C : 8
Na ética o mal é uma consequência do bem, assim, na realidade da alegria
nasce a tristeza. Ou a lembrança da felicidade passada é a angústia de hoje, ou as agonias que são tem sua origem nos êxtases que poderiam ter sido.
— Edgar Allan Poe.
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JESSIKA SCARLETT
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Minha visão estava turva, tudo absurdamente desfocado, o acontecimento passando em câmera lenta diante dos meus olhos marejados, os sons pareciam tão distantes quanto todo o restante. Era como estar totalmente submersa dentro de uma banheira, a água gelada não deixando nada de mim para fora, o pânico foi substituído por uma espécie de leveza quase sobrenatural.
Uma pré morte que aceitei de bom grado, sem lutas, sem gritos, apenas a aceitação silenciosa.
Mas estou viva, viva o suficiente para voltar ao presente e manter-me paralisada enquanto Sebastian estava sobre mim, arremetendo contra mim furiosamente. O demônio me tomava sem pudor, o sentia dentro de mim, investindo até atingir seu próprio prazer insaciável e sujo; sua mão vem novamente de encontro ao meu pescoço, sei que se tentar qualquer movimento para me livrar dele, seria estrangulada e morta durante o sexo não consentido por mim, porém foi consentido apenas por ele.
Desejava mentalmente que aquilo acabasse logo, parecia eterno, sem um fim…viro meu rosto apenas para constatar que haviam passado quase três horas, todo esse tempo ele me fodia como um animal selvagem sem raciocínio algum. Meus sentidos voltaram a ficar abafados, meu corpo amolecido na cama e olhar fixo no teto pareceu deixá-lo apreensivo, ao ponto de parar e segurar meu rosto com mais força, solto um gemido de dor e esta foi sua confirmação de que não havia me matado.
Ao menos ainda não.
Seu corpo relaxou na última investida, havia gozado pela segunda vez, o líquido dentro de mim chega a escorrer, não vejo mas sinto minhas coxas grudentas, engulo em seco por não sentir seu peso em cima de mim, essa havia sido minha punição pelo que fiz horas atrás — Sebastian deixou o quarto sem dizer absolutamente nada, ouvi a porta sendo fechada e agora podia gritar em plenos pulmões, me debato conforme a dor emocional se sobrepõe a física, o suco gástrico do meu estado volta, me viro apenas para vomitar sobre o tapete, despejo tudo, ofegando, chorando e gritando para ser tirada dali, para ser salva por qualquer um. Minha garganta queima tanto quanto entre minhas pernas, cambaleio até o banheiro, perco o equilíbrio de ponto, por pouco minha cabeça não acerta o vaso sanitário, nua, suada e machucada me encolho, chorando e lamentando uma existência que antes costumava gostar.
Odeio sentir-me imponente, frágil, ter ciência de que não tenho status e muito menos dinheiro para impedir o poderoso Velark dos seus planos tenebrosos, onde todos sem exceção me fazem viver o que há de pior na Terra.
Tomo força para entrar no boxe e ligar o registro, enquanto minhas lágrimas se misturam a água quente, esfrego cada parte da minha pele até tomar uma coloração avermelhada, ficando sensível ao toque, esfrego meus cabelos até doer, tudo para me livrar do seu jeito, do seu toque em mim e todo o ato maligno — não consigo sustentar meu próprio peso, tenho me escorado na parede e objetos, diante do espelho lamento minha fisionomia, lábio inferior cortado e rachado, olhos vermelhos pelo choro latente que tem feito parte de cem por cento dos meus dias presa nessa droga de lugar. Depois de escovar os dentes percebo o dia já exibido no céu azul, não faço ideia do tempo em que permaneci no banheiro, no entanto, tudo foi organizado, o vômito foi limpo, o café da manhã está no mesmo lugar que todas as vezes, o enjoo gradativo não me deixava comer nada, nem mesmo o cheiro gostoso foi capaz de me levar a sentar e contemplar o sabor das frutas, panquecas doces com calda de caramelo.
Enrolada na toalha, minha pele arrepiava com o vento fresco que adentra o quarto devido às portas da sacada estarem abertas, empregadas entram para tirar tudo da mesa e colocar o almoço, que assim como o anterior ficou mantido intocado até esfriar e ser tirado um tempo depois. Negligenciar o básico para sobreviver me degrada rapidamente, em poucos dias passei a odiar a cor azul, por conta dos olhos do meu abusador e carcereiro, encarar o céu era quase uma luta, então encaro as árvores, os troncos e terra escura.
— Senhorita? — Ouço um chamado próximo, todavia não respondo, não tinha forças para tal.
— Senhorita? — Seja quem for tentou de novo, não obtendo êxito, pois continuo imóvel.
O tempo sem que pudesse notar, logo o anoitecer chegou, continuei em meu estado vegetativo, o arrepio que senti era igual a quando estou diante dele, então sei que entrou no quarto, sinto seu perfume profundo e distinto, assim como sua respiração alta.
— Jéssika. — Seu chamado trouxe-me a dor de novo, aos momentos vividos que desejo esquecer desesperadamente.
Sou pega sem cuidado algum, minha visão focou em seu rosto, suas mãos em meu rosto desencadeou desespero e amargura, minha fonte de lamento estava diante de mim, ordenando que eu respondesse algo.
— Porra. — Pragueja. — Responda, agora caralho. — ordena.
Empalmo as mãos tremulas em seu peito e o empurro, dando passos para trás, embriagada por sua presença que exala morte e tortura.
— Não faz isso. — Imploro desconntrolada. — Não me machuque, por favor. — Estou aos gritos.
— Tenha calma. Precisa comer.
— CALA A BOCA. NÃO QUERO TE OUVIR. — Coloco as mãos nos ouvidos e grito de raiva, ignorando a dor de cabeça, mal-estar e tontura. — A culpa é toda sua. — Perco total movimento do corpo, seu agir foi rápido, fui amparada antes de ir ao chão. — Se afaste de mim. — Me debato.
— Pare com essa histeria, porra. — Seu aperto em meus braços doeram. — Morra e outra estará em seu lugar, acha que vai me fazer sentir culpa? Queimarei seu corpo junto de sua família e daquele namorado imbecil. — Arregalo os olhos, me desvencilho dele, cambaleando avanço para fora do quarto.
Desço as escadas, caindo nos último degraus, ainda sim não paro, passo pela sala de jantar, parando ao ouvir seus passos se aproximando, na cozinha pego o primeiro objeto pontiagudo, as cozinheiras saem rapidamente, Sebastian estava me olhando com raiva, conquanto suas orbes azuis pareceu escurecer ao entender o que estou prestes a fazer.
— Prefiro a morte do que continuar sendo saco de pancadas. Sendo seu animal para o que quiser. — Digo ofegante, chorando. — Não sou obrigada a suprir seus caprichos, seu maldito. — Estendo o pulso e pressiono a lâmina em meu pulso. Sorrio ao notar seu primeiro passo em minha direção, essa era minha hora, não vou viver mais um segundo, portanto, corto minha pele antes de chegar em mim.
A faca ensanguentada foi tirada de minhas mãos, meu pulso agarrado por sua mão enorme, o cretino estava tentando estancar o sangue.
— SEU FILHO DE UMA PUTA. ME DEIXA EM PAZ. ME LARGA. —- Grito, me debato de novo.
—- Merda. — Faz força contra mim.
Minha mão livre acerta seu rosto com tudo que eu tinha, mesmo assim ele não devolve, muito menos pareceu sentir o impacto, tudo que fez foi tomar-me nos braços e seguir em passos rápidos até um quarto que não era meu, sua mão ainda estava envolta do ferimento, o sangue escorria, pingando no chão enquanto pareço e desejo morrer antes de ser socorrida.
— Chame uma equipe médica até aqui, agora. — Ordena para a governanta, presumo que seja.
Sozinhos começo a rir, gargalhar por vê-lo tão atormentado pelo que tentei fazer.
— Irá controlar isso também? — Questiono, embriagada pela pouca consciência.
— Faça isso de novo e eu mesmo cortarei, será seu pescoço para que se afogue em agonia até morrer. — Ameaça.
— Vamos lá, faça isso então. — Puxo-o pela camisa. — Não era sua promessa? Não foi você que prometeu-me sofrimento? Então cumpra com sua palavra e me mate, seu infeliz do caralho.
Não temo sua ira, não agora. Apenas quero que tudo isso acabe.
— Cale essa maldita boca. — Rosna próximo do meu rosto.
— Você é fraco, é um covarde. — Debocho. — Não é o todo poderoso? Então faça algo seu prepotente hipócrita. — Desfiro outro tapa em seu rosto. — Odeio você. Tenho nojo.
Este não responde, apenas me encara, afastando-se um pouco com a chegada do médico na companhia dos enfermeiros.
— Resolva isso. Coloque-a para dormir, ela está a dias sem comer, os sintomas são evidentes. A quero fora de perigo.
— Sim senhor.
Deixo-os fazerem seu trabalho, sinto o líquido queimar e minhas veias e a escuridão me levar antes mesmo de eu perceber.
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SEBASTIAN VELARK
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Piranha maldita.
Isso que era, confesso que antes mesmo de deixá-la morrer, fui acometido a um sentimento no qual detesto, a culpa não era sentida a um bom tempo, e foi isso que me moveu em sua direção e impedir que o corte fosse mais profundo. Meu rosto ardia com os tapas, minha raiva pouco foi possível controlar, enquanto médicos cuidavam dela, permaneço na sala principal, bebendo uma dose atrás da outra de conhaque, sentindo o líquido acobreado queimar em minha garganta, adormecendo toda minha ira — afrouxo a gravata e pego a garrafa, me sentando no sofá, aguardando sem muita expectativa, pois conheço o diagnóstico e sei que ela terá um encaminhamento para um psiquiatra devido a sua tentativa de suicidio.
Deixo o copo vazio apoiado na coxa, a ligação desesperada de minha governanta fez com que saísse de uma reunião importante para impedir uma loucura, não pensei, apenas corri de forma inconsciente para salvá-la, algo que fugia totalmente dos meus princípios — nunca salvei alguém, apenas matei, e ter feito isso por ela me deixou tremendo de raiva e recusa.
Passos me fizeram ficar de pé, o médico contratado parou dando ordens para os enfermeiros irem para a ambulância.
— Ela está estável, o corte não foi profundo então foi tratado antes dela ser posta num soro para hidratar junto a medicamentos para ajudar com nutrientes que ela prontamente negligenciou. — Explica. — O senhor deseja um encaminhamento para outros especialistas?
— Não. — Inflo o peito, afastando o suposto alívio pelas palavras do profissional. — Venha para cuidar dela, quero-a saudável.
— Sim senhor.
— Se isso vazar na mídia, irei dizimar sua família, deixando-o por último, assim será com seus enfermeiros. — Ameaço num tom brando e carregado.
— Nada será dito, tem minha palavra. Com licença.
Não espero-o sair, subo as escadas, lutando contra mim mesmo antes de entrar e vê-la adormecida, o pulso enfaixado, mantida numa inconsciência turbulenta, me aproximo, encarando a agulha em seu braço, o acesso e a bolsa de soro presa num suporte apropriado para facilitar a passagem do líquido — acaricio seu rosto pálido, a pele ainda macia, porém fria. Pela primeira vez em muito tempo oscilo, tentando agir com racionalidade quando tudo em mim parecia desprovido disso.
Sinto seu coração ao pressionar a palma aberta em seu peito, pensar que neste momento poderia estar a vendo queimar causou secura na garganta, precisava pensar sobre o que fazer, com algo em mente deixo o quarto, fechando bem a porta, seguindo para o escritório.
Recordo-me de minhas idas ao seu trabalho, o medo que sentia ao ver-me entrar, nada passou despercebido por mim, sei que em todas as vezes ela pedia a qualquer outro funcionário para me atender, tudo para fugir de mim, o que não deu tanto certo quanto pensou. Me atender quando não teve outra escolha foi sua sentença final para estar onde está agora.
Agora era minha. Não preciso de nada enquanto ela viver a minha própria vontade.
Trabalho até uma da manhã para consertar o que deixei horas atrás, depois do banho me deito na cama, penso nas possibilidades e na agonia por conhecer bem cada sentimento, sentir em seu ápice ao mesmo tempo que não desejo nada disso — odiava tudo que constitui o ser humano, ser um sociopata não me insenta de porra alguma, apenas me torna um prisioneiro de tudo que repudio, de olhos fechados busco apagar qualquer sentimento insignificante, ao abrir novamente os olhos sinto nada, nada além do silencio e vazio absoluto, todavia, nunca estive tão faminto.
Tão ansioso para devorar Jéssika até que não sobre nada dela para ser encontrada.
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20/08/2023
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