Capítulo 2
Segundo Capítulo
Marisa
Depois de ler vários depoimentos resolvi escrever minha história. Não sabia se mandaria ainda. Mas nos mandamentos do grupo eles diziam que escrever ajudava tirar a tristeza do coração e transferi-la para o papel.
Então comecei e apaguei varias vezes, pois eu começava minha história do período ruim da minha vida, e isso não era verdade. Eu e o Luis tivemos muitos momentos felizes. Então comecei assim:
Meu nome é Marisa, tenho vinte seis anos e sou dentista com especialização em pediatria.
Conheci meu marido quando eu tinha catorze anos. Eu frequentava o grupo jovem da igreja e ele um dia foi junto com um amigo em comum. Havia acabado de sair de um relacionamento e estava precisando distrair a cabeça. Ele era bonito e engraçado além de muito educado. Era filho único, um pouco mimado pelos pais por isso, mas um garoto estudioso e esforçado.
A partir daquele momento, tornamos amigos e inseparáveis. A princípio brigávamos bastante. Eu não me conformava dele chegar sempre atrasado no grupo ou na catequese da crisma que fazíamos juntos.
Começamos a namorar no final daquele ano.
Quando ele me contou que havia feito a primeira comunhão e nunca mais havia se confessado e comungado eu quase caí dura para trás. Tratei de consertar essa situação. Ele confessou, e na missa de natal comungou como se fosse à primeira vez de tão emocionante que foi. Seus amigos e tios presentes e eu não conseguimos segurar as lágrimas, os pais dele não estavam presentes.
Passamos o natal e ano novo juntos, e nas férias de janeiro eu viajei com ele e os seus pais. Naquela viagem eu fiquei um pouco irritada do jeito que a mãe dele o tratava.
Tudo era dado em suas mãos, nem o prato de comida ele fazia, era sempre ela. Quando o pedi para ajudar com a louça ela ficou indignada comigo, e falou:
- Se você não quer ajudar não precisa, mas não precisa colocar o Luisinho para fazer o serviço de mulher! – falou tirando o pano de prato da minha mão.
Ali começamos a nos estranhar.
Onde já se viu! Serviço de mulher! Enxugar uma louça? Tirar a areia dos tapetes. Colocar o lixo na lixeira. Lavar o próprio prato?
Na minha casa nunca houve isso, lá todos ajudavam, minha mãe sempre ensinou desde cedo. Cada um arrumava sua cama assim que levantava. Os tênis cada um lavava o seu. A roupa passada cada um guardava a sua. Depois do jantar todos ficavam na cozinha e juntos arrumavam tudo e até deixava a mesa do café da manhã arrumada. Ela dizia:
- Eu quero também ver o noticiário igual a todos e a novela depois.
Assim todos ajudavam e ia muito mais rápido. Meu pai gostava de dizer que havia muita gente ajudando e começou a sair de fininho. Então fizemos uma regra que a cada dia era folga de um, até da mamãe. Fizemos um calendário que ficava na geladeira...
Mas voltando a minha história... Eu comecei a trabalhar meio período naquele ano. Era um trabalho de auxiliar de uma dentista e acabei me apaixonando pela profissão. No ano seguinte, nós fizemos vestibular para odontologia e passamos. Ele eu não sabia se era bem isso mesmo que queria, mas como não decidia por outra coisa, acabou me acompanhando e fazendo o mesmo que eu.
Quem não gostou foi à mãe, ela gostaria de ver o filho médico.
Neste período de faculdade nós ficamos mais unidos ainda. Fazíamos planos de casar logo depois da formatura. O meu sonho de ser mãe me consumia. Por mim eu casava e já nem esperava nada, deixava por conta de engravidar, mas o Luis não queria. Ele dizia que precisávamos curtir a vida de casados.
Mesmo antes de formamos eu já trabalhava em um ambulatório da prefeitura em duas cidades vizinhas. O Luis somente atendia os da faculdade, era totalmente dependente do dinheiro dos pais.
Casamos um ano depois de formados. Compramos nosso apartamento e os seus pais nos deram um consultório montado. Quer dizer, a princípio era para ser somente dele. Relevando tudo que minha sogra falava e fazia nós até que tínhamos uma vida boa. Um ponto complicado era o assunto: bebe.
Luis não queria filhos, pelo menos pedia para esperar sempre mais um pouco.
Para ele o casamento não era tão simples.
Ele teve que me ajudar na manutenção da casa e do consultório. Precisava organizar nossas finanças e fazer os pagamentos nos dias corretos, ou seja, ir ao banco. Simples? Não para ele. Descobri depois de casada que ele nunca havia ido a um banco resolver nada. Nem em uma casa lotérica pagar uma conta de luz ou água. Talão de cheque... Tudo, mas tudo mesmo era sua mãe que fazia.
Quando ele saia do banho a sua roupa estava em cima da cama, ela já havia escolhido e separado. Sabe por quê? Ele bagunçava as camisetas na gaveta.
Mas na nossa casa isso não acontecia, eu trabalhava no consultório e em mais dois lugares e quando chegava a noite ale de ter que fazer o jantar precisava lavar as roupas, e como trabalhávamos de branco, não era muito simples para manter. E ele chegava tomava banho queria o jantar e sentava na frente da TV. Pode? Mas era isso que ele aprendeu a vida toda. Mulher tem que dar tudo na mão do marido. Isso por que eu precisava organizar a nossa planilha de despesas e receitas e planejar os pagamentos.
Sentamos um dia depois do jantar e coloquei tudo para fora. Não dava para continuar daquele jeito. Ele compreendeu e entendeu minha posição.
Começou a ajudar em tudo. Fazia o seu melhor. Porém não estava conseguindo aguentar a pressão que ele mesmo criou dentro dele.
Começou a ficar triste e eu fui perceber que no banho ele chorava sozinho. Quando o questionei, ele disse:
- Eu não queria te decepcionar. Mas eu não sou um bom marido. – ele me disse chorando.
Neste dia eu percebi que ele precisava de uma ajuda profissional. Marquei um psicólogo e depois um neurologista e por fim um psiquiatra.
Depressão.
Precisava de medicamentos e paciência.
E eu precisava mais ainda de paciência, pois ele começou a reclamar de tudo. Nada mais estava bom e de seu agrado.
Comia que dava até medo, mas dizia:
- Eu como por que eu sei que precisa, mas não sinto gosto e nem sabor da comida. Dormia a noite toda que até roncava. Pela manhã dizia: passei a noite em claro.
Realmente estava cada dia mais difícil.
Bebe? Não poderia nem falar no assunto. Ficava apavorado com a ideia de ser pai e não dar conta.
Eu não queria mais esperar. Numa conversa com ele muito séria, acabamos decidindo que eu iria parar com os remédios e iria deixar para obra de Deus.
A cada mês que eu não ficava grávida era um sofrimento para mim.
Mas fala verdade, o que precisa para engravidar? Sexo, não é verdade? Neste sentido eu percebia que podia até ser involuntário, mas ele me evitava. Principalmente nos períodos férteis. Então ficava mais difícil.
E como se não bastasse à mãe dele caiu doente na cama. Ela andava queixando muitas dores na coluna que os exames acusaram como uma hérnia de disco violenta. E não teve jeito, o problema era cirúrgico.
Passamos a ficar muito na casa dela. Eu saia mais cedo do consultório, preparava o almoço dela, dava banho e deixava tudo em ordem na casa. Chegava o final do dia eu estava morta de canseira. Quando já não aguentava mais essa rotina eu sugeri arrumar uma pessoa para ajudá-la. Foi briga na certa. Não aceitou uma pessoa de fora da família dentro da casa dela.
Fomos levando até que ela fez a cirurgia e foi se recuperando lentamente.
Aquele ano o natal foi muito triste, pela primeira vez eu e meu marido dormimos separados, ele passou a noite com ela. Chegou perto de mim e disse:
- O seu presente de natal está dentro do criado mudo. Espero que goste.
Era um lindo colar de madre pérolas. Chorei abraçada a minha irmã que havia vindo dormir comigo.
Nas férias de janeiro, todos os anos a nossa turma alugava uma casa na praia e passávamos de sete a quinze dias. E pela primeira vez em muitos anos isso não iria acontecer. Não tínhamos como nos ausentar.
Então a tia dele veio um dia e disse:
- Vocês precisam tirar uns dias para sair e descansar. Viagem por uns dias que eu fico com ela.
Assim fizemos. Mas antes não tivéssemos indo. Ele não estava bem, sua cabeça não estava junto de nós. Ali juntava duas coisas, o problema da mãe e o seu problema.
Ele estava se tornando 'o chato'. O seu assunto girava em torno da sua doença, ninguém mais aguentava. Os nossos amigos foram imprescindíveis naquele momento. Sempre dando a maior força para nós e a ele principalmente.
Um dia, ele demorou chegar ao nosso apartamento. Eu comecei a me preocupar. Liguei na casa de seus pais, nada! Aguardei até as nove da noite e nenhuma noticia dele.
Às dez horas chega à notícia do acidente.
Ele foi enterrado no dia seguinte. E meus sonhos também.
Parei de escrever chorando. Olhei a hora e pensei que precisava ir dormir. Não conseguiria escrever mais nada.
Deitada na minha cama eu fiquei rolando de um lado para outro por um bom tempo. Pensar naqueles dias era muito difícil. Principalmente o que veio depois.
Naquele mesmo dia a minha sogra ligou na casa dos meus pais onde eu estava. Ela queria as documentações para fazer o inventário.
Eu não acreditava naquilo, me recusei a ir ao nosso apartamento para qualquer coisa. Queria ficar sozinha deitada no meu antigo quarto. Mas foi a partir daquele momento que eu conheci a faceta do ser humano. Como às pessoas podem ser ou se tornar mediante a um sofrimento.
Ser egoísta a ponto de pensar que somente ela sofre e mais ninguém. Pensando nessas coisas eu não conseguiria dormir.
Levantei de novo pequei o tablet e voltei a escrever:
A minha sogra tirou tudo que ela podia de mim. Ou seja, todo bem material. Até minhas panelas e utensílio doméstico ela queria e levou.
Teve um dia que eu entrei no apartamento e falei:
- Veja tudo que a senhora quer levar, se não for nada pessoal meu, leve tudo. Mas que seja a última vez que venha aqui para isso.
- Eu somente quero o que pertence ao meu 'Luisinho'.
Eu sentei no sofá da sala e fiquei escutando os armários sendo aberto e fechado. E depois de muito tempo ela saiu levando caixas e mais caixas. As pessoas diziam que ela não poderia fazer isso, mas eu não queria briga e nem confusão. Eu precisava era de paz.
Foram dias terríveis, pois ela queria metade do nosso consultório, do apartamento, do carro, do seguro...
Eu queria morrer também...
Deixei tudo para ser resolvido com um amigo que era advogado. Ele dizia que ela não poderia fazer aquelas coisas comigo, que se eu não quisesse, ela não teria direito a nada que tivesse no nosso nome e que havia sido adquirido nos quase três anos de casados. Mas eu não quis. Decidi que tudo que nós conquistamos eu ia dividir com ela. Porém o que estava somente no nome dele, como um terreno que havíamos comprado juntos, para uma futura casa nossa. Ela não dividiu comigo.
Por ele brigávamos na justiça, mas não aceitei. Pedi a ele para fazer tudo que precisasse e até mais o que ela pedisse. O que eu precisava era ter paz e eu entendia que essa eu teria mediante pagamento, ou seja, abrindo mão de muita coisa que eu sabia que era mais mérito meu que dele. Mas eu não me importava.
Ela em momento algum teve um gesto de carinho comigo, não lembrou tudo que eu fiz por ela, não que eu tivesse feito para ter reconhecimento. Fiz por amor ao meu marido, e porque faria por um amigo que precisasse.
Vendemos o consultório, nosso apartamento e tudo que estava no nosso nome e dividimos em iguais partes. O que ela nunca ficou sabendo é que havia um seguro, que eu recebi e que guardei para montar meu novo consultório.
Mas no dia que assinei todos os papeis, eu me senti livre de novo.
Meu sogro não se envolvia, ele era um homem bom, sei que sempre me amou como uma filha, mas ela...
Infelizmente ele não superou a morte do filho e em poucos meses adoeceu e faleceu há alguns meses. Ela tem vivido sozinha, nem as irmãs vão visitá-la.
Depois de um período eu comecei a construir minha vida de novo. Fui trabalhar numa clínica de uns amigos fazendo uns atendimentos e intensifiquei os atendimentos pela prefeitura.
Todas as noites eu dormia chorando, ou tinha pesadelos e acordava assustada. Fiquei um bom período na casa dos meus pais, até que achei um apartamento legal e consegui comprar. Precisava do meu canto.
Decidi que faria especialização em pediatria. Mergulhei nos estudos para esquecer minha vida e meu sonho em ser mãe.
Hoje depois de três anos que tudo aconteceu eu penso sem chorar em tudo. Sinto saudade do Luis, mas consigo lembrar somente dos momentos felizes que tivemos.
Fechei o arquivo e deitei e desta vez dormi.
Virar uma página da vida é muito complicado quando as lembranças da sua historia vem carregadas de emoções. Mas é preciso!
Fechar seu livro e começar outra história é possível quando você fica em paz com sua história passada. Lembrar e somente sorri.
Aqui vamos ler e reviver histórias de pessoas que encontraram um caminho...
Você também tem uma História para contar?
Conte!
Estou esperando sua História, ela pode entrar para esse livro.
No próximo capítulo vamos conhecer a Maria Júlia, a nossa Maju...
Um grande abraço...
Lena Rossi
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