Capítulo 3
Terceiro Capítulo
Maria Júlia
Quando conheci o grupo Histórias de Vida, eu não imaginava que ele poderia me trazer tantas esperanças de novo. Eu achava que uma amizade virtual ficaria somente no superficial, não teria como aprofundar um relacionamento pela simples tela do computador.
Contar parte da história de vida era como fazer terapia; colocar todo seu sentimento ali, coisas que muitas vezes não eram faladas e muito menos compreendidas pelas pessoas que convivem com você no seu dia a dia.
Fiquei pensando nos grupos de apoio como os AA (Alcoólicos Anônimos), eles também se apoiam uns nos outros, e ali, no cara a cara, muitas vezes deve ser mais complicado. Através da tela de um computador você tem a impressão que está sozinho, e com certeza é mais fácil se abrir. Pelo menos, era assim eu pensava.
Os depoimentos que eu lia eram, muitas vezes, mais chocantes que o meu. Um dia eu sentei e fiquei por mais de horas escrevendo. Apaguei muitas vezes e depois de vários dias eu enviei minha história.
Conheci o Silvio numa tarde de domingo quando eu estava tomando sorvete com umas amigas.
Ele olhou para mim e deu um sorriso. Meu coração quase parou, pois ele era um garoto lindo.
As minhas amigas olharam na direção que eu sorria e começaram a dar risadinhas também.
- Vamos deixar você sozinha aqui, iremos ao banheiro. Tenho certeza que ele vai chegar. - falou Tina.
- Não façam isso! - pedi.
Mas elas já estavam levantando e saindo.
Foi questão de segundos ele sentar na minha frente. Eu estava de cabeça baixa, morrendo de vergonha.
- Posso saber seu nome? O meu é Silvio, mas me chamam de Silvinho.
- Oi... Maria Júlia, Maju para amigos e familiares.
- Lindo nome... Digno da garota mais linda que meus olhos já viram. - disse ele me deixando envergonhada.
- Obrigada...
- Vamos dar uma volta na praça?
- Estou com umas amigas... E elas...
- Elas já passaram aqui e deram tchau, não viu?
- Não... Eu... Não sei... - realmente eu não sabia o que dizer.
- Somente uma volta. Conversar um pouco... Vamos?
Olhei aqueles olhos brilhantes e me vi dentro deles. Levantei e disse:
- Tudo bem... Vamos!
Daquele dia em diante nunca mais nos separamos.
Um namoro que começou sem que ninguém levasse a sério, pois éramos muito jovens, foi se firmando a cada dia.
Namoramos, noivamos e nosso casamento foi todo organizado nos mínimos detalhes para não ser nada além de perfeito.
Como sempre, fomos parceiros em tudo, nada fazíamos sem que o outro concordasse e apoiasse.
Meus pais possuíam várias casas de aluguel e deu-nos uma de presente. Poderíamos escolher o qual queríamos e fazer uma reforma se fosse o caso, e assim o fizemos. Conhecemos as casas, escolhemos, esperamos ser desocupada e fizemos algumas mudanças de acordo com o nosso gosto. Preferimos residir no bairro onde os nossos pais moravam e onde havíamos crescidos.
Eu já trabalhava desde que havia concluído o magistério, no entanto, tinha o sonho de continuar a estudar e fazer pedagogia ou letras. O Silvio trabalhava com o pai desde muito novo, eles eram comerciantes, estavam no ramo alimentício. Por esse motivo, casamos muito cedo, não queríamos esperar mais. Começaríamos a estudar a noite a partir do próximo ano.
Vimos nossa casa ir, aos poucos, ficando do nosso jeito. Eu fazia enxoval desde menina, sempre incentivada pela minha avó Dulce. Panos de prato eu teria para uma década, toalhas de mesa e de banho. Tudo personalizado com as nossas iniciais e eu colocava tudo no lugar com o maior capricho. Quando resolvemos comprar os móveis os colegas diziam para que nós não o fizéssemos, pois ganharíamos de presente de casamento. Não escutamos ninguém e compramos tudo que iríamos precisar.
Tudo pronto... Era somente esperar o grande dia pelo qual eu queria aproveitar o máximo.
Escolher as flores da igreja, a música que seria tocada e o meu vestido de noiva ficaram por minha conta, com auxílio de nossas mães. Ele não quis dar palpite em nada. Dizia que confiava nos nossos gostos.
Assim, entrei na igreja de braços dado com meu pai no dia doze de setembro, ao som do violino e uma voz suave cantando a ave Maria, foi simplesmente emocionante. A cerimônia foi perfeita, o padre falou coisas lindíssimas, lembrou até minha primeira eucaristia naquela mesma igreja. Uma delicadeza da parte dele.
A recepção estava um luxo. Os pequenos detalhes enchiam os olhos das pessoas que percebiam tudo que fizemos era com muito carinho. Desde a embalagem dos doces às lembrancinhas. Dançamos a valsa, cortamos o bolo e eu joguei meu buquê.
Saímos da festa às escondidas para passar nossa primeira noite na nossa casa. No dia seguinte iríamos viajar por dez dias para nossa tão sonhada lua de mel.
Iríamos para praia, nosso sonho mais antigo.
Tudo perfeito.
Eu e o Sílvio, apesar de todo esse tempo de namoro, nunca havíamos feito amor. Amávamo-nos com gesto e palavras. Decidimos que teríamos a nossa primeira vez juntos depois do casamento. Assim aconteceu.
Naquela noite nos entregamos um ao outro de corpo e alma. Éramos o complemento que faltava em um e a extensão terminada no outro. O desejo da entrega... Não havia pressa... Somente carinho e amor.
Adormeci em seus braços com uma felicidade que já não cabia mais no meu peito. No dia seguinte embarcamos rumo a nossa tão esperada lua de mel.
Os nossos padrinhos de casamento e nossos tios nos perguntaram o que queríamos de presente, mas já tínhamos comprado tudo. Então eles resolveram nos dar em dinheiro o valor correspondendo os presentes. Não esperávamos tanto, por isso guardamos uma boa parte dele no banco e levamos para viagem bem pouco, pois tudo estava incluso no pagamento do hotel.
Foram dias incríveis. Assistir o por do sol a beira mar era um espetáculo incontável.
Passeamos muito naqueles dias e também curtimos um ao outro, ora em uma sala de jogos do hotel, a beira da piscina ou em nosso quarto.
Certo dia, ele resolveu dar uma caminhada no final da tarde e eu fiquei no quarto descansando para o jantar dançante que aconteceria a noite.
Como ele estava demorando eu resolvi tomar banho e ir já me trocando para não atrasarmos.
Fiquei pronta e nada dele. Liguei a TV e fiquei ali esperando...
Já se passava das sete e meia da noite e eu comecei a ficar preocupada. Desci a recepção e perguntei se havia algum recado dele. Nada! Sentei na sala de TV e fiquei esperando que a qualquer momento ele entrasse. Uma eternidade se passou, quase meia hora e nada! Aquilo já estava me deixando com os nervos a flor da pele. Ele nunca foi de atrasar para um encontro sem avisar com antecedência.
Quando levantei de novo um rapaz estava vindo ao meu encontro.
- Foi à senhora que perguntou por um rapaz na recepção? – perguntou ele.
Graças a Deus – pensei.
- Sim, tem algum recado? – eu quis saber já mais aliviada.
- Pode me acompanhar, por favor. – pediu ele.
Pensei: Aposto que ele estava era aprontando alguma surpresa para mim, por isso havia comentado de um jantar dançante.
Segui o rapaz até a uma sala onde havia umas quatro ou cinco pessoas inclusive dois policiais. Estranhei...
- Boa noite senhora, temos um caso de homicídio e precisamos de alguém para reconhecer o corpo, já que o rapaz estava sem documentos.
- Mas por que eu? Eu não conheço ninguém aqui. – eles se olharam.
- É porque sabemos que estava à procura do seu marido...
Eu já comecei a tremer...
- Meu marido NÃO! – gritei.
Eles me deram que havia sobre a mesa. Senti que me davam tempo para entender a situação. Eu fiquei sem ação. Não poderia ser o Sílvio, não o meu marido, nós tínhamos muitos planos ainda...
Respirei fundo e disse:
- Não sei se vou poder ajudar, mas tenho certeza que não é o Silvio.
Os acompanhei até a saída do hotel onde havia viaturas policiais e uma ambulância. Eles abriram a porta da ambulância e lá estava meu marido, deitado e coberto por um pano branco.
Tudo escureceu e eu somente acordei mais tarde em um quarto de hospital. Pedia e chorava para que falassem que eu havia sonhado e que tudo aquilo era mentira.
Voltava a dormir e a sentir tudo calmo de novo.
Assim foram três dias. Quando acordei de novo minha mãe estava do meu lado, com o semblante muito abatido. Olhei para ela e chorei de novo. Ela abraçou-se a mim e chorou.
Aqueles dias passaram sem eu perceber. Voltei para minha cidade com meus pais, eu parecia mais um fantasma que qualquer outra coisa. Não falava, não comia e não tinha força para nada. Os dias que se seguiram foram os piores da minha vida. Eu tenho poucas lembranças do velório e do sepultamento, estava sobre constante efeito de medicamentos. Eu precisei ser internada de novo, pois minha fraqueza não me permitia levantar da cama nem para as minhas necessidades diárias. Eu não queria mais nada. Falava o tempo todo que gostaria de ter morrido junto com ele.
Voltei sozinha da minha lua de mel... Fiquei revoltada com Deus. Não fui nem na missa de sétimo dia dele, pois um Deus que me amava, não poderia ter feito tudo àquilo comigo. Minha revolta não tinha tamanho.
Passei a ficar somente no meu quarto, não queria ver ninguém e nem receber nenhuma visita. Cheguei a pensar em entrar para um convento. Mas ser freira era estar perto de Deus e eu não queria isto.
Acabaram as férias e eu não queria voltar a trabalhar. Meus pais foram e até hoje são minha fortaleza, sem o apoio deles eu não teria conseguido sair daquele inferno que se tornara minha vida.
Minha mãe fez por mim algo que eu nunca teria forças. Abrir os presentes e desfazer de tudo aquilo. Eu queria que devolvesse para as pessoas tudo que nos deram, mas a maiorias delas não aceitou de volta. Acabaram fazendo um bazar e venderam tudo. Esse dinheiro eu não queria, pedi que doasse também. Há pouco tempo eu soube que meus pais guardaram boa parte de tudo em uma conta poupança para eu usar como quisesse e da forma que bem entendesse quando meu coração doesse menos.
Aos poucos voltei a trabalhar e tentar seguir a vida. Nunca mais passei naquela rua e nem na frente da casa que um dia eu iria morar. Onde eu fui, por uma noite apenas, mulher do meu marido.
Três anos se passaram e eu ainda sinto a dor da sua ausência. Não sei se um dia ela passará, pois estou tentando verdadeiramente viver de novo, mas não é fácil.
Eu trabalho todos os dias, hoje com muito mais amor às minhas crianças. Pois muitos dias eu fui e voltava de forma mecânica da escola. Voltar a estudar para ser pedagoga foi à melhor atitude que eu tomei. Estar junto das crianças e ajudá-las na construção de sua personalidade e serem pessoas responsáveis, estes eram o meu objetivo.
Sei que as escolas têm a responsabilidade de ensinar e transmitir conhecimentos. Mas eu queria muito mais, ir além do básico, mostrar um mundo diferente. Com certeza eu continuei vivendo a cada dia com esse propósito. Não poderia ter passado por tudo aquilo sem um sentido, à toa.
Meu nome é Maria Júlia essa é minha História de Vida.
Depois que enviei minha história, recebi muitas perguntas e palavras de apoio. Era tanto carinho daquelas pessoas, que eu muitas vezes me peguei chorando de tão emocionada que ficava. Porque uma coisa é você receber carinho e atenção de pessoas da família e amigos, mas de pessoas que você não conhece e mesmo assim se preocupam com você e te desejavam somente coisas boas era muito gratificante. Posso dizer que esse carinho foi me transformando para eu ser uma pessoa muito melhor do que eu era antes.
...
Acredito que muitas pessoas vão pensar... "Imagino que não foi fácil." Imaginar... Podemos imaginar, mas nada é como viver. Somente quem passa sabe o verdadeiro sentindo de sofrer. Mas cada pessoa tem seu jeito de sair das situações encontrando de novo como caminhar e refazer uma vida que provavelmente havia perdido o sentido.
Agora conhecemos as histórias dessas três mulheres.
Abraço e até semana que vem, no dia 15 onde teremos um encontro com a Marcela, e então a conheceremos melhor, espero vocês...
Conte para mim sua História!
Lindo fim de semana a todos.
Lena Rossi
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