Capítulo 9: Última Alternativa.
A mochila estava sobre a cama, e os cadernos ordenados de acordo com as matérias por ordem alfabética. Entretanto, via tudo meio desfocado, com os olhos inchados e cheios de lágrimas, havia chorado compulsivamente desde o dia anterior. Precisava terminar os trabalhos... Será que ainda precisaria entregá-los?
Ir ao Colégio não se resumia apenas nas aulas ou em conversas paralelas, mas também em liberdade. Não compreendia porque a mãe a afastava de todos, sem permitir visitas das suas colegas mais próximas. Era tudo regrado e vigiado.
Até Sabrina que estudava com ela desde os quatro anos de idade era vigiada. Não entendia o porquê de tanto medo.
Despertava todas as manhãs na esperança vindoura de dias onde existissem opções, tais como ir ao cinema, em uma festa, em uma feira de livros, qualquer coisa sem a presença inquisidora de Fernanda.
A primeira festa de aniversário, a de Lory, fora um caos e teve que ir embora cedo. Desejava mais contato com as pessoas para além do colégio. Já tinha dezessete anos e era tratada como se tivesse dois. Sem possibilidades, escolhas.
— Isso tem que ter um fim! — levantou-se depressa.
Declarou para si, olhando-se no espelho. A mancha roxa havia amenizado.
Fernanda abriu a porta do quarto da filha, foi até o banheiro, usou o perfume.
— O meu acabou — informou.
— Mãe, amanhã preciso ir para a aula. Tenho trabalhos para entregar e apresentar. — a voz dela tremeu.
— Você não vai mais pro Salvatore. — anunciou de forma natural.
— Como assim?! — viu-se dominada por um medo avassalador.
— Quando eu chegar de viagem vou pegar sua transferência!
— Viagem? Transferência? —– não conseguia raciocinar.
— Sim, meu chefe me pediu para ir em Curitiba fazer uma inspeção nas lojas de lá. Vou voltar só na segunda ou terça da semana que vem. Vou pedir para uma prima minha ficar com você ou vai pra casa da sua avó! — comunicou.
— Não quero ser transferida do Salvatore! — falou de uma só vez.
Fernanda fingia não a escutar.
— Ainda tenho que passar nas lojas da Mooca e Vila Prudente. E tenho que ir a São Caetano do Sul! Ou seja, estou na correria. Sem tempo para discutir algo que já está decidido.
— Mãe, me escuta... Não quero sair do colégio! — continha o desespero.
A mãe a encarou lívida.
— Que bom que você não se manda, não é mesmo?! — franziu a testa.
— Por favor! — suplicou chorosa.
— Já liguei pra Roberta e já entrei em contato com a outra escola. É muito boa e muito mais barata. É um pouco longe. — falava gesticulando como se aquilo não prejudicasse sua filha.
— Qual escola?
— Dom Paulo Lopes.
— Mãe! É muito longe! É no Tatuapé! — esbravejou. — O Salvatore é aqui do lado.
— Bom mudar de ares... O Salvatore é muito elitista! — moveu a mão esquerda e fez uma careta de nojo.
— Tem noção do quanto isso vai me prejudicar? Enem, vestibular! O ano letivo...
Fernanda não se importava com as queixas da filha, queria vingar-se de Pedro.
— Você é inteligente! Sei que as más companhias do Salvatore estão te prejudicando!
— A única pessoa que vai me prejudicar é a senhora se fizer isso!
— Quer ficar com o outro lado da cara roxo também? — esbravejou.
A garota abaixou a cabeça, contendo a onda de raiva que disseminava pelo corpo.
— Eu sou sua mãe! Sei o que é melhor pra você! Assunto encerrado! — foi até a cama e atirou o material da filha ao chão.
— Não faz isso! — tentou impedi-la.
— Vou trazer material novo quando voltar! E comprar o uniforme também. O novo colégio é mais organizado. Esse negócio de ir com qualquer roupa... Vejo como aquelas putinhas vão estudar: pedindo para serem estupradas! Na verdade, se oferecendo mesmo! — tudo que ela falava exprimia ódio.
Amanda chocou-se com as imbecilidades que a mãe dizia, contudo preferiu manter-se em silêncio. Contestar era a pior saída no momento.
— Vou falar com umas mães. Precisam saber como as filhas se comportam com o cerco de certos marginais! — aproximou-se ameaçadoramente de Amanda.
A garota não se conteve e indagou:
— Essa revolta toda é por causa do seu desentendimento com o Pedro e o pai dele?
— Não pronuncie o nome desse moleque na minha frente! — apontou o dedo indicador no rosto da filha.
Os pensamentos da garota colidiam.
— Preciso saber o que aconteceu para a senhora chegar daquele jeito ontem!
— Não te diz respeito! Só não vou admitir a aproximação dele! — exigiu.
— Somos primos... — argumentou contra.
— Cala a boca! Ele não é nada para mim e muito menos pra você! Sou prima do pai dele, não dele!
Fernanda recuou, arrumou novamente o cabelo e saiu batendo a porta.
A respiração da garota oscilou e o impulso para chorar era intenso. Aquelas palavras a devastaram.
Ouviu o carro da mãe ligar, sair pela garagem e arremessou violentamente os livros e cadernos contra a parede. Disse muitos palavrões ao vento, como jamais fizera! Precisava extravasar o ódio que preenchia cada célula do seu corpo. Jogou-se impetuosamente de costas na cama e fitou o teto, enxugou as lágrimas, que pareciam fogo sobre sua face, e decidiu fazer algo.
Levantou-se e apanhou o celular. Discou.
Ele precisava atender. Uma chamada... Insistiu! Terceira tentativa! Quarta.
— Alô.
A voz embargou, queria falar muitas coisas e, ao mesmo tempo, nada saía. Assim que ele anunciou que desligaria, finalmente a primeira palavra se formou.
— Não precisa me chamar de tio, Amanda. — riu Henrique. — Sou primo da sua mãe. Portanto, seu também. Me sinto até mais novo. — acrescentou atenciosamente. — Aconteceu alguma coisa?
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O intervalo havia acabado e as próximas aulas eram as mais arrastadas. Matemática, Geografia e Língua Portuguesa. Lory trocava bilhetes com Gustavo, por cima da cabeça de Pedro, que dormia. Vinícius queria saber o que eles conversavam e Gustavo fez um gesto obsceno, com o dedo do meio da mão esquerda.
Bruno, outro protegido e amigo próximo do Clã, riu de Vinícius e voltou à atenção para Sabrina. A seu ver, ela era uma das garotas mais bonitas da sala. A menina prestava uma atenção surreal no professor.
— Perde seu tempo com a Sabrina... Toda fresca! — comentou Vinícius.
— Não tô nem aí, Vini. Consigo dobrar qualquer mulher, por que não ela?
Vinícius o observou e arqueou as sobrancelhas.
— Não sei... — respondeu, voltando a atenção para frente.
O professor Diego era um dos mais engraçados.
Meio gordinho, cabelo crespo e cheio, árabe por descendência... Dado à brincadeira.
Lucas levantou a mão.
— Diga! — olhou empolgado.
— Professor, desde quando o senhor não corta sua barba?
A turma inteira riu.
A aula voltou ao normal, apesar de alguns insistirem no assunto. Ele passou um resumo gigantesco que levou a turma inteira a reclamar.
Pedro debruçou-se sobre a mesa.
— Vou morrer, tem jeito não. — desabafou.
Na última aula, um dos funcionários de Roberta chamou o professor e convocou Pedro.
Gustavo e Lory o acordaram de maneira engraçada.
— Eu? — vincou a testa.
Apesar de ser um dos piores alunos, pouco era chamado na Coordenação.
Todos o observavam surpresos.
O que poderia ter acontecido?
Pedro saiu pomposo, sem perder sua maneira peculiar de andar, com os braços abertos e uma ginga que fazia Marcela perder a linha de raciocínio.
— Foi bem por causa da bicha! — Vinícius se curvou para Gustavo.
O garoto atravessou os corredores e avistou o aluno que fora espancado no intervalo, logo pensou que ele o tinha entregado. "Não é macho pra isso!", pensou.
Ao chegar diante da porta, ela abriu para o seu espanto.
— E aí, Dona Roberta. O que a senhora deseja? — usou um tom debochado, como de costume. Porém, viu um homem sentado perante a mesa ao fundo.
— Precisamos conversar. — anunciou, fechando a porta.
Nesse instante, o homem levantou, segurando o histórico de Pedro nas mãos e todas as cópias das provas desde o início do ano letivo.
— Pai?
Os batimentos cardíacos de Pedro aumentaram progressivamente. Não era real, não podia ser real. Desde o Primeiro Ano, Henrique entrava na escola somente para deixar e buscar o filho. Tinham uma relação de confiança. Mas após a discussão com Fernanda... Antes ninguém invadia o espaço do outro.
O olhar do pai sob o filho fora devastador. Existia uma escuridão jamais presenciada, havia algo morto dentro daquele olhar.
— Pedro, então isso é o que você tem para me mostrar? — falou perplexo.
— Não sei o que o senhor tá vendo, mas posso explicar. — completou, tentando manter o controle.
— Realmente queremos explicações, Pedro — interrompeu a coordenadora. — Inúmeras faltas, comportamento inadequado, notas baixíssimas, violência, entre outras queixas do corpo docente. — Sentou-se com um sorrisinho no canto da boca. — O senhor não imagina há quanto tempo ansiava elucidar certos fatos.
— Você não frequenta as aulas? —– perguntou— perguntou em tom melancólico.
— O vigia é nossa testemunha de que algumas vezes ele espera o senhor fazer o retorno no estacionamento e sai logo depois. — A diretora contou tranquilamente.
O peito de Pedro estava prestes a explodir.
— Às vezes, eu estava com dor de cabeça e acabava voltando pra casa... Não queria te incomodar.
— Quase sempre? A Roberta me mostrou a frequência! — Henrique tentava se conter.
— Acho melhor vocês sentarem — propôs a mulher servindo dois copos de água do pequeno refrigerador.
Henrique afundou na cadeira e Pedro levou certo tempo para se acomodar ao lado dele.
A primeira parede de tijolos de um muro invisível fora assentada.
— Além disso, posso lhe chamar de Henrique? — perguntou com um sorriso escondido.
Assentiu.
— O coeficiente de aprendizado é insuficiente. Ele está a dois passos de uma reprovação!
Pedro comprimia os olhos para ela cessar.
— Você não faz nada, Pedro! Te dou liberdade pra tudo e a única coisa que peço é pra estudar! — ponderou.
— Muitas das vezes nossos filhos confundem liberdade com libertinagem.
Roberta sentia prazer em completar tudo o que Henrique dizia.
— Não podemos deixá-los voar, precisamos manter as raízes deles bem afincadas no chão — continuou a mulher. — Ainda são menores e estão sob os nossos cuidados, precisam de vigília. Carecem de atenção e, principalmente, limites. É fato que Pedro não tem. — encerrou. — Nós, como professores, somos responsáveis indiretos pela educação, a base vem de casa.
Henrique baixou a cabeça e refletiu.
— Esse conceito de liberdade os faz pensar que são donos da situação. — falava sem intervalos.
— Você tá exagerando, Roberta! — asseverou o aluno.
— Você sabe que não! —– o— o encarou.
— Pedro... — os lábios do pai estavam pesados.
— Essa nova geração é um tanto densa... — tentou explicar Roberta. — Apesar de muitos defeitos, devo reconhecer que seu filho é um bom líder e formador de opinião. As médias são boas em exatas.
— Que podem ser resolvidos. — interferiu o garoto, encarando-a nos olhos.
— Sempre há tempo para o progresso, mas no seu caso é uma luta contra o tempo, tendo em vista nosso calendário escolar. Já passamos da metade do ano e seu último simulado depõe contra... Ah, fiz questão de corrigir o seu. — tinha prazer em falar.
Roberta abriu a gaveta e entregou a Henrique, que abriu quase trêmulo.
Pedro congelou. O chão sumiu debaixo dos seus pés. Ele não podia ver... Não...
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