Capítulo 4: Obsessão.


Apesar de faltarem poucos meses para findar o ano letivo, Vinícius ainda seguia com o plano de se aproximar, cada vez mais, dos líderes do "Clã" — conhecido popularmente pelos corredores do Salvatore. Então, enviou uma mensagem para Lory e perguntou se poderia ir até a casa dela. Aceitou a contragosto, eram relativamente próximos.

— E aí, Vini! – Ela o convidou para entrar em sua casa.

Assim que entrou, ele foi até o grande sofá, onde Marcela mantinha-se sentada com o celular nas mãos. Cumprimentaram-se a distância.

— O que cê manda? — Lory sentou-se em uma poltrona, diante dos dois.

— Tava sem fazer nada em casa... Aí pensei em dar uma volta, vir até a sua casa. Sempre tem o que se fazer por aqui. — riu maliciosamente.

Lory gargalhou e concordou, pegando um controle do Ps4.

— Querem tomar algo? — Ela indicou o bar.

— Não, tá muito cedo ainda. — respondeu Marcela.

— E lá se tem hora pra beber? — examinou a garota, servindo-se de uma dose de vodca. — Quer, Vini? — ele aceitou de imediato. — Pelo menos você, para me acompanhar, já que a Marcela só bebe por turnos. — debochou.

Os dois brindaram e viraram, rindo um da careta do outro.

A beleza de Lory era incontestável. Do olhar lascivo ao corpo simetricamente perfeito, ela atraía homens e mulheres com um simples sorriso. O fascínio era quase imediato. Entretanto, em seu interior, a fealdade predominava regada a preconceitos, vícios e desvios de caráter. Entregue a prazeres insanos, ainda que muito nova, era carente de virtudes. Tinha familiares ausentes, seus pais trabalhavam em outro país, e sua tutora, nas entrelinhas, preocupava-se mais com o financeiro do que com suas ações.

A mulher surgiu de um dos cômodos com umas pastas e cumprimentou os dois.

— Vou ao Rio. Em dois dias estou de volta. Quer alguma coisa?

— Não, não... Obrigada, tia! — a olhou através do copo.

— Cuidado por aqui.

— Não precisa mais fingir estar preocupada. Já assumi a responsabilidade! — falou normalmente, com um sorrisinho sarcástico no canto da boca.

— Como quiser. — devolveu o mesmo sorriso. Desde os dez anos de Lory, cuidava dela e o trabalho fora encerrado no sábado. — Tente cuidar de si mesma.

A garota riu alto, e assim que Clarisse saiu, arremessou o copo contra a porta.

— Que porra é essa, Lory?! — questionou Vinícius.

— A casa é minha, o copo é meu, posso fazer o que eu quiser! Não?! — Foi até o bar e entornou a bebida da garrafa na boca. — Assunto encerrado! Sou maior de idade e foda-se o mundo! — abriu os braços.

Nada mais lhe importava, era dona de si e não havia espaço para nada além de suas vontades. O único bom sentimento que tinha, em meio a todo o egoísmo, era o de amizade. Pedro e Gustavo ocupavam todos os espaços deste sentimento. Por eles, matava e morria.

Após muitos goles, falou com as visitas a respeito da festa na casa de Gustavo, em segredo.

— Acho que vai ser nessa sexta. O que acham? — seus olhos faiscavam.

— Eu quero! — respondeu Marcela de imediato.

Uma fúria invadiu o corpo de Vinícius, encarando-a com o olhar estreito, sentindo-se excluído.

— Quando planejaram isso?

— Hoje depois da aula.

O rapaz bufou e não disfarçou a indignação.

— Por isso saíram juntos e não me convidaram? Estava excluído até você me convidar agora? — retrucou.

— Ah, deixa de frescura! Tô te convidando, não tô? — rebateu áspera.

— Tá... — crispou os lábios. — Mas...

— Mas nada!

As duas entreolharam de forma tediosa.

— Precisa contribuir com quanto? — perguntou Marcela.

— Com nada, né, querida? Vocês são protegidos. — sussurrou piscando. — Agora se quiserem consumir algo mais pesado, já sabem!

— Sei como funciona! — Vinícius moveu os ombros.

— Só vai entrar quem experimentar de tudo. — alertou, aproximando-se de Vinícius, serpenteando. — Sem regras, sem turnos, pois o único mandamento será a diversão. — colocou as mãos sob a perna dele. — Sem ciúmes e cobranças, pois o que ocorrer lá, morrerá lá. — Riu com os olhos.

— Sabe que mantenho minha língua na boca! — desfechou Marcela.

— Por isso amo você. — deu um selinho na amiga. — E a Tainá não será convidada. Ela adocica muito aquele namoro, e o Pedro é como eu, livre! — abriu os braços rindo.

Vinícius a observava, contendo o ódio que brotava do nada. Disfarçava em um sorriso pequeno, no entanto, suas íris flamejavam apenas com a mera citação do nome de Pedro. Seu esôfago ardia na presença do amigo, uma erupção o corroía por inteiro. Queria ser notado como ele, contudo, algo o deixava sempre em segundo plano. Algo que ele tentava descobrir desde o ano passado, quando passou a integrar a atual turma do Terceiro A. Ingressar em um ambiente com os grupos já formados lhe prejudicou bastante. O dia a dia o aproximou da maioria. Focou em Pedro, não querendo apenas ser um protegido, queria fazer parte do grupo. Invejava, discretamente, o carisma altivo do colega. Algo que o contagiava e o destruía ao mesmo tempo, inexplicavelmente.

Nunca abominou e admirou tanto alguém nesses dezoito anos mal vividos. Apesar da antipatia, por vezes, prevalecer, precisava guardar e disfarçar para não ficar sozinho, porque aquele grupo era seu foco principal.

— Vou chamar o Bruno! — continuou Lory — Mas no máximo dez ou quinze pessoas. E a Ana Paula também. — completou, colocando a língua entre os lábios.

Marcela franziu a testa.

— Não gosto dela! — disse enfática.

— Por que ela namorou o Pedro? — examinou com malícia.

— Claro que não! Acho ela chata mesmo! — fugiu do olhar da jovem.

Lory riu alto.

— Me diz como você é amiga da Tainá querendo o namorado dela? — foi direta.

Marcela ficou de pé, embravecida.

— Nunca quis o Pedro! — praticamente soletrou as palavras.

— Tá, queridinha! — ergueu as mãos. — Te conheço. Se você quisesse apenas uma aventura, até dariam certo. O resto... — fez um barulho engraçado com os lábios.

— Como você pode saber tanta coisa dele? — inquiriu Vinícius.

— Assim como sei coisas de todos vocês, sou observadora! — soou presunçosa. — Ele me chama mais a atenção, por ser muito mais parecido comigo. Os iguais se atraem, nesse sentido. — Entornou novamente a garrafa de Gim.

— Você também quer ficar com ele? — questionou Marcela.

Lory riu alto.

— Claro que não, Marcela! Somos amigos... De verdade! Mas nada que me impeça de usar aquele corpo alto, magro e vigoroso que ele tem! — movimentou a língua para fora da boca.

— Não entendo! — Vinícius balançou a cabeça deixando o controle do game ao lado. — Como todas vocês querem ficar com ele? Sou até mais bonito, mais atencioso. Ele é um merda. — concluiu indignado.

— Você tá com raiva dele? — investigou Marcela.

— Não! Somos amigos, apenas discordo de certas coisas. — diminuiu o tom.

— O Gustavo também não concorda, mas respeita. E não tem crises existenciais por isso. — gesticulou Lory.

— Não é uma questão de crise! Só discordo dessa atenção sobrecarregada que vocês dão a ele. — tentava disfarçar, em vão, sua frustração.

— Hummm... — Lory se jogou sobre ele. — Detecto ciúme!

— Claro que não, meu! — A encarou, controlando-se. — Só queria um pouco de atenção também, mas beleza.

Lory lambeu os lábios dele e sorriu.

— Carência... Cobranças... Ciúme... — analisou. — Isso faz com que você seja só você. Isso te mantém a anos luz de ser só metade do que ele é.

— Caralho, Lory! — a empurrou devagar e apanhou a Gim, entornando muitos goles no gargalo. — Ele não pode ser tudo isso! — Retrucou, engasgando-se.

— É você que é quase nada! O erro, meu querido, está em você, não nele. Presta atenção e para de chilique! — Ela já demonstrava raiva.

— Não é chilique. Ele se acha muito! Quer ser o dono da razão até quando não tem. Só queria ser mais notado, sei lá.

— Então saia da sombra dele e seja você. — refletiu Marcela.

— Isso mesmo. — Lory aninhou-se nas pernas da garota. — Tenta ser você, e talvez alguém te notará.

Tainá reiterou o convite para ir ao cinema, e Pedro logo aceitou, para quitar a obrigação com a namorada. Estava farto de cobranças. Era um filme de super-heróis, pelo menos não dormiria, como fez uma outra vez. A preguiça o dominava, como de costume. Já era final da tarde. O garoto levantou-se, tomou um banho rápido, apanhou uma roupa no armário e foi até o quarto do pai, que chegara havia pouco tempo, e fora direto inspecionar o serviço de manutenção nas câmeras.

— Ficou tudo ok?

— Ficou. – respondeu o pai analisando as imagens.

— Vou ao cinema com a Tainá! — informou bocejando.

— Beleza! Quer dinheiro?

— Não, não, eu tenho aqui. Valeu.

— Beleza. Cuidado.

Pedro voltou ao quarto, cobriu com um lençol preto o mural com os desenhos de Amanda, e trancou a porta do quarto.

— Falou, pai! — despediu-se fechando a porta e cruzou o gramado rapidamente. Bateu o grande portão de ferro e olhou para a rua movimentada.

Caminhou pela calçada, havia chamado um motorista de aplicativo. Foi caminhando devagar, fechou o portão seguindo pela calçada. Dobrou a rua, ficou analisando umas revistas em uma banca. Dialogou por alguns minutos sobre alguns assuntos paralelos com o dono da banca, quando apalpou o bolso e percebeu que havia esquecido a carteira na mesa da sala. Teve que retornar.

Chegou em casa e cortou a sala rapidamente, apanhou o objeto e ouviu uma voz de mulher vindo do quarto de seu pai. Franziu a testa e a curiosidade o dominou.

A porta estava entreaberta, o garoto aproximou-se devagar, parando diante da pequena abertura e surpreendeu-se ao ver a mãe de Amanda, com as mãos nos ombros de seu pai.

— Estou há horas esperando ele sair, pra você simplesmente me dispensar?

— Não posso fazer nada. Não somos mais crianças, Fernanda! — tentava se desvencilhar.

— Sei que não. Por isso tô aqui! — falava com desejo.

— Acho que já passamos do limite há muito tempo! É passado, acabou!

— Amor de primo nunca morre. — sussurrou no ouvido dele, oferecendo-se.

— Você sabe que eu tenho outra mulher. Estamos pensando até em casamento. E você presa ao passado. — desvencilhou-se dos braços dela.

— Não interessa se você tem alguém. Assumo o risco de ser a outra, assim como sempre fui! — olhava hipnotizada.

Henrique se afastou e apoiou o braço esquerdo na janela.

— Já tentamos isso e não deu certo! — queria que ela fosse embora.

Correu até ele e o abraçou por trás, quase delirando com o cheiro que emanava do pescoço dele.

— Eu quero tentar para sempre, primo! Você não acha a nossa relação às escondidas excitante? — desceu a mão e o apalpou no pênis.

— Não como antes. — girou o corpo e a encarou.

— Não é o que sinto. — continuou segurando com mais afinco. — Nós nos gostamos desde sempre. Não deixe isso morrer.

Ele fechou os olhos, praticamente cedendo.

— Há coisas que não duram para sempre, Fernanda. — sentenciou.

— Posso fazer durar! — o beijou intensamente.

Nesse momento, o celular do adolescente tocou e a imagem de Tainá surgiu no display. O nervosismo que o dominava, fez o aparelho despencar ao chão.

Henrique empurrou Fernanda e virou rapidamente, assustado.

Foi até a porta e a abriu com o semblante indescritível.

— Pedro... — a voz pesou.

O adolescente olhava diretamente a mulher, incrédulo.


Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top