Os Grãos Que Ficam

Ouve-se, de anos atrás, boato e falação sobre uma pequena garota que todos consideravam bruxa em uma cidade de interior. A menina era diferente das outras pessoas, era a mais branca de todos que ali existiam. Seus olhos tinham uma cor incomum, eram avermelhados tanto quanto as cerejas que gostava de colher do galho da árvore que invadia a janela de seu quarto pelo pedaço do vidro que estava quebrado, da onde nunca saía.

Seus pais não a deixavam sair, nem para ir à escola, pois tinham medo de que fizessem algum mal com a menina, já que eles mesmos tinham dúvidas se ela não fora um castigo divino pelo pecado que, não sabem quando nem qual, cometeram.

A mãe deu para a pequena alguns livros e cadernos para ocupar o largo tempo livre e solitário. Ficou feliz de receber tudo aquilo, mas o que lhe chamou mais atenção foi o de ciências da natureza, onde havia um desenho de algo que chamavam de praia e, entre as folhas, encontrou uma foto do mar e dunas de areia. A partir disto, teve imenso desejo de ir conhecer aquilo de perto, sentir na pele a textura dos grãos da areia, o calor do sol, sair da onde tanto tempo esteve trancada, por exatamente 12 anos.

Pediu para os pais que, como já esperava, negaram e brigaram por conta da ousadia de ter tal pensamento. A mandaram para o quarto e trancaram a porta por fora como castigo, e só sairia de lá no dia seguinte, ou quando aprendesse a não pensar em besteira. Já estava acostumada à ficar ali, porém o desejo de conhecer a praia era tão profundo que se revoltou. Gritou, xingou, quebrou tudo que estava ao seu redor, desejou que a porta não estivesse ali, até que conseguiu abri-la mesmo sem força-la. A porta se destrancou.

Vendo ali uma escapatória, correu para longe, sem parar nem para respirar. Correu como se sua vida dependesse daquilo. Correu como se fosse a última coisa que faria. Passou por várias casas, e quem estava nas varandas e arredores observava a garota diferente. Alguns não sabiam o que ela era. Se era pessoa, se era fantasma, ou alucinação. Outros tinham certeza de que era a bruxa. Pela curiosidade humana seguiram a menina para saber o que iria fazer.

O sol estava extremamente forte aos olhos da garota, chegava a caírem lágrimas destes, já não estava enxergando muito bem, e desejou que ali aparecesse seu destino. Em um piscar de olhos teve a certeza de que estava a ponto de alcançar seu objetivo. Mais a frente, haviam pedras, lembrou-se de que algumas praias tinham. Escutou sons que nunca ouvira, deveria ser este o barulho do mar? Não sabia. Porém seu cansaço não era páreo para sua vontade de saber como era o mar. Enquanto isso, atrás dela começava a surgir um aglomerado de pessoas seguindo os mesmos passos.

Ela chegou, subiu pelas grandes pedras e chegou ao topo. Dali teve uma vista da qual não conseguiria descrever. Diante de seus olhos estava o oceano, sereno e de cor azulada. A menina ficou emocionada, sentou-se na beirada e ficou admirando. Enquanto isso, as pessoas vinham chegando atrás dela.

Eles não entenderam o que ela estava fazendo. Uma imagem tão corriqueira para eles parecia algo tão relevante para a menina. Estavam assustados com a aparência dela. Ela percebeu a movimentação atrás de si e virou-se para olhar quem a encarava. Tinha medo que fossem seus pais que tivessem a achado para lhe dar um castigo maior do que o de estar trancada, mas quando não viu eles no meio e todos assustados, temeu pelo pior.

Já estavam decididos a dar um fim naquele estranho ser, com medo de que fizesse alguma bruxaria, algo de ruim e se aproximaram dela, que recuou e resbalou nas pedras. A garota começou a despencar rumo as pedras que ficavam sob o mar. Seria aquele seu fim!? Nem ao menos conheceria a areia que tanto almejou!? E, enquanto caia, no que pareceu eternidade,  desejou que os grãos aparecessem.

No que pensou, a areia surgiu por entre as pedras e a multidão sumiu. Já não se via tanto as pedras que foram cobertas pelas dunas. A garota caiu no mar, agora sem pedras onde iria cair, em uma praia idêntica a que havia visto na foto, e afundou, sem antes descobrir o porquê das pessoas virarem grãos. Ela não era diferente apenas na aparência, como também tinha o dom de fazer tudo que idealizava se tornar real ou acontecer. Além de que, entre os livros que lia havia um, que fora encontrado num lugar qualquer, com os mais diversos feitiços que inconscientemente aprendeu e que conseguia realizar apenas com o poder do pensamento. Sua família não sabia disto, achavam que eram apenas páginas em branco, já que só ela conseguia ver as letras.

Até os dias atuais, a praia, que tornou-se ilha, está lá, e conforme a crença, a garota vive ao redor desta para protegê-la daqueles que não sabem cuidar da natureza e prezar por aqueles que passam por alguma injustiça, por aqueles que tem sonhos e lutam para conquistá-los.

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