06 - Morte Prematura;
"Eu não acredito no homem, Deus ou o Diabo. Eu odeio toda maldita raça humana, inclusive eu." Gary Ridgway
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O que seria do mundo sem a arte? Sem a música? Sem histórias? Possivelmente seria apenas um planeta cujos seres viventes viveriam apenas por viver.
Assim como cada um nasce com um propósito, com a vida totalmente traçada pelo destino ou por alguma divindade superior. Os assassinos por si só possuem seu próprio mundo.
Claramente são diversos universos, no qual cada um deles habitam traumas, dores: digamos que seja um inferno particular para cada um.
Taehyung é apenas uma vítima. Certo?
Obviamente você decide o que quer para sua vida. Mas e aqueles que não puderam escolher? E aqueles que tiveram suas vidas dilaceradas tão cedo, ao ponto de ver a vida como nada além de dor, de martírio, de karma?
O porém começa por aqui.
A maldade está nos olhos de quem vê; essa frase chega a ser uma hipocrisia sem precedentes. Tal atributo está até no ar em que respiramos, dizem que o ser humano é um psicopata em potencial, isso sim é verdade. Mas não são todos que têm coragem para cometer algo tão hediondo.
A escuridão pareceu uma eternidade, Taehyung não havia pregado os olhos, a mente sempre a um milhão por hora; sua mente projetava o sexo, as respirações entrecortadas e os gemidos graves, fazendo-o desejar ainda mais o moreno de olhos gentis; lumes são belos que o moreno o assemelhou a olhos de corça, escuros como jabuticabas.
A luz da manhã entrava lentamente pelo quarto do homem, aos poucos trazia cor a um ambiente tão escuro; o corpo alto e musculoso do moreno permaneceu inerte em cima da cama, entre os lençóis negros, o abdômen definido totalmente exposto.
A rotina é sempre do mesmo jeito, Taehyung tomou seu banho, vestiu-se a sua maneira, os cabelos negros foram arrumados, mantendo a testa exposta, o café da manhã era bem reforçado, um de seus prazeres era cozinhar; levava maestria para dirigir a cozinha; era terapêutico para si.
Portanto, enquanto a música clássica invadia os sentidos, os ovos eram bem batidos, temperados, bacon era feito para acompanhar, o café fresco junto a suco natural de laranja, cada aroma possui um toque especial, gosto além do divino. A bandeja foi novamente arrumada, Taehyung a pegou, indo ver sua hóspede.
Os lumes castanhos avaliaram a mulher, uma fina camada de suor que cobria a pele, a feição retorcida em dor, as mãos pálidas apoiadas na enorme barriga.
— O que sente? — Pergunta, deixando a bandeja na pequena mesa e aproximando-se da mulher, que repeliu seu toque de imediato.
— Não me toque, seu monstro. — A voz rouca esbraveja.
A mão enorme do moreno se fechou no pulso pálido e fraco da mulher, não apertou, apenas a impediu de lhe acertar um tapa.
— Está em trabalho de parto. — Kim afirma, pois vou o lençol da cama molhado.
— Me deixe em paz seu maldito.
Um grito agudo veio da mesma, a dor lhe entorpece os sentidos, as contrações tinham intervalos curtos, e por isso sentia como se sua vida estivesse sendo tragada para o esquecimento. Taehyung tirou seu sobretudo, arregaçou as mangas de seu suéter e sentou atrás da mulher, por mais que a loira quisesse afastá-lo, não conseguia, pois novamente veio a onda de dor lancinante.
— Faça força Amber. — Taehyung ordena.
A loira apertava suas mãos com toda força que tinha, Kim se encontrava ansioso, era a mesma sensação de quando esperou pelo nascimento de sua filha, e com isso a lembrança terrível do acidente veio à tona, enquanto Amber sofria e gritava de dor.
As caixas estavam sendo fechadas. A casa onde Taehyung morou por anos com Yuna, seria abandonada, visto que tudo ali não era nada além de lembranças dolorosas, saudades misturadas ao terror da perda; Kim estava perdido em seus devaneios, não notou uma figura diminuta correndo até si, segurando um ursinho de pelúcia, o qual chama de Tata, em homenagem ao pai.
— Appa?
Taehyung despertou, os lumes escuros focando-se na criança, que estava bem agasalhada devido ao inverno, o rostinho corado por conta do frio, a touca com orelhinhas de coelho a deixaram ainda mais fofa, era incrível como ela se parece tanto com sua falecida mãe, entretanto o temperamento foi todo herdado do pai.
— Oi meu amor. O que foi? — Pergunta, preocupado, pegando-a no colo.
— A vovó vai conosco, não é? Não quero ficar longe dela.
— Ela irá minha bonequinha, não se preocupe. Já guardou todas as suas coisas?
— Sim sim. O Tata vou levar no colo. — Responde animada, a voz infantil eram como músicas aos ouvidos deprimentes do homem mais velho.
— Tudo bem. Agora vá comer algo antes de irmos, o Appa vai levar essa última caixa para o carro.
— Tá bom. — Aurora desceu rápido de seu colo e correu pelo corredor.
Não poderiam demorar, a neve dera uma trégua, portanto deveriam aproveitar o máximo; fora que devem ir logo, Aurora não podia ficar tão exposta ao frio, mesmo aquecida, o mais velho temia por sua saúde.
Com as últimas lembranças felizes, Taehyung pega a enorme caixa e sai do quarto vazio, caminhou pelo pequeno corredor, lembrando-se do sorriso doce de sua falecida esposa, o modo como contava histórias; lembrou-se também das noites frias onde jantavam e dançavam até raiar o dia.
Tais sensações eram dolorosas para si, lhe doía muito, mesmo que já tenha passado quatro anos, a dor continua igual, a saudade também.
A caixa foi posta no porta malas, Kim esfregou as mãos a fim de afastar o frio, os lumes fitavam a enorme casa, a porta estava aberta e por isso, viu Aurora sair correndo com o ursinho na mãozinha miúda, sua mãe de criação veio logo depois, o tempo se fazia presente em seu corpo e rosto já enrugado, os cabelos brancos e o olhar doce e gentil.
— Entre bonequinha. Está frio. — O moreno pede com um largo sorriso.
— Queria fazer um boneco de neve Appa.
— Em nossa nova casa, você faz quantos quiser tá bom? — Prometeu o maior.
— 'Ta bom. — Concorda animada, entrando no carro.
Taehyung a ajeitou na cadeirinha, passando o cinto de segurança para prendê-la ali, sua mãe via tudo em silêncio, havia um copo térmico azul com desenhos infantis em suas mãos.
— Aurora, aqui o seu chocolate bebê. — A senhora diz.
— Obrigada vovó.
A porta traseira foi fechada, Taehyung a olhou com tristeza, porém nada disse, apenas fez um gesto para que a senhora ocupasse o banco do passageiro enquanto dava a volta e assumia o volante.
A viagem demoraria um pouco devido a neve, o aquecedor estava ligado e Aurora adormecia agarrada ao Tata, a música ambiente a ninou por completo, Taehyung mantinha-se atento a pequena estrada, sua mãe sentia-se preocupada com o estado do moreno, as longas conversas eram complicadas, Kim não suportava nem ouvir o nome da falecida esposa sem chorar e se afogar em uma garrafa de bebida alcoólica.
O luto era assim, levava quaisquer resquício de vida do ser humano.
Infelizmente a vida é cheia de surpresas, quando para alguns são boas, para outras nem tanto; a dor se instala como uma maldita peste, sem cura, sem chance de resistência.
E na tarde fria de dezembro, Taehyung sentiu novamente o gosto amargo da morte; mesmo atento, não conseguiu desviar o veículo da colisão com outro que veio derrapando na neve, devido a estranha estreita, tendo nada ao redor além de árvores e matos congelados, o carro capotou, rolando numa protuberância escondida pela quantidade imensa de neve e gelo, Kim bateu a cabeça contra o vidro, o zumbido infernal o fez perder a audição por longos minutos, a visão embaçada e um filete de sangue escorria através de um corte profundo no supercílio.
O carro estava de cabeça para baixo, mesmo atordoado e assustado, conseguiu se soltar do cinto de segurança, arrastou-se para fora pelo vidro quebrado, sentindo os estilhaços lhe cortarem a pele...
Cambaleando, correu até sua mãe, que estava desacordada com um ferimento no braço esquerdo e outro na bochecha, a dor fazia-o querer desmaiar, mas a adrenalina o manteve um tanto lúcido, todavia, Kim quis gritar, xingar o universo, xingar quem comanda sua vida.
O cinto da mais velha estava preso nas ferragens, mesmo forçando não conseguiu soltar, em desespero, Taehyung olhou para sua filha, e o que viu ali fez o grito finalmente soar alto, gutural, transbordando dor e ódio.
Aurora estava morta, e a constatação para isso, foi ver um enorme pedaço de ferro cravado em seu peito, a mãozinha ainda agarrada ao ursinho já manchado de sangue.
— Meu Deus! Não, não, não. Isso não pode estar acontecendo. CARALHO! — Esbravejou em pânico, as lágrimas aquecendo seu rosto ferido e gélido.
A ambulância não tardou a chegar, a polícia viera minutos antes, Taehyung estava perdido em dor, a visão paralisado no veículo, olhando enquanto a polícia verificava o acidente, ouvir algo nítido foi um inferno, não conseguia manter-se lúcido; não ouviu quando os policiais soavam comando através do comunicador... Quando a ambulância chegou com a equipe de bombeiro no encalço, Taehyung despertou a tempo de ver sua mãe sendo retirada das ferragens e sua filha já sem vida... Doía ao ponto de entorpece-lo, Taehyung não conseguia chorar, não conseguia falar, o estado de choque era evidente, as pessoas ali ao redor buscaram fazer perguntas, porém o moreno nada respondia.
Não sobrou nada. Taehyung não tinha nada.
Tudo havia sido tirado de si como um corte reto e cirúrgico. O hospital que o atendia fez os procedimentos sem fazer perguntas ou nenhum outro tipo de constatação, o moreno ouviu atentamente o médico dizer o quanto sentia muito, e que ele poderia ver sua filha se assim quisesse. O delegado do departamento local adentrou o quarto pálido, cheirando a álcool.
— Senhor Kim? Se sente bem para conversarmos?
Taehyung apenas assente, afirmando silenciosamente, até porque, não tinha outra escolha, a não ser encarar o inferno que é sua existência.
— O veículo que colidiu com o senhor, foi causado por uma imprudência do motorista que dirigia alcoolizado; o mesmo veio a óbito no local... Sua esposa está no quarto do andar inferior... Quero que me detalhe a sua versão por favor, sei que o momento não é apropriado, mas preciso que me esclareça. — O homem explica.
Taehyung quis rir amargamente, rir em sarcasmo e ironia, pois tal situação debochada de si, o humilhando como fizera aqui levar sua esposa. Movido ao automático, Kim contou detalhe por detalhe de seu trajeto, afogado ao luto, não sentiu as lágrimas escorrerem, o soluço, e a súbita vontade de correr sem olhar para trás.
— Obrigado por sua declaração, Senhor Kim. E mais uma vez sinto muito por sua perda, que Deus conforte seu coração e o dê forças para superar.
Que Deus? Perguntou-se mentalmente.
Que Deus é aquele que trás a dor, o inferno a quem não merece, a quem nada fez de ruim durante o primeiro sinal de consciência sobre o mundo? Que tipo de divindade é essa, que não faz nada por aqueles de bom coração?
Tantos questionamentos, tantos julgamentos que não obterá finalidade alguma. A falta de resposta, de compreensão, levava Taehyung a uma nova descarga de dor.
[...]
O velório seguido do enterro nas primeiras horas do amanhecer, teve apenas a presença de Taehyung e sua mãe de criação, o pequeno caixão braço descia através de cordas, a cova profunda de terra úmida, sepultaria sua pequena boneca.
Kim não chorava mais, a expressão vazia, denunciava o vazio de seu interior, o coração batia lentamente contra o peito, o frio constante lhe deixou tão gelado quanto o clima invernal.
A senhora chorava baixinho, jogando em cima do caixão uma rosa branca, Taehyung capturou aquela imagem, e por reflexo, jogou o ursinho, no qual a criança amava e carregava para cima e para baixo desde quando dera os primeiros passinhos.
Sozinho, em meio ao frio cortante, a neve começou a cair, enquanto o coveiro jogada terra, cobrindo o caixão, Taehyung permanecia parado, o olhar distante, Aurora estava sendo enterrada ao lado da mãe, a mulher no qual nunca pode conhecer.
Com os últimos punhados de terra escura, Aurora foi sepultada por completo, e com ela, a humanidade de Taehyung, ao menos o que restou dela.
No mesmo mês, Kim foi embora, não deixando bilhetes, nem nada, apenas se foi... Deixando para a senhora a casa onde viveu, tudo o que havia nela, e uma boa quantidade de dinheiro, tirando isso, não houve adeus, não houve abraços, nem lágrimas. Taehyung se foi como se nunca tivesse existido.
Ao desembarcar nos EUA, Kim rumou para sua nova residência... meses depois comprou o edifício que tempos depois, precisou ser evacuado devido a um vazamento de gás. Tudo em sua vida surgia com eficiência e massacrado com exigência oculta.
E por isso, Kim decidiu residir naquele prédio, viver ou morrer não lhe importava, não tinha coragem para tirar a própria vida, então deixaria que o maldito universo se encarregasse de tal desgraça... Sabendo o qual fodido e a sua existência, compreendeu que nem desastres naturais eram capazes de matá-lo.
Era como se algo o mantivesse vivo, para algum propósito.
E se Deus foi capaz de lhe tirar tudo. O Diabo lhe dera na mesma proporção.
Taehyung tomou decisões que mudariam ainda mais sua vida, portanto, tomou a esposa do falecido bêbado, levando-a consigo através de ameaças implícitas e atuações dignas de um Oscar.
Não tardou, para que a mulher, mesmo assustada, temendo morrer, disse-lhe que estava grávida; Taehyung viu uma possibilidade ali, a sensação psicótica e demoníaca o fez criar ilusões que são válidas apenas para si mesmo.
Queria a criança para si, através do pensamento distorcido, ele acreditou fielmente que no ventre de sua primeira vítima, crescia a vida de sua falecida filha.
Amber foi mantida presa num quarto protegido, recebendo apenas o necessário para ficar viva. A mesma foi um gatilho para que outras vítimas surgissem, diferente dela, as outras tinham suas vidas ceifadas no primeiro contato visual com o homem lindo, sedutor e carismático.
Pessoas boas são facilmente corrompidas pela desgraça humana. Taehyung era a prova crucial disso, optou pelo que não lhe traria dor, mas traria a terceiros.
Até porque.
Se tiraram tudo dele. É justo que retribua o favor.
Amber gritou fazendo esforço mais uma vez, o silêncio se estendeu por segundos antes de ambos ouvirem o choro fino do bebê, Taehyung um tanto incrédulo, soltou a mulher, ficou de pé, aproximando apenas dois passos para ver a criança, o ódio abrupto tomou-lhe rapidamente. Ali, em meio a sangue, viu que o bebê não era o que ele ansiava a tantos meses.
Era um menino.
A mãe da criança começou a chorar, mesmo com dor, moveu-se rápido, pegando o recém nascido nos braços.
— Por favor! Não faça nada a ele... Eu imploro a ti. — Implorou desesperada.
Taehyung a encarou friamente, o choro agudo o deixou nervoso, frustrado e indignado; não se importou com a súplica alheia, para não sujar suas roupas caras, pegou uma toalha, enrolando-o, sem palavras audíveis, o peguei nos braços, Amber relutou, suplicando, intercedendo pela vida que gerou, falando em meio a frases o nome de Deus, e chorando copiosamente.
—Taehyung. Por favor! — Pela primeira vez a mulher disse seu nome. — Me mate, me mate, mas não mate o meu bebê. — Implorou entre soluços.
— Você matou a minha. É justo que seja recíproco.
O grito alto ecoou no segundo exato em que o maior, quebrou o pescoço da criança, sem dó, nem piedade. Quebrou como se não fosse absolutamente nada.
O som do pequeno pescoço se espatifando para o lado era divino, o estalar dava lhe prazer e o último suspiro fazia lhe revirar os olhos pelo orgasmo metafórico que preenchia sua alma vazia.
— SEU MALDITO DESGRAÇADO... QUE VOCÊ QUEIME NO INFERNO, SEU FILHO DA PUTA. — Amber gritou em plenos pulmões, o amaldiçoando, o odiando como jamais odiou desde que fora sequestrada.
— Eu comando o inferno, sua puta. — Grunhiu, jogando o corpo do bebê nos braços da loira, que o agarrou e o ninou, não acreditando no que havia acontecido.
— Não irei matá-la. — O timbre grosso e arrastado do moreno, se findou em meio a camada de dor e desespero da mulher. — A morte seria um alívio para si, então sofrerá conforme sofri... Sentirá tudo o que senti quando você e seu maldito marido mataram minha filha, sua desgraçada. — Rosnou, enquanto limpava as mãos e saia do quarto como se nada tivesse de fato ocorrido.
Taehyung encheu o copo transparente de conhaque e se acomodou no sofá enorme, encarando a cidade, a chuva se iniciou. Mais uma vez, Deus chorava devido à maldade sem limites de Kim Taehyung.
Enquanto Deus lamenta.
Taehyung comemora.
:)
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