C : 16


N/A: PRIMEIRO CAP DO ANO... 🥳🎉🎊

Desejo uma ótima leitura, espero que gostem.

Peço paciência com as atualizações, estou fazendo aos poucos.

Bjos até a prox atualização.

🌹🥀


Como sabes que a Terra não é o inferno de um outro planeta?
— Aldous Huxley.

JÉSSIKA VELARK


Não existir parecia melhor quando a realidade era um combo miserável do inferno; pisquei várias vezes até conseguir me adaptar com a luminescência através das janelas, o lampejo de dor foi a dose irrefreável do meu grito agudo, lágrimas enchem meus olhos, me sentar fora tão difícil quando inibir de qualquer movimento. Gritei de raiva, de aflição, chorei por tudo que venho passando, o que ele havia feito noite anterior foi um ato cruel e desumano…experimentar o lado sombrio do ser humano me levava a uma loucura que penso ser incurável — talvez seja — talvez me leve a uma doença mental que distorça todos os meus ideais, até mesmo meu caráter, o modo como fui criada e como vivi antes de ser acorrentada a um homem doente e psicótico.

Flashes do jantar vinham como uma avalanche, ter ciência de que ele me fez comer carne humana fora tão absurda e horrenda quanto ser chicoteada até perder a consciência, a raiva se alastra por todo meu corpo fragilizado, o choro ainda vinha quando comecei a rir. Gargalhava em meio a desgraça, encarando um ponto fixo, rindo em tremenda descarga emocional impossível de se segurar, até mesmo evitar, estava tão cansada, desejava ir embora, todavia me pergunto:

Como será quando me libertar?

Como irei viver depois de tudo? 

Creio que não saberei voltar a ser quem era, ao menos não sozinha, isso é fato.

Na diminuição dos impulsos, vejo a porta ser aberta, a governanta entra receosa, segurando uma bandeja com medicamentos que imagino ser para aliviar as dores e permita que me movimento com menos desconforto — nada digo, não sinto sequer vergonha pela semi nudez, não há motivos para tal quando a situações piores do que a falta de vestimenta. 

— A pomada tem de ser passada nas feridas, ataduras tem de ser trocadas. — Diz, tentando não olhar mais do que o necessário. 

Desistindo de esperar por alguma resposta minha, verbal ou não verbal, ela se vai, fechando a porta com cuidado, deixando-me sozinha com meus demônios bramindo por sangue e vingança. Não há como lutar, não tenho forças para absolutamente nada. Apenas quero morrer, ficar em paz e longe desse filho da puta. 

Horas, dias, não sei quanto tempo permaneci desacordada, tomo os remédios e aguardo até conseguir descer da cama, procurando manter equilíbrio apoiando-me nos móveis mais próximos, vejo o sangue seco no lençol, a visão de um caos físico, sigo contando meus passos até a mesa, respirando fundo, caminho cambaleando até o banheiro, não querendo me olhar no espelho, pois sei que o que veria ali não seria eu, seria a versão torturada do que pensei jamais me tornar. Tirei com cuidado alguns curativos, outros eram inalcançáveis por mim, ligo o registro, sentindo a água gelada e por fim entro, travando a mandíbula, grunhindo de dor, fazendo de tudo para não chorar de novo.  

Voltando ao quarto procuro alguma roupa que deixe minhas costas expostas, visto a roupa íntima e por fim um vestido simples branco, diante do espelho vi um pouco das enormes feridas, linhas finas, outras grossas, pouco sangue saia dos cortes, as cicatrizes ficariam horríveis, conquanto, seria mais um adicional entre tantos outros danos que venho sofrendo. Abro a porta do quarto, me deparando com Kenji.

— Preciso que limpem o quarto. — Franzo o  cenho pela secura e ardência na garganta. 

— Chamarei as empregadas. — Diz robótico. — Senhor Velark permitiu que fique fora de suas acomodações e passeie pela propriedade. — Movo o olhar para algo que tira do bolso e me entrega. — É a chave de um escritório que foi limpo para que permaneça o tempo que quiser. Há livros e caso deseje algo, há um dispositivo interligado à cozinha.

 — Por que ele faria isso? — Questiono. — Não quero nada que venha dele. — Devolvo a chave.

— Como preferir senhora.

O vejo chamar pelas empregadas através de um comunicador, pensei em dar uma volta, porém recordo das feridas e retorno, fecho a porta e me sento na poltrona, mantendo à deriva, como um barco sem uma direção, sem rumo, sem destino. Vejo as mulheres trabalhando, trocando os lençóis, pergunto-me se elas estão pensando sobre as manchas de sangue, se sentem tanto medo dele quanto eu sinto — inalo o cheiro de lavanda vinda dos produtos usados para manter o quarto mais arejado e digno de se estar, pois o cheiro anterior era de éter e morte. 

O sol havia se escondido por trás das nuvens imensas e brancas, acomodada na varanda, permito-me lamentar novamente pela morte de Hector, recordando dos momentos incríveis que tivemos, e como tudo que foi planejado, simplesmente foi destruído por um demônio; meus olhos umedecem, queria tanto ser feliz, estar na minha antiga rotina, passear com meu namorado e logo me casar com ele — sei que agora tudo isso é só um sonho, pois a realidade queima, arde e sangra o tempo inteiro, dúvido que seja cicatrizado por inteiro, sem que sobre uma cicatriz sequer.  Horas se passam, parece que adormeci por alguns minutos, pois a queimação nas costas estava incomodando ao ponto de ansiar por mais remédios, me ajeito na cadeira e a metros a frente vejo o veículo passar pelos portões, meu corpo prontamente se arrepia, meu coração acelera, ignorando as dores me levanto cambaleando de volta, corro e tranco a porta, apoiando ambas mãos na madeira branca e lisa. 

A todo momento peço a Deus para que ele não venha, imploro com toda força que me resta, porém, em minutos ouço sua voz no corredor, ditando ordens, impondo sobre mim para Kenji, este responde com submissão, fecho meus olhos ao ouvir o mesmo bater, penso em recusar, anseio fingir estar dormindo, mas ele sabe que não, portanto destranco a porta e a abro, evitando olhar para seu rosto — encaro os sapatos sociais luxuosos, o tom escuro de verniz combinando com a calça social de mesma cor, dou-lhe passagem para entrar, tento não tremer com a porta sendo fechada. Sua respiração estava amena, busco manter distância, estar em sua presença era horrível.

— Vire-se. — Fecho meus olhos diante de seu comando.

Meu corpo age sozinho, fico de costas, ergo meu rosto, fitando a floresta vasta, o sol tocando as folhas no topo das árvores, luto para não me atentar aos seus movimentos. O sinto se aproximar, enrijeço o corpo de imediato, conquanto não sou repreendida, tremo ao sentir seus dedos deslizarem sobre as feridas, mordo os lábios para não emitir sons, algo havia sido aberto, queria ver, todavia permaneço paralisada — por fim sinto algo pastoso cobrir cada ferida, seja o que for gelou rapidamente, trazendo alívio absoluto. Logo o sinto se afastar, continuei da mesma forma até ouvi-lo sair e poder por fim respirar em paz. 

Novamente as horas se passam no silencio sufocante, a tarde se vai, logo observo a escuridão vasta e solitária, a todo instante não recebi visitas suas, o que era ótimo visto que em algum lugar dessa fortaleza, ele me vigia, analisa meus movimentos como a porra de um stalker. Meu corpo dá um salto devido às batidas suaves na porta, endireito a postura ao vislumbrar a mulher sempre com a expressão séria e amarga, mas tendo a voz suave e calma.

— Senhor Velark deseja sua companhia para o jantar. — Lembranças do que ele me fez ingerir trouxe dor no estomago e enjoo. — Tomei a liberdade de mostrá-la o que foi feito, caso sinta-se melhor. Acompanhamentos e pratos principais são vegetarianos para senhora. — Explica, colocando o ipad cinza chumbo em meu colo, dando play no vídeo de quase uma hora e meia.

Não digo nada, apenas assisto a comida sendo feita com excelência e profissionalismo, não sei o motivo dela ter feito isso por mim, entretanto sinto um pouco de gratidão. Verifico o horário no aparelho, eram sete e quinze, estava faminta, há horas não como absolutamente nada, por isso tomo um banho rápido, esfregando meu corpo na tentativa ridícula de sentir conforto em minha própria pele — escolho outro vestido que permita a visibilidade das costas, os cortes ardiam, porém, era suportável, penteio os cabelos úmidos, tomando coragem deixo o quarto, não vendo Kenji no corredor. 

Cansada, tendo quase a semelhança de uma morta viva, ando lentamente até a sala, recordando do esquartejamento que presenciei, no quão transtornado e violento ele estava. Se é que há um momento em que não seja um completo demônio sanguinário; na sala de jantar a mesa estava posta, o jogo de jantar branco combinava com a toalha em tons cremosos — velas estavam acesas, taças de água e outros para vinho. Muito capricho para apenas duas pessoas, penso.Me sento do lado direito onde o meu estava posto, tomei um pouco d´água e esperei nervosa, querendo voltar ao quarto, onde é o lugar que possuo uma falsa proteção, falso conforto. Passos soaram e logo o vejo, desprovido de camisa, usando apenas um moletom branco, busco não olhar tanto e acabar por trazer interpretações erradas.

Fomos servidos rapidamente, ignorei o vinho e observei meu prato, ainda que o cheiro fosse ótimo, não conseguia mover minha mão para segurar o garfo, nem mesmo com vontade de provar o que imagino ser papeton d´aubergine — pela visão periférica o percebo me olhando, bebo um pouco mais de água e tento ao menos provar, o gosto estava divino, uma explosão gustativa que de pronto a fome, portanto vou comendo até me sentir satisfeita, por estar em dificuldade para comer devido a todo o inferno que  venho enfrentando, sinto meu estômago contorcer, o enjoo incomodar ao ponto de sentir desconforto. 

Levanto e corro para o lavabo que havia visto ali, abro a porta e me debruço sobre o vaso, despejando tudo que havia ingerido, começo a suar frio conforto vou vomitando, meus olhos lacrimejam, em meio a vomição vejo sangue, respiro fundo antes de me apoiar para ficar de pé e lavar a boca e rosto...através do reflexo do espelho oval acima da pia, Sebastian observava quieto, os lumes azuis estavam fixos em mim.

Deus até quando continuarei definhando dessa forma? Questiono, limpando o rosto com a toalha branca e macia presa a uma argola de prata, tentei sair e fui impedida pela muralha que é meu carcereiro.

— Volte ao quarto e me espere. — Ordena, como sempre.

Não obstante volto a minha cela.

Fico inquieta por muito tempo, escovei os dentes para tirar o amargor horrível, sentada na cama mentalizei todo meu estado e temi estar grávida, ainda que seja crises devido a situação, não posso descartar a possibilidade de talvez estar gerando um filho dele — me assusto por sua entrada repentina, da mesma forma que vi no jantar, o fato dele estar tão quieto me deixava ainda mais preocupada.

— De pé e de costas para mim.

Diminuo a respiração e acato a ordem, senti o sangue escorrer das feridas, porém não podia fazer muito, mesmo após o banho ainda sangrava, Velark mexia em algumas coisas, senti o cheiro de antisséptico, e logo foi passado cuidadosamente, a dor incomodava, conquanto fiz de tudo para não me mover ou até mesmo reclamar — penso que todo esse ato de gentileza era por ter me chicoteado em um surto de raiva. 

O medicamento foi substituído por outro, este que aliviava o incomodo, ouvia sua respiração pesada, os dedos gelados em minha pele, nada foi dito por ele, muito menos por mim...me viro e noto um pequeno comprimido junto de um copo d´água, queria perguntar, porém não o fiz, tudo já estava um inferno, vivo com o próprio diabo, então não há motivos para saber sobre o comprimido. Tomo e me deito com cuidado na cama, observando a escuridão, a brisa fresca, sem emitir som algum oro para Deus de novo, implorando por minha liberdade, pedindo proteção aos meus pais, e o quanto sinto falta, o quanto quero minha antiga vida de volta — sabendo que jamais terei, ou serei a mesma.

[...]

Fingi estar dormindo quando a porta foi aberta, fechei meus olhos e me atento aos sons, aos passos alheios cessaram após se sentar na mesma cadeira das últimas vezes, a vontade de chorar vinha pelo fato de não estar sozinha, queria vê-lo, queria interpretar o que ele parece sentir, mesmo sem me importar, e o principal — questioná-lo, exigir ao menos um pouco de humanidade desse maldito filho da puta.

Meu coração dispara quando começou a falar.

— Minha irmã foi assassinada um dia antes do meu aniversário há alguns anos. Deveria ter ido buscá-la, mas estava preso em uma reunião importante, pedi que chamasse um táxi, prometi que iria vê-la ao sair da empresa, foi o pior erro que pude cometer, dentre tantos outros. — Pelo silencio constato que bebia algo. — Receber a ligação de um desconhecido informando que havia a encontrado sem vida foi algo que fez com que eu sentisse mais do que pude presumir. 

Independentemente do motivo que o levou a falar pensando que eu estava dormindo não vai eximir a raiva e ódio que sinto, não fará com que eu me compadeça com sua triste história — pode até mesmo ser um gesto para me manipular, fazer com que eu simplesmente veja um lado menos violento. Abro os olhos e o encaro, havia deixado a luz alaranjada do abajur ligada, então pude vislumbrar seus olhos fixado em um ponto cego, os cabelos negros bagunçados, e o copo de bebida quase vazio em sua mão, a verdade é apenas uma:

Ele é um monstro e merecia pagar por tudo que tem feito a mim, e o que já fez a outras pessoas, pois aqui eu sou a vítima, não ele.

Depois dele sair não contive um sorriso, sua dor emocional me trouxe uma alegria sombria e até mesmo satisfatória, talvez esteja no momento de revidar, por que se isso for um gesto de manipulação, é justo que eu retribuía da mesma forma.

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11/01/2024

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