C : 12

Hoje eu só quero pedir uma coisa: “Que
nem todas as dores do mundo me façam desistir.
— Tumblr.

JÉSSIKA VELARK

Observo a aliança fina e dourada em meu anelar direito, o objeto reluz em minha pele amorenada, franzo o cenho ao recapitular os últimos acontecimentos malditos, onde ele mais uma vez impõe tudo que não posso ir contra, preciso aceitar mesmo sentindo nojo. raiva, agonia por estar sendo submetida a todo esse circo dos horrores.  Analiso o quarto de onde não sai desde que voltamos da Grécia, o livro que porto em mão já estava quase no fim, não o via e para meu alívio soube não estar na mansão, mas não significava que não me observava, levei dois dias inteiros para descobrir  onde estava uma das câmeras, todavia, não a removi, não adiantaria muito quando milhares de outras, tudo para que aquele maldito psicopata pudesse verificar cada passo meu. 

Continuo a leitura mesmo com as empregadas entrando para deixar uma bandeja de chá junto de biscoitos amanteigados, pela visão periférica noto uma delas deixando o celular em cima da cômoda, fecho o livro e me levanto da cadeira.

— Poderiam trocar os lençóis? Por favor? Esses são muito quentes. — Peço apenas para que permaneçam mais tempo ali.

— Sim senhora Velark.

Em passos largos capturo o celular e o escondo no bolso frontal do moletom que uso, precisava pedir ajuda, uma última tentativa para me livrar desse maldito, odiava seu sobrenome atrelado ao meu nome, odiava a submissão dos empregados para comigo, odiava absolutamente tudo que o tinha envolvido — aguardo alguns minutos até estar sozinha, torci internamente para que ele não tivesse visto isso nas imagens, corro para o banheiro, tranco a porta e respiro fundo antes de desbloquear o aparelho que para meu alivio não tinha senha, não arriscaria ligar então entrei no aplicativo de mensagens, escrevo tremula, engolindo a bile subindo por minha garganta. 


+1( 212 ) 408 - 1343 

Hector, é a Jéssika.
Por favor, precisa me ajudar. Fui sequestrada por Sebastian Velark, chame a polícia e me ajude, por favor eu te imploro. 


Envio a mensagem e a excluo, deixo o aparelho no mesmo lugar ao sair do banheiro, a adrenalina corria por minhas veias, o medo chega a me sufocar, fazer com que todos os pensamentos intrusivos causasse desespero e pavor. Peço a Deus para que tenha surtido efeito, que meu namorado me tirasse das mãos desse lunático do caralho. Fico apreensiva por horas, a vontade de comer não existia, a esperança se mantinha pouco abalada, depois do banho enrolo a toalha em volta do corpo e foi assim que meu sangue gelou, todo meu corpo entrou em modo de sobrevivência, pois a porta do quarto veio abaixo com um chute, Sebastian entrou numa fração de segundos, meu pescoço foi agarrado, solto um suspiro de dor por meu corpo ter batido violentamente contra a parede. 

— ACHOU MESMO QUE SERIA TÃO FÁCIL PEDIR AJUDA? HEIN SUA PUTA DO CARALHO? — — O tapa atingiu em cheio o lado direto do meu rosto. — É muita burrice pensar que eu não iria ver. — Seu aperto tirou meu ar quase completamente. — Aquele merdinha vai te salvar? Hum? — Debochou.

— Me solta, seu lixo. — Digo, com a voz embargada.

— Não está em posição de me dar ordens, vadia. — Sou puxada para frente, meu corpo bate contra o seu, a toalha por pouco não cai, exibindo minha nudez.

Não pude relutar quando fui arrastada para fora do quarto pela garganta, tropecei em meus próprios pés, tentando me desvencilhar do seu aperto insuportável, conseguia ver pouco do trajeto o que fez meu corpo todo travar ao constatar que entraríamos na maldita câmara onde permaneci nos primeiros dias de meu sequestro — descemos as escadas e tudo se iluminou, ali, através da parede de vidro estava Hector, amarrado numa cadeira, o rosto inchado e ensanguentado, sou jogada no chão, seguro a toalha e olho apavorada.

— Sebastian.

— Shhhh. — Caminhou para longe de mim, tirou o celular do bolso mostrando para mim que não era dele e sim do meu namorado. — O amor definitivamente é capaz de ultrapassar limites. — Murmura, completamente alucinado em ódio e fúria. — A sua burrice me é desafiadora Jéssika, acreditar piamente de que isso daria certo chega a ser cômico.

— Sebastian, solta ele. Ele não tem nada a ver com isso. — Imploro.

— Tem sim. Ele tem tudo a ver com isso. Foi você que assinou a sentença dele, querida.

Numa ação rápida arremessou o aparelho contra a parede, contive o grito na garganta, mas as lágrimas ainda escorriam por meu rosto retorcido em medo e culpa — a porta de vidro foi aberta, Velark pegou Hector pelo colarinho, jogando-o no chão, tirando sua mordaça.

—  Vê-los nesse estado é como assistir Shakespeare relatando detalhadamente Romeu e Julieta. Duas criaturas burras que morrem por uma causa fútil, acreditando cegamente que o amor era um alicerce para todas as desgraças que o cercavam. — Seu chute acerta em cheio o estômago de Hector, nada pude fazer a não ser chorar e implorar para que não faça o que sei que vai fazer.

— Jéssika. — Hector sussurra meu nome de modo doloroso, exausto.

— Sebastian não faça isso, me desculpe. — Tento mais uma vez adentrar sua bolha de insanidade.

— Diga a ele que é minha. Fale como a destruí. — Ordena, tirando a arma do cós da calça social azul escura. — Diga ou eu irei matá-lo.

— E-eu sou sua, por favor, apenas deixe-o ir embora. Sou casada com você, então eu te imploro Sebastian, não mate ele. — Choro copiosamente. 

— Venha até mim. — Ordenou estridentes.

Temendo recusar o fiz, levantei cambaleando e me aproximo, sua mão livre se fecha em meu braço e me puxa, queria não ver toda aquela cena de terror, todavia, ele em si fazia questão de que eu veja, que eu sinta toda a adrenalina doentia que emana dele, do seu poder imensurável.

— Tire a toalha.

— Sebastian. — Repreendo-o.

— Tire a porra dessa toalha sua vagabunda. — Bate o cano da arma no tecido de algodão.

Exibo minha nudez, tremendo e odiando por estar tão exposta em prol das vontades desse homem demoníaco.

— Essa é a mulher por quem respeitou tanto para no fim ela abrir as pernas para mim. — Sua voz aumentou uma oitava. — Quatro anos? Porra! — Gargalhou. — Tão puritano, devoto a esperar pela decisão de uma mulher, lembre-se de que foi fraco, inútil e egocêntrico. — Suas entonações humilhantes para com Hector me deram ainda mais nojo.

— Deixe-o ir.

— O que fará para que eu o deixe vivo? — Induz, olhando-me de cima a baixo, o cano da arma deslizando por meu abdômen, subindo para meus seios.

— O que quer?

— Vire-se, te quero de frente para ele. Quero que ele veja o quanto sua boceta é gostosa e que ele jamais irá provar o quanto.

Meu corpo todo arrepia com seu toque, a repulsa perdura em minha pele, lanço um pedido de desculpas para Hector, me viro e me debruço sobre a mesa de ferro retangular. Respiro fundo antes de sentir o primeiro tapa em minha bunda, depois outro e mais outro, desejava que aquela merda de pesadelo acabasse logo, Sebastian enfiou o cano da arma em mim sem aviso, a dor pareceu me rasgar ao meio, suas investidas brutas queimam minha intimidade, a tensão se alastrando por meu corpo, o tornando rígido e doloroso, o objeto frio introduzindo em mim foi o ápice de suas ações doentias.

— Boceta deliciosa, apertadinha. — Desfere outro tapa. — Essa é minha conquista, Hector, a segunda é essa. — Tirou a arma de dentro de mim, mirou e atirou.

O som do disparo ecoou pelo espaço, o grito rasgou minha garganta, me afasto dele e mesmo assim sou puxada de volta, o corpo do meu namorado estava estirado no chão, os olhos verdes evidenciando a morte enquanto o sangue escorre do ferimento em sua cabeça.

— Seu desgraçado, filho da puta. — Esmurro seu peito repetidas vezes. — EU TE ODEIO. SEU CRETINO MISERÁVEL. — Choro sem me importar nada além do que acabei de presenciar. — Desejo que morra, que queime no inferno. — Desfiro um tapa em seu rosto.

— Agora finalmente entendeu? — Questiona. — Nada fará com que fuja e seja salva, querida esposa. — Alarga o riso. — Deus governa o céu,  e eu governo o inferno.¹ — Sussurra em meu ouvido.

Fui deixada ali, ele tampouco fez questão de me levar de volta, também não iria querer que fizesse, pego a toalha jogada no chão, envolvo meu corpo e me aproximo desesperada do corpo do homem que prometi amar, que prometi ter uma família, me ajoelho e puxo sua cabeça para meu colo, minhas lágrimas escorrem, pingando no rosto machucado.

— Me perdoe, Hector. Por favor, me perdoe. — O abraço, deixando que o choro e gritos viessem, que meu tremor e súplicas pudessem ser o suficientes para dizer com gestos o quanto sinto muito.

Não faço ideia de quanto tempo permaneci ali com ele, o tempo deixou de existir no minuto em que o gatilho foi pressionado, meu corpo todo estava gelado, o tremor diminuía aos poucos.

Era minha culpa.

Ergo o rosto ao ouvir o barulho da porta de aço ser destravada e aberta, dois homens entraram, um deles sendo Kenji, comecei a gritar e pedir que não o levassem, o oriental me segurou para que outro pudesse arrastar o corpo para longe de mim, sangue manchava o chão acinzentado, minha garganta queimava pela força que fazia, o choro voltou de maneira impiedosa, me debati para me desvencilhar das mãos do maldito lacaio — parei de lutar ao sentir algo penetrar minha pele e o líquido queimar a região até que apagasse, todavia, no ato da perda da inconsciência ouvi de Kenji o quanto lamenta pelo ocorrido.

( ... )

De olhos abertos encaro o teto branco liso, me mantenho na mesma posição sem ter conhecimento algum do tempo que passou, minha mente rebobinava todos os momentos que tive com Hector, cada misero momento passava como um filme, e nesse, no fim ele morria, o som do tiro ecoa em meus ouvidos, trazendo a inercia, o estado vegetativo onde aguardo sem receio que a morte tenha piedade e me leve. Ouço a porta se abrir, não me mexo, mas permito-me ouvir os ruídos dos sapatos, as respirações distintas e por fim as vozes.

— Há quanto tempo ela está assim? — O timbre rouco e envelhecido foi o primeiro que ouvi, constatando ser o mesmo médico que veio antes.

— Três dias. — Sebastian responde impassível.

— Ela se alimentou?

— Não, ordenei que tirassem a comida para não estragar.

— Certo, a colocaremos no soro com medicamentos para mantê-la hidratada, temos de esperar que responda sozinha, em seu próprio tempo. — Informa.

— Ok. — É sua palavra final. 

Novamente sozinha choro, encolho o corpo em posição fetal e choro, sentindo meu coração comprimir em meu peito, o luto me devorando de dentro para fora. A esperança foi exterminada por fim, não havia como lutar contra Sebastian, apenas tenho que sobrevier a ele.

Até que um de nós morra.

Espero que a justiça seja feita e que seja ele a apodrecer em um caixão enquanto sua alma queima no inferno. 

.
.
.

¹ ref ao livro Judas, autora Larissa Abreu.

 





Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top