Vigésimo Capítulo

A neve deixava tudo branco e lindo. Annabelle adorava a época de neve, onde tudo ficava claro e macio, como se fosse um mundo totalmente novo. É claro que ela odiava quando tinha que retirar a neve de frente da loja dos pais ou da casa, agora que seu pai estava meio velho para fazer isso. Também odiava quando a neve derretia e tudo ficava marrom e enlameado, muito mais sujo de quando não havia neve.

Mas a neve, aquele momento branco, impecável, reluzente, ela adorava. Ela aprendera a adorar o momento das coisas antes que elas se tornassem sujas e corrompidas.

Além do mais, Annabelle adorava as luzes de Natal. Porque elas combinavam com a neve, e combinavam com as ruas. Elas deviam ficar ali o ano todo, porque tudo sempre parecia mais alegre e brilhante quando elas piscavam noite afora.

Dois dias atrás, havia ajudado seus pais a colocarem as luzes brancas e azuis em sua casa. Eles não tinham feito isso antes porque sabiam o quanto ela gostava das luzes e o Natal era a época em que, se tudo corresse bem, o contrato com a Compass~ se encerraria de qualquer forma. Então Annabelle estaria voltando por aquele período e poderia pendurar as luzinhas. Mesmo que ela tivesse voltado antes, por conta da correria do novo emprego e de se readaptar a uma cidade de 500 habitantes, só alguns dias antes do Natal pudera parar e enfeitar a casa como tanto gostava.

Ainda nem tivera tempo de sair para comprar os presentes das pessoas, mas finalmente conseguira um dia livre que encaixava com o horário de suas amigas e no meio da tarde de um dia bem frio, foram para Colorado Springs, onde fariam as compras.

- Vamos começar nos separando e nos encontramos daqui a uma hora para comprarmos os outros juntas! Certo? – Loren combinou e Annabelle e Maddy concordaram. Elas sempre faziam daquela forma, assim nenhuma veria a outra comprando o presente. Comprariam os de família e pessoas do trabalho juntas.

Annabelle, enrolada em um cachecol que cobria-lhe do pescoço ao nariz, vestindo um sobretudo bege que ia até a metade das coxas, já sabia o que daria para cada uma das amigas, e conforme se afastava seus passos se dirigiam para a loja que compraria o presente de Maddy. Agora que começaram a trabalhar em Colorado Springs, ao invés do lugar anterior, conhecia melhor a cidade e já descobrira uma loja vintage de roupas com algumas peças que ela tinha certeza que a ruiva amaria. Para Loren, alguns discos de vinil seriam o suficiente. Loren mantinha o gosto que seus falecidos pais tinham, e muitas das músicas eram encontradas em vinis. Annabelle, como uma boa frequentadora da casa da amiga, sabia alguns que faltavam e passaria na loja depois de pegar as roupas de Maddy.

Suas compras foram rápidas, já tendo pensado no que faria, e voltou calmamente para o ponto de encontro, olhando as vitrines. As ruas estavam meio cheias, todas as pessoas naquele desespero divertido da compra de presentes próximo da data. O Natal seria dali a três dias e mesmo assim sempre havia um monte de gente comprando coisas de última hora.

Annabelle passou em frente a uma vitrine e tanto seus passos quanto seu coração pararam.

Howl a olhava.

E então a câmera mudou para Mitch, na bateria, e para Chad, no baixo, em seguida. Era um clipe. Um clipe novo, pelo visto. Ela leu a legenda no canto esquerdo da tela, Travelers of Skies, e ela lembrou-se da melodia acústica que ouvira na rádio.

Seu coração batia rápido, mas de uma forma dolorosa, e ela gostaria de poder mexer suas pernas para se afastar daquilo. Seus olhos porém estavam fixos na tela e ela observava cada detalhe de cada um deles. O cabelo de Howl estava um pouco mais comprido e um pouco mais bagunçado. O de Mitch, mais curto e aparentemente com uma mecha azul elétrico. Chad parecia manter-se no visual de sempre, lançando sorrisos dóceis para a câmera quando era focalizado. Parte do clipe passava-se em um estúdio branco, onde eles tocavam os instrumentos, e a outra era sob um céu estrelado ao ar livre, com closes lentos e uma fotografia linda.

A respiração de Annabelle estava tremida enquanto ela tentava controlar o choro. Ela não queria chorar em plena rua e não queria chorar por causa de Howl, que estava há milhares de quilômetros de distância, mas naquele momento ela queria tanto ter estado ali para ver a gravação daquele clipe. Ela gostaria tanto que Howl a segurasse e eles ficassem para trás depois que a staff tivesse ido embora, embaixo daquele céu.

Mesmo que não tivesse som saindo da televisão, ela podia muito bem ler os lábios de Howl e, já tendo ouvido a música, sabia qual era a linha dela que ele a pronunciava naquele momento, o close em seu rosto e seus olhos castanhos, e um sorriso mínimo no canto de seu rosto.

And I'll travel through the stars so I can be everywhere, just look up at the sky and call my name, I would wait forever if it meant you'll be there.
(E eu viajarei pelas estrelas para que eu possa estar em todo lugar, apenas olhe para o céu e chame meu nome, eu esperaria para sempre se isso significasse que você estará lá.)

Annabelle finalmente deu as costas à vitrine, afastando-se rapidamente dali. Não ia aguentar muito mais tempo daquele jeito e realmente não queria chorar em público. Piscou várias vezes enquanto andava, afastando aquela sensação. Queria encontrar Howl. Por um momento ficara tão assustado em vê-lo ali que seu coração parara, ela apenas pudera perceber o quanto sentia falta dele. Não queria que as coisas tivessem acabado daquele jeito.

Ela poderia ser a maior idiota do mundo por ainda gostar dele depois de ter sido mandada embora daquela forma, mas ela não podia mandar em seu coração e manda-lo parar de amar Howl. Se ela pudesse, ela já teria feito isso desde o momento em que ele a deixava sozinha em casa.

- Belle, aqui! – ouviu um grito e percebeu que estava passando reto pelo ponto de encontro de suas amigas. As duas tinham sacolas em seus braços e acenavam para que ela as visse. Como se Maddy, sem usar nenhum gorro, não tivesse seus cabelos avermelhados sendo revolvidos pelo vento e chamando toda a atenção do mundo.

- Ah, desculpem. – correu até elas, suas sacolas balançando em seus braços. – Me distraí.

- Seu rosto está todo vermelho, você está bem?

- Sim, é o frio. – respondeu rapidamente. As outras duas se entreolharam mas não disseram nada. – Temos que ver os presentes dos meus pais, dos pais da Maddy...

- Do meu chefe, da dona Maggie... – foram contando nos dedos. Em breve iria anoitecer e ficar mais frio, mas elas não se importaram, andando pelas vitrines e conversando animadamente sobre os planos e o trabalho. Maddy e Annabelle estavam bastante curiosas sobre esse chefe que Loren sempre falava e não paravam de atormentar a mais velha com infinitas perguntas.

Passaram por uma loja de acessórios e bugigangas antiquadas, onde todas as três surtaram por coisas diferentes. Separaram-se e começaram a olhar tudo que havia. Annabelle parou em frente a um mostruário que havia pulseiras de couro masculinas com pingentes e Maddy subitamente se aproximou.

- Seu pai não gostaria disso. – afirmou, trazendo nos braços um abajur. Annabelle deu uma risadinha, remexendo uma pulseira com um pingente de estrela.

- Estava pensando... em Howl... – confessou, a cabeça ainda no clipe e a imagem do céu estrelado sobre eles. Maddy arregalou levemente os olhos.

- Belle, não faça isso. Eles nem ouviram seu lado e te expulsaram, você não deve nada pra eles.

- Eu sei mas... – acabou não completando a frase. Sabia que a amiga estava certa. Só parecia errado depois de tudo, não dar nada para ele, nem mesmo uma lembrança para que ele usasse e também se lembrasse dela. Ela nem sabia se ele usaria, mas gostaria de enviar algum presente.

Suspirou. Iria ouvir Maddy, porque era verdade. Não podia fazer essas coisas quando estava tentando esquecê-lo e superá-lo. Mesmo assim, agarrou uma pulseira roxa com pingentes diversos, que mandaria para Rowena. Ela definitivamente merecia um presente, e Annabelle esperava que não fosse esquecida pela ex-cunhada.

Ao saírem da loja, passaram por outra vitrine com televisões e mais uma vez o clipe do Compass~ passava. Annabelle parou e encarou tudo de novo, mesmo sabendo que suas amigas estavam perto e tentariam impedi-la. Mas não tentaram. Maddy e Loren apenas pararam ao seu lado e ela sentiu-as se entreolharem por trás de si.

- Esqueci que o clipe novo deles saía hoje. – Maddy murmurou, baixinho.

- A música é muito boa. Gostei da fotografia do clipe. – Annabelle comentou, tentando fazer sua voz não sair tremida. Mais rápido do que da outra vez, afastou-se da vitrine. Agora já estava escuro e suas adoradas luzes de Natal estavam acesas, mas ela queria apenas voltar para casa e não encarar mais nenhuma TV pelo resto de seus dias.

Mesmo que tudo tivesse sido falso e ela soubesse que uma hora teria que voltar para o Colorado e continuar sua vida, não esperava que tivesse sido dessa forma. Gostaria de ter tido uma boa despedida, uma chance de reencontrá-los, uma chance de dizer a Howl claramente que gostava dele, não por ele ser o famoso Howl mas por ser o Howl com quem ela acidentalmente se casara. O que ela sentira por ele fora real o suficiente, mesmo que todo o resto tivesse sido falso. Seus sentimentos, ela tinha certeza absoluta, não eram uma mentira. E isso a fazia desejar ardentemente que as coisas tivessem dado certo de alguma outra forma.

Suas amigas a acompanharam, entrando todas no carro de Maddy – que havia sido rebocado desde Las Vegas até o Colorado da última vez, pelo que ela ouvira a amiga contando. Uma bagunça, Annabelle pensou. Precisava de tanta pressa assim pra elas chegarem que não poderia ser de carro? Pelo menos Bill bancara todos os custos.

Como Maddy teria que levar Loren para um outro lugar ainda, ao chegarem em Westcliffe Annabelle insistiu que elas a deixassem numa rua próxima, já que a rua de sua casa era mão única e Maddy teria que fazer um retorno gigante e desnecessário. Falou que andando veria as luzes de Natal melhor.

Só queria ficar um pouco mais sozinha e observar a neve e as luzes que tanto gostava.

As amigas concordaram, deixando-a no ponto planejado.

- Vê se liga quando chegar em casa. – Loren disse, preocupada.

- São duzentos metros. Eu não vou morrer. E se eu morrer, perguntem pro vizinho, ele vai saber quem foi. – Annabelle grunhiu, novamente se enrolando em seu cachecol e pegando as sacolas para sair do carro. – Vocês também conhecem essa cidade, se um burro deitar ele fica com o rabo de fora. – as duas riram e despediram-se dela, que bateu a porta do carro e observou-as se afastar com um aceno.

Apesar dos apesares, havia sido um dia divertido.

Alguém havia passado pela neve na calçada, que estava com marcas de pé. Annabelle seguiu-as de cabeça erguida, observando todas as casas com as luzes acesas, piscando e iluminando a rua inteira. Francamente, só Loren para se preocupar com ela em uma rua tão iluminada e curta.

Mal dera alguns passos e mais neve começou a cair do céu, fazendo Annabelle parar e observara imensidão escura e estrelada acima de si. Era tão gostoso, tão relaxante ver aqueles floquinhos flutuantes caindo um por um, com as estrelas brilhando ao fundo. Se não estivesse com frio, poderia passar a noite inteira ali observando-os.

Continuou seu caminho até sua casa, já vendo-a à distância. Conforme se aproximava, percebeu que havia alguém na frente do portão. Por causa das luzes, Annabelle podia ver a fumaça que a respiração da pessoa fazia. Ponderou se seria algum vizinho precisando de ajuda ou sua mãe aguardando-a. A neve caiu um pouco mais forte e Annabelle puxou o cachecol para cobrir sua boca, mantendo-a mais aquecida.

Quando estava a três casas de distância da sua, percebeu que a figura em frente a ela era alta, e um homem. Hesitou alguns segundos antes de se aproximar mais e, ao ouvir seus passos, o homem virou-se para ela.

Mais uma vez, tanto os passos quanto o coração de Annabelle pararam naquele dia. Ela interrompeu-se ainda cerca de vinte metros, sem conseguir acreditar nos seus olhos. Era provavelmente uma ilusão.

Porque Howl não poderia estar de pé em frente a sua porta.

Poderia?

Tudo bem que ele estava completamente enrolado em um cachecol grosso, e seu sobretudo cobria quase todo seu corpo. Mas ela podia ver a ponta avermelhada do nariz dele e seus olhos castanhos encarando-a, e ela sabia que aqueles olhos eram de Howl.

- Belle. – e seu sotaque dizendo seu nome era só o que faltava para completar aquela certeza. Mesmo assim, Annabelle não conseguiu reagir, apenas encarando o vulto negro a sua frente.

- H-Howl? – sua voz tremeu e ela não conseguiu esconder sua confusão. – Howl? – repetiu.

Ela pôde ver em seus olhos que ele sorrira, pelo menos um pouco. Annabelle passara tanto tempo observando Howl que mesmo estes pequenos sinais eram reconhecíveis.

- Oi Belle. – ele aproximou-se alguns passos. – Você está bem? – ele passou os olhos por ela, de suas sacolas até seu cachecol enrolando em seu rosto, parando ali.

- O que você está fazendo aqui? – seu coração batia tão rápido e alto que ela pensou se ele estaria ouvindo. Sabia que era impossível, mas a sensação era essa. E por mais que aquele coração estivesse feliz em ver Howl mais uma vez, seu cérebro não deixava de lado o fato de que ele estava ali. Depois de tudo. Sem nem ligar ou dar a mínima para ela nos últimos dias.

Howl pareceu um pouco surpreso e embaraçado com a pergunta. Annabelle ponderou se deveria convida-lo para entrar e conversarem no calor, mas sabia que seus pais não ficariam muito felizes com isso. Ainda que algo acontecesse e ela o perdoasse, os pais e as amigas dela demorariam muito mais para fazer isso. E ela ainda nem sabia se realmente o perdoaria.

- Rowena mandou você aqui? – Annabelle perguntou, imaginando se fora feito da ex-cunhada. Mesmo que Rowena quisesse um final feliz para ela, não deveria sair fazendo essas coisas.

- Rowena? – Howl pareceu ainda mais confuso. – Não, não, eu... eu tive uns dias de folga... e ai pensei em ver como você estava. – sua voz foi baixando aos poucos e ele olhou para o chão. Aquilo era um pouco surpreendente. Ele parecia até envergonhado. Annabelle não pôde deixar de arregalar os olhos de leve.

- Me ver?

- Sim. – ele parecia um pouco impaciente por ela estar demorando tanto a entender aquilo. Annabelle olhou para trás, para ver se não havia derrubado seu corpo em algum lugar na neve e sua alma estar em um tipo de transe, encontrando uma ilusão de Howl que queria vê-la.

- Ah... – foi o que conseguiu responder, ao constatar que aparentemente aquilo tudo era real.

- O jeito que eu te deixei ir... pareceu quase como se nós tivéssemos te expulsado e não foi isso eu... não consegui parar de pensar nisso. – ele enfiou as mãos nos bolsos do sobretudo e aproximou-se mais alguns passos. Agora havia poucos metros entre eles e Annabelle podia enxerga-lo com clareza, até mesmo os flocos de neve presos em sua franja. Era mesmo Howl. – Por algum motivo... pareceu que eu não ia conseguir seguir se você estivesse brava, ou chateada comigo. – ele disse, sua respiração e suas palavras transformando-se em fumaça.

- Mas... eu não estou... – Annabelle murmurou, ainda encarando-o. Howl levantou os olhos para ela. – Não acho que eu tenha ficado brava com você. Fiquei chateada de ter que partir tão rapidamente, quando comecei a esperar que as coisas fossem dar certo... fiquei chateada de não poder passar o Natal com vocês, nem ter ido a um show, nem ter me despedido de Rowena... – ela sentiu sua garganta começar a fechar e piscou várias vezes. Se não chorara até aquele dia, não choraria naquele momento, ainda mais na frente de Howl. – Mas não fiquei brava ou chateada com você.

Suas mãos, cobertas pelas luvas, estavam quase dormentes, de tanto que ela apertava a alça das sacolas. Tentava não tremer e esperava que, se estivesse tremendo, Howl associasse com o frio. Se ele viera para limpar sua consciência, ela já havia dito tudo que ele poderia querer ouvir e então ele poderia ir embora.

Mas Howl permaneceu no lugar, observando-a. Depois, com um riso fraco, cortou a distância entre eles, ficando realmente próximo. Annabelle podia ver todos seus cílios e conta-los, controlando a vontade de esticar sua mão e afastar os flocos presos em sua franja.

- Como é que depois de tudo você ainda tem um coração tão bom, Belle? – ele sussurrou, olhando-a nos olhos. Ótimo, tudo que ela precisava agora era Howl tirando sarro de sua bondade. Ia comentar algo rude, quase saindo de seu transe, quando ele levantou as mãos e segurou o rosto dela entre elas.

Ele não usava luvas, mas suas mãos estavam inesperadamente quentes. Surpresa com o toque súbito e a proximidade, Annabelle engoliu suas palavras, encarando-o e aguardando o que estava por vir. Ele não se atreveria a beijá-la depois de tudo aquilo não é? Howl, entretanto, apenas continuou falando:

- Tudo que já fiz pra você... o jeito que Bill te tratou... o jeito que eu te tratei... os escândalos e as situações pelas quais você teve que passar... e ainda por cima você teve que voltar sem absolutamente nada, você me ajudou tanto e não teve absolutamente nada em troca no fim... – seus olhos castanhos estavam inquietos, enquanto ele sussurrava e o calor de suas mãos espalhava-se pelo rosto de Annabelle, que apenas mantinha seus olhos presos no rosto dele. Talvez na boca. Mas no rosto, definitivamente. – Não tem nada agora que eu possa fazer por você?

Ela teve que se segurar muito para não pedir um beijo naquele momento. Sabia que não deveria, mas com ele tão próximo dela depois das últimas semanas, era quase inevitável pensar em outra coisa. Seu coração ainda doía por ele enquanto batia, porém pouco a pouco ela sentia-se melhor, só de tê-lo ali perto dela. Era realmente uma idiota, como desconfiava.

- Howl, eu... isso é meio súbito. – ela soltou uma risada desconfortável, dando um passo para trás para que pudesse respirar e pensar melhor. Mordeu o lábio inferior. – Eu... eu estou feliz que você está aqui mas... você não ligou... você não mandou mensagem... você simplesmente... apareceu. – ela passou a mão pelo cabelo, ajeitando o gorro. Howl permanecia encarando-a, prestando atenção nela. – Você simplesmente aparece e eu nem sei quando você vai embora de novo e... você não pode ficar fazendo isso comigo... – sua voz foi sumindo aos poucos. Ela suspirou. – Nosso contrato acabou, então achei que você simplesmente ia continuar vivendo a sua vida. Você disse que não estava acostumado a viver com pessoas desde que saíra da casa dos seus pais, e ia se esforçar por eu estar ali. Agora você não precisa fazer isso porque eu não estou lá, então creio que você consegue facilmente seguir em frente. – aquelas palavras doíam enquanto ela as pronunciava, mas continuou. – Eu não sei por que você está aqui.

Howl permaneceu em silêncio. Ele levantou os olhos para o céu, de onde flocos brancos ainda caíam, e soprou o ar de seus pulmões.

- Eu não sei direito também. – ele disse. – Mas eu não quis voltar para meu antigo apartamento. Bartholomeu e Miles se acostumaram com a casa, e eu também. Nem meu carro antigo, que Bill me devolveu, parece ter graça. Eu achei que se eu viesse até você e conseguisse seu perdão, eu ficaria em paz. Eu estou sendo completamente egoísta de novo. – ele riu sozinho, sem achar graça nenhuma. – Mas agora você diz que não tem o que me perdoar. Então eu vou voltar para casa e... ainda parece que falta alguma coisa. Ver você, tocar você, ainda assim parece que não está completo. – ele soou desapontado. Baixou os olhos para ela. – Por que é que eu me sinto tão vazio?

Annabelle não soube responder aquilo. Decidiu aproximar-se lentamente dele, segurando todas as sacolas com uma mão só, ousando estender sua mão coberta por luvas e afastar a franja de Howl, removendo os flocos de neve dali. Os olhos dele permaneceram fixos em seu rosto, aguardando qualquer coisa. Mas Annabelle não sabia nem o que sentir nem o que dizer naquele momento. Ela estava feliz e parecia que seu coração se remendava aos poucos ao ver e tocar Howl. Ao mesmo tempo, contudo, sentia-se partir um pouco mais. O que eram todas aquelas coisas que Howl estava falando e o que elas significariam dali para frente?

Percebendo que o silêncio de Annabelle provavelmente se prolongaria por mais tempo, Howl voltou a falar. Dessa vez, sem que ela percebesse, as mãos dele seguravam de leve sua cintura e ele não desviava os olhos dos dela.

- Você ficou pouco tempo lá... naquela casa... e menos tempo ainda comigo, que fui um idiota com você desde o começo. – conforme ele falava, a condensação de sua respiração cobria o rosto de ambos por alguns segundos. – Ainda assim... parece que você não estar lá... faz toda a diferença. A casa fica vazia, fica suja, fica bagunçada. Fica escura e fica silenciosa. Fica fria. – os olhos dele pareciam tristes e Annabelle tentava não tremer nos braços dele conforme ia ouvindo, além de se segurar para não dizer algo como "então todo o tempo que estive lá você nem ao menos percebeu que eu limpava a casa?", aguardando o que mais ele diria ao invés disso. – Eu acho que... eu odeio isso. Eu acho que eu odeio você não estar lá. – ele desviou os olhos rapidamente, parecendo envergonhado, e Annabelle piscou, atônita, depois de ouvir suas palavras. Howl respirou fundo, dando um sorriso fraco em seguida. – Eu vivo fazendo pedidos egoístas, mas será que você pode ouvir só mais um deles? Só ouvir. Não vou ser egoísta o suficiente para pedir que você conceda ele.

- O que é? – a voz dela saiu tremida, sem saber o que esperar daquilo. Seu pescoço já estava começando a doer de tanto olhar para cima, mas o que importava aquilo naquele momento? Os lábios avermelhados de Howl ergueram-se em um sorriso fraco.

- Antes da notícia do casamento falso sair, você tinha prometido uma chance para eu poder fazer as coisas direito para você daquela vez. Eu acho que... eu gostaria de realmente me esforçar... me esforçar pra ficar com você e não te soltar dessa vez. Nunca mais. Começar do começo, do jeito certo, e fazer tudo direito. – Howl disse, fazendo Annabelle prender a respiração. Com um sorriso um pouco envergonhado, completou: - Será que ainda teria outra dessas chances sobrando?

Ela não soube como ou o quê responder para aquilo. Howl estava pedindo – claramente pedindo – que ela ficasse com ele? Que eles dessa vez tentassem, sem nenhuma catástrofe de Vegas, nenhum escândalo ou relacionamento falso? Ele estaria dizendo que Howl, aquele Howl e não o Howl da Compass~, queria ficar com ela, ela sendo Annabelle e apenas Annabelle?

Como resposta, tudo que pôde fazer foi largar as sacolas no chão e enlaçar os braços pela cintura dele, afundando o rosto na aba do sobretudo e no cachecol dele, ambos repletos de flocos de neve. Howl imediatamente passou os braços pelas costas dela também, apertando-a contra si.

- Posso considerar isso como um sim? – ele soltou, soando risonho, e Annabelle sorriu. Concordou com a cabeça, ainda sentindo a ponta da orelha fria dele tocar-lhe a lateral do rosto. Ficar perto de Howl assim era o que remendava melhor seu coração. Ela mal podia acreditar que aquilo estava realmente acontecendo, sentia-se como uma adolescente em seu primeiro amor. Mas, bem, Howl era seu primeiro amor. E melhor ainda, era um primeiro amor que estava dando certo depois de tudo.

Permaneceram em um silêncio confortável, até Howl quebra-lo novamente.

- Minha mãe escolheu meu nome por causa de um livro... Chamado Howl's Moving Castle. É de uma autora inglesa, Diana Wynne Jones. Ela lia sempre para Rowena na cama e Rowena insistiu que esse fosse meu nome. – ele contou, e ela afastou-se para olhá-lo enquanto ele prosseguia. – Nesse livro, tem uma frase que eu gosto muito, por algum motivo.

- Qual? – ela indagou, segurando um sorriso. Howl piscou algumas vezes, depois sorriu e inclinou-se, beijando-a. Os lábios dele estavam frios como os dela, já que estavam há tanto tempo de pé do lado de fora, e o toque macio dele fez o coração de Annabelle esquentar e bater mais forte, mesmo com suas pequenas rachaduras. Aquele tipo de beijo que ela ansiara durante muito tempo, um beijo que mostrava e transmitia os sentimentos de Howl, fazendo-a entender o que se passava no coração dele.

Logo ele quebrou o beijo, afastando-se apenas o suficiente para dizer:

- "Eu acho que nós deveríamos viver felizes para sempre".

Annabelle riu, como se uma chama tivesse sido acesa dentro de si. As luzes de Natal pareciam incrivelmente bonitas, assim como a pequena nevasca em que se encontravam. E os olhos de Howl, o sorriso dele colado ao dela, era provavelmente a cena que ela mais amou ter visto em toda sua vida. Mesmo que tivessem passado por muitas coisas, a chance de ouvir aquelas palavras e receber aquele beijo compensaram todos os desastres e problemas, fazendo-a se sentir forte e feliz. Beijando-o mais uma vez, os braços cruzados atrás da nuca dele de forma que pudessem manter os rostos o mais perto possível, Annabelle sabia que aquele era o lugar onde mais amava ficar. Dentro dos braços do Howl.

Quebrou o beijo, sentindo a ponta gelada do nariz dele tocar-lhe a bochecha. Sorriu, dizendo:

- Pois eu tenho uma frase que uma pessoa muito idiota escreveu. Apesar de tudo, eu gosto muito dela.

- Da pessoa ou da frase? – ele arqueou as sobrancelhas, e Annabelle ponderou se ele já sabia o que ela ia falar. Ignorou-o, rolando os olhos.

- Essa frase... acho que posso usá-la para justificar algumas coisas, principalmente o fato de eu estar com você agora, apesar de tudo. – ela disse, passando a mão pela nuca dele e acariciando o cabelo loiro escuro macio, mantendo seus olhos fixos aos dele.

- E qual seria ela? – ele perguntou, os olhos castanhos focados nos lábios levemente inchados e avermelhados dela, provavelmente ávidos para retornar ali. Annabelle alargou o sorriso.

- "Eu esperaria para sempre se isso significasse que você estará lá".

E voltou a beijá-lo.

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