Sobrenome Choi
HanSol soube desde o começo que era diferente das outras crianças. Desde que se entendia por gente, se incomodava com a sua própria imagem. Aliás, a imagem de Sofia, refletida no espelho. Cresceu repelindo seu eu que usava vestidos floridos e cor-de-rosa, seu eu que usava os longos cabelos em gloriosas tranças, seu eu que usava meias até o joelho e sapatos com um pequeno salto embaixo. É.
Sofia apenas sentia como se aquilo não estivesse certo de maneira alguma.
Na época, ela, se sentiu bem pela primeira vez aos nove, quando experimentou algumas roupas do seu pai. Dez números maiores que os seus, a camisa larga demais escondia todas as suas curvas que começavam a se formar.
— Mãe, acho que quero ser menino. Não gosto de ser menina. — Dissera, no mesmo dia. A mãe riu, acreditando ser mais uma bobagem infantil.
— Você é menina, Sofia. Sempre vai ser.
Sempre vai ser. Relutava contra o "sempre" com todas as suas forças infantis. Aos poucos, junto de sua puberdade, todos os seus problemas começaram realmente. O corpo se desenvolvia muito rápido, o incômodo menstrual era visível em seu rosto, e a sua autoestima começou a sumir gradativamente até se resumir a algo próximo do zero. Seus pais não deixavam que usasse roupas masculinas desde que havia dito que queria ser menino.
Até mesmo chegaram a levar a pequena Sofia à igreja por longos e torturantes anos, onde ela escondia seu verdadeiro eu por trás de uma máscara de infelicidade. Era isso. Sofia Chwe vivia infeliz enquanto HanSol adormecia em sono profundo dentro de si.
Aos quatorze, conheceu SeungCheol pela internet, embora estudassem na mesma escola. Se tornaram amigos rapidamente, e em seguida, melhores amigos. Sofia sentia que podia ser um pouco mais ela quando fugia para a casa de SeungCheol e ele lhe emprestava uma de suas camisetas largas. Ele foi seu príncipe em sua festa de 15 anos, em outubro do ano seguinte.
A depressão devido à falta de cuidados consigo mesma, a baixa autoestima e as fortes certezas mais que absolutas que não se sentia confortável sendo tratada por Sofia, a levaram a começar a pesquisar. Estava sozinha no mundo? Teria que conviver com a infelicidade para sempre? Teria que conviver com aquilo que havia recém descoberto se chamar disforia? Odiava seu corpo. Odiava tudo em relação à Sofia Chwe. Na internet mesmo, foi onde viu o termo pela primeira vez.
Transgênero.
Com a ajuda de SeungCheol e escondida de seus pais, ela se consultou com um psicólogo. Várias sessões foram feitas até que se descobrisse. Sim, droga, não era só paranoia. Sofia demorou um pouco a se aceitar, para ser sincera. Sincero. Mas não havia escolhido nenhum nome, não sabia nem por onde começar, não sabia o que fazer e nem tinha mais dinheiro para pagar o profissional que havia o ajudado tanto. Recorreu a sua melhor escapatória: o menino Choi, que agora possuía os fios platinados.
— Cheol, preciso conversar com você. — Foi a primeira coisa que disse naquela tarde, quando adentrou o quarto tão conhecido por si.
— Ótimo. Também preciso conversar com você. — Seu tom era preocupado, embora tivesse o mesmo semblante tranquilo de sempre.
Agora ele, se sentou na cama do melhor amigo. "Você primeiro", gesticulou. SeungCheol se aproximou e tocou sua mão suavemente, deslizando seus dedos por entre os menores até os entrelaçarem. O toque enviou calafrios por todo o corpo mais baixo, e o frio na barriga que estava se tornando habitual a cada vez que SeungCheol se aproximava um pouco mais, se fez presente. Seus pelos se arrepiaram por completo quando os lábios cheios roçaram sua bochecha num selar casto e se dirigiram até o seu ouvido.
— Estou apaixonado por você. Estive apaixonado por você desde o dia em que nos conhecemos. Eu apenas não consigo mais guardar isso pra mim. — Sussurrou, com cuidado, o que arrancou um risinho tímido do mais novo dentre os dois.
— Eu não sei se mereço isso. Não sei se você vai continuar gostando de mim. Eu sou trans, Cheol. É isso que sempre esteve errado, eu não deveria ter nascido garota.
SeungCheol riu.
— Não tem nada de errado em ser assim. — Disse, enfim, após alguns segundos de silêncio. — E, bem, eu continuo apaixonado por você.
O garoto sorriu, e recostou o rosto na mão livre do mais velho, que o fazia um carinho suave com o polegar em sua bochecha.
— Eu posso beijar você? — Perguntou baixinho.
— Cheol, eu nunca.. Eu nunca beijei ninguém. — Segredou o mais novo, embora suas testas já estivessem juntas e as pontinhas dos narizes se roçando.
— Eu sei.
Os lábios foram pressionados. Céus, foi como um grande recomeço para o loiro. Tudo naquele momento se resumia a Choi SeungCheol, e no quanto ele estava feliz ali. Sentia que, finalmente, tinha a capacidade de encontrar um lugar a qual pertencer. SeungCheol não sabia ainda, mas enquanto, devagarinho, ensinava o seu amor a beijar, o ensinava também mil maneiras de como ser forte para enfrentar os outros mil obstáculos que surgiriam dali em diante.
— Trouxe algo pra você. — Disse ele, alegremente, algumas horas mais tarde. Ainda não haviam decidido um nome para o mais novo entre os dois, mas isso não significava nada. SeungCheol estava se esforçando para chamá-lo no masculino, e isso bastava.
— O que é, hyung? — Isso também era novo. Chamá-lo de hyung ao invés de oppa. Mas era um novo bom.
O platinado espalhou o conteúdo da mochila na cama. Uma camisa larga, uma faixa grossa e uma tesoura. Os olhos do loiro brilhavam, e o grande sorriso foi todo o agradecimento que o mais velho queria. Com cuidado, retirou a camisa do menor, de frente para o espelho.
Sua expressão momentaneamente triste ao se ver foi rapidamente substituída por uma de puro agradecimento ao receber os suaves beijos do amante na região dos seus ombros enquanto este retirava o sutiã e começava a enrolar a faixa, cobrindo os seios e os diminuindo consideravelmente no visual.
— Eu sei que não é o bastante ainda, mas eu vou trabalhar nisso. — Sorrisos foram trocados antes que a tesoura fosse buscada.
Minutos após, o chão encontrava-se sujo, as enormes madeixas já não eram mais parte do visual, que fora feito, claro, pelas mãos da melhor pessoa do mundo. Trocara também as peças íntimas por uma nova, que SeungCheol havia comprado semanas antes especialmente para que "Sofia" usasse em casa. A deu juntamente com uma bermuda, antes do Choi, e a camisa foi o toque final.
— Nossa. Eu estou.. — Balbuciou, com a visão do seu novo reflexo.
— Se parecendo como você mesmo. — Completou o platinado, ao ver que faltavam palavras ao loiro. Ele assentiu, e se apertou nos braços do mais velho, contendo as lágrimas que teimavam em escorrer.
— HanSol Vernon. Acho que meu nome é HanSol Vernon. — Sussurrou repentinamente, ainda nos braços do amado. — Chwe.
— Então tá bom, HanSol Vernon Chwe. Esse é você. — Concordou o Choi. Um suspiro baixinho.
Era dia dezoito de fevereiro. A morte de Sofia Chwe que finalmente deu lugar a HanSol Vernon. O HanSol Vernon que ela sempre havia sido, por dentro.
Foi SeungCheol quem deu seu primeiro binder, também, na mesma semana. HanSol se sentia culpado pelo amado estar gastando tanto dinheiro, mas o mais velho era teimoso, e não adiantaria discutir. Ora essa, ele estava até mesmo ajudando HanSol a conseguir roupas novas! Já dissera tanto a palavra "obrigado" que temia começar a sonhar com ela.
Sonho. Tudo parecia um sonho, mesmo. Seus amigos da escola aos poucos começavam a se adaptar, SeungCheol não tinha medo de segurar a sua mão em público e estava, aleluia, pensando que talvez agora o seu psicológico melhorasse consideravelmente.
— Estava pensando.. Um dia eu vou mudar o meu nome de novo. Pelo menos, eu quero fazer isso. É algo que eu estou pensando bastante nesses últimos dias. — Divagou HanSol, certa tarde dessas, enquanto estavam deitados juntos.
— HanSol Vernon é bonito, querido. Por que pensa em mudar?
— Nah.. Não penso em mudar isso. Quero mudar o Chwe. — Fazia sentido. HanSol estava procurando evitar a todo custo seus parentes nesses últimos dias, ao passar todo o tempo com SeungCheol, chegar tarde da noite e sair antes que todos acordassem no dia seguinte.
— Hmm.. Devemos começar a pensar num novo sobrenome, então?
Olhares foram trocados, e as bochechas do mais novo se avermelharam rapidamente.
— Não.. Eu quero que seja Choi. — Surpresa. Uma onda de felicidade esquisita atingiu o corpo magricela, de tão forte. — Mesmo se nós nos separarmos, quero que seja assim. Você tem feito tanta coisa por mim, eu apenas.. Não pensei em nada melhor pra te agradecer. Mas não quero me separar. Quero que seja Choi porque vamos estar casados um dia, não é? Você vai gostar de mim até lá?
— Que pergunta besta, HanSol. Você e eu vamos nos casar, você vai ser um Choi e eu vou gostar de você pra sempre. — Eles riram.
Pela primeira vez, HanSol Vernon gostou da palavra "sempre".
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