C : 40
dedicado a: TauanaCamila
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Nossas escolhas são facilmente deturpadas quando nossa mente está tão doente quanto nosso corpo.
— Yasmim Santos.
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JÉSSIKA VELARK
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O cheiro delicioso da comida preparada me é tão familiar que a saudade explode em meu peito como se fossem milhares de fogos de artifícios — tiro o sobretudo e o deixo no cabideiro atrás da porta, sigo minha mãe até a sala, onde Christopher e Charlotte se levantam para me receber. Minha mente era um mar turbulento, analiso as feições de ambos e sei que o luto está presente e me ver parecia quase uma
tortura, todavia, possuia alívio e também um pouco de carinho.
— Feliz aniversário, minha querida — Charlotte me abraça apertado, a voz calorosa tornou-se cautelosa e pouco expressiva, mas sei que estava se esforçando ao máximo para estar ali.
— Obrigada, senhora — agradeço, seguindo para meu ex sogro que estava me olhando com pena, algo que não mereço e jamais irei merecer.
— Feliz aniversário, Jess — ele profere com todo carinho que podia, seu rosto era tão parecido com o filho que meus olhos marejam de imediato.
— Obrigada.
Meus pais retornam da cozinha e sou abraçada e acolhida com todo amor do mundo. Seguimos até a mesa onde tudo já estava preparado para ser servido, me acomodo diante dos meus ex sogros e fico em silêncio por curtos segundos antes de dizer:
— Eu sinto muito, por tudo — soou sincera, lágrimas escorrem pelo meu rosto e as trato de limpar rapidamente.
Ambos se olham, minha mão é segurada com certa firmeza e carinho, os lumes que eram idênticos aos dele marejaram.
— Sabemos o quanto sente, querida. Nós também sentimos — diz, engolindo em seco, seu marido por sua vez assente, optando pelo silêncio.
Minha mãe parecia um pouco desconfortável, portanto informou que podíamos nos servir — a comida estava divina, não comentei nada sobre minha repulsa por carne vermelha, se o fizesse, poderia desencadear perguntas que não poderia responder. O silêncio por vezes era quebrado por um comentário e outro, perguntas sobre mim e eu prontamente as respondo com pouco entusiasmo, meu coração segue apertado, aquele nó na garganta me impede de ingerir o alimento posto em meu prato.
Para meu alívio, isso não foi notado por nenhum deles. Após o almoço incrível, o bolo foi posto após eu ajudar a tirar toda a louça suja e prometer levá-los antes de ir — com a vela acesa, o bolo totalmente enfeitado com flores rosas, a música tradicional não foi cantada, ficamos em silêncio e eu fechei meus olhos, fazendo pedidos que duvido que se concretizem, assopra a chama alaranjada e tudo recai nas sombras por pouco tempo, minha mãe acende a luz e toma a frente para cortar fatias pequenas para todos.
— Há algo que queiram me dizer? — pergunto receosa. — Vocês parecem desconfortáveis, algo aconteceu?
Charlotte sorri pequeno, tirando uma pequena caixinha preta do bolso e colocando sobre a mesa.
— Hector estava ansioso por seu dia, em vista que ele não está, então é nosso dever te dar este presente.
Trêmula pego a caixinha, abro com todo cuidado e ali há uma pequena chave prateada.
— Nosso filho usou toda a economia para comprar uma casa para vocês, ele queria te contar, estava ansioso, temendo que a casa não fosse dos seus sonhos — Christopher explica, a mágoa era palpável, trazendo lágrimas aos meus olhos. — Conversamos sobre e optamos por lhe dar o que lhe pertence.
Não merecia aquele presente, infelizmente eles jamais poderão saber o porquê, em vista que ele morreu por minha culpa. Agradeço novamente, engolindo o choro que ameaça vir.
Meus pais também me presentearam, um colar simples que continha uma pedrinha azul em formato de gota e um par de brincos que combinam perfeitamente.
— Obrigada pela presença e também pelos presentes — minha voz soou baixa.
— Nós quem agradecemos, ficamos felizes por você estar realizando seus sonhos, e esperamos que seja feliz — Charlotte me abraça apertado.
Christopher apenas se despede, abraçando a esposa para irem para casa.
Observo-os ir para voltar, seguir até a cozinha e começar a lavar a louça.
— Jessika?
— Sim? Mãe!
— Sebastian não quis vir? — perguntou.
— Não, ele não estava se sentindo bem, preferiu ficar.
— Entendo.
Assim que termino a louça, minha mãe passou café fresco com chantilly e me entregou, meu pai permanecia na sala, assistindo qualquer coisa na tv.
— Você está bem?
— Não, mas irei ficar, prometo.
— Você é forte, querida. Vai ficar tudo bem.
Me despeço de ambos com uma saudade que transborda. O frio pareceu pior quando caminhei até o carro, ao entrar, recebo o endereço da casa, parte de mim não queria ir, outra ansiava por isso, portanto, respirando fundo, coloquei o endereço no GPS, ligo o carro e saí do acostamento.
Durante o percurso, meu coração martela o peito, o choro antes contido, agora desaba como chuva; não demorei tanto para chegar, meu corpo esfriou ao desligar o carro e olhar a casa grande, branca como nos filmes em que víamos juntos.
— Não sou digna desse lugar — murmuro para mim mesma.
Em meio a mares intensos, sou puxada para uma lembrança que pouco recordava.
O mar estava sereno, o pôr do sol era deslumbrante. Estamos sentados na areia, observando o céu em tons de laranja e azul conforme o sol se punha.
— Como imagina nossa futura casa, amore mio? — perguntou.
Encaro-o por alguns segundos, admirando a beleza arrebatadora, a brisa fresca balançando seus cabelos, os olhos que tanto amo, admirando a paisagem.
— Quero uma casa grande — responde, sorrindo, deixando aparente as covinhas profundas em suas bochechas coradas. — Como imagina?
— Exterior branco. Móveis rústicos mas com decorações modernas. A cozinha totalmente completa para que eu cozinhe por horas para a mulher que estou olhando agora — sorri. — Apenas desejo tudo que possa te trazer conforto e felicidade, claro que farei a melhor biblioteca para você, com todos os livros que leu e os que virá a ler. Também colocarei balanços em nosso jardim, para assistirmos ao pôr do sol e apreciar as estrelas juntos.
Gargalho envergonhada, sinto minhas bochechas aquecerem por tal sinceridade. É difícil se acostumar com um homem intenso como ele.
— Nós teremos amor. Teremos tudo que desejamos na vida.
— Si. Amore mio. Mia vitta.
Desperto da lembrança, analisando a porta de madeira e confusa por nem ao menos lembrar o momento em que desci do carro e caminhei até aqui — pego a chave, respiro fundo antes de destrancar e entrar.
Pelo pouco que vi, era realmente do jeito que queríamos. As escadas de madeira levam para o andar inferior, do lado direito tenho a visão da sala, sofás cinzas e macios, uma poltrona de mesma cor próxima a janela que dava visão ampla da entrada da casa — acima da lareira pude ver algumas fotos nossas, em passeios que fizemos ao longo dos anos.
Minhas pernas me levam ao lado esquerdo, onde entro na cozinha imensa, armários brancos tomando praticamente todo o espaço, utensílios de cozinha postos em lugares próprios, e o que é para ser o jardim, estava coberto de neve, todavia, o balanço estava ali, o que me levou a querer chorar desesperadamente.
Subo com cuidado até o andar inferior, o corredor era pequeno, tudo estava limpo, o que me leva a crer que seus pais vieram limpar antes de me entregar a chave. Paro por um instante, a culpa se aterra em meu peito, o choro vinha desenfreado e por isso desço correndo e deixo a casa, tranco a porta e corro até o carro, onde entro e ligo para sair o mais rápido dali.
Choro durante todo o percurso até a casa de Sebastian, a visão turva pelas lágrimas acumuladas me levam a ativar o piloto automático e encostar a cabeça no banco e chorar até não sentir nada além do vazio e culpa destruindo o pouco de sanidade que me resta.
O carro passa pelos portões, limpo um pouco o rosto e busco me recompor ao máximo antes de descer; adentro a mansão rápido, sendo recebida pelo calor e o cheio acolhedor, sigo para o quarto e rumo até o banheiro, onde tiro as roupas as pressas e ligo o registro para encher a banheira, permaneço nua, abraço meus joelhos e me concentro no barulho da água quente, os cabelos soltos por minhas costas, algumas mechas cobriam meu rosto parcialmente. Meus olhos vagam para um ponto fixo, lembranças não param de surgir, me levando a voltar para a realidade a qual infelizmente me acomodei, devido a situação de Velark, o fato de ter me distanciado de meu objetivo, de ter esquecido tudo o que ele havia feito comigo.
Minha mente me condena a uma sentença perpétua e cruel, e me vejo aceitando sem o mínimo esforço.
A água aquecida em volta me aquecem, o box se encontra embaçado, estico as pernas e mergulho apenas para emergir e começar a me lavar — esfrego minha pele com força, até o tom amorenado obter um tom rosado, o pânico apossa de mim e derrepente me vejo em uma crise de ansiedade.
Meu coração bate forte no peito, minhas mãos tremiam demais e o choro vinha alto, entre soluços e medo que a tanto havia esquecido.
Percebo a porta sendo aberta, a voz preocupada e rouca de Sebastian me tira da bolha degradante.
— Jessika!
O olho por poucos segundos, seus olhos azuis estavam tão claros quanto, porém a preocupação era tão palpável.
— Me deixe sozinha, por favor! — peço com cautela, a mágoa também é nítida, todavia ele não questiona, apenas fecha novamente a porta.
Termino o banho e deixo a banheira, enrolando o corpo na toalha felpuda, ainda estou atordoada, a sensação de que não tenho alma, que sou apenas um corpo vazio é tão miserável quanto. Com apenas uma calça de moletom e regata de manga longa, me sento para pentear os cabelos, observo a neve cair lentamente —engulo em seco e lamento pelo dia de hoje, lamento pelo presente a qual não sou digna, lamento por Hector não estar aqui, todavia, meu maior lamento é nutrir o que não devo pelo dono desta casa.
Não deixo o quarto desde que chego, estar inerte pouco me fez perceber que a escuridão já paira do lado de fora, desço da cama e me aproximo da janela, as luzes do jardim faz a neve parecer brilhar — abro a porta e verifico se ele estava por perto, estava faminta, todavia, preciso apenas de uma…
Interrompo meus pensamentos ao vê-lo terminar de subir as escadas e vir até mim, portando em mãos uma bandeja com duas xícaras, bule que me parece haver café, frutas e dois pedaços generosos de algo que só noto ao ver por completo.
— Você dormiu por horas, então tomei a liberdade de subir e talvez lhe fazer companhia.
— Agradeço — digo mal olhando em seus olhos.
— Venha.
O acompanho de volta ao quarto, Sebastian segue para a mesa redonda posta próxima às portas de vidro fechadas, colocou a bandeja e acendeu as luzes auxiliares.
— Sente-se, o café pode esfriar.
Faço conforme seu pedido e me sento, pego a xícara com cuidado e tomo um pouco do líquido fumegante, absorvendo o gosto do café juntamente com canela, o gosto era divino. Maravilhoso.
— Obrigada pelo café — sussurro.
— De nada — sorri. — A comemoração não foi boa?
Deixo a xícara sob o pires e o encaro. — Foi boa, só aconteceram coisas que não me deixaram bem.
— Se sente um pouco melhor?
— Não, mas logo passa.
Sebastian assente e volta e tomar café, opto por não dizer nada, faço o mesmo, ambos ficamos em silêncio, na companhia do café e da neve que não tardou a voltar.
Mais tarde, por volta das nove, me encontro deitada, ignorando o coração estilhaçado e todos os piores sentimentos do mundo — ouço-o chegar, apagar todas as luzes e acomodar-se ao meu lado, devido ao cuidado, ele deve pensar que estou dormindo. Velark não me toca, seu cheiro me invade e faço o possível para não me virar, por longos minutos aguardo o sono, me atento a sua respiração pesada, com essa afirmação me viro, pelas luzes do lado de fora, vejo pouco de seu rosto adormecido, parte de mim desejava tocá-lo, outra o amaldiçoada com gana.
Me conformei com a vida ilusória, com acontecimentos que me cegou por completo, esqueci por um tempo longo o motivo de eu estar ali e o que ele fizera — meu coração dói, entretanto, minha mente me força a colocar os pés no chão e voltar ao objetivo. Antes do sono me carregar para sonhos dolorosos, apenas uma lágrima escorre por meu rosto, a sensação de que devo me preparar toma posse e o medo grita para que eu fuja enquanto é tempo.
Mas este é o problema.
Não existe mais tempo.
Ele se esgotou a muito tempo e agora estou entre a cruz e a espada, e não há nada que eu possa fazer quanto a isso.
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