01 - Intempérie;
"Eu adoro ouvir o som de cabeças estourando. Isso realmente me deixa com orgasmos e faz minha vida ter sentido" Edmund Kemper.
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Gotas fortes de chuva chocavam brutalmente contra os vidros da janela, o som definitivamente era prazeroso, com o ambiente escuro devido ao tempo fechado, tornou tudo ainda melhor, causando animosidade ao moreno.
Taehyung observava a chuva num estado quase catatônico, o tronco despido, revelando seu peitoral, em suas costas possuía uma tatuagem de uma cobra em meio a duas rosas, a tinta preta destacava-se na pele pálida, os cabelos negros um tanto bagunçados.
Estava perto do amanhecer, o homem não havia dormido, seu sono não passava de um mero cochilo, acabou despertando devido ao som estridente de um trovão, portanto, tratou de ficar de pé, vestir calça de moletom cinza, dirigindo-se para a cozinha após sua higiene matinal.
O café bem passado, sem açúcar como gostava, o vapor exalava da xícara transparente, Taehyung bebericou ruidosamente. Seus pensamentos e ações eram tão idênticos ao clima fechado, as nuvens negras, a chuva caindo fervorosamente, o homem dera um sorriso contido, debochando de Deus ao pensar que a divindade o odiava completamente.
De fato, Taehyung agora trás motivos literais para causar a ira do Todo Poderoso.
Quem pudesse conhecê-lo poderia facilmente dizer o quanto o Diabo sentia orgulho dos feitos do moreno. Porém, qualquer um que cruza seu caminho, não sobrevive para contar história.
Em poucos passos, Taehyung se sentou na cadeira giratória em frente ao computador já ligado, revelando a imagem de sua hóspede, adormecida na pequena cama que lembrava um leito de hospital. O ódio surgiu em sua feição antes serena, a fúria chegava a queimar em seus olhos escuros, as memórias surgiam como a um filme, a abertura mostrando a data, horário e local.
- Appa. - Grita a garotinha ao avistar Taehyung ao longe saindo do carro.
A fazenda era bem afastada da cidade, Aurora limpava as mãos miúdas no vestido limpo, sua avó estava atarefada estendendo roupas enquanto a garotinha brincava, Taehyung sorria, um sorriso quadrado lindo, iluminado, denunciando toda sua felicidade e empolgação ao ver sua pequena correndo para si.
O moreno a ganhou abrindo os braços, Aurora pulou em seu colo, o abraçando, o cheiro de morango da criança fazia-o sentir-se em casa.
- Senti saudades. - Diz a criança com o rosto apoiado na curvatura do pescoço do maior.
- Também senti meu amor.
Taehyung a segurou nos braços, ficando de pé, sua mãe olhava-os com um sorriso orgulhoso. Era difícil para a família. Principalmente para Aurora, quanto mais crescia, mais perguntava sobre sua mãe, Kim sentia o coração apertar sempre que ouvia tal pergunta, a garotinha compreendia, só não conseguia aceitar o fato de sua mãe ter falecido.
- Onde o senhor foi Appa?
- Trabalhar moranguinho. Appa precisa sabe disso, não é?
- Sei sim. A vovó vai fazer Kimbap e depois vai me deixar comer torta. - Diz alegre.
- Que bom meu amor... Trouxe algo para você.
Taehyung ainda com sua filha nos braços, abre a porta do carro, pegando uma sacola pequena e entregando a garotinha, ali, havia alguns livros para colorir, Aurora amava desenhar, colorir, adorava depositar infinitas cores em seus desenhos infantis e Taehyung guardava todos eles.
- Obrigada Appa. Posso mostrar para vovó?
- Claro.
Taehyung a colocou no chão com cuidado, os lumes fixos na figura pequena, correndo. Os três viviam na fazenda desde o nascimento de Aurora, o moreno deixou sua casa na cidade, para ficar com sua mãe e sua filha recém nascida, perder sua esposa o deixou em pânico, pois não sabia como cuidaria de sua filha sem a presença de sua mulher; enquanto sua mãe cuidava da neta.
Kim cuidou de todos os preparativos para o enterro, seus sogros o ajudaram em tudo, desde o início da gravidez de Yuna, ambos sabiam que era de risco, que as chances de uma tragédia era quase cem por cento.
Durante meses Taehyung trabalhou em casa, ministrando seus negócios e sempre supervisionando sua esposa. Yuna mal saia da cama, não fazia muito esforço, dar banho, levá-la para suas necessidades, pra comer, tudo Kim a ajudava, nunca reclamou pois a amava incondicionalmente.
Próximo do fim da gestação as preocupações vieram ainda mais, Yuna sentia dores constantes, não comia bem e estava pálida, quase sem vida, a voz rouca um pouco falha, o cansaço excessivo, Taehyung sentia ainda mais preocupação, portanto, não dormia, sempre procurou vigia-lá vinte e quatro horas por dia.
Em uma madrugada, Taehyung despertou desesperado ao ouvir o grito de Yuna, levantou-se ainda atordoado, vendo-a caída no chão do banheiro, sangue escorria por suas pernas, o que indicava que algo estava terrivelmente errado.
- Vou te levar ao hospital. Vai ficar tudo bem amor. - Diz Taehyung contendo-se ao máximo para não chorar.
Pegou sua esposa nos braços indo para o carro, não pegou nada além dos documentos, temia demorar e isso trazer ainda mais incômodo a mulher. O moreno dirigiu em alta velocidade, cortando todos os sinais, o horário lhe era desconhecido, a julgar pela pouca movimentação nas ruas, era bem tarde, chegando no hospital, Taehyung saltou do carro dando a volta para pegar Yuna, largou o veículo ainda ligado e adentrou o hospital, pedindo socorro e implorando que ajudassem Yuna.
As horas foram as piores, as respostas não vinham, os olhos pesavam quase uma tonelada, Taehyung tateou os bolsos em busca de seu celular, mas não o encontrou, portanto o que restava-lhe era esperar .
- Senhor? - Chama o médico responsável por sua esposa.
- O que aconteceu? - Questiona ao notar a feição do médico um pouco abalada.
- Infelizmente sua esposa não resistiu, o sangramento foi o gatilho para que fizéssemos o parto rapidamente, entretanto sua esposa estava exausta, debilitada demais e não conseguiu resistir. Eu sinto muito.
Taehyung caira de joelhos, um grito sôfrego veio de si, a dor da realidade o atingindo com força total, lágrimas incansáveis escorriam por seu rosto, não acreditava que ela havia morrido. Que sua estrelinha havia ido. O mundo não parecia mais um lugar onde queria estar, tudo o que Kim queria, era Yuna de volta.
- Senhor... Quer ver sua filha?. - Pergunta o médico a fim de acalmá-lo.
O moreno apenas assentiu, levantando-se, suas pernas bambas mal sustentavam seu peso, praticamente se arrastando, acompanhou o médico pelo corredor branco, o cheiro de álcool o deixava enjoado, a mente enevoada de pensamentos ruins, se dissiparam ao ver sua filha pela primeira vez.
- O deixarei para que sinta-se mais confortável.
Taehyung chorava em silêncio, queria segurar sua filha, mas não conseguia, não conseguia fazer nada, pensar em nada.
- Porque você se foi Yuna? Você prometeu ficar comigo para sempre. Você prometeu. - sussurrava Taehyung, com a palma apoiada no vidro.
Demorou para que se acalmasse por completo, as lágrimas secas em seu rosto tornavam sua aparência dolorosa, definhando de dentro para fora. Taehyung notou que havia amanhecido após ser chamado para desligar o carro, precisava trazer as coisas de sua filha que a tantos meses estava arrumada, precisava ligar para sua mãe, para seus sogros para dar notícias. Tantas coisas.
Porra. Tudo isso o deixava ainda mais desesperado. Se existia um Deus. Ele com certeza o odeia.
Agindo de modo automático, Taehyung foi para casa, deixando avisado que voltaria rápido, os lumes avermelhados quase não focavam na estrada à sua frente. O dia tão ensolarado parecia cinza e fúnebre para o moreno, sua vida fora sugada, uma parte de si morreu junto com sua esposa, a aliança brilhava em contato com a luz do sol, trazendo-lhe ainda mais dor.
Sua casa não era um ambiente na qual quis voltar, tudo lembrava Yuna, desde os móveis, até a decoração ou até o maldito banheiro que ainda estava inundado de sangue, sem coragem para encarar nada, foi até o quarto de sua filha, pegando a bolsa e deixando-o em cima de sua cama, tomou um banho rápido, vestindo-as adequadamente, pegou o celular ligando para sua mãe, pedindo que fosse para o hospital, conteve o choro ao dizer que Yuna havia falecido, encerrou a chamada e ligou para sua sogra, dando a terrível notícia, o grito da mulher causou outra enxurrada de dor ao moreno, e mesmo assim manteve-se firme. Não lhe restou nada. Nada além de sua pequena .
De volta ao hospital, Taehyung entregou a bolsa da sua filha, acompanhou a enfermeira até o berçário, para por fim, pegar a bebê pela primeira vez. Tão pequena, pensou, tão linda, com cuidado a enfermeira a entregou, enrolada em uma coberta fofa e rosa, o mesmo sentou-se na poltrona para niná-la.
- Seu nome será Aurora, como sua mãe sempre quis, meu moranguinho. - Sussurrou aproximando-se do rostinho miúdo.
Taehyung iria guardar tudo para si.
- Appa? - Chama, a voz fininha e doce fez o maior despertar dos devaneios. As feições tão delicadas, a pele pálida e os olhinhos puxados como os de sua mãe, Aurora tem a aparência toda de Yuna, mas o sorriso era dele, assim como a personalidade também.
- Sim?
- A vovó tá chamando para comer. E também, está chovendo Appa, vai ficar dodói.
Isso o fez notar que a criança segurava um guarda-chuva pequeno, com alguns bichinhos desenhados .
- Estou indo. - Responde com um sorriso.
Estava tão entorpecido que mal notou a chuva gelada o cobrindo.
Seus pensamentos evaporaram, seus olhos focaram-se no agora, Taehyung notou que ainda estava em frente ao computador, os lumes ardiam, o café havia esfriado, a raiva havia retornado. Olhando para a janela, notou que a chuva havia dado uma trégua mas o tempo permanecia fechado, sentia-se claustrofóbico e precisava sair para respirar.
O banho foi seguido de água fria, os cabelos negros já encharcados pela água, Taehyung apoiou a destra contra o azulejo negro, baixou a cabeça e fechou os olhos, odiava todas aquelas emoções, detestava ser bombardeado por elas.
Já faz tantos anos, tanto tempo que deixou de ser quem é, não queria aquele Taehyung de volta. Não queria nada daquilo, pois não havia nada, apenas o maldito vazio que foi deixado. Só o agora importava, o resto que se foda, pensou o moreno sorrindo ainda de olhos fechados.
Após o banho, se vestiu calmamente, diante do espelho, revelava sua beleza, o corpo que todas desejam, Taehyung amava cada parte de si, amava sentir seu ego massageado por quem o vê. Bom para si, e péssimo para quem o acompanha, pois é sempre a primeira e a última vez de terceiros.
As roupas lhe caíam tão bem, parecia um modelo, seu estilo rústico condizia bem consigo. Como se fosse feito apenas para ele. Por fim, colocou o casaco negro, ajeitando a gola, arrumou os cabelos deixando-os para trás.
Não podia sair sem deixar algo para sua hóspede comer, apressou-se por ajeitar uma bandeja com tudo que ela precisasse, pães, frutas, suco, o que mais encontrou, colocou os remédios junto a um copo d'água e foi até o quarto, digitando novamente a senha para destravar a porta pesada de aço.
Ela ainda dormia. Taehyung deixou a bandeja na cama, abriu apenas as algemas, olhou por alguns segundos e saiu, quando voltar falaria com seu bichinho de estimação.
As chaves do carro já estavam em suas mãos, saiu do apartamento rumo às escadas, não se importava em descer ou subir, fazia isso sempre que precisava sair, então não era lá um grande empecilho.
Tomou cuidado para não ser visto, seu carro estava em outra rua, no mesmo lugar de sempre, ajeitou o casaco e saiu para chuva fina, não sem antes notar um caminhão do outro lado da rua despachando mudança, seus lumes castanhos focaram no homem encostado em uma caminhonete, parecia alheio enquanto falava com alguém ao telefone.
Taehyung não deixou de notar o quão lindo era o homem, lábios finos e rosados, a pele tão alva que o deixou com vontade de tocar, saber se era tão macio quanto aparenta, às vezes largas e enormes para seu tamanho, logo um sorriso surgiu na feição do estranho, os dentes avantajados, lindo pensou novamente Taehyung diminuindo o passo para olhá-lo com mais atenção.
A ligação talvez tenha sido encerrada, já que o celular foi posto no bolso da calça, a chuva mal parecia incomodá-lo, mas a voz logo trouxe uma sensação um tanto nova para Taehyung.
- Com licença. - Diz.
- Sim.
- Tem algum isqueiro? Acabei de me mudar e pareço ter perdido o meu. - Explica sorridente.
- Tenho. - Responde Taehyung friamente.
O objeto pequeno foi entregue, o moreno esperou até pegá-lo de volta.
- Obrigado. Mora por aqui? - Pergunta antes de tragar a fumaça do cigarro entre seus dedos.
- Moro a alguns quarteirões daqui.
- Me chamo Jungkook. - Se apresenta .
- Taehyung.
Ambos trocaram um cumprimento simples, o maior sorriu contido, sentiu seu interior vibrar ao sentir o contato quente das mãos do menor. Uma parte maldita de sua mente sentiu uma necessidade irrefreável e possessiva de ter Jungkook para si.
Taehyung pensou em prosseguir com a conversa, um carro parou atrás da caminhonete chamando ambas atenções, o loiro saiu do veículo, ajeitando a jaqueta de couro e os óculos no rosto, aproximou-se do menor com um largo sorriso .
- Fazendo amizade com os vizinhos, Kookie?
- Sim. Esse é Taehyung. - Responde o menor puxando o loiro para perto.
- É um prazer conhecê-lo, sou Park Jimin.
- O prazer é meu.
- Obrigado pelo isqueiro cara. - Agradece.
- De nada. Preciso ir. Tenho um compromisso, Sejam Bem-Vindos.
Taehyung afastou-se dos dois, o maxilar travado, caminhou em silêncio até seu veículo, adentrando rapidamente visto que a chuva começou a piorar, colocou a chave na ignição e sorriu, não um sorriso amigável e sim um sádico.
- Parece que tenho uma nova diversão. - Murmura saindo do acostamento.
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INTEMPÉRIE: qualquer extremo das condições climáticas (vento forte, temporal, seca, calor tórrido, nevasca etc.) ou acontecimento infeliz; desgraça, catástrofe, infortúnio.
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