Capítulo 35 - Refúgio

Bati algumas vezes na porta do quarto, não obtive respostas. Pensei em entrar sem permissão, porém achei mais sensato dar-lhe um tempo para pensar. Tive esperança de que em algum momento se daria conta da injustiça que está cometendo. Mas Will se afastou.

A manhã se arrastou assim. Andei pela casa com os pensamentos fervilhando na cabeça. Não comi nada e acredito que Will também não. Chorei com o sentimento de impotência que caiu sobre mim. Estávamos mais unidos do que nunca, de repente tudo desabou por conta de um comentário infeliz de alguém que nem confiável é.

Ava me aconselhou a contar a Will sobre minha carreira. Mas tanta coisa aconteceu depois de nossa conversa que a vida que eu levava no Brasil ficou distante da realidade.

Não me passou pela cabeça que Will tivesse tanta aversão por repórteres. Afinal, ele mesmo disse que se dava bem com Alexander. Pelo jeito, meu tio era o único em quem ele confiava.

_ Will, está me ouvindo? Só diga se posso entrar. Precisamos conversar... _ Faço uma última tentativa.

_ Será melhor para nós dois pararmos por aqui. Sabemos que não temos futuro juntos. Como disse, em breve terá que voltar para o Brasil. _ Finalmente ele responde, mas continua inflexível.

_ Escuta aqui! _ Dou um soco na porta.

Tento controlar o choro para dizer tudo o que penso. Mas minha voz sai trêmula.

_ Quem sabe o que é melhor para mim, sou eu. Não tem o direito de decidir por nós dois. Isso é injusto e egoísta. William Belanger, você é um covarde. Vive sentindo pena de si mesmo. Está preso ao passado e não se permite recomeçar. Odeio isso! _ Dou outro soco na porta.

Brutus uiva no andar de baixo como se absorvesse a tensão que paira na casa.

_ Ótimo. _ A voz de Will sai rouca, porém próxima.

Talvez também esteja encostado do outro lado da porta.

_ Será mais fácil se me odiar. _ Ele conclui.

Fecho os olhos e encosto a cabeça na porta. Deixo os braços caírem ao lado do corpo. Estou exausta fisicamente e emocionalmente.

Não posso mais insistir. Will já tomou uma decisão. Tenho que sair de sua casa, antes que me expulsse. Isso seria uma humilhação ainda maior.

Enxugo o rosto, vou até o outro quarto e recolho minhas roupas e pertences. Entulho tudo de qualquer jeito na mala guardada embaixo da cama. Fecho com dificuldade. Visto a jaqueta, pego o notebook e desço a escada como se carregasse o mundo nas costas.

Tento respirar pausadamente e me controlar. Preciso pensar com clareza nessa hora.

_ Não quero ir para o centro da cidade nesse estado. As notícias se espalham rápido demais nesse lugar. Logo todos saberão que Will me expulsou.

Brutus tomba a cabeça de lado enquanto ouve minhas divagações.

Olho para o canto da sala. Fred continua na gaiola.

_ Tive uma ideia. _ Pego a gaiola e trago comigo para fora da cabana. _ Deseje-me sorte, Brutus.

O cão choraminga enquanto acomodo a gaiola na parte de trás do meu carro junto com a mala.

Viro e coço a cabeça de Brutus.

_ Sentirei muita saudade de você, seu brutamontes. _ O cão chora baixinho. _ Se cuida, ouviu?

Olho para a fachada da casa. Uma beleza rústica enraizada na montanha. Fumaça constante saindo pela chaminé, paredes de pedra, acabamentos em madeira e janelas coloniais. Por algumas semanas, me deixei acreditar que esse era meu lar. Um refúgio onde os problemas estavam distantes. Mas tudo não passou de uma ilusão.

_ Cuide dele também. Conto com você. _ Viro e entro no carro.

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A estradinha sinuosa continua cortando a floresta por alguns quilômetros. Feixes de luz adentram por todos os lados entre as árvores. O clima de montanha ainda é bem rigoroso para uma carioca como eu, mas posso sentir a mudança na paisagem devido a despedida do inverno e a chegada da primavera.

_ Será mais fácil se readaptar à vida selvagem agora. Espero que faça amizade com outros de sua espécie logo.

Olho para a gaiola acomodada no banco traseiro onde Fred está sentado me observando com seus pequenos olhinhos negros. O guaxinim mexe apenas os bigodes.

Sorrio melancólica.

_ Quem diria que eu chegaria a esse ponto.

A estrada fica mais pedregosa e começa a se alargar até surgir um desvio para a direita. Não há placas, mas é evidente que se trata de uma propriedade privada, pois há uma cerca e uma caixa de correspondência.

Paro o veículo e desço. Caminho até a estrutura de ferro levemente tombada. Uma roseira ressecada está enroscada desde a base. Na lateral há um nome talhado.

_ Tremblay. _ Arrasto o polegar por cima da gravação desgastada e pronuncio o sobrenome de meu tio.

Respiro fundo e ergo a cabeça. Uma nova estradinha de pedra indica a propriedade mais acima. Volto rapidamente para o veículo.

_ Chegamos, Fred. Vou reconhecer o lugar e depois resolver sua situação.

Dirijo poucos metros e logo uma propriedade de pedra se descortina por trás da cerca viva. É bem maior que a casa de Will. Estaciono em frente a entrada. Abro o porta-luvas e pego o envelope pardo com a chave da casa que o advogado me entregou.

_ Fred, vem comigo. _ Recolho a gaiola do banco traseiro e a carrego abraçada.

Assim que subo o primeiro degrau tenho uma visão abrangente do interior da casa. A porta de entrada é de vidro fumê e vai do chão ao teto. A sala é curiosamente aconchegante. As paredes são cobertas por estantes abarrotadas de livros.

_ Uau. _ Desço a gaiola no chão e pego a chave.

O piso coberto de madeira maciça está desgastado e precisando de uma nova camada de pintura. O tapete no centro parece empoeirado. Há uma pequena mesa de madeira no centro e uma poltrona em um canto coberta por uma manta em tecido cru. No outro lado da sala, uma escada de madeira dá acesso ao segundo andar.

Sigo em frente e passo por um arco de pedra no centro da parede da sala. Uma cozinha moderna e funcional se revela conjugada há uma pequena sala de jantar. Há também uma despensa e a área de serviço que dá para o quintal dos fundos.

_ O quarto e o banheiro devem ser no segundo andar. _ Retorno e subo a escada.

Minha primeira impressão se confirma. O segundo andar possui três cômodos, um quarto, um banheiro e o escritório de meu tio.

Por uma janela de vidro ampla que toma toda a parede da frente observo o pico da montanha coberto pela neve. Suspiro sentindo-me só e vazia. Sinto falta do crepitar da lenha na lareira, do aroma de café recém-coado que inundava a cabana, da presença constante de Brutus e da segurança e proteção que Will me dispensou desde que nos conhecemos.

_ Tudo isso acabou, Malu. Você tem que ser forte outra vez. _ Fecho o punho na vidraça e soluço. _ Droga, como pude baixar a guarda tão rapidamente?

Uma última lágrima escorre pelo canto do olho. Seco rapidamente sem paciência comigo mesma por ter criado tantas expectativas.

_ Chega. Há muito o que fazer aqui, mas pelo menos, esse lugar é meu.

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_ Se não quer ir, não vou insistir mais. _ Encaro o guaxinim parado no meio da cozinha.

Tentei devolver Fred à natureza várias vezes, mas em poucas horas ele retornou. Da primeira vez, estava parado na vidraça da entrada me observando. Da segunda vez, desceu pela chaminé da casa, sorte que estava apagada. Na terceira, o surpreendi fuçando a despensa. E a última foi a mais assustadora, acordei com ele me observando empoleirado na cabeceira da cama.

Estou há uma semana na casa herdada do meu tio. Arejei, lavei, varri e limpei o que pude. Todos os dias vou dormir exausta e dolorida. Mas tanta atividade tem me ajudado a empurrar para um canto da mente Will, sua história e as incertezas e decepções que passamos.

Saboreio um gole do chocolate alpino que comprei essa manhã na lanchonete de Ava e me concentro em organizar o último cômodo da casa, o escritório de meu tio.

Ava e Oliver não demonstraram surpresa quando comentei que não estava mais hospedada na cabana de Will. Porém ficaram um pouco desconcertados quando disse que estava temporariamente na casa herdada de meu tio.

_ Não acha que seria mais prático contratar alguém para vender o imóvel com tudo dentro e se hospedar no hotel, querida? _ Ava torce um pouco os lábios fazendo algumas rugas no rosto.

_ Verdade. Aquele lugar está há muito tempo fechado. Deve estar bastante empoeirado. _ Oliver completa enquanto passa o pano de prato no balcão.

Sorrio sentindo-me orgulhosa pelo trabalho braçal da última semana.

_ Quando cheguei, realmente estava impossível de habitar. Mas depois de uma limpeza, a casa está bem simpática.

Ava sorri desacreditada. Provavelmente não deveria me achar capaz de arregaçar as mangas e fazer uma boa faxina.

O som de madeira rangendo me desperta dos devaneios. Lembro que uma das tábuas do piso de entrada está soltando e toda vez que piso no último degrau esse som se reproduz. Olho ao redor e confirmo a presença de Fred no cômodo. Ele está enrolado em uma almofada tirando um cochilo.

_ Tem alguém aqui. _ Franzo a testa.

Antes de passar pela porta do escritório, pego um taco de golfe que encontrei em um armário embaixo da escada.

Confiro todos os cômodos do segundo andar, depois desço a escada. Não há ninguém parado na porta de vidro, nem circulando pelo quintal. Passo a chave imediatamente trancando a casa.

Relaxo o braço e solto o ar que vinha prendendo.

_ Pode ter sido algum bicho da floresta. _ Deixo-me cair na poltrona. _ Assim espero...

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