Capítulo 13 - A cabana
Malu
Ele me carregou com facilidade e em silêncio. Não me atrevi a erguer o rosto e encará-lo. Foquei em seu pescoço e acabei me distraindo tentando desvendar uma das tatuagens que desponta da gola do colete de lã de carneiro.
As mãos são grandes e um pouco ásperas, porém as unhas são bem cortadas e limpas. O corpo exala um aroma cítrico amadeirado.
O cão disparou na frente e se embrenhou entre os arbustos de onde saíra mais cedo. A clareira coberta de neve ficou para trás. Por alguns minutos, a escuridão tomou conta do espaço provocando-me uma aflição assustadora.
_ Está batendo os dentes de frio. _ Sua voz de perto é mais rouca.
_ Eu estou bem. _ Tento me controlar. Afinal, ele era amigo de meu tio. Isso deve significar algo bom.
_ Não está não. Precisa se aquecer.
Após a caminhada, que pareceu longa e sem sentido, pois não consegui enxergar nada, um facho de luz dá o primeiro sinal de civilização entre as árvores. Uma clareira menor surge a nossa frente e no centro uma bem estruturada cabana de madeira de dois andares incrustrada na neve.
O cão foi o primeiro a alcançar a residência. Subiu correndo os degraus da entrada, parou na varanda e latiu em nossa direção. O som ecoando na noite vazia.
_ Vem, Brutus. _ Com um pontapé ele abre a porta e entra.
Passamos primeiro por um vestíbulo com portas fechadas em ambos os lados. Mais a frente, uma sala de estar que ocupa todo o primeiro andar da cabana.
Minha visão se acostumou rápido com a iluminação amena das lamparinas distribuídas no espaço.
Ele me acomoda em um sofá grande no centro do cômodo. Vai até a lareira de pedra em uma das paredes e alimenta o fogo com um pedaço de madeira. Segue até uma das portas fechadas e desaparece lá dentro. Retorna minutos depois com uma manta de flanela xadrez nas mãos. Coloca sobre mim deixando apenas meu rosto a mostra.
_ Obrigada. _ Meu queixo não para de tremer. Sei que a reação é mais de medo do que de frio. Mas ele interpreta de forma diferente.
_ Está com fome?
_ Não precisa se incomodar. Já fez muito por mim.
_ Hum. _ Os olhos esquadrinham meu rosto e depois meus cabelos que devem estar uma bagunça.
Meu coração volta a acelerar.
_ Espere. _ Ele diz apenas. Sai da sala e entra em outra porta.
_ Deus, o que estou fazendo aqui? _ Fecho os olhos e sussurro.
Brutus se aproxima, senta a minha frente e se põe a me observar.
_ Espero que seu tutor não seja nenhum assassino ou coisa parecida.
O cão resmunga. Depois se esparrama no tapete felpudo em frente a lareira.
A porta se abre e ele retorna carregando uma bandeja com um prato fumegante. Um cheiro delicioso invade a sala e meu estômago dá sinal de que não como há horas.
_ Isso deve servir. Preparei hoje cedo. _ Coloca a bandeja em meu colo. _ Coma e depois cuidamos do tornozelo.
Respiro fundo o cheiro da sopa quentinha.
_ Mais uma vez desculpe o trabalho. _ Pego o talher e experimento uma colherada.
Ele apenas acena a cabeça.
_ Está muito boa. Obrigada. _ Sorrio sem graça. _ Nossa, agora me dei conta de que nem me apresentei. Meu nome é Maria Lúcia, mas todos me chamam de Malu.
_ Você estava mais preocupada em avaliar se eu era um assassino ou coisa parecida. _ Repete o que sussurrei para o cão.
Meu rosto esquenta.
_ Coloque-se em minha posição. Também ficaria assustado.
Ele tomba a cabeça um pouco de lado. Sinto uma onda de frio percorrer a espinha.
O olhar é uma mistura de curiosidade e algo mais que não consigo identificar. Esse algo mais é o que me preocupa.
_ Não posso opinar. Poucas coisas me assustam.
Vira de costas e começa a se retirar.
_ Não disse seu nome.
Ele para, mas não vira. Fica em silêncio por um tempo. Chego a pensar que não vai responder.
_ William. _ Diz baixo e começa a subir a escada que leva ao andar de cima.
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William
_ Por que trouxe ela para cá? _ Paro em frente ao espelho rachado da penteadeira do quarto e me encaro no reflexo.
Trinco os dentes, fecho os olhos e respiro fundo.
Não costumo interagir com pessoas com frequência. Tirando meu amigo falecido e os atendentes dos comércios da cidade vizinha, que vou a cada quinze dias para abastecer a casa, não faço questão de conversar.
Meu único companheiro nos últimos anos tem sido Brutus. Antes dele foi apenas um vazio desde que tudo aconteceu...
Ando para trás e me jogo no colchão da cama que afunda com meu peso.
Encaro o teto e repasso cada detalhe do encontro inesperado da tarde de hoje até me dar conta de que tem mesmo uma garota no sofá lá embaixo.
_ Com certeza, ela não é daqui e nem faz ideia de quem sou.
As dobradiças da porta do quarto rangem e uma brecha se abre. Segundos depois sinto a língua áspera de Brutus lambendo minha mão estendida para fora da cama.
_ Ei, rapaz. _ Viro de bruços. _ O que está fazendo aqui? É para ficar lá embaixo. _ Coço a cabeça do Rottweiller que ganhei com poucos dias de vida e cresceu ao meu lado.
Ele resmunga baixo.
_ Temos uma hóspede hoje, amigão. Precisa ficar lá tomando conta dela.
O cão ergue as orelhas.
_ Tudo bem que somos antissociais, mas não precisa ter medo.
Brutus tomba a cabeça de um lado para o outro.
_ Esqueceu que somos os mais temidos nessa montanha? _ Sorrio da piada infame.
Levanto em um salto da cama.
_ Vamos. Vou te levar lá. _ Coço a cabeça do cão. _ Até que se deu bem. Ela é muito bonita.
Brutus levanta e me segue animado.
Desço a escada devagar para não assustá-la caso ainda esteja acordada. A chama da lareira está fraca e a temperatura da sala diminuiu um pouco. Uma figura pequena está encolhida imóvel em um canto do sofá.
Pego um pedaço de lenha na lateral da lareira e alimento o fogo. Giro o corpo e meio que relutante a observo. Os olhos estão fechados e a respiração tranquila. Metade do corpo está descoberto. Aproximo-me lentamente e puxo a ponta da manta até seu pescoço evitando tocá-la. Ela respira fundo e vira de costas.
Pego o prato vazio deixado na mesa de centro e caminho até a cozinha. Giro a cabeça e olho para Brutus.
_ Você fica aí. _ Sinalizo com o dedo.
Ele obedece imediatamente. Deita ao lado do sofá e descansa a cabeça nas patas dianteiras...
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