[cinco] ele não é meu namorado

— Acha que agi errado? — apoio meu queixo em minha mão, com meu olhar caído, e tendo o cordão do meu casaco como um tipo de distração. Tinha sido um fim de semana complicado, ele sequer enviou mensagem, ou qualquer sinal de desculpas. Eu não consigo acreditar que me deixei ser enganado dessa forma.

— Claro que não, Caleb! Ele foi um completo idiota contigo e com o tal Marcus. Eu te disse que isso daria errado, ele não é do tipo que se importa com as pessoas, Cal. Sinto muito mesmo — Brina segura minha mão assim que me vê suspirar em lamento.

— Devo falar com ele? — fixo meu olhar sobre o seu, ela hesita em responder e mesmo após isso... algo em mim torcia para ouvir um sim. Prometi a mim mesmo dar o melhor de mim para ter um bom ano, e por mais louco que tenha sido tudo isso, poderia surtir um bom efeito.

— Está mesmo dizendo isso? Por que faz isso? Não tem que se torturar dessa forma, é como se gostasse dele.

— Não é isso, é só que... eu tô cansado de tudo isso, dessa monotonia de todos os dias. Lembra o que o professor de literatura falou? Esse é nosso ano, Brina, nosso último. Quer mesmo continuar o resto do ano sem ao menos ter feito algo bom? — pauso. — Eu sei que é idiota eu pagar Tobias, mas é uma forma de me sobressair nisso tudo e quem sabe ter paz.

Tento me convencer dessas palavras, que insisto em repetir mentalmente ao menos duas vezes ao dia. Em pouco o alarme toca, encerrando o intervalo, Brina não fala mais nada. Tenho convicção de que não a convenci, assim como eu, ela apenas quer evitar o atrito. Boa escolha, Attwood. Despeço-me e vou até o vestiário, infelizmente tenho aula de educação física e não é tão divertido dar voltas na quadra até cansar. Puxando levemente a alça da minha mochila, caminho com a cabeça cabisbaixa até o local. O vestiário está praticamente vazio quando entro, isso se não fosse pelo desaguar da ducha que escuto. Após pegar a chave, destravo o cadeado onde minhas estavam, enquanto ouço o ruído da água cessar. Quando me viro... ali está ele, com a toalha envolvendo a cintura e seu tronco exposto. Faço o possível para não encará-lo, apesar de notar seu olhar sobre mim. Dois podem jogar esse jogo, ou não. 

Pego o uniforme e, vergonhosamente, deposito minha mochila sobre o banco a meu lado e tiro os sapatos e logo em seguida a calça, pondo uma bermuda de tecido fino em tom preto no lugar. Quando por fim troco a camisa, me viro e me deparo com ele passando desodorante pelo corpo, o cheiro do produto nem de longe chegava a ser tão irritante quanto o silencio dele.

— Desculpa.

Finalmente ouço ele falar algo, por mais que eu sentisse o vazio em seu tom de voz, apenas consinto, aproximando-me dele.

— Ok. — Com a mochila em minhas mãos, me preparo para sair, mas recuo. Eu precisava falar. — Por quanto tempo ficaremos nessa, Tobias? Tínhamos um trato, ou não? Você disse que me ajudaria, o que Marcus fez foi algo mínimo e você sabe bem a desnecessidade que foi de toda a confusão que causou.

— É que... aquilo foi diferente, foi inesperado, em uma rede social. As pessoas podem levar ao pé da letra, isso pode me prejudicar. — desliza a mão em seus fios castanhos, permitindo que as gotículas d'água caiam.

— Compreendo e peço perdão por isso, mas você sabia de todos os riscos. — sento-me no mesmo banco que ele, ficando de frente para o mesmo. — Não te peço muito, apenas que confie em mim e que possamos fazer isso dar certo. Tudo bem?

— Ok.

— Tudo bem, porque preciso fazer algo. — ele não entende, até eu me aproximar mais, fazendo nossos lábios se tocarem pela primeira vez, não o vejo ceder e mesmo quando tento intensificar o beijo, ele me empurra quebrando o "elo" que havia ali.

— Que merda está fazendo? — Tobias questiona enquanto dirijo meu olhar para os colegas de time e o treinador, que nos encaram agora. É nesse momento que meu remorso vem. — Fez isso de propósito? O que achou que... — ele tenta falar após se dar conta que fomos observados e até gravados.

— Desculpa, Tobias, tenho que ir.

Escondido por trás da arquibancada, tento fugir do treinador e de suas atividades físicas, principalmente após ele ter me visto beijar o capitão do time. Foi uma completa idiotice, mas senti que foi necessário. Não porque sinto algo por Tobias – não me permitiria – e sim porque seria uma boa forma de espalhar o namoro. Apesar de não me arrepender por completo da minha atitude, me sinto mal por ele, uma das últimas coisas que quero lhe causar são problemas. Já tenho até um bastante. Por entre as brechas da arquibancada amadeirada vejo Tobias realizando alguns aquecimentos, seu semblante está mais fechado que o habitual. Tudo bem, talvez eu esteja arrependido agora...

— Qual a brincadeira da vez? — dou um leve pulo em susto, após alguém chegar praticamente do nada ao meu lado. Mas assim que vejo sua face, não consigo evitar que meus olhos deem uma volta.

— Ah, é você. Como está? — indago depois de ter recuperado um pouco do fôlego.

— Melhor. Ouvi alguns burburinhos sobre você e Tobias, isso é verdade? — Marcus apoia seu corpo em uma das colunas que sustentava a arquibancada, sua expressão está mais séria que o normal.

— Os amigos dele estavam lá, então talvez eu tenha pago na mesma moeda. E isso, com certeza, não irá mata-lo.

— Bom plano, ele mereceu. Apesar de eu entender seus motivos, ele passou dos limites. — ele comprime os lábios encarando o piso acinzentado sob nossos pés. — E sobre o namoro, ainda vão continuar? Sua chance de alcançar popularidade, né?

— Eu não sei, Marcus. Seu amigo não é do tipo que facilita situações. — não consigo evitar o rancor.

— Por que isso é tão importante? Me parece infantil buscar aprovação de pessoas que não valorizam quem você é de verdade. — encaro-o a medida que se aproxima mais de mim.

— Não é apenas o fato de ser popular, eu só quero me sentir acolhido, conhecer novas pessoas, ter mais amigos, eu quero ter uma vida. — Ele balança a cabeça acompanhando tudo que falo, sequer sei dizer se isso é algo positivo. Assim que termino de falar, Marcus ri e pousa sua mão sobre meu ombro.

— Sabe, Caleb, há formas melhores de viver. Não dá para apenas fingir ser uma outra versão de si. — encaro o amarelo claro em seus dentes, ao passo que ele me lança um sorriso cordial. — Passar bem.

Após Marcus me dar as costas e se retirar, resolvo sair de baixo da plataforma e me sento em um dos diversos lugares disponíveis na arquibancada. Os garotos da minha turma estavam num jogo que se assemelha ao futebol brasileiro, enquanto que eu permaneço sentado e divagando sobre a conversa que acabei de ter. Talvez ele esteja certo.

Foco meu olhar sobre Tobias que chegou a me olhar algumas vezes, parte de mim quer ir falar com ele e pedir perdão. Entretanto, não acho que ele mereça minha rendição, ele sabia dos riscos que poderia correr. Alguns minutos depois, quando o treino se encerra, saio do meu assento e sigo em direção a saída – apesar de relutar um pouco. Antes que eu possa cruzar a porta e voltar aos corredores, sinto meu braço ser puxado e, mentalmente, torço para não ser outro idiota querendo estragar ainda mais meu dia. 

— Eu quero te dizer algo. — minha boca quase forma a vogal "O", assim que vejo o garoto de cabelos negros e suados me olhar diretamente nos olhos. Eu certamente não poderia prever isso. — Só escuta. Eu sei o que te prometi, eu sei bem o que falei e garantir fazer. É só que não é tão fácil lidar com tudo, as fotos me causaram problemas em casa, e apesar de eu não me importar tanto... pode acabar interferindo na minha vida. Pode parecer que estou dando imensas desculpas para não seguir com isso, mas não se trata disso. Falei que te ajudaria e vou. 

— Okay. — pauso, vendo-o aguardar por uma resposta melhor de minha parte. — Eu devo te aplaudir agora? Eu já estou cansando disso, Tobias. Não pode me falar coisas que não pode cumprir, de nada vai adiantar dizer que vai me ajudar e no momento seguinte me deixar na mão. Eu só quero ser como você e seus amigos, ter uma popularidade e amigos. E mesmo que hajam formas melhores de se viver... é o que quero no momento. — Foi quase impossível não deixar de lembrar da conversa com Marcus.

— Tudo bem. — ele roça a mão no queixo levemente. — Façamos o seguinte, se eu quebrar minha promessa, poderá me bater duas vezes... onde quiser. Temos um acordo?

Apesar de me sentir inseguro sobre isso, seu sorriso e a expressão de um fofo cachorro manhoso me fazem ceder. Talvez eu não devesse ter um coração tão mole.

— Fechado.

Apertamos as mãos selando o acordo, que espero não vir a me arrepender. Seguimos novamente para a arquibancada, nos sentando e passando a conversar sobre o falso namoro e nós mesmos. Aos poucos vamos pensando sobre as regras deste jogo, de forma que ninguém saia ferido ou prejudicado. Neste momento, conheço um novo Tobias, numa versão divertida, amistosa e que parece se importar menos com as aparências. Com quantas facetas terei de lidar?

Ignoro isso por hora e apenas digito em meu telefone a primeira das regras que acabamos de decidir.

Regra número um: Não se apaixone. 

E cá estou com mais um capítulo, espero que tenham gostado. Agora o ""namoro"" irá acontecer, quais as consequências esperam disso? Próxima terça vos conto, tenho uma surpresa.

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