Capítulo 3
Capítulo três
"Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes, é necessário ser um."
Fernando Pessoa
Um, dois, três toques, pensei em desligar...
- Alô... – uma voz sonolenta atendeu.
- Desculpe-me, acho que te acordei...
- Alô! Joana? – sua voz estava mais firme agora – não... Eu... É você?
- Oi Maurício, sou eu... Te acordei?
- Não! Sim... Eu estava vendo um filme... Acho que cochilei...
- Éh eu tenho certeza – falei rindo – não mudou muito hein?
Em seguida eu me arrependi do que acabara de falar.
- Em algumas partes não mesmo. – parou um pouco - como você está? Já chegou a Viana ou está em Vitória?
- Não, estou em Londres, mas acho que vou ter que voltar... Parece que está acontecendo alguma coisa...
- Ah... Achei que... Você...
- Preciso de sua ajuda... – o cortei.
- Fale! Está tudo bem com você?
- Sim, não estou doente doutor, mas tem algo acontecendo por aí que não consigo saber... Estão me escondendo alguma coisa, como sempre. Você sabe de alguma coisa?
- O que você está falando? O que você não sabe?
- Maurício! O que você sabe?
Ele ficou mudo.
- É minha mãe? Ela não está bem? É isso? – levantei e comecei a andar pelo apartamento - eu sabia que estava acontecendo alguma coisa, faz quase um mês que não falo com ela.
- Joana se seu pai não te contou nada, ele deve ter seus motivos, não posso me envolver neste assunto de família assim.
- Por favor, Mau estou ficando nervosa, o que você sabe e não quer me contar?
- Fique calma, vou falar com seu pai amanhã e ligo para você, combinamos assim?
- E você acha que vou conseguir dormir essa noite sabendo que tem algo errado com minha família e meus amigos sabem e não querem me contar? – estava quase chorando.
- Joana você tem que confiar em mim. Eu não posso ir de encontro com sua família de novo, já tivemos muitos problemas no passado.
- E que satisfação você tem a dar a eles? Está com medo de quê?
- A eles nada, mas a você... Não quero ver você sofrendo.
Isso tirou meu chão, sentei e fiquei quieta.
- Seu pai não te pediu para voltar?
- Ele pediu, mandou, ordenou... Mas não me deu nenhum motivo plausível para eu largar tudo aqui e voltar.
- Eu te garanto que tem um motivo e você deve voltar o quanto antes.
- Irei amanhã – pensei alto - você me fez decidir isso agora. Pelo seu jeito é algo grave.
- Amanhã eu te ligo. Neste número mesmo?
- Sim.
- Mau... Obrigada...
- Jô... Há tanto tempo ninguém me chama assim...
- Desculpe...
- Eu gostei de você ter me ligado.
- Eu liguei hoje à tarde... – eu ia contar.
- Não recebi nenhum recado...
- E você acha que aquela imbecil iria te falar que eu havia te ligado?
- E por que ela não falaria?
- Pergunte a ela?
Silêncio...
- Desculpe Maurício não foi para isso que te liguei. Obrigada. Estarei voltando e não se preocupe comesse assunto. Você já me deu uma luz que eu precisava para decidir se voltava ou não. Vejo que tem algo sério. Nem precise ligar para papai.
- Mas eu faço questão...
- Você deve ter muito mais para se preocupar que com os meus problemas...
- Joana! Pare! Eu já te falei que vou te ajudar... – falou ele mais alto.
- Desculpe...
- Pare de pedir desculpas, não tem motivo para isso... Fica parecendo que somos dois estranhos...
- E será que já não somos?
- Como? Se você está marcado na minha pele?
- Você não tirou isso ainda?
- Por que eu tiraria?
- Sei lá... Sua namorada...
- Nós fizemos um pacto, se a sua parte não tem como voltar a trás, a minha também não!
Fiquei muda.
- Boa noite, Mau Maurício.
- Boa noite Joana, dê notícia.
- Obrigada.
Desliguei o celular e fiquei olhando o nada e mergulhada no meu passado.
- O que foi? – perguntou Melissa sentando e tirando o celular da minha mão.
- Ele não mandou tirar a tatuagem ainda. Depois de tanto tempo... – por fim falei.
- Deite aqui no meu colo. Fale mais dele para mim. Você nunca falou muita coisa...
Então comecei a contar toda minha história, desde quando nos conhecemos. Chorei, dei risadas e fiz tudo isso junto.
Comecei...
- Nós nos conhecemos no dia do meu aniversário de 15 anos. A única coisa boa daquela minha festa. A partir daquele dia, sempre arrumávamos um motivo para estar juntos. Como ir ao cinema, tomar sorvete, passeio na praia, ao parque...
- Nosso primeiro beijo foi bem no alto de uma roda gigante. Nunca esqueci aquele dia. E até hoje quando olho para uma roda gigante lembro com saudade daquela época simples da minha vida.
- Passamos a ficar bastante tempo juntos, e neste momento estranhei algumas atitudes da Denise, cheguei até a pensar que ela poderia ser apaixonada por ele. Então perguntei e ela que negou dizendo gostar do primo dele, o Felix, mas que este nem a notava e que estava estudando em Vitória. E sua "suposta" estranheza era estar um pouco afastada de mim. Sentia minha falta.
Fiquei pensando no assunto e acabei definindo dias dos amigos, que Maurício acabou concordando. Desde que eu ficasse junto de mulheres e ele com homens.
Assim por muito tempo deu certo. Até que uma garota da escola deixou claro ser apaixonada pelo Maurício. E começou a fazer insinuação sobre as saídas do dele com os amigos.
Era estranho porque ela sempre era fria comigo e até maldosa em algumas ocasiões. E eu não conseguia entender isso no início, até perceber que ela era apaixonada por ele.
Nesta época, minha mãe relaxou um pouco as preocupações comigo. Mas foi saber do meu namoro, as coisas começaram a ser como antes.
Ela sempre queria saber onde eu estava, e com quem?
Veio com papo de cuidar do corpo e preservar a intimidade e mil coisas. Então eu fui clara:
- A senhora quer saber o quê? Tem medo de quê? Que eu transe?
Seus olhos ficaram parados em mim, e que mais tarde eu me arrependi como falei e pedi desculpa.
- Desculpa mãe, mas eu não aguento mais, tudo que eu faço vocês tem medo. Eu não consigo ter minhas próprias escolhas.
- Filha você é muito nova. Precisa de muita orientação ainda. Eu me preocupo, porque não quero ver você sofrer.
- Mas como vou aprender se não tentar?
- Filha, se nós podemos evitar, por que deixar você sofrer?
- Para eu saber como é! - mas eles não entendiam o que eu queria.
E assim foi passando o tempo.
Um dia eu estava na casa da Denise, na varanda do segundo andar. Batíamos papo depois do almoço, e estávamos vendo o movimento na rua. Quando surgiram várias risadas e gritarias vindas da vizinha. Que era nada menos a casa onde a Adriana morava, aquela da escola que gostava do Maurício.
E quando olhamos para ver o que estava acontecendo, quem aparece na janela?
Pois é, o próprio!
Maurício!
Aí que raiva!
Que ódio!
Eu me senti uma boba naquela hora e naquele momento.
Meu mundo caiu naquele dia. Senti um arrepio gelado subir pelo meu corpo.
Ela sorrindo olhava para mim, sentindo-se vitoriosa.
Ele saiu de lá no mesmo instante e veio me procurar.
Eu não aceitei falar com ele, pois estava com muita raiva, ele tentava explicar para Denise que não havia acontecido nada, ele simplesmente fora almoçar lá, a pedido da tia da Adriana que gostaria de falar com ele.
Eu escutava atrás da porta, mas não apareci para olhar nos olhos dele.
Quando mais tarde ele me ligou, contou toda a história.
Adriana era criada pela tia, sua mãe quando a teve era solteira e muito nova, depois de muitos anos casou-se e a tia não aceitou separar da menina e nem Adriana quis ir morar com mãe.
O que Maurício tinha haver com a história? O pai dele era irmão do verdadeiro pai dela, que não havia a reconhecido judicialmente e de certa forma eles eram primos. E a Adriana agora queria entrar na justiça para ser reconhecida, estava fazendo uma confusão na família por causa disto.
A tia dela, Dona Cidinha gostava muito dele, e sempre achou que ele era uma boa companhia para a sobrinha, que vinha dando trabalho com essa história de paternidade e exames de DNA. Chamou-o para almoçar e ver se ele conversava com ela para que mudasse de ideia.
Mas no final, ele percebeu que ela armou tudo com uma amiga para que eu o visse na casa dela.
Depois de pensar no assunto eu não fiquei brava com ele, não dei esse gostinho a ela.
Mas durante todo o nosso namoro ela tentava criar alguma coisa para nós separar. Até telefonemas "anônimos" eu cheguei a receber.
Os nossos pais também começaram a questionar nosso namoro, por dois motivos:
Um era o Maurício estar para fazer vestibular, medicina.
Dois, por sermos muito jovens e estar namorando tão sério.
Três, por ele não ser de uma família de situação financeira parecida com a nossa.
Tudo uma grande palhaçada, preconceitos e sem noção da realidade.
Mas éramos tão parecidos e parceiros que nada e ninguém não conseguiam nos separar.
Chegamos a fazer um ano de namoro e ele iria fazer universidade fora da cidade. Foi um momento de crise para nós a distância. Ele queria mais intimidades e eu ficava receosa com isso.
Mas quando ele passou no vestibular, nós tivemos nossa primeira noite juntos.
Fizemos um pacto de amor. Eu me entregaria para ele como prova do meu amor. E ele fazia uma tatuagem com meu nome.
Assim ficava evidente que ele era somente meu. E eu somente dele.
Fomos para um hotel fazenda da região somente nós dois.Escondido de todos, é claro!
Eu falei na minha casa, que passaria a noite na casa da Denise, e ele, viajaria com os amigos.
Foi maravilhoso.
Fizemos amor bem devagar, sem pressa e sem medo de sermos descobertos. Ninguém sabia onde estávamos.
Ele teve todo cuidado comigo, não me queria ver tendo qualquer tipo de dor e desconforto na minha primeira vez. Eu por isso fingi não ter tido mesmo na hora que ele me possuiu, queria o ver feliz. Mesmo porque o desconforto foi bem pequeno em relação a minha vontade de ser dele. Depois as outras vezes foram ficando cada vez melhor.
E eu sabia que era ali nos seus braços o lugar onde eu gostava de estar.
Não nos protegemos e corremos todos os riscos de uma gravidez. Uma total irresponsabilidade, eu penso hoje.
Quando voltamos domingo à tarde nossa fuga já havia sido descoberta.
Eu tive que sentar no sofá e escutar como sempre todas aquelas histórias de novo, em forma de sermão é claro!
Fingia escutar, mas meus pensamentos estavam no nosso fim de semana. Não respondi e nem criei confusão naquele dia.
Estava tão feliz que nada iria estragar aquele momento raro na minha vida, onde eu me sentia bem e livre.
Quando eu estava em casa era sempre um tédio, era questionada o tempo todo, amputada em tudo que eu queria fazer, e se tivesse um pouco de aventura?
Nossa!
Ferrô!
Não sairia de casa. O que me fazia mentir sempre.
Entrei na aula de desenho e pintura somente para passar mais tempo fora de casa. E descobri naquelas aulas uma forma de extravasar minhas emoções e passei a curtir o que fazia.
Era frustrante o zelo dos meus pais, tudo que saísse do limite da segurança, a zona de conforto deles, eu não poderia fazer.
E junto com Maurício eu fazia de tudo. Ele me incentivava a fazer o que eu tinha vontade. Com ele eu aprendi dirigir, pulei de asa delta, fiz bang Jump e tomei meu primeiro porre e vomitei tudo nele.
Conseguia sair da bolha que eu sempre vivia.
Foi uma época muito feliz. Acho que a única, na minha adolescência.
Até que saiu os resultados do vestibular e ele iria para Vitória fazer medicina, não era longe, não chegava a dar 30 quilômetros, meia hora no máximo. Mas com isso passamos a ficar a semana toda separados e encontrarmos somente durante o fim de semana, no entanto falávamos por telefone durante a semana toda.
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