[dois] você aceita?
HÁ COISAS que você não pode controlar, seu instinto é uma delas. De tudo que já precisei lidar, minha sexualidade foi o fator que menos me incomodou. Eu conseguia identificar isso desde mais novo, na minha mente não fazia sentido a necessidade de namorar. Por mais que a religião deixasse claro que dependia disso para procriar, essa parecia uma versão minha que eu jamais pensei em ser. Tive a sorte da minha mãe entender isso bem e ainda me apoiar, eu apenas queria que todos fossem assim. Quando entrei no colegial toda a repressão que não sofri passou a ficar cada vez constante, e por mais que eu não abaixasse a cabeça para os comentários, é impossível não se deixar afetar. E logo depois que fiquei com um garoto daqui tudo piorou, ele me difamou e sofro os efeitos disso até hoje. Contudo, o que o professor disse a pouco me fez pensar bastante sobre o que eu quero e sobre o que estou fazendo com minha vida. E eu preciso fazer com que esse ano valha a pena, talvez eu esteja um pouco desesperado, mas sinto que preciso disso... me permitir viver.
- Então, Tobias, eu queria uma ajuda sua.
- Pode falar. - ele não me olha diretamente, seus materiais ainda estavam fora da bolsa e esta parecia ser sua preocupação no momento.
- É que seus amigos... são um tanto quanto grosseiros comigo na maioria das vezes e eu pensei se, talvez, você não possa me ajudar nisso? - encaro ele que dessa vez olha pra mim. Entretanto sem que ele possa responder, um dos babacas intervém.
- E que tal se você não fosse a merda de um veado? - um garoto de cabelo loiro fala, sequer sei seu nome. Seu riso me enoja, isso é o suficiente para me irritar, principalmente ver que a única reação de Tobias era revirar os olhos, isso nunca me bastou.
- Você não tem nada melhor para fazer além de ser um idiota a toda hora? Tenho mais orgulho em ser quem sou do que você tem em ser esse belo pedaço de merda. - disparo sem conter o pudor, já que o professor já havia saído.
- Quem você acha que é? Se acha mesmo relevante? Você é a porra de um erro, um fracassado, vale menos que um zero a esquerda. Vaza daqui, morde pau. - o loiro se aproxima de mim, me olhando de cima abaixo.
Eu queria não me afetar com isso, queria ignorar e seguir em frente, mas não consigo. Não dá. Eu não consigo reagir ou responder, apenas me retiro da sala e vou para qualquer outro lugar. A essa altura eu nem conseguia segurar as lágrimas, eu estou cansando de tudo isso. Bancar o forte não está adiantando, isso precisa acabar. Já próximo do banheiro, tento me recompor e ir para a aula, a última de hoje. Entro, lavo o rosto, encaro minha face no espelho e engulo todo o rancor e tristeza que agora me afetava, seco o rosto com o auxílio do papel e vou pra aula de geometria - a qual já perdi 10 minutos. Nada aconteceu.
Permaneço com minha cabeça deitada na carteira desde que entrei na sala, Brina estava fileiras mais a frente de mim, achei melhor assim - não dá para falar com ela agora. Eu tentava evitar olhar para Tobias, ele chegou pouco depois de mim na sala, dessa vez sem seu amigo. Mas aquelas palavras... foi como reviver todas coisas cruéis que meu pai fazia minha mãe passar, nunca ouvi algo tão bruto quanto o dia em que ele resolveu nos abandonar, parecia libertador, contudo ver minha mãe afundar depois disso foi o pior de tudo. Era algo que não parecia findar, até ela decidir encerrar esse ciclo a força... para sua sorte, não deu certo.
Mesmo que eu esteja triste agora, lembrar da força que minha mãe vem tendo, é motivo suficiente para me fazer continuar a tentar. Não sou o maior exemplo de resistência, mas sei me reerguer de alguns tombos - mesmo sem ajuda -, e por favor alguém encerra essa aula. É completamente desnecessário geometria ser algo obrigatório; ninguém dá a mínima, exceto o Michael, ele acha que vai ser arquiteto. Para minha sorte, a tortura estava perto de findar e antes que eu menos esperasse, o alarme toca e suspiro com um sorriso a se formar nos lábios.
- Vamos? Meu pai falou que você vai pra expediente hoje. - Brina se aproxima de mim, sem mencionar algo mais. Ela sabia que eu não queria conversar.
- Claro.
- Caleb, posso falar com você? - Não, ele não. Ignoro a pergunta de Tobias e continuo a me dirigir a saída. - É sério, me deixa falar. Prometo não demorar.
- Seu amigo já deixou bem claro, não temos o que falar. - evito olha-lo, enquanto Brina continua sem entender nada.
Ele era, de fato, insistente. Acabou passando na minha frente e me impedindo de passar. Reviro meus olhos em desdém, com um cruzar de braços.
- Brina pode me esperar lá fora? Te encontro em um instante. - Brina faz conforme eu peço e a sala fica apenas com dois presentes agora: eu e ele. - Vai, fala.
- Eu não sei nem por onde começar... cara, eu entendo quão merda deve ser ter de lidar com tudo isso. E sinto muito mesmo por tudo que alguns meus amigos te fazem. Eu te garanto que farei com que eles parem com essa idiotice, você não merece nada disso. - vejo seus lábios se comprimirem, e seu olhar no aguardo de uma resposta minha. Por que ele tem que se importar?
- Agradeço, mas isso não é suficiente. Isso não me priva de ouvir as merdas que ouço, e mesmo que privasse, eu não preciso da sua proteção. Sei da minha força, é só que... - suspiro por um longo tempo. Merda, tudo está vindo à tona novamente. - Quer saber, deixa pra lá, é melhor eu ir.
- Cara, pode falar, sério, não vou te julgar. Eu entendo que não precise da minha proteção, e não é isso que estou oferecendo. O que ofereço é minha ajuda e apoio sempre que precisar, e minha palavra de escoteiro de que vou lidar com meus amigos.
- Essa é a questão Tobias! - fico de frente mais uma vez para ele. - Isso não vai parar, tudo seria bem mais fácil se eu fosse como vocês. Se eu fosse popular, se as pessoas gostassem de mim por uma versão. Enquanto eu for isso... - faço sinal em referência a mim mesmo. -, nada vai mudar. Pode me ajudar nisso, Tobias? - contenho o riso.
- Posso tentar, o que tem em mente? - ele está mesmo disposto a isso?
- Certo... que tal, fingir ser meu namorado? Isso certamente ajudaria. - Aguardo por uma reação dele, que parecia tentar entender o que tinha acabado de ouvir.
- Nossa, você só pode estar desesperado, né? Eu sou hétero, mano. E outra, não tenho certeza se isso daria certo. - Tobias desliza a mão sobre o queixo, cruzando os braços logo em seguida.
- A única forma disso acontecer é se eu fosse popular como vocês, Tobias. - minha voz sai falhada. - Você faria essa merda? Você por acaso teria a coragem de bancar o veado com o veado do colégio? - tento conter as lágrimas. - Eu entendo que não é fácil de pedir. Enfim, esquece, você não me ajudaria, você nunca estaria sequer disposto a enfrentar isso para saber como é lidar com as situações que lido.
- Não sei, Caleb... eu irei pensar. Melhor você ir, sua amiga tá esperando até agora. - Ele não diz mais nada, eu não consigo dizer mais nada. Apenas consinto com a cabeça e saio por entres os corredores em direção ao campus, onde Brina me aguardava impaciente com o telefone nas mãos.
- Caramba, quase não saía, você o pegou? - Brina ironiza, enquanto enlaça seu braço no meu.
- Idiota.
Enquanto ia para o mercado do pai de Brina, eu não conseguia deixar de pensar na conversa que tive com Tobias, ultrapassei os limites em nome de algo tolo. Ele é líder do time escolar, desejado por muitas garotas, é obvio que ele não vai colocar a reputação dele a perder em nome da minha. Nem sei se consigo olha-lo ou falar com ele novamente. Por que tinha de ser tão idiota, Caleb?
Adentro no mercado com Brina, e pelo visto o dia seria longo, tem no mínimo umas 6 caixas com estoque de mantimentos para serem organizados nas prateleiras. O pai de Brina estava se preparando para sair quando chegamos, ele fala conosco, mas logo sai. Ótimo agora lido com interrogatório de Brina por longos minutos.
- Tá. Pode me falar agora o que rolou lá dentro? Ou vai apenas me ignorar como fez da escola até aqui? - ela se escora no balcão do caixa, mantendo uma expressão não muito amigável.
- Tá, tudo bem, vou falar. - reviro os olhos. - Mais cedo pedi ajuda dele, para tentar ser... popular e um amigo dele estragou tudo. No fim da aula de geometria, ele pediu pra falar comigo, se desculpar por tudo. E eu propus que ele pudesse fingir que namorava comigo e ele disse não. É isto.
- O que? Cal, isso não tem o menor sentido. Acha mesmo que pode encontrar o amor assim?
- De novo esse história? Isso não vai acontecer, Brina. Não sou do tipo que me apaixono, e eu iria apenas fingir com o Tobias, não há o menor tipo de sentimento. Eu só quero fazer minha vida melhor, olha pelo meu lado.
- Amigo, eu sei que é complicado, mas acha mesmo que isso vai dar certo? E se você quebrar sua regra quanto a sentimentos? E se ele for um babaca querendo sair como boa pessoa? - As preocupações de Brina eram de fato necessárias e importantes, mas eu apenas pensava em toda a merda que teria que passar durante esse ano.
- Eu sei, eu sei, e... - o ruído do SMS chegando ao meu celular interrompe a conversa, abro no mesmo instante. - Ele aceitou.
- O que?
- Ele aceitou, Brina. Tobias aceitou.
"Tudo bem, eu aceito. 50 dólares por mês? Fico no aguardo." Leio a mensagem em voz alta, minha empolgação a essa altura não tinha mais limites. Senhores, o momento chegou, acho que agora a minha vida vai começar a mudar - eu acho.
Olá mais uma vez, admito que não aguentei ansiedade para postar na quarta. Mas espero que tenham gostado do capítulo e que estejam prontos para mais emoções nos próximos capítulos. As postagens passarão a ser toda terça agora, espero contar com todos aqui. Deixem sua opinião sobre o capítulo e o que esperam que aconteça, nos vemos em breve.
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