bufar e fechar a porta atrás de mim.
— Muito cedo para ter que lidar com você, Victória. — Larguei meus saltos na entrada. — Aliás, o que você está fazendo acordada uma hora dessas?
— Você não faz as perguntas aqui. Você responde. — Rolei os olhos e caminhei até a cozinha com Victória me seguindo. — Acha que tem lugar de fala sobre hora? Onde você estava? Aquele sapato é meu? Que roupa é essa? Tá um arraso, mas não vem ao caso. Você vai me explicar que merda está acontecendo?
Suas perguntas se embaralhavam em um nó no meu cérebro. Abri a geladeira e bebi água direto da jarra, tarde demais lembrando de onde minha boca estava não muito tempo atrás. O rosto emburrado de Victória apareceu na minha frente, olhos castanhos muito acordados e irritadiços.
— Estou falando com você. — Ela tomou a jarra de mim, limpando a borda com a barra da camisa antes de enfiá-la de volta na geladeira. Quando tentei ir para meu quarto, sua mão me impediu duramente. — Eu estou falando com você! Quer me explicar porque Nora fez as malas e se mandou?
— Provavelmente porque eu disse que jogaria ela da varanda se a visse aqui outra vez.
— Isso não é resposta.
Dei de ombros, me desvencilhando dela. — Foi o que você perguntou.
— Eu fiz várias perguntas, Natália. — Passos raivosos me seguiram para o banheiro. — O que aconteceu?
— Nora me traiu. — Falei enquanto tirava aquela desculpa esfarrapada de roupa e a dobrava com cuidado antes de entrar debaixo do chuveiro, meu cabelo ainda preso no rabo de cavalo. — Elias também.
— Hã?
Chiei quando a água gelada bateu na minha pele aquecida, fortes arrepios descendo pelo meu corpo. Victória estava encostada na pia, braços cruzados e a feição irritada se dissolvendo em confusão. Eu bufei mais uma vez, me virando para a parede não apenas para ensaboar meu corpo, mas porque eu não sabia se conseguiria controlar minha expressão ao dizer aquilo em voz alta.
— Nora e Elias me traíram. Juntos. Eles estavam... — O ar me faltou, apertando meu peito, e me perguntei se era apenas o frio. — Eles estavam se agarrando no jardim da Lola.
— Mentira. — Victória arfou e eu sabia que era apenas o choque. — Você tá brincando com a minha cara. Isso é sério? — Meu silêncio duro pareceu ser resposta o bastante, porque com o canto do olho eu a vi desabando no vaso sanitário e quase podia ouvir as engrenagens de sua cabeça trabalhando. — Aquela vadia. Aquela vadia talarica do caralho. Meu Deus, eu não consigo acreditar nisso. Como ela pôde? — Ela se virou para mim, os joelhos quase batendo no vidro do box. Fechei os olhos e ergui o rosto para o jato de água, esfregando fora a maquiagem do rosto. — Eu não... Como você... Você está bem?
— Eu transei com Sales. — Cuspi a água que entrou em minha boca e fechei o chuveiro. Victória engasgou. — Era onde eu estava, aliás.
— Você o quê?! — Não respondi outra vez, afastando suas pernas com as minhas para que eu pudesse passar e me secar com uma toalha limpa jogada sobre o box, indo para o meu quarto ainda com Victória no meu encalço balbuciando incredulidades. — Você transou com Sales? Sandro Sales! Natália, sua vadia sem noção! — Ela gargalhou, parecendo horrorizada e maravilhada. — Me lembre de nunca provocar você.
Era um cômodo simples, composto por uma cama pequena de casal encaixada na parede oposta à porta, uma longa mesa de estudos ao lado que um dia havia sido porta de um armário que encontrei na esquina de uma rua e limpei, lixei, cortei e pintei antes de transformar em escrivaninha e prateleiras subindo na parede branca sobre ela, um grande espelho de corpo inteiro na outra parede e, ao lado da porta e entre meu armário, um tripé com meus casacos, mochila da faculdade e bolsas de sair.
Eu não ri enquanto procurava roupas quentes e massageava meu couro cabeludo após desamarrar o penteado apertado. Eu estava cansada e com sono, meu corpo rígido depois de ter sido esticado e virado do avesso. A visão de meu gato entre meus travesseiros com os olhos semicerrados de sono e ódio para o furacão que era Victória me confortou um pouco.
Ela sentou na beira da minha cama, de repente meio quieta e olhando para o nada, pensando outra vez. Eu terminei de me vestir e me arrastei para debaixo das cobertas, beijando a cabeça do bichano que esfregou a testa no meu queixo. Eu estava pronta para expulsar Victória do meu quarto para que eu pudesse olhar para o teto e pensar no que eu estava fazendo da minha vida até pegar no sono quando ela falou:
— Não, isso não está certo.
— Jura? — Me espreguicei, não poupando sarcasmo na voz.
— Natália, agora é sério. Você está fazendo tudo errado. — Ela ignorou minha careta. — Você ao menos conversou com Elias? Elias e Nora? Como uma mulher adulta, não como uma adolescente com o ego ferido.
Ego ferido! Eu gargalhei, um som seco e sem graça nenhuma. — Vai se foder, Victória.
— É sério, amiga. Não estou dizendo que você é a errada no meio de toda essa traição, mas você está lidando com isso de forma errada. Você, tipo, nem está lidando com isso.
— Eu já tenho psicólogo, Victória, obrigada.
— Mas ele está de férias. Não é assim que se resolve uma traição...
— Não tem como resolver uma traição.
— ...não é assim que se termina um namoro. Você não cai na gandaia e beija todo mundo como um homem faria, você...
— Eu me tranco no quarto e choro para sempre, como uma mulher faria? — Cortei, minha voz soando ácida até para mim. Um miado preguiçoso e irritado veio do meu lado, meu gato se levantando, aparentemente desistindo de seu sono e se espreguiçando teatralmente.
— Como qualquer pessoa com um cérebro e um coração faria. — Frisou Victória. — Especialmente eu. Mas não antes de encarar a situação e conversar. — Ela bufa, olhando para minha estante sem realmente ver. — Não sei o que faria se minha namorada me traísse, mas com certeza não seria isso.
— Bom, deixa eu te contar um segredo: ninguém é igual, as pessoas lidam com seus problemas de forma diferente. Hoje é segunda-feira e eu vi meu namorado e minha melhor amiga na maior agarração na sexta, então por que eu não posso digerir essa merda no meu tempo e dormir? Eu deixo você fingir que estou chorando uma represa como uma pessoa com um cérebro e um coração faria.
Victória suspira e se levanta.
— Você está chata pra caralho, mas vou dar um desconto porque você levou chifre e porque sempre fica chata quando está com sono. — Ela pegou facilmente o travesseiro que joguei nela e depois acariciou a cabeça de meu gato. — Vou na feira com a Bruna e depois passar o feriado na casa da minha sogra, por isso acordei cedo. Você vai ficar bem sozinha? Sabe que pode ir com a gente se quiser.
— Tchau, Victória. — Eu me aconcheguei e franzi o cenho. — Que feriado?
— O dia das mães.
Meu estomago retorceu amargamente. Então uma patinha peluda me distraiu estapeando meu braço, seguido de outro miado longo e mais alto que o primeiro.
— Antes de você sair, coloca ração para o Oscar, por favor. — Pedi e ele miou em concordância, pulando da cama e trotando para fora do quarto.
Victória assentiu levemente, afagando meu cabelo e o seguindo. Antes de fechar a porta, ela se virou para dizer com um suspiro: — Eu sei que você não é de conversar, muito menos sobre os seus sentimentos. Mas se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, pode falar comigo.
— Até para assassinar alguém?
— Tchau, Natália.
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Haviam 18 ligações perdidas e muito mais mensagens não lidas entre as que eu deixava acumular no meu celular quando acordei. Metade era de Elias e Nora, ele pedindo para conversar e ela pedindo mil desculpas. A outra metade era de colegas questionando o meu pequeno sumiço e surtando com a fofoca vazada do término do meu namoro mais longo. As mensagens mais recentes eram da minha irmã e de uma amiga de infância de Victória com assuntos completamente diferentes - eu as abri primeiro.
As da minha irmã, Enila, diziam:
Esqueceu que tem mãe?
Uma visita, é só o que eu te peço.
Minhas narinas inflaram. Eu respondi:
Sim.
Não.
A outra era de Patrícia, de sexta à tarde.
Me passa o contato daquela leiloeira.
Eu passei de cenho franzido e ela visualizou no mesmo instante, dizendo:
Bem a tempo.
Minha careta se intensificou e digitei:
Posso saber pra que?
Mas a resposta nunca veio.
Bufei, me jogando na cama depois de almoçar e decidindo encarar minhas redes sociais. Não havia nada novo no Instagram além de algumas curtidas, colegas me marcando em sorteio e memes compartilhados no direct. O Twitter tinha mais notificacões, Victória me encaminhando na DM as indiretas de Nora, afiadas demais para quem parecia tão dócil nas mensagens, e de Elias, como um bêbado que fora chifrado e não como se tivesse metido o chifre ele mesmo. Eu curti todas as de Nora antes de bloquear e desbloquear ambos, expulsando-os da minha conta privada.
Então eu notei uma nova solicitação de seguidor, uma conta que eu já conhecia: Sandro Sales.
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