Capítulo 18

Para Rafael, parecia que o sábado havia demorado uma eternidade para chegar. Não era que ele estivesse ansioso para trabalhar um turno completo na lavanderia, mas pelo menos era um lugar onde ele podia sentir a normalidade, contrastando com a ansiedade que havia se instaurado nele desde sua conversa com Victor.

Eles não haviam se tornado amigos, mas Victor parecia mais relaxado em sua presença – e até pediu para fazer o trabalho em grupo de matemática com ele e Bianca quando Marcos faltou na sexta-feira – o que surpreendeu o moreno considerando que todos os boatos sobre eles estarem juntos continuavam a rodar a escola.

Enquanto por um lado era maravilhoso por não precisar ter medo de ser mandado para o hospital – Pelo menos não até que Mathias resolvesse empurrar ele para a rua novamente – por outro era horrível, porque sem uma razão para odiar Victor, sua paixonite por ele aumentou drasticamente, ao ponto de Bianca chamar sua atenção depois da aula de matemática e dizendo que Rafael "Parecia um cachorro observando um frango rodar no espeto do açougue". Então sim, era bom ter o fim de semana para ficar sozinho e colocar seus pensamentos no lugar.

Pelo menos foi isso o que ele pensou que faria até que seus amigos invadiram a lavanderia pouco antes do meio-dia no sábado. Ane, a menos sutil dos três não perdeu tempo em se sentar no balcão com as pernas dobradas para dentro.

— E então. Quando você vai dizer a ele? – Rafael fingiu que não viu a expressão exasperada na face dos gêmeos, enquanto Pedro balançava a cabeça e Bianca batia a mão contra o rosto.

— Ah, por favor – A ruiva bufou com desdém para a reação dos dois. – Todos sabemos que é por isso que viemos aqui. Vocês só iam enrolar mais as coisas.

— Eu já disse que não vou falar com Victor sobre isso. – O moreno respondeu exasperado – As coisas finalmente estão boas com ele, eu não vou estragar tudo por causa de uma noite que não significou nada para ninguém.

Embora amasse seus amigos a ponto de dar um rim por qualquer um deles – Talvez os dois por Anelise – a insistência deles no assunto já estava quase o levando ele mesmo a matá-los. O pior de tudo era que a cada uma das vezes que eles falavam sobre o assunto – sete desde quinta-feira – ele se sentia mais tentado a contar a verdade para Victor.

— Ah, por favor – Dessa vez foi Bianca quem falou – "nada pra ninguém" é o meu cu. Você aceitou ele pra fazer parte do grupo de matemática sem nem me perguntar e passou metade do período de matemática olhando para ele quando ele não tava olhando. Era como assistir uma comédia romântica ruim na sessão da tarde.

— E você mesmo admitiu que estava apaixonado por ele antes – Pedro pulou no balcão se sentando com as pernas penduradas ao lado de Ane que se afastou um pouco dele.

— Vocês poderiam parar de usar o balcão como banco? – Rafael fez uma careta para os dois. Pedro saltou de volta para o chão quase imediatamente, mas Anelise apenas deu um sorriso cínico e respondeu com um simples "não". O moreno respirou fundo tentando achar um argumento que fizesse seus amigos pararem de insistir na ideia maluca de que ele deveria falar com o filho do prefeito sobre o beijo – Okay, então talvez eu goste um pouco dele – A declaração arrancou bufo dos outros três – Mas só porque eu descobri que o Victor não me odeia por ser quem eu sou, não significa que ele vai ficar de boa sabendo que a gente se beijou. Sem contar que eu tenho que fazer um trabalho com ele pelo resto do semestre. Dá pra imaginar o quão desconfortável ia ser pra mim fazer o trabalho com um cara que me rejeitou? Pra ele, tendo que trabalhar com um cara gay que ele beijou porque estava bêbado numa festa? Além disso, ele gosta da Laura, eu não vou roubar o namorado da minha irmã.

— OK. Primeiro, nós vimos ele quando entrou na lanchonete naquela noite e ele não parecia bêbado. – Antes que Rafael pudesse interromper a ruiva continuou – Segundo, se a sonsa e o Victor estivessem namorando a escola inteira já estaria sabendo.

— Terceiro – Dessa vez foi Bianca quem falou – Mesmo se ele estivesse bêbado, ainda valeria a pena falar com ele. Ao contrário das crenças populares, o álcool apenas derruba as inibições, a menos que você tenha TDI não tem como virar outra pessoa só porque tomou birita demais.

— Eu estava vestido com uma roupa de freira. Ele podia achar que estava beijando uma mulher.

— Se você não vai falar, pelo menos admita que é porque você está com medo – Anelise interrompeu – Você não pode acreditar de verdade que ele devorou sua boca e não percebeu que você era um cara. Você já beijou uma garota deve saber que é diferente.

E Rafael de fato se lembrava, podia fazer vários anos agora, mas ele se lembrava de comparar mentalmente a sensação várias vezes depois do beijo com Victor, como se fosse a prova definitiva de que ela era gay e não estava apenas "confuso" como ouvira várias pessoas afirmarem desde que ele saiu do armário.

— Muito diferente – Foi Bianca quem disse primeiro. – Os beijos e as outras coisas também – Pedro olhou para irmã com a testa franzida em uma expressão que misturava surpresa e desconforto.

— Eu realmente não quero saber – Ele balançou a cabeça, tentando impedir sua mente de criar qualquer imagem da irmã em uma situação sexual – Mas agora que já concluímos que é diferente...

— Tudo bem – Os outros três sorriram, acreditando que haviam conseguido convencer o amigo, apenas para decepcionar com as palavras seguintes – Eu admito que estou com medo. – Vendo que Anelise estava prestes a dizer algo, o moreno fez um sinal pedindo que ela se calasse – Eu sou um romântico, grande bosta, mas ele tava beijando a Laura menos de cinco minutos depois que eu saí. Por que eu deveria dar a minha cara a tapa por causa de um beijo que ele deve ter esquecido no dia seguinte?

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Victor passou praticamente toda a manhã de sábado tentando encontrar algum programa que pudesse afastá-lo da monotonia. A cada minuto que passava dentro de seu quarto sentia que estava sufocando, mas seu pai em casa e desde que a história de que ele estava ficando com Rafael começou a correr pela escola, a convivência entre pai e filho havia ficado se possível ainda mais difícil.

Marcos ia para o sítio dos avós na noite anterior e já havia avisado que ficaria sem sinal de celular durante todo o final de semana. Laura ia acompanhar Liliane a uma festa de aniversário e só estaria livre depois das 18:00, eles haviam combinado de se encontrar a noite na lanchonete do Seu Benedito, mas isso ainda deixava algumas horas para preencher até lá.

Com isso ele voltou para o que devia ser o passatempo mais comum desde a semana anterior: Tentar descobrir quem era o dono do caderno de desenhos/poemas. Ele havia perguntado o sobrenome de todos os Miguéis da escola – O que provavelmente fez todo mundo achar ele mais estranho do que já achavam – antes de finalmente concluir que não havia nenhum cujo sobrenome começasse com G.

A partir daí ele estava trabalhando com duas possibilidades: O outro garoto ter mentido sobre estar no Portinari ou o nome ser apenas um pseudônimo. No primeiro caso seria muito difícil encontrar o outro rapaz novamente, mas no segundo ele poderia encontrar alguma coisa online.

Ele começou usando a busca de imagem com as fotos de alguns desenhos, mas o único resultado foi um perfil no Instagram com o nome MG_Artes que não era atualizada há quase quatro anos. A maioria dos desenhos postados eram caricaturas de pessoas famosas, mas havia um desenho – O primeiro – que era um dos mesmos que havia visto no caderno: Uma mulher de cabelos crespos armados carregando uma criança de cabelos igualmente crespos e armados que parecia ter por volta de três anos. Não havia outras pistas a seguir, as legendas nas fotos diziam muito pouco e apesar do grande número de curtidas os comentários eram poucos e genéricos. Apenas um user era frequentemente mencionado, mas o perfil @R_Ackles havia sido deletado.

Sua próxima tentativa foram os poemas, ele não tinha começado por eles porque havia mais chances de que o outro rapaz tivesse os copiado de algum lugar, o que foi facilmente descartado quando começou as pesquisas.

Foram quase duas horas digitando poema após poema no campo de busca do Google e sem conseguir nenhum resultado, até que em uma de suas últimas tentativas digitou os versos anotados na contracapa do caderno:

Você disse para sempre
Acho que entendi errado
Promessas de eternidade
Não valem de dedos cruzados

Dessa vez conseguiu um resultado no Google imagens. A foto em questão era um post com os finalistas de um concurso de poemas realizada pela UNIBEBE, uma universidade da cidade de Beberetê, próxima à Tabaréu. No post em questão eram mencionados os users que haviam enviados os textos.

Victor se sentiu merecedor de ser contratado pelo FBI quando finalmente entrou no perfil Ale_versos. Era um perfil/blog voltado justamente para publicação de poemas e frases, todas assinadas com o nome Alec RaaGarif. Nenhum dos poemas postados estava no caderno que ele havia encontrado, mas ainda era possível saber que eram escritos pela mesma pessoa por causa do uso recorrente de algumas palavras e expressões.

Victor não pensou duas vezes antes de mandar uma mensagem para o direct de Miguel/Alec, sem se importar com o quão stalker poderia parecer com todo o processo que acabara de realizar para encontrar o outro rapaz online.

Sua ansiedade o fazia verificar o Instagram a cada trinta segundos depois disso. Foi só depois que o alarme de seu telefone tocou às 17:00 lembrando de seu encontro com Laura que ele parou de verificar a rede social para ir se arrumar.

Victor havia acabado de sair do banho quando a campainha tocou. Ele esperou por um tempo e quando depois de três toques ninguém atendeu, saiu do quarto vestindo apenas uma bermuda e ainda secando o cabelo. Ele ficou surpreso em ver que era Laura quem estava tocando a campainha. A garota sorriu para ele quando a porta se abriu e não esperou um convite para entrar.

— Então aqui é o palácio que o menininho rico mora? – Ela brincou fazendo Victor revirar os olhos. – Não sei, esperava algo mais sofisticado, chão de mármore, entalhes em madeira fina... – Victor acertou um tapa leve em sua cabeça – Ei.

— Essa é só a casa de verão... Você tem que ver a casa de inverno – O rapaz brincou de volta. – Não que eu esteja reclamando, mas por que você está aqui?

— Minha mãe passou pra pegar a Lili mais cedo na festa. Eu não tava a fim de ficar quarenta minutos sentada na lanchonete sozinha.

— Bom, mi casa es su casa. – O negro respondeu com uma reverência fingida – Quer beber alguma coisa?

— Vodka? – Ao ver o amigo levantar a sobrancelha ela riu – Brincadeira. Eu aceito um suco. – Victor começou a andar na direção da cozinha quando Laura acrescentou – E coloque um pouco de Vodka nele. A única resposta do garoto foi lhe mostrar o dedo do meio.

Quando voltou com o suco, Victor quase derrubou o copo quando viu seu pai sentado ao lado de Laura no sofá. O homem tinha um sorriso suave em seu rosto que o garoto achava que não havia visto nos últimos cinco anos pelo menos e conversava com Laura como se ela fosse parente da rainha da Inglaterra.

A garota por sua vez parecia extremamente desconfortável, suas pernas estavam cruzadas – Uma posição em que ela raramente se sentava – e seus olhos vagavam pela porta a cada momento como se estivesse considerando seriamente sair correndo.

Com um suspiro resignado Victor entrou na sala já se preparando mentalmente para qualquer coisa absurda que pudesse sair da boca de seu pai. Ele não se decepcionou quando a primeira coisa que seu pai disse ao vê-lo foi:

— Victor, você não me disse que tinha uma namorada. – Os olhos de Laura se arregalaram passando de Carlos para Victor e ela balançou a cabeça vigorosamente tentando fazer Victor entender que ela não havia dito isso. O rapaz apenas acenou em compreensão, sabendo muito bem o que seu pai estava fazendo.

— Isso é porque nós não somos namorados – Victor respondeu em um tom frio enquanto entregava o suco para sua amiga. Não importava que seu pai estivesse agindo como um ator de comercial de margarina, ele não ia fingir que estava tudo bem.

— Erro meu – Carlos se desculpou, claramente descontente com a resposta. – Apenas achei que vocês fazem um belo casal.

Victor sentiu vontade de rir do óbvio desespero de seu pai para que ele namorasse uma garota, mas se conteve. Ele praticamente arrastou Laura para fora da sala assim que ela terminou de beber, para alívio da garota que se sentia cada vez mais desesperada. O rapaz permitiu a entrada da garota em seu quarto e ela se jogou de costas na cama dele.

— Meu Deus. – Ela gemeu – Seu pai é igualzinho a minha mãe. Será que quando alguém tem um filho ganha um manual de como fazer adolescente passar vergonha?

— Ele não é assim normalmente, mas com as histórias de eu ser gay rodando pela cidade, ele ficaria feliz em me juntar com aquela velha que mora na rua da escola, que tem 38 gatos e parece ter idade suficiente para ter passado pela 1a Guerra mundial.

Laura bufou e virou de lado para encarar Victor que havia se sentado na cadeira ao lado da mesa do PC.

— Você por outro lado não parece muito preocupado com o fato de que as pessoas estão achando que você está fodendo o Rafael.

— Eu não estou fodendo o Rafael – Victor deu de ombros, ignorando o pensamento intruso de que, na verdade, era uma ideia atraente. – Então, não.

— Do jeito que você olha para a bunda dele, você poderia estar. – Essa resposta pegou Victor de surpresa. Ele olhou para a garota com a boca aberta sem saber o que dizer. – O que? – A loira parecia divertida. – Você realmente acha que eu ia perder você olhando para a bunda dele enquanto ele estava lavando a louça?

A naturalidade na voz de Laura era desconcertante. Ele não estava acostumado a ter uma conversa franca assim com ninguém que não fosse sua irmã.

— Eu não sou gay – Foi a primeira coisa que saiu da boca de Victor quando finalmente conseguiu falar. Laura ergueu as sobrancelhas em descrença e ele continuou – Não estou dizendo que não gosto de caras, mas não sou gay. Eu sou bi.

— Isso existe? Achei que era uma lenda ou algo assim – Victor estava prestes a retrucar quando viu o olhar divertido no rosto da garota e mostrou o dedo do meio para ela. – Então... Nós vamos sair ou você pretende me manter no seu quarto pelo resto da noite? Porque se for o caso eu tenho outras ideias de diversão.

Victor havia se acostumado com esse tipo de flerte como um tipo de piada interna entre eles depois que haviam esclarecido toda a coisa do beijo. Laura ainda não tinha contado o motivo de tê-lo beijado na festa, mas o  simples fato de ela se sentir confortável para fazer esse tipo de brincadeira era tranquilizante.

— Eu só vou me trocar e a gente sai. – O negro pegou um jeans e uma camiseta no armário e foi para o banheiro do quarto se vestir. Ele estava de volta em menos de cinco minutos, pegou a toalha que havia deixado no encosto da cadeira e atirou para o banheiro sem se incomodar em olhar para o lugar onde ela caiu – Vamos?

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Eram quase 21:00 horas quando Rafael finalmente conseguiu um tempo para descansar. Mesmo voltando mais cedo do trabalho no sábado, ele ainda teve que gastar tempo fazendo dever de casa, cozinhando – o que pelo menos salvaria todos da tentativa de Luciana de fazer comida – e limpando a cozinha.

Pelo menos ele foi poupado do furacão Lilith por uma noite. Ela havia chegado tão cansada da festa de aniversário de sua colega de escola que quase dormiu sobre o prato durante o jantar. Rafael se sentiu um pouco culpado por estar tão feliz com isso, mas sua cabeça estava doendo e seu humor que já estava ruim, ficou ainda pior quando ele soube que Laura tinha saído com Victor.

Ele tentou continuar a ver Black Mirror de onde havia parado, mas depois de ter que voltar ao início do episódio três vezes – Porque sua mente continuava a vagar para a conversa que teve com seus amigos mais cedo – o rapaz finalmente desistiu de entender porque estavam perseguindo a protagonista por causa de um urso de pelúcia.

Desistindo de fazer qualquer coisa que exigisse pensar, Rafael começou a rodar o feed de suas redes sociais. Ele havia desligado todas as notificações algum tempo atrás quando as únicas que continuavam a aparecer eram avisando que pessoas que ele nem sabia quem era, haviam postado algo ou comentado um post que ele nem sabia quem era. As únicas vezes que seus amigos o marcavam em algo que queriam que ele visse rápido, avisavam pelo Whatsapp.

Foi por isso que ele ficou surpreso quando descobriu que havia um direct em seu Instagram. Ou melhor no Instagram de Alec RaaGarif – o pseudônimo que usava para postar seus poemas. Ter uma mensagem em seu Instagram já era uma surpresa por si só – afinal ele não publicava nada há quase três meses – mas foi o conteúdo da mensagem e, principalmente, quem a havia mandado que fez seu coração disparar em uma mistura de pânico e euforia.

@victor_martins:

Oi.

Isso deve ser muito idiota
porque eu nem tenho certeza
se você é você

Mas se você é o cara que me
beijou no carnaval das bruxas
e depois fugiu como se estivesse
sendo caçado por testemunhas
de Jeová

Queria muito te ver de novo.

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NOTA DA AUTORA

Oi gente, dessa vez consegui publicar antes de completar um mês da última postagem... Isso é evolução, meus amigos. Darwin deve estar muito orgulhoso de mim agora.

Parece que as coisas estão finalmente indo para algum lugar dessa vez 👀

Será que agora o Rafael desencalha?

Espero que tenham gostado do cap. Fiquem ligados nas cenas dos próximos capítulos. Bye meus clichezudos 🤟🌈

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