21. O que você quer?

Passaram-se alguns meses e Emily vivia em um verdadeiro inferno astral.  Não conseguira mais falar com Evan desde a briga e aquela mensagem fria na noite seguinte, só havia contribuído para sua total falta de ânimo e desestabilidade emocional.

A relação com seus pais ia de mal a pior. Chegara ao ponto de nem ao menos trocarem uma palavra durante todo o dia. Houve também um certo afastamento de sua melhor amiga, Olivia. Falar com alguém tão próximo a Evan e somente ter de ouvir o nome dele se tornara insuportavelmente doloroso para ela.

Frequentava a escola por pura obrigação. Não conseguia absorver nenhuma matéria, suas notas estavam péssimas e por mais de uma vez, seus pais haviam sido chamados para uma conversa com os professores preocupados com a falta de atenção e interesse da menina nas aulas.

Perdera toda sua vaidade, não se arrumava mais como antes e mal saía de casa, não por proibição dos pais, mas porque não se sentia à vontade para interagir com as outras pessoas.

Seu estado lastimável gerava cada vez mais preocupação em seus pais, não só pelo  desempenho acadêmico dela, mas também pelo lado emocional e psicológico. Decidiram então pedir a ajuda de Olivia, para que de alguma forma a loira tirasse Emily do quarto, nem que fosse apenas para tomar um pouco de ar no parque.

— Não! Obrigada pela preocupação, mas já disse que estou bem, Olivia.

Deitada, com um balde de pipocas e o controle remoto nas mãos, Emily evitava ao máximo trocar olhares alongados com a amiga, sem querer que as lágrimas lhe entregassem a mentira.

— Você não pode deixar sua vida de lado, seus amigos, seus pais, nós...

Emily a interrompeu, com um grito estridente  — Me deixa em paz!

Deixou cair o recipiente sobre a cama, fazendo rolar por sobre ela todos os pequenos grãos de milho estourados, enquanto batia as palmas das mãos nos lado da cabeça e cobria os ouvidos, completamente alterada.

— Calma! Eu só quero que você fique bem — Olivia segurou-a, impedindo que se machucasse — Todos nós queremos.

— Todos não. Eles não querem — ela ainda gritava enquanto falava, para que se fizesse ouvir em todos os cômodos da casa — Meus pais destruíram a minha vida pra sempre. Olivia, seu irmão sequer me ligou, uma única vez, nesses últimos meses.

— Ele está de férias do trabalho, foi visitar uma tia em Washington — Olivia justificou a ausência do rapaz da forma que pôde —Talvez quando ele voltar...

— Ele poderia ter me ligado até se estivesse no Japão — seus olhos caíram, deixando visível o entristecer de suas palavras — Ele desistiu, Olivia! Não precisa mentir pra mim.

— E você vai deixar ele ferrar com a sua vida assim? — disparou a loira, despejando seu desgosto pela atitude do irmão — Emily, você precisa sair desse quarto e aproveitar o sol — depositou sua mão sobre a da amiga — Vem, vamos arrumar esse cabelo, pôr uma roupa que não seja pijama e tomar um sorvete.

— Liv...

Emily já estava pronta para negar-lhe o convite, quando a mesma a interrompeu, levantando-se e abrindo as portas do guarda-roupas, tirando do cabide um belo vestido azul, que Emily nem ao menos usara ainda.

— Vista esse, é lindo! — sorriu, expondo o vestido em sua frente — Não aceito não como resposta.

Sabendo que não conseguiria se livrar da garota tão facilmente, Emily decidiu que era mais fácil atender seu pedido do que ficar horas discutindo o porquê de não querer sair da cama e nem tirar seu confortável pijama.

Foram andando até a sorveteria, mas até então Emily não havia dito sequer uma palavra durante todo o trajeto. Pediram dois sorvetes de morango e sentaram-se em uma mesa ao ar livre.

— Sabe, eu gosto de Miami, mas as vezes sinto uma vontade imensa de passar uma temporada em alguma praia na Califórnia.

— Olívia, Orange country só é um paraíso em seriados famosos, vai por mim, ninguém consegue sobreviver ao calor infernal daquele lugar.

— Para de cortar meu barato. Acha que só você pode sonhar com as histórias que lê? — Olivia fez alusão ao fato de Emily gostar muito de livros e estar sempre falando de como seria legal vivê-los na vida real.

— Engraçadinha! — ela ironizou — Você deveria ler algo além da revista Vogue e as tirinhas do jornal.

As duas riram, aproveitando a companhia uma da outra e Emily pôde por fim entender que não valia a pena evitar sua melhor amiga por conta de um cara que nem sequer se dava ao trabalho de procurá-la para saber se estava bem.

A garçonete trouxe os pedidos e saborearam aquela delícia enquanto falavam sobre alguns lugares para aonde gostariam de viajar. Quanto estavam quase terminando, ouviram uma voz familiar chamar pelo nome da garçonete. Era Ryan.

— Oi meninas, esse está parecendo o nosso ponto de encontro —  ele sorriu, com os dentes perfeitamente simétricos — Posso me sentar com vocês?

— Já estávamos indo embora — Emily falou sem muita emoção — Mas quem sabe outra hora.

Olivia a fuzilou com os olhos — Em, acha que podemos pedir outro sorvete? Estou precisando de mais um pouco de açúcar no meu sangue.

Ryan desviava o olhar de uma garota para a outra, descansando as mãos na mesa e enrolando os lábios em um sorriso infame.

— Está bem! — Emily concordou, meio a contragosto.

— Então eu posso me sentar? — questionou  o rapaz.

— claro! — Olivia indicou-lhe a cadeira vazia ao seu lado, que ele prontamente ocupou.

Pediram as sobremesas e conversaram um pouco, mas dessa vez Emily notou que Ryan não tirava os olhos dela. Olivia tentava incansavelmente chamar a atenção do garoto, mas ele, sempre que podia, direcionava o olhar para Emily, como se tivesse a necessidade de impressioná-la.
Ela tratou de terminar logo seu sorvete e um pouco constrangida anunciou que precisava ir embora.

— Vou com você! — Olivia levantou-se também, pegando a bolsa que deixara pendurada sobre o encosto da cadeira.

— Não se preocupe comigo — Emily tentava deixar a amiga sozinha com Ryan — Pode ficar se quiser!

— Não, tudo bem, preciso mesmo revisar alguns trabalhos da escola — ela jogava a toalha.

Olivia era uma garota extremamente inteligente e para ela os olhos vidrados de Ryan queriam dizer apenas uma coisa, nada que ela fizesse poderia fazê-lo reparar nela, já que sua atenção se voltara unicamente para Emily.

— Vocês querem uma carona? — ele ofereceu, olhando diretamente para Emily — Estou indo para aquele lado mesmo.

— Não!

— Claro!

Disseram elas em uníssono.

— Então? — ele as olhava rindo da situação — Querem ou não?

Emily não teve outra alternativa senão aceitar.

— Está bem, vamos!

O caminho fora tortuoso. Olivia sentara-se no banco de trás, o que obrigou Emily a acomodar-se ao lado de Ryan na frente. Passou boa parte do trajeto observando as árvores passando pela janela e ouvindo a amiga tagarelar sobre como o dia havia sido divertido.

Não conseguia compreender o porquê de Ryan ter cismado tanto com ela e a reação negativa de Evan quanto ao fato do garoto ter se aproximado de Olivia não lhe saía da cabeça.

Assim que Ryan estacionou o carro a duas quadras das casas das garotas, Emily respirou aliviada.

— Obrigada pela companhia e pela carona também, ficamos por aqui para ninguém nos ver. Não queremos arrumar mais confusão com os pais da Emily — Olivia olhou para a amiga que balançou a cabeça positivamente.

Mas os planos de Ryan eram outros.

— Emily, se importa de ficar mais uns minutos? — ele pigarreou — Queria falar com você em particular.

As meninas se entreolharam e Olivia saiu na frente — Pode ficar, eu dou um jeito na sua mãe, caso aconteça de nos esbarrarmos.

Sem reação, Emily apenas assentiu, fechando novamente a porta do carro e olhando confusa para Ryan.
Olivia saiu, dando de ombros e seguindo pela rua deserta, em direção a sua casa.

Sabia que Ryan não a queria e não seria ela a estragar o que quer que estivesse para acontecer naquele carro. Desejava com todas as forças que Evan caísse em si, mas Emily não podia viver em um casulo solitário para sempre, a amiga merecia ser feliz de verdade.

— E então, o que quer comigo? — questionou ela, em um tom ríspido.

— Calma! — Ryan ergueu as mãos para o ar em rendição — Eu só queria que soubesse que sinto muito por você e o Evan — ele começou a dizer — Sei que ele gosta de você, mas talvez, não seja do mesmo modo que você gosta dele.

Emily repassou as palavras do rapaz mentalmente, antes de inquirir — O quê quer dizer com isso? Que ele inventou uma desculpa? Que estava apenas brincando comigo?

— Sinto muito, Em — ele olhou para o nada, depois voltou a olhar para ela — Evan é instável e volúvel quando se trata de relacionamentos.

— Como é que sabe disso? — a desconfiança minava seu cérebro, exatamente como Ryan queria — Ele falou alguma coisa sobre mim?

— Não, não falou, mas eu conheço o Evan a muito tempo e sei o quanto ele gosta de um desafios — disse, olhando-a de um modo diferente, quase aliciante — Mas sei de algo que o deixaria intrigado.

— O quê? — os olhos de Emily brilhavam com a possibilidade de conseguir ter Evan de volta.

— Se ele te visse com outro! — Ryan mexeu sua última peça num jogo de xadrez imaginário.

— Ah, entendi! E deixa eu adivinhar; esse cara seria você? — ela ironizou, retirando o cinto, pronta para deixar o carro — Me poupe, Ryan! Vi o jeito que olha pra mim, não sou idiota, garoto!

— Confesso! — ele a segurou, impedindo que saísse — Desde que te vi naquela festa, fiquei completamente louco. Emily, só estou propondo que...

— Tchau, Ryan! — ela quis acabar com a conversa, mas assim que deu as costas para o rapaz, ele a puxou pelo braço, dessa vez trazendo-a para banco e lhe beijando de forma inesperada.

O toque dos lábios de Ryan era quente e cheio de atitude, quase como se lhe obrigasse a manter sua boca junto à dele.
Assim que conseguiu livrar-se dos braços do mesmo, Emily ergueu sua mão no ar e não fosse a agilidade dele em segurá-la, receberia um tapa extremamente forte na face.

Saiu às pressas do carro e dando as costas para o garoto, de longe, ela gritou — Nunca mais chegue perto de mim. Ouviu?

Ryan apenas sorriu, girando a chave na ignição.

Emily correu para casa o mais rápido que pôde. Ao passar pela porta, respirando com dificuldade, a menina forçava sua mente a entender o que havia se passado. Sentiu uma sensação estranha, mas para sua própria surpresa, totalmente contrária a raiva. Sentiu-se desafiada, a adrenalina em seu corpo estava alta, como se tivesse gostado daquilo. Como se aquele beijo a tivesse marcado de alguma forma.

Foi até a cozinha, preparou um lanche e subiu para seu quarto. Zapeou o televisor em busca de algo com o quê pudesse se distrair mas, mesmo sem entender o porquê, só conseguia pensar naquele beijo.

— Que droga! Quem ele pensa que é pra me beijar à força daquele jeito? Até parece que uma coisa assim vai fazer Evan sentir ciúmes — pensou alto, pressionando o botão "off", bufando e escorrendo o corpo para baixo em sua cama.

De repente, seu celular vibrou sobre o móvel ao lado, interrompendo seu desabafo pessoal e fazendo-a saltar, assustada. A mensagem vinha de um número desconhecido:

"Sei que gostou do beijo. Tem mais de onde veio esse! -R"

Emily explodiu em irritação. A falta de bom senso do rapaz a deixava desconfortável. Mandar-lhe mensagem depois de tê-la agarrado a força? Aquilo não podia estar acontecendo.

" Quem foi que te deu meu número?"

Quem havia feito aquilo também merecia entrar para sua lista negra.

"Sua amiga, mas ela não sabe. Peguei do celular dela enquanto foram ao banheiro."

Preferiu não mais responder. Era muita falta de educação mexer nas coisas dos outros. Ryan não era mesmo um cara educado como pensara e mesmo que odiasse admitir, Evan estava certo quanto a ele.

Dormiu rápido naquela noite e mais uma vez o pesadelo estranho a atormentou. Era intrigante ser salva por um homem e não conseguir ver seu rosto, não poder lhe agradecer ou compreender o motivo de isso ter acontecido.

Foi à escola no dia seguinte, não podia mais discutir com os pais por causa daquilo e no caminho pensava em como contar para Olivia que Ryan a havia beijado. Era nítido o interesse da amiga nele, então decidiu só falar caso Olivia tocasse no assunto, mas ela não o fez.

As aulas passaram rapidamente e Emily fora para casa pensando em relaxar e dormir para compensar o sono perdido na noite anterior. Pôs sua comida no forno microondas e deitou-se no sofá, esperando pelo time do aparelho. Seu celular vibrou.

" Vamos tomar um sorvete e conversar. Prometo que não te beijo se não quiser"

Pensou em ignorá-lo, depois em responder que não estava interessada, mas achou melhor ir e falar frente à frente, logo de uma vez, que não queria nada com ele, então combinaram de se encontrar em frente a sorveteria.

Comeu rapidamente, trocou de roupa e saiu. Enquanto andava pela rua de casa, viu o Mustang de Evan parado. Seu coração apertou, engoliu em seco, mas continuou seu caminho até o local marcado. Ryan ainda não havia chegado, então Emily sentou-se em uma mesa no lado de fora do estabelecimento para que ele pudesse vê-la.

— Desculpe o atraso, Em.

A voz de Ryan fez-se ouvir, chamando a atenção da garota, entretida com o cardápio repleto de sabores gelados.

— Tudo bem, só vim mesmo pra dizer que não há nenhuma hipótese daquilo que aconteceu ontem vir a acontecer de novo — ela tentou ser o mais direta e grosseira possível — E também, pode parar de me chamar de Em, não te dou esse direito.

— Calma! Não te chamo mais assim, se isso a faz sentir melhor — lançou-lhe um meio sorriso — Mas pelo menos toma um sorvete comigo. De morango, que é o seu favorito.

Emily surpreendeu-se com o quando ele parecia ter prestado atenção nela, caso contrário, como saberia aquilo. A imagem de Ryan lhe dizendo que estava apaixonado dançava em sua mente.

— Eu... Hã...

Ryan fez sinal para a garçonete que acenou de volta, sorridente.

— Emily, eu te trouxe aqui para me desculpar por ontem — baixou o olhar — O que eu menos queria era te afugentar daquela maneira.

— Bem, eu... — novamente ela perdera as palavras.

— Não precisa dizer nada — Ryan tocou as mãos unidas da menina sobre a mesa, mas recuou rapidamente — Só quero que saiba que não sou daquele jeito e que realmente gosto de você.

— Gosta de mim? Mas nem nos conhecemos direito.

— Gosto do seu jeito — explicou-se — É inteligente, bonita, meiga, mesmo que as vezes um pouco explosiva — ergueu uma sobrancelha divertidamente — E sinto que podemos nos dar bem.

— Ok! Vamos começar de novo então — ela estendeu a mão para ele, no mesmo momento em que a garçonete chegou à mesa, trazendo os pedidos.

Ryan beijou-a no dorso da mão, abrindo um sorriso triunfante. A garçonete torceu o nariz, depositando a bandeja com cuidado no espaço que sobrara na mesa, retirando as taças e pondo à frente dos clientes.

— Obrigada! — Emily retirou sua mão, agradeceu a funcionária, levando a colher a boca e saboreando a primeira colherada de seu sorvete.

O garoto mantinha o sorriso aberto — Amigos então?!

Ela assentiu, com a boca cheia de calda de morango, fazendo os lábios de Ryan se estenderem ainda mais, ciente de que havia conseguido atingir seu primeiro objetivo.

Assim que terminaram suas sobremesas, foram andando até o parque. A conversa entre eles fluía bem, Rayan parecia gostar das mesma coisas que ela, lia muito e se dedicava bastante a faculdade. Sem que percebessem, o anoitecer começava a cair e ele ofereceu-se para levá-la para casa e novamente o garoto parou o carro alguns quadras afastado, para evitar serem vistos pelos pais da menina.

— obrigado pela companhia, Em... mily ! — lembrou-se que ela o havia repreendido por chamá-la pelo apelido — Me diverti muito com você hoje.

— Não precisa corrigir, começamos de novo. Lembra? — Emily puxava os cabelos para trás em um rabo de cavalo desarrumado — Além disso, fazia meses que eu não me divertia tanto. O sorvete daquele lugar é inacreditável.

— Percebi que gostou, tomou dois inteiros sozinha — ele zombou — Na próxima levo um cartão de crédito maior.

Suas bochechas coraram e a voz saiu entrecortada — Me desculpa! Como você disse que eu podia pedir o que eu quisesse, eu pensei...

Ryan soltou um gargalhada alta — Calma, eu tava só brincando! Mas você fica uma gracinha envergonhada.

— Seu idiota, pensei que estivesse falando sério — ela lhe deu um tapa no ombro, de leve, fingindo estar zangada.

Ficaram em silêncio por alguns segundos, Emily olhando para as próprias unhas e Ryan com as mãos estendidas sobre o volante do carro.

— Obrigada pelo dia! — ela finalmente falou — Eu estava precisando disso.

Ele sorriu para ela, satisfeito em tê-la agradado daquela forma  — Fico feliz em ter ajudado e mais uma vez, me desculpe por ter sido tão babaca.

Ela fixou os olhos nos dele, debruçou-se e o beijou. Fosse por impulso, ou apenas para punir Evan, quando sua boca tocou a de Ryan, ele foi tomado pela incredulidade, ficando rendido, sem toca-la, apenas abrindo espaço para que a língua macia da garota encontrasse a sua, ávida por mais.

— Emily... — Ryan olhou-a assustado, assim que se afastaram.

— Agora pode parar de me pedir desculpas! — ela sorriu, ironicamente — Nos vemos amanhã?

— Claro! — respondeu, lhe lançando uma piscadela — E prometo que pago todos os sorvetes que quiser, se no final do dia eu ganhar um beijo como esse.

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