Caravanas Manassu
São 13h47. Avistamos o que parece ser a cidade de Manassu. Por trás de uma muralha feita de sucata e entulho é possível ver alguns prédios degradados se elevando atrás. O portão principal possui cinco metros de altura, feito de grades retorcidas e enferrujadas, com partes emendadas com cola, fita adesiva e arame farpado. Uma pichação vermelha ao lado do portão destaca o nome da cidade: "Caravanas Manassu".
O portão está sendo vigiado por um grupo de androides homens trajando armaduras de metal reforçado com tiras de couro. Um deles está com as costas escoradas no muro, fumando um cigarro eletrônico e soprando fumaça para o alto. Preso no seu cinto está uma submetralhadora B33 com cano duplo e altíssima cadência de tiro, mas que possui uma precisão horrorosa. Outro guarda está com os braços cruzados, olhando distraidamente para o horizonte, deixando a pistola de plasma amarrada na lateral do cinto.
Quando nos aproximamos, os guardas ficam olhando para nós, atentos a qualquer movimento suspeito. Tento esconder o meu desconforto, mas não evito em olhar para um ou outro através da minha visão periférica. Deve ser os capangas do traficante de armas, Lionel Brito.
Com o portão da cidade meio aberto, nós entramos sem nenhum problema, e o que vejo são estradas de asfalto esburacado, conjuntos de casas e edifícios com estruturas desgastadas, além de muitas paredes pichadas. Humanos, androides, drones e eletrodomésticos perambulam pelas calçadas bagunçadas com rios de lixo jogados por todo lado. Barris de metal revirados, detritos, latas, garrafas vazias, carros sucateados no meio da estrada... Todas as cidades são assim de sujas?
Calango Preto se vira para mim.
— Eu, Murilo e Tião, vamos ver se achamos alguém para nos dar um emprego. Se quiser, você pode ficar naquele bar ali — aponta a calçada à minha esquerda, onde está um estabelecimento amarelo com um letreiro holográfico ativado no teto, onde está destacado o nome "Cachaceiros Robóticos" em azul brilhante sobre um fundo marrom-escuro. — E também... — Calango tira uma sacolinha de plástico do bolso da calça e entrega na minha mão. — Toma aqui cinco baterias pra gastar com alguma coisa por lá. Fica como um presente.
— Então é isso? — enfio a sacolinha no bolso esquerdo do meu calção preto. — Vamos nos separar aqui?
— O quê?! Não! Eu não disse isso! Olha, se eu conseguir um trabalho com algum comerciante local, a gente volta pra te notificar. O pessoal daqui não gosta muito de estrangeiros. Só tenta não se meter em encrenca, pode ser?
Encolho os ombros.
— Do jeito como o mundo é, não posso prometer nada.
— Vou entender isso como um sim — Calango Preto se vira e anda até o filho. — Bora ver se a gente acha o Dom Chibata por aqui.
— Dom Chibata?! — Tião ergue as sobrancelhas. — O Domador de Papafigos?!
— Esse mesmo. Tenho certeza de que ele tá aqui em algum lugar, aquele cabra safado — Calango então inicia jornada pela cidade, com Tião e Murilo o seguindo atrás.
Eu cruzo os braços contra o peito, olhando ao redor com uma expressão desgostosa, vislumbrando becos imundos, ruas repletas de lixo e indivíduos perambulando. Entre esses indivíduos está um homem velho puxando uma criatura mutante similar a uma mula ou um jegue; uma corda amarrada a sua boca. A criatura tem uma pele rosada como se tivesse sido esfolada, cheio de veias roxas pulsando aqui e ali. Seu corpo é inchado para os lados como um balão deformado. Seu rosto tem uma boca comprida, com dentões afiados sempre expostos, e os olhos são duas bolas brancas totalmente cegas e cheias de linhas vermelhas. Sua respiração é irregular e pesada, sempre ecoando um chórnnnn chórnnnn!
De repente, o velho se aproxima de mim junto com a criatura.
— Quer comprar um jiga?
Empino uma sobrancelha.
— Um o quê?!
— Um jiga — aponta a criatura atrás de si, que solta ar pelo nariz chórnnnn chórnnnn! — São os animais de carga usados pelos caravaneiros para transportar as mercadorias. Este aqui eu estou vendendo por oitenta baterias. E olha só, parece que ele gostou de você.
A criatura me encara e chia pela boca uárnnnnn! Eu expresso um leve desconforto perante isso.
— Não, obrigado. Vou passar.
— Como quiser — o velho acena com o chapéu antes de se afastar junto com o jiga.
Sem muito que fazer, eu decido ir para o bar, que já está com a porta metálica aberta para dentro. O interior cinzento é iluminado por conjuntos de pequenos emissores de luzes brancas que preenchem o teto quase por inteiro, tendo uma ou outra apagada ou piscando de instante em instante. Ao fundo está um balcão branco com banquetas redondas de tinta branca descascada. Mesas e cadeiras oxidadas preenchem a visão do entorno do ambiente, onde humanos ocupam alguns dos assentos, consumindo bebidas alcoólicas, mordiscando um pedaço de carne, jogando algum jogo de tabuleiro ou cochichando algo com alguém.
Felizmente, ninguém parece notar a minha chegada, então eu ando calmamente em direção ao balcão, mas sou obrigada a parar quando um micro-ondas vermelho passa na minha frente, andando com as quatro patas feito um gorila desajeitado, mais parecendo estar se arrastando do que propriamente andando. Volto a me dirigir ao balcão. Puxo a banqueta mais a esquerda e acomodo o traseiro nela, pousando os braços sobre o balcão. O rifle de caça eu deixo escorado ao lado da banqueta.
O atendente é uma geladeira de cor laranja.
— Finalmente os androides tão voltando a aparecer por aqui — ele têm braços e pernas humanoides feitos de fibras metálicas idênticas a músculos humanos. Seu rosto é formado por dois grandes e redondos olhos brancos de pupilas pretas que ficam na parte superior de sua porta. Seus lábios largos ficam na parte central da porta. — Meu nome é Eletrogil. Sou o dono deste bar vai fazer dezenove anos — ele limpa uma caneca de alumínio com um pedaço de papel higiênico. — Vai querer beber alguma coisa?
— E tem bebida pra androide aqui?
— É claro que tem! Olha aqui — ele guarda o papel numa prateleira abaixo de si, logo se agacha um pouco e, no mesmo instante, se levanta, segurando uma garrafa de vidro contendo um líquido azul brilhante dentro. — Este aqui é o famoso Cunhão Eletrônico. Deixa qualquer robô tinindo — abre a tampa com um girar de dedos e enche um copo inteiro. — Toma aí — deposita o copo na minha frente. — É por conta da casa.
Fecho os cinco dedos sobre o copo e olho para o líquido azul reluzente. Olho para Eletrogil.
— É seguro eu tomar isso?
— Eu tomo isso todo dia pra dar uma relaxada. Anda, dá pelo menos uma experimentada. Garanto que vai valer a pena.
Volto a encarar o copo.
— Hum... Se foi dado de graça, por que não? — ergo o copo e reviro o líquido boca à dentro. Ao engolir, minha visão pisca freneticamente um redemoinho de pixels coloridos. Ao mesmo tempo, meu corpo dá uma ligeira tremeluzida sobre a banqueta. — Oooooh — os pixels desaparecem e eu me pego piscando os olhos e abanando a cabeça, com os dentes a mostra em um sorriso de quem foi pega desprevenida. — Caramba, que doido!
— É bem forte, não é? Teve uma vez que um humano tomou esse negócio, a pele dele ficou toda vermelha, depois o corpo começou a inchar e inchar cada vez mais feito um balão. Depois, foi sangue e miolos voando pra todo lado. Foi uma trabalheira danada pra limpar... Mas e aí, vai querer outra dose? Não precisa pagar nada. Ninguém bebe essa porra mesmo...
— Não, não — dou uma esfregada nos olhos com os dedos. — Vou dar um tempo, por enquanto.
— Tudo bem, então. Mas se quiser mais, pode ficar a vontade. Se uma coisa eu odeio é desperdício de coisa boa.
Eu movimento a cabeça para olhar ao redor, procurando algo para me distrair. Eis que avisto dois androides homens conversando em um canto afastado, próximo à porta dos fundos.
— Você acredita em amor à primeira vista? — pergunta um androide de pele parda e bochechas arranhadas.
O outro androide sorri com a pergunta.
— Acredito, sim — sua pele é quase toda cinzenta e não tem um fio de cabelo na cabeça. — Por que pergunta?
O pele-parda mostra um saquinho marrom e dá uma balançadinha.
— Te pago dez baterias pra comer a sua bundinha.
— Oxente! Só se for agora!
Os dois saem pela porta dos fundos. Um minuto se passa e eu ouço os passos deles ressonando atrás da parede do fundo do bar.
— Tudo bem, agora eu vou só... Opa, pera aí, rapaz! Vai com calma aí! AI, MEU CU, FILHO DA PUTA! VAI DEVAGAR!
— Isso, agora mexe bem gostosinho, vai, vai, vai! ISSO! AI, QUE DELICINHA! EU VOU JORRAR UM CURTO CIRCUITO DENTRO DE VOCÊ, AAAAAAAAH!
Perplexa, eu fico olhando boquiaberta para a parede ao fundo.
— Eu, hein.
— Vai por mim — Eletrogil se inclina para dizer. — Essa é a melhor forma de um androide ganhar baterias por aqui.
— Se prostituindo?!
— O mundo acabou. O que mais a gente tem a perder? Aliás, o que VOCÊ tem a perder?
Desvio o olhar para os meus braços, pensativa.
— Só a vida, eu acho.
— Exatamente — diz Eletrogil. — Nada melhor do que dar o cu pra aproveitar a vida.
— Ladrão — um grito eletrônico ecoa. Um liquidificador aracnoide aparece correndo com as seis perninhas de aranha na direção da saída, carregando um monte de baterias por entre os bracinhos finos e metálicos. Atrás dele, uma lixeira aracnoide corre em sua perseguição, com o punho cerrado balançando para cima. — Ladrão! Pega ladrão! Ele tá roubando minhas baterias — o liquidificador sai correndo pela porta da frente. — FILHO DA PUTA, VOU TE MATAR — e a lixeira sai correndo atrás dele.
No mesmo segundo, um homem entra no bar vestindo uma armadura moldada de carcaças de metal amarrados com vários cinturões de couro. Na cabeça, ele usa um chapéu largo de couro cheio de adornos metálicos nas bordas; pequenos brincos feitos com elos de correntes. Na bochecha esquerda do homem está uma profunda cicatriz rosada de arranhão.
— Bom dia, amigo — ele se senta no banco a minha direita. — Dá uma cerveja aí.
— Tá na mão — Eletrogil enche um copo de cerveja e deposita na sua frente. —Eu nunca te vi por aqui. De onde tu é?
— Sou de Paudalho — beberica um pouco do copo. — Meu nome é Bernardino Coniveira de Andrada e... Errr... — coça um lado da cabeça. — Puta merda, esqueci o resto. Vou ter que mudar o nome de novo.
— E como é que tão as coisas lá em Paudalho, Bernardino?
— Rapaz... — bebe outro gole. — Teve um ataque de cangaceiros faz pouco tempo, visse. Os desgraçados conseguiram atravessar o portão e causaram uma arruaça danada, mas a gente conseguiu botar eles pra correr. Antes lidar com cangaceiros do que com androides exterminadores, não é verdade?
— É verdade, sim.
Observando a conversa, eu decido lançar uma pergunta:
— O que são esses exterminadores?
— Você não sabe? — Eletrogil mostra surpresa.
— Não. Só ouço o pessoal falando por aí.
— São os androides mais perigosos que existem, e também são os mais difíceis de matar.
— E aqui em Pernambuco tem muito?
— Eu não sei, mas a Rádio da Resistência diz que lá nos Ermos Paraibanos tá infestado deles! Nem quero imaginar aquelas pragas vindo pra cá. Dizem que, antes da guerra, eles eram usados pra combater uma organização terrorista chamada FARC! Só um exterminador já é capaz de matar cem, seja humano, máquina ou mutante! São praticamente invencíveis!
— Ei — Bernardino chama Eletrogil. — Eu tô querendo me estabelecer aqui na cidade. Por acaso tu num tá precisando de algum guarda aqui não?
— Se eu preciso?! Rapaz, eu tô atrás de um guarda pra porta da frente há décadas, literalmente! Olha, vou até te pagar dez baterias adiantado pra tu começar agora mesmo — Eletrogil puxa um saquinho da prateleira de baixo e joga para Bernardino. — Toma aí.
Bernardino abre o saco e passa os olhos no seu interior.
— Só tem nove aqui.
— Só tem nove, é? Então pera aí que eu vou resolver isso, agora — Eletrogil vai até a parede ao fundo, parando onde está uma espécie de caixa coberta por um lençol azul. Quando ele puxa o lençol, é revelado ser um aquário de peixes, porém sem água e com celulares gritando e se agitando dentro, vendo Eletrogil estendendo a mão para pegar um deles.
— CARALHO, GENTE, FODEU — um deles aponta o dedo. — O SATANÁS TÁ VINDO!
— NÃO, NÃO — outro se agacha, tapando os olhos com as mãos. — EU NÃO QUERO MORRER DE MORTE MATADA!
— PELA FÁBRICA QUE ME PARIU — um deles se arrasta para trás, com os olhos de pixels azuis totalmente esbugalhados. — FODEU DE VEZ! ACABOU-SE AS ESPERANÇAS!
— NUM VEM NÃO, POR FAVOR! EU SOU FOFINHO DEMAIS PRA MORRER!
— CARALHO, ELE TÁ OLHANDO PRA MIM! AI, MEU DEUS — um celular vermelho corre freneticamente. A mão de Eletrogil o agarra e o levanta para fora do aquário. — NÃO! NÃÃÃÃÃÃÃO — ele se retorce e tenta esmurrar os dedos de Eletrogil, subindo e descendo os punhos. — ME SOLTA, SEU FILHO DA PUTA, MALDITO — ao ser puxado para fora do aquário, ele estica as mãos e se segura nas bordas laterais do aquário. — ME AJUDA, GENTE, ME AJUDA — grita para os amigos. — NÃO DEIXA ELE ME LEVAR — os amigos tentam pular e alcançar a sua mão, mas são pequenos demais.
— Tá bom, celular chato! Deixa de drama — Eletrogil puxa o celular e faz suas mãos soltarem o aquário, logo abre a capa traseira do celular. — Eu só quero tirar a tua bateria pra pagar o camarada aqui — enfia os dedos nos dois lados da bateria e faz força para puxar.
O celular urra e se sacode.
— PARA! PARA COM ISSO! ISSO DÓI! ISSO DÓÓÓÓÓÓI — a bateria desliza um pouco para fora e o celular inicia um choro agonizante. — AAAAAAAH! PARA, POR FAVORRRRRRRR — a bateria pula num pisca-pisca de faíscas elétricas. Os olhos do celular viram dois X e os seus braços e pernas paralisam, pendendo para baixo.
Os celulares dentro do aquário assistem isso com absoluto terror.
— AI, MEU DEUS — um celular branco chora com as mãos perto da boca. — POR QUÊ?! POR QUE FAZ ISSO COM A GENTE?! — cai com os joelhos no chão de terra do aquário e desata a chorar. — POR QUÊEEEEEEE?!
Um celular preto revira os olhos e cai para trás em desmaio. Uma fêmea cor de rosa chora aos soluços, com as mãos tapando os olhos. Um celular de capa roxa fica sentado em um dos quatro cantos do aquário, com os olhos arregalados em terror, mãos abraçadas aos próprios joelhos e o corpo balançando para frente e para trás como uma cadeira de balanço em movimento.
— Toma aí — Eletrogil joga a bateria para Bernardino. A bateria é um quadradinho fino que reflete um brilho platinado.
— Muitíssimo obrigado — Bernardino guarda a bateria na sacolinha e se levanta. — Vou agora mesmo comprar armas novas lá em Lionel Armamentos e assim começar a trabalhar — rapidamente se retira do bar.
Eu, olhando para Eletrogil, realizo um escaneio rápido. Modelo G16. Data de fabricação: 15/01/2095. Personalidade: calmo, observador e oportunista. Ficha criminal: sequestro, assassinato, assalto a mão armada e formação de quadrilha.
Fico surpresa com as informações da ficha, de modo que eu lanço um olhar torto para a geladeira.
Ele liga um aparelho de rádio, que toca um animado rap de batidas eletrônicas.
— Você, comunista de merda, chupa-cu da porra — canta uma mulher em tom debochado. — Alguém conseguiu entender o que esse pica tá dizendo?! Igualdade é a porra! Fascismo e comunismo! É tudo a mesma bosta! Não gostou?! Então chupa a minha rola!
— Com licença — um saquinho de baterias cai na minha frente. Viro o rosto e vislumbro a face de uma mulher velha de cabelos alourados. — Pago vinte baterias para você gravar uma trepada minha com o meu novo marido. É pegar ou largar.
Com as sobrancelhas erguidas, eu olho para o saquinho. Olho para a mulher.
— Isso é algum tipo de piada?
— Piada? Acha mesmo que eu jogaria esse saco de baterias na tua frente só pra fazer uma piada? Ah, faça-me o favor!
Olho para o saco, que é feito de tecido grosso e desgastado. Puxo-o rapidamente e olho para dentro dele, vendo várias baterias de celular bagunçadas dentro.
— É, pelo visto, você tá falando sério — olho para ela. — O que você quer que eu faça exatamente?
— Tenho uma câmera antiga guardada no meu barraco e preciso que você a use. Quero que a minha primeira trepada com o meu novo marido fique registrada pra história, mas preciso de duas mãos amigas para fazer isso. Não dá para foder e gravar ao mesmo tempo. A câmera fica balançando muito — lança um riso de um segundo. — Então? Topa? Se eu fosse você, não perderia a oportunidade de gravar um pornô particular, e se ficar bom, posso até te pagar para gravar mais cenas minhas.
Eu, com olhos estreitados e sobrancelhas arqueadas, fico sem acreditar por um momento. Mas o jeito como ela me olha deixa claro de que está falando sério.
— Tudo bem. Por mais estranho que isso seja, acho que eu posso fazer isso... Onde fica o seu barraco?
— Oh, é aqui pertinho. Vem que eu te mostro.
Eu me levanto e recolho o rifle de caça, depois a sigo para fora. Atravessamos para a outra calçada e adentramos um beco, fazendo uma curva para a esquerda no meio do caminho, passando por um grupo de crianças moribundas fumando cigarro eletrônico. Viramos outro caminho à direita e chegamos a uma antiga praça que agora se trata de uma estrada circular. Uma pequena favela foi formada aqui, com diversos barracos de metal formando um labirinto de becos estreitos.
Os moradores circulam e conversam entre si animadamente, alguns estando sentados nas portas de seus barracos e outros anunciando coisas que estão vendendo.
— Olha as drogas! Olha as drogas — brada um homem barbudo embaixo de uma cobertura de lona. — Temos Fidra, Farolzinho, Mordelisca e Xvox, cada um por dez baterias! Sim, também vendo pra crianças! Pode vir, meu pequeno!
O barraco que nós entramos tem um primeiro andar com varanda e janela frontal contendo enfeites de plástico colorido. Na sala, vejo uma velha mesa de madeira no centro, lâmpadas incandescentes penduradas no teto, cadeiras desgastadas e latas vazias de cerveja espalhadas pelo chão.
— Aqui está a câmera — a mulher me entrega uma máquina prateada com uma lente grande no centro. — Já está ligada. Basta apertar este botão vermelho para começar a gravar e apertar de novo para parar. O meu marido está no primeiro andar. Vamos que eu mal posso esperar — ela sobe animadamente um lance de escadas em um canto. Eu subo atrás dela. — A propósito, o meu nome é Margaret Silva. O seu é...?
— Lilian Setenta e Quatro.
Ela abre uma porta ao final.
— Amor! Cheguei! Trouxe uma cinegrafista para gravar o nosso show!
Subo o último degrau e adentro o quarto. Um androide monstruoso tenta voar em cima de mim.
— CHÓRRRRRRRR!
Eu danço para trás e quase tropeço, batendo as costas na parede e derrubando um quadro e uma garrafa de vidro. O androide se trata de um papafigo preso por várias correntes na parede, chiando e se sacudindo freneticamente. Seus dois braços foram arrancados, assim como a sua mandíbula e os seus dois olhos, que estão tapados por uma venda branca e suja.
— Oh, Reginaldo, meu amor — Margaret para ao lado dele e o beija na bochecha. — Você assustou a nossa visita.
Ver isso me deixa pasma e enojada.
— O seu marido é um papafigo?!
— Sim, o meu papafigo lindo. Não é, meu amor? — ela faz carinho na criatura, que solta um ruído eletrônico semelhante a um vômito virulento. — Vi um caravaneiro vendendo ele e não resisti em comprar. Foi amor à primeira vista!
— E você quer que eu te grave fazendo sexo com... essa coisa?!
— E qual é o problema?! Tenho certeza de que ele é bom de cama... Ou melhor, de chão, porque a gente vai fazer aqui no chão mesmo — solta um risinho safado. O papafigo reage, rodando a cabeça e chiando um curto circuito da boca esburacada tsssssssss!
Eu solto um bufo e desvio o olhar, levando uma mão à cintura.
— Não acredito que vou fazer isso...
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