29 - Escuridão Fantasma;
"Não consigo descrever o quão solitário estou, eu sei que isso não é um jogo." Suicide - RM
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Uma vez a morte perguntou a vida:
— Porque todos te amam e me odeiam?
A vida respondeu:
— Porque eu sou uma linda mentira e você uma verdade dolorosa.
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ANOS ANTES
O quarto de Aurora obtinha tons de roxo e rosa, ambas cores mescladas que davam uma visão perfeita de um entardecer... os móveis brancos rústicos combinavam com cada tecido e decoração que ali havia — Kim abriu a porta devagar, sorrindo ao ver a garotinha de três anos ainda dormindo, chupando o dedo e sorrindo com algum sonho que estava tendo.
O dia começou tranquilo, a primavera havia chego, deixando cada cor mais vibrante e o ar fresco, sem contar nos pássaros cantarolando nos galhos próximo a janela da garotinha.
O cansaço tomava o mais velho, entretanto, era um dia especial.
É o aniversário da Aurora.
A cama foi deixava baixa para evitar uma possível queda da garotinha energética... Kim acariciou os cabelos negros e sedosos até que esta acordasse — Devagar Aurora foi despertando, bocejando preguiçosamente e olhando para o pai que sorria ao vê-la.
— Appa, sono. — Resmungou, revirando-se nos lençóis coloridos.
— Sei disso, mas hoje é um dia especial moranguinho. Sabe que dia é? Hum? — Incentivou-a.
Aurora arregalou os olhos, tirou o dedo da boca e escalou o corpo do moreno, o pijama roxo de algodão a aquecia, encostando a cabeça no peitoral deste, Aurora sinalizou um não, quase adormecendo de novo.
— Hoje é o seu aniversário meu amor. Appa preparou tudo o que você gosta no café da manhã.
A menininha sorriu, querendo pular do colo de Taehyung, mas o mesmo a segurou, depositando um beijo estalado na bochechinha corada e ficou de pé.
— Vamos, tô' com fome, Appa.
— Primeiro irei lhe dar um banho, deixo escolher suas roupinhas, o que acha?
— Tá bom. — sorriu.
Taehyung banhou a menininha, juntos cantarolando uma melodia que o mais velho cantava desde o início da gravidez de sua falecida esposa, não demorou para Aurora aprender, visto que era uma das musiquinhas especiais para que pegasse no sono mais rápido — Depois do banho, Aurora escolheu um vestido rosa cereja, estilo vintage, calçou os sapatinhos de boneca vermelho, Kim penteou os cabelos enormes, fazendo um rabo de cavalo alto, envolveu o elástico com fita de cetim e finalizou com um laço.
Aurora era seu sol, sua esperança e a amava incondicionalmente... o formato delicado do rosto, os cabelos e o narizinho arrebitado lembrava sua mulher, agora o sorriso quadrado marcado por covinhas, olhos em tons de avelã e o deboche, herdou dele.
Na cozinha, Taehyung serviu chocolate quente no copinho com bico para a menininha não sujar as roupas, as panquecas em formato de ursinho e decorados a deixou feliz e estonteante, brilhando como se emanasse raios solares; Taehyung sorriu orgulhoso, foi sim difícil cuidar dela sozinho, lidar com o luto e permitir a aproximação dos sogros e da mãe, mas conseguiu entender que precisava de ajuda então permitiu a ajuda alheia. Juntos, tomaram café da manhã, o presente estava no carro e a pequena festa surpresa sendo preparada.
Terminando o café, Taehyung retirou a mesa e deixou Aurora na sala, assistindo algum desejo infantil enquanto o copinho estava nas mãos miúdas; havia meses que tem sentido oscilações de humor, o sono estava mais do que atrasado e o trabalho o consumindo dolorosamente - conquanto, Kim lidava com tudo que lhe restava.
Saindo para buscar o presente da filha, Taehyung suspirou com pesar, olhou para a aliança dourada e chorou em silêncio, lamentando novamente a perda prematura de sua esposa que era o centro do seu universo, a despeito do luto e da vida cansativa que vem tendo, Kim era grato, principalmente pela cópia de Yuna que ria e brincava, aproveitava a infância do jeito que merecia, pois seu pai dava tudo a ela, para que nada lhe faltasse.
E nada faltou.
Ao menos não para sua filha.
Os presentes chegaram para a menininha... Taehyung a levou para ter um dia de princesa antes de levá-la para sua festa de aniversário surpresa. Tudo feito com amor, com carinho e zelo.
Temer o futuro era rotineiro para o moreno, visto que seu histórico de vida não passava de um tremendo inferno — Enquanto olhava para a filha feliz e risonha ao ser surpreendida com a festa no tema que ela pediu, Taehyung suspirou, ignorando o peso em seu peito e a agonia extrema de que algo tremendo aconteceria... algo que custaria o restante de humanidade que carregava consigo, e pensar sobre, lhe causava dor, paranoia e dias sem dormir.
Por tal medo, este procurou sempre estar ao lado da menininha, presente em todas as situações — Não perdeu os primeiros passos, ouviu a voz melodiosa de sua filha o chamar de appa pela primeira vez. Ensinou-a o básico do inglês e ria quando ela falava, gargalhava e o mordia enquanto dormia para aliviar a coceira na gengiva.
Sem contar que às sextas feiras ele manteve especial. Dançava jazz com sua filha depois do jantar, até que esta pegasse no sono.
Tudo que foi importante ele esteve presente mesmo quando não podia.
Abandonava tudo para ter com sua filha, perdeu as contas de quantas vezes chorou enquanto Aurora dormia.
Em meio a tanto desespero ele se ajoelhava diante a cama da bebê e implorava para Deus, implorava com o resquício de fé, chorava, suplicando para que Ele não tirasse Aurora, que não a leve como levou Yuna.
No fundo, em uma parte inacessível de uma alma, Kim Taehyung sentia que em breve sua filha o deixaria.
E jamais ouvia ela dizer que o ama e o chamar de Appa.
Basicamente não existe um nível de dor no qual o ser humano é capaz de suportar, cada um determina o seu nível, determina a quantidade que consegue suportar — Taehyung jamais colocara uma numeração pois para ele, não havia números o suficiente para delimitar seu nível de dor e angústia; compreendeu cedo demais, entendeu cedo demais no quanto os sentimentos podem ser destrutivos por quem os carrega. Sendo bom ou ruim, cada um é similar a uma bomba, que quando acumulada e acesa, é questão de segundos para tudo explodir e destruir quaisquer futuro, qualquer presente que possa haver.
Antes viveu para Yuna. Agora vive por Aurora.
E quando perdeu ambas.
Não viveu para mais ninguém além dele e todos os destroços dentro de si... uma guerra acontecia de modo invisível, conquanto quisesse crer em um dia melhor, não conseguia.
Pois garrafas invisíveis o rasgaram, esmagaram seu coração, devoraram sua carne, forçando-o a abandonar sua humanidade, torturando-o para que veja que o ser humano nada é do que uma obra corrompida pelo egoísmo, pela luxúria, ganância e etecetera — Depois de suplicar, das lágrimas secarem, Kim ficou de pé, acariciou os cabelos de Aurora e saiu do quarto, voltando a sala, servindo um copo de cristal cheio de conhaque e um cubo grande de gelo.
Por quanto tempo isso duraria?
O que faria quando a parte obscura de sua alma tomar controle?
Por tantas perguntas, Taehyung caiu no sono, o copo vazio caiu de sua destra, estilhaçando no tapete persa... era possível notar a feição belíssima retorcida em agonia mesmo num sono tempestuoso e profundo, as vestes sempre formais e elegantes, os cabelos grandes e negros, a franja cobrindo sua testa lhe dando uma visão quase absurda de tão pura e genuína... as pintinhas que marcavam sua beleza, eternizava-o como um deus pagão da beleza e do desejo.
Nem o pintor mais habilidoso seria capaz de depositar numa tela, em tinta óleo, todas as nuances de Kim Taehyung; caso conseguisse tal dádiva, claramente o nome do quadro posto no rodapé seria.
Escuridão fantasma. O espelho moribundo da alma daquele que carrega o inferno nos olhos.
Lá fora chovia.
A casa aquecida, e as sombras rodopiando, envolvendo o homem, prometendo um abismo frígido e inescapável.
Só há uma maneira de se livrar das correntes. Livrar-se da prisão injusta.
A morte é a única chave para abrir o cadeado.
E não seria seu corpo a ser jogado e enterrado a sete palmos, não seria preciso, já que sua alma morreu naquele inverno, no acidente que ceifou sua filha, e de bônus, ceifou sua alma para sempre, tornando o corpo, nada além de uma casca vazia tomada por fumaças negras que poderiam derreter o coração mais puro, tornar cinzas uma alma cercada por luz... na vida temos diversas escolhas, porém nem sempre essas escolhas acontecem por nossas próprias decisões.
Quando não somos nós.
É o próprio destino e o Deus que o rege.
E Taehyung notou que o Diabo não era tão temível, não horrendo quanto Aquele que criou o céu e a Terra.
Falam de livre arbítrio.
Mas se não seguir a risca, é condenado.
Se deixa de seguir os ensinamentos é culpado e lançado no lago de fogo e enxofre.
Nessas injustiças divinas e mundanas.
Quem de fato é culpado?
Deus ou o Diabo?
Nesta linha de raciocínio. Taehyung soube quem era o culpado.
Ele traçou seu caminho.
Deu as costas para o divino e abraçou o profano.
E ele nunca se sentiu tão vivo.
:)
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