C : 29

Não vamos esquecer que as emoções são os grandes capitães de nossas vidas, nós
obedecemos-lhes sem nos apercebermos. —- Vincent Van Gogh


JÉSSIKA VELARK

Sebastian estava irredutível.

Nada que eu dissesse mudava sua opinião, a cada dia que passa ele tem ficado pior, e isso me deixava totalmente apavorada. Ando de um lado a outro enquanto encaro a porta do escritório fechada, fazia dias, horas que tem mergulhado no trabalho, ignorando a gravidade de sua situação, algumas vezes até pensei que estivesse na empresa, todavia, a governanta me informava sobre seu paradeiro — penso em bater na porta e logo desisto, voltando para o quarto onde outro livro me esperava, em mais um dia de tédio e aflição. 

Me assusto ao ouvir a porta sendo fechada com força, me atento para ver se ele entraria, no entanto não aconteceu, sigo com a leitura e trocando mensagens esporádicas com meus pais. Cansada de estar tempo demais ali, opto pelo estúdio de dança, nem sequer troco de roupas, não estava com a mínima vontade de dançar, apenas estar em um ambiente diferente de todos que já vi nessa fortaleza. 

No estúdio deixo a porta entreaberta, fico no meio da sala, olho meu reflexo antes de me sentar no chão, abraço os joelhos e permaneço quieta. Desde a descoberta do tumor tenho tido pensamentos infernais, onde em grande parte me faz querer mesmo fugir, ir embora sem olhar para trás, conquanto fiz uma promessa na qual não posso voltar atrás — aos poucos me deito no chão amadeirado e fecho os olhos; por vinte minutos aprecio o silêncio, meu coração palpita ao cogitar a hipótese dele vir a óbito, pouco atordoada me levanto, ao me virar grito ao vislumbrar Velark parado me olhando. 

— Que susto! Pare de me assustar. — peço pouco rude. 

Seu olhar em mim era distante, o rosto pálido assim como os lábios rachados e ressecados, sua postura estava desleixada e cabelos desgrenhados. Estava exausto literalmente. 

— O que foi? Está tudo bem? — pergunto, me aproximando devagar. 

— Mais ou menos. Estava procurando por você 

— O que está sentindo? — insisto

— Dor. 

Me assusto com tal sinceridade, acaricio seu braço na tentativa de lhe transmitir certo carinho e conforto, ergo o rosto para ver sua face, os lumes azuis me fitavam com certa opacidade. — Precisa fazer essa cirurgia, Sebastian. Você não me ouve — minha voz embarga — Por favor, faz quase duas semanas que recebemos a notícia. Do que tem tanto medo? 

Suas mãos rumam até minha cintura por baixo da camisa, tremo por quão frio estavam, não havia emoções explícitas em seu rosto, apenas uma aceitação qual tenho buscado reverter a dias — não consigo mensurar tamanho sofrimento, todavia participar dele tem sido uma angústia difícil de digerir. 

— Não sinto medo, apenas estou cansado — suspira, seus dedos pressionam meu quadril devido a dor que sentia.

Levo minhas mãos até seu rosto, acariciando devagar conforme ele fechava os olhos e apreciava o gesto sutil de carinho. — Não faça isso — murmura, abrindo os olhos, afastando-se de mim — pare de agir dessa forma, com pena de mim. Não mereço isso, não mereço esse tratamento depois de tudo que fiz a você. 

De fato não mentiu, porém é impossível ficar de braços cruzados, não consigo ser diferente. Não é da minha natureza. Respiro fundo, encarando-o com certa amargura.

— Só quero que fique bem — sou sincera — Não esperava isso de alguém que raptou, né? — indago — Imagino que todas que tiveram a infelicidade de passar por aqui não eram… — paro, prossigo ainda que isso o deixe com raiva — Afinal, mal tiveram tempo de tocar esse coração que finge não ter. — concluo, passando por ele. 

— Nenhuma era como você — sussurra incerto, o que me fez sentir ainda mais raiva.

— Claro, nenhuma era idiota. Preferiram a morte do que ficar ao seu lado.

Sebastian cruza os braços e suaviza a feição antes rígida. — Quer mesmo que eu refute esse seu argumento, ou deixo pensar o que quiser? 

— Vá se foder — deixo o estúdio, andando rápido pelo corredor, a fim de ficar o mais longe possível.

O mesmo não me seguiu, nem mesmo se deu ao trabalho. No jardim procuro a calma que custa muito vir, sento na cadeira e divago por minutos a fio — ser condescendente ainda me custará mais do que a sanidade mental, disso tenho certeza. 

Entro perto do horário do almoço, a mesa estava posta, contra minha vontade o procuro, havia medicamentos que precisavam ser ingeridos após cada refeição — no andar superior vou direto para o escritório, encontrando a porta aberta, ao entrar vejo-o concentrado montando algum objeto, a mesa estava repleta de ferramentas. 

— Sei que está aqui — diz, removendo algo que não pude ver por ele estar de costas.

— Precisa almoçar e tomar remédio.

— Vou depois, estou ocupado. 

— É para vir agora, Sebastian. — ordeno. 

Ouço-o rir, virar-se para mim como se estivesse me desafiando, com toda sinceridade do mundo, eu odeio suas mudanças drásticas de humor. 

— O que foi? Quer dizer alguma coisa? — incito.

— Não. Vou lavar as mãos e já vou.

— Okay.

Em vinte minutos estávamos acomodados à mesa, havia substituído vinho por suco natural, o que não foi muito de seu gosto, também não me importo com o que ele quer ou deixa de querer.

— Sabe que não pode ingerir álcool. Beba água ou suco.

Este me direciona um olhar ameaçador, se fosse meses atrás sentiria medo, agora o enfrento sem problemas, me acostumei a ter de conviver com o diabo como se fosse minha sombra. 

— Não me diga o que fazer, Jéssika — repreende. — Me deixe em paz.

— Faça a cirurgia, e eu paro. 

— Por quê quer tanto que eu viva? 

Boa pergunta.

 — Não sei — é o que respondo. 

— Sabe, sim. Responda. 

Não havia uma resposta plausível para isso, ou a negação é tanta que busco fugir do que enfrentá-la. O ignoro e tampouco sou induzida a dar-lhe uma resposta mais coerente; conforme o almoço prossegue em silêncio, tento evitar perguntar, pois sei que seus grunhidos são pelas descargas de dor, e não havia muito que eu pudesse fazer. 

Quieta levanto e vou rapidamente até nosso quarto, abro a primeira gaveta do armário do banheiro, o frasco de remédio estava vazio, não só uma como todos que estavam ali na bolsa. Filho de uma piranha. 

— Desgraçado.

Volto praticamente correndo e o pego sorrindo. — Procurando algo? 

— Jogou tudo fora. Ficou louco? — minha voz subiu uma oitava, enquanto o miserável permanecia calmo e sereno. 

— Não preciso deles, não ajudam em nada, me deixam ainda mais irritado.

— Ora, seu… — reviro os olhos e deixo o ambiente, perdi totalmente a fome. — Homem insuportável — resmungo antes de bater a porta do quarto. 

Observo o por do sol da varanda, o livro já estava no fim quando desisti ao ter uma ideia para convencê-lo a se livrar desse maldito tumor. A altas chances dele não cair no meu papo, mas é melhor tentar do que mante-lo nessa prisão de tortura na qual está. 

Pego uma de suas camisas de algodão juntamente com um short de algodão e uma calcinha de renda preta. No banho vou formalizando melhor minha manipulação, aproveitar sua fragilidade. 

Não deve ser tão difícil enrolar aquele homem. 

Diante ao espelho ajeito os cabelos ondulados para secar naturalmente, o cheiro de jasmim em minha pele parecia o favorito dele, e bom, cada um luta com as armas que tem. Agora que me dei conta de que não vi uma tv nessa fortaleza imensa, na cozinha pego um pote de sorvete de chocolate e entro na biblioteca, torci mentalmente para que ele insinue algo para fazermos.

— Não fica entediada com tantos livros? — bingo.

O vejo de braços cruzados esperando uma resposta, deixo o pote na mesinha ao lado da poltrona e sorrio. — Não. Gosto de ler, porém seria bom algo diferente, mas o que posso fazer? Estou presa aqui.

Velark estala a língua em reprovação por minhas palavras que não passam de verdades nuas e cruas. Seu caminhar era lento, fico desacreditada no quanto ele é lindo. Lixo de homem, porém lindo.

Lamentável esse pensamento. 

— Gostaria de ver um filme comigo? 

— Sério? Tem tv aqui? — trato de ficar de pé.

— Sim.

— Nunca vi uma por aqui. — indago.

— Você nunca perguntou. — retruca. 

— Então vamos, quero assistir algo legal. — me animo, pouco me preocupo com minha suposta tentativa de sedução, que não sei se deu certo ou não.

Sebastian vai na frente, apenas o sigo portanto em mãos o pote junto a colher. Algumas alas eu conhecia, e era incrível no quanto pareço não conhecer nada — seguimos pela ala sul, passamos pelo estúdio e certamente nunca imaginaria que havia uma porta camuflada, o vejo apenas dando um leve empurrão e se abriu, ao entrarmos as luzes auxiliares se acendem, revelando fileiras de cadeiras e uma tela gigantesca. 

— Meu Deus!

— Foi difícil convencer meu pai a construir isso. Emilly e eu ficamos semanas, talvez meses insistindo. — sorriu levemente pela lembrança.

— Por que ele não queria? Esse lugar é incrível. 

— Ele sabia que seria um meio de evitarmos estudos e passar horas aqui assistindo ou jogando, e bom, ele estava certo. 

Não contive o riso de satisfação por ele estar tão tranquilo em compartilhar uma boa memória, ainda sim não deixo de temer suas terríveis mudanças de humor. 

— Imagino. Deve ter sido perfeito viver aqui, com tanto conforto.

— E foi, no entanto não fui grato como deveria ser.

— Não é tarde para recomeçar, Sebastian.

Busco me acomodar na poltrona bem no meio, espero-o procurar um filme que ambos estejam de acordo. Por uma hora e meia o silêncio era tão incômodo quanto sua presença, pois o sinto olhar para mim a cada colherada no sorvete, e isso começou a tirar minha atenção, me deixando quente e nervosa. 

— Porquê está me olhando tanto? — questiono, não com arrogância, mas por curiosidade.

Ouço sua respiração profunda, temo olhá-lo, portanto permaneço com os olhos fixos na tela e na cena que tornou-se totalmente desinteressante.

— Queria saber o motivo exato de tanto insistir com a cirurgia — comenta. — Deveria estar feliz com isso, posso morrer quando menos esperar e assim estará livre.

— Só penso que se há uma chance de viver, porque não aproveitar? — dessa vez o encaro. — Nada vai apagar o que fez a mim, Sebastian. Creio que se tem vontade de ser alguém melhor, é vivendo que o fará, morrer não deveria ser uma opção quando tem a opção fixa de prolongar sua existência. — corto-o antes mesmo de ouvir alguma resposta. — Comece a mudar a partir disso, entenda desde já que eu não sou responsável por esse pensamento seu, mas suas ações para comigo pareceu fazê-lo por fim enxergar que tudo isso não é nada, que seu dinheiro e poder não é nada quando há um tumor prestes a te matar.

Espero por uma resposta que demora a vir, seu olhar mudou, não era fúria, muito menos raiva, pelo contrário, parecia absorver cada palavra dita por mim e pensava em uma melhor forma de se expressar, ao menos eu acho que é isso. 

— Está jogando comigo? Ainda estamos nisso e essas palavras são um meio de me manipular?

— Não. Fui totalmente sincera. 

— Pensarei sobre isso. — sua destra acaricia minha coxa direita, a pele tão gelada contra a minha totalmente o oposto me causou arrepios. — A propósito, está maravilhosa nessas roupas que estão me distraindo desde que a encontrei na biblioteca.

Meu rosto aquece de imediato, busco toda concentração que habita em mim para sorrir e responder a altura. — Este foi o propósito, talvez assim fique um pouco compelido em atender meus pedidos a respeito do tratamento.

Velark não profere nehuma palavra, apenas se inclina, me puxando para seu colo, onde mesmo envergonhada me ajeito, não consigo vislumbrar seu rosto devido ao local completamente escuro, mas sei que seu olhar me incendeia, ainda mais quando suas mãos apertam minha cintura no mesmo segundo em que se move para me acomodar melhor. 

— Não preciso dizer o quando fiquei compelido, certo? Já que está sentindo o quão duro meu pau esta. 

Fecho meus olhos ao sentir seus lábios deslizarem por meu pescoço, suspiro pelo aperto, o quão quente e molhada estava só por aquele toque minimo. 

— Seu cheiro é tão gostoso quanto você. — o timbre rouco parece disparar choque por meu corpo. 

Aquilo não acabaria bem.






 





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