Capítulo 11

- Só um beijo - A voz de sua meia irmã fez Rafael saltar do banco. - Eu vou mostrar para aquele filho da puta... - Ela continuou com a voz embolada.

- Letícia - Rafael praticamente saltou na garota a arrancando de cima do rapaz. Ele tossiu quando sua voz saiu um pouco rouca, talvez por ter chamado por Ane tantas vezes, mas algo dizia que a maquiagem de Bianca não era tão antialérgica assim. - Letícia, você está bêbada.

- Duh - A garota respondeu, felizmente ela soltou o rapaz, mas infelizmente se agarrou a Rafael. - Você também quer um beijo?

- NÃO - Rafael gritou enquanto tentava se afastar dos lábios da meia irmã - Que porra, Letícia.

Com dificuldade ele conseguiu conduzir a garota até o lugar em que estivera sentado. Poucos segundos depois de se sentar a garota vomitou, sujando as próprias roupas e sapatos.

- Eca - Rafael torceu o nariz, ele olhou para trás e viu que o rapaz de antes ainda estava parado lá. - Você se importa de ficar com ela um pouquinho? Só vou pedir a um dos guardas para levar ela pra casa.

Mais próximo da luz dos postes era possível ver que a fantasia do cara não era uma roupa de príncipe. Apesar das roupas de gala, com abotoaduras douradas, acompanhava também uma capa preta e uma máscara branca que cobria os dois olhos e o lado esquerdo do rosto, revelando apenas uma pequena parte de sua pele preta.

- Eu... - Rapaz começou, mas Rafael já estava saindo.

- Ótimo. - Ele gritou a uma certa distância - E é melhor você não tentar nenhuma gracinha com ela.

- Foi ela quem me agarrou - Protestou o rapaz sem ser ouvido pelo outro.

- Victor? - Letícia gemeu, ela ainda estava inclinada para frente como se não tivesse força para sustentar o corpo - Você me ama?

Victor olhou para a garota sentindo um pouco de pena.

- Por que não voltamos a falar sobre isso quando você estiver sóbria e eu não for me sentir culpado com qualquer resposta que eu te der? - Letícia franziu a testa parecendo não entender metade das palavras que sairam de sua boca. - Cadê aquela criatura encapuzada que não volta logo?

- Já sentiu saudades? - Victor deu um salto quando a figura encapuzada de antes apareceu. Atrás dele estava uma das guardas municipais, Dalila. - Como ela está?

- Acabou de perguntar se eu a amo, então diria que não está tão bem assim. - Letícia escolheu esse momento para vomitar outra vez provando o ponto de Victor.

Quando ela terminou, Rafael ajudou Dalila a levar a garota, agora semiconsciente, para um dos carros de patrulha. Victor os seguiu, mesmo não conhecendo Letícia tão bem queria ter certeza de que ela estava bem. Dalila abriu a porta de trás do carro e os dois rapazes ajudaram a acomodar Letícia no banco.

- Eu vou... Aaaaatchim - Rafael soltou um espirro exagerado antes de continuar - Vou avisar meus amigos que vou ter que sair mais cedo.

- Você não precisa ir com ela - Respondeu Dalila com gentileza - Aproveite a festa. Não foi você quem encheu a cara. Eu levo ela para casa.

- Mas... - Dalila não deixou o rapaz terminar de falar, antes de entrar no carro e dar a partida. - OK então.

- Você conhece ela? - A voz grave fez Rafael se assustar. Ele olhou para trás e se viu cara a cara com o outro rapaz, a proximidade permitia perceber que este era pelo menos cinco centímetros mais alto que ele.

- Eu ... - Ele começou, mas foi acometido por outra crise de espirros. Foram cinco espirros seguidos dessa vez, e quando Finalmente conseguiu parar sua garganta estava ardendo - Porra... Nunca acredite quando sua amiga diz que a maquiagem é antialérgica. - Sua voz saiu mais aguda e esganiçada que o normal. - Eu tô falando igual ao pato Donald.

Victor sorriu para figura encapuzada, a voz prejudicada pelo acesso de espirros tornava difícil dizer se era um cara ou uma garota, mas não era como se isso fosse mudar algo para ele.

- Então... Posso te pagar uma bebida, Donald? - Ele brincou - É o mínimo que eu posso fazer por alguém que me salvou de ser molestado.

- A Letícia não é tão ruim... - Rafael fez uma careta considerando as próprias palavras - OK, ela é péssima.

- A mão tentando abrir minha braguilha concorda.

- Braguilha? Quantos anos você tem? Sessenta? - Rafael tossiu e tentou se controlar para não ter uma nova crise de espirro.

- Idiota. - Reclamou Victor - O que você quer beber? - Perguntou quando se aproximaram de uma das barracas de bebidas. - Fiz dezoito no mês passado então não tenho problema em conseguir álcool se você quiser. - Ele não sabia porque estava fornecendo tantas informações para um desconhecido, mas saiu com naturalidade.

- Eu não curto muito álcool - Rafael deu de ombros - Mas batida de champanhe tem um gosto bom.

- Exigente. Mais alguma coisa, majestade?

- Eu pensei que você ia me agradecer e não me insultar.

- Bom ponto. - Victor se afastou para ir pegar as bebidas e Rafael aproveitou para ver se Anelise havia respondido sua mensagem. De fato havia uma mensagem nova da garota dizendo que Shamaelly tinha a encontrado e estava grudada nela.

- Então... - A voz do outro rapaz o surpreendeu outra vez - Essa fantasia é de que?

- Por que você não chuta? - Rafael aceitou o copo oferecido - Filho da puta - Gritou quando o outro acertou um chute em sua canela - Muito engraçado.

- Desculpa, eu não resisti - Victor riu levando seu copo a boca, Rafael espelhou seu gesto.

- Que porra é essa? - O rapaz se afogou com a bebida. O gosto não era ruim, mas definitivamente não era batida de champanhe e o gosto era mais forte que o esperado.

- Desculpa, eles não tinham batida de champanhe. Isso é coquetel alcoólico de abacaxi. Prefere refri?

- Não, tá bom assim. - Os dois ficaram em silêncio por algum tempo enquanto bebiam.

- Você é a Morte? - A pergunta pegou Rafael de surpresa.

- O quê?

- Você disse pra adivinhar a fantasia.

- Não. Dementador. E você, é o Miguel da novela Chiquititas?

- Isso devia ser ofensivo? Porque a única coisa bizarra é você saber quem é o Miguel de Chiquititas. - Victor provocou.

- Eu tenho uma irmã mais nova. - Rafael deu de ombros.

- Desculpas e mais desculpas. - O negro riu. E Rafael não pôde deixar de acompanhar o riso sentindo seu rosto ficar quente e seu coração acelerar um pouco. Talvez fosse o álcool subindo para sua cabeça. - Eu sou o fantasma da ópera.

- História legal, mas os filmes e peças de teatro são horríveis. - O moreno comentou.

- O que? Os musicais são ótimos. Como você ousa ofender essa obra de arte, criatura sem cultura? - Era visível pelo sorriso no rosto mascarado que se tratava de uma piada.

- O que isso faz de você? Um riquinho esnobe, metido a cinéfilo? - Rafael devolveu no mesmo tom. Os dois sorriram, ainda que o sorriso de Rafael não fosse visível devido a maquiagem. Um silêncio momentâneo se seguiu antes que Rafael declarasse - Eu odeio musicais. As pessoas estão sempre cantando.

- Sim - Era possível ouvir o riso na voz do outro - Isso meio que define um musical.

- Cala a boca. Acho que essa merda subiu pra minha cabeça.

- Já? Sua tolerância ao álcool é muito baixa.

- Falou o Alcoólatra. - Rafael bufou. Ele sabia que o outro estava certo, sua tolerância era baixa, não era como se estivesse bêbado, mas definitivamente se sentia mais despreocupado, de uma forma que só se sentia perto de seus amigos e Liliane.

Victor encarou a figura sombria a sua frente, mesmo sem poder ver seu rosto, ele se sentia atraído de alguma forma. Talvez fosse pela gentileza com Letícia, ou só porque estava falando com ele como uma pessoa normal ao invés de "babar ovo" para o filho do prefeito.

- Então... Você estuda no Portinari? - Perguntou o negro, se sentindo um pouco estúpido. Ele sabia que deveria apenas perguntar o seu nome, mas parte dele gostava do suspense.

- Você pergunta como se tivesse outra opção de ensino médio por aqui. - Rafael riu.

- Ei, como eu ia saber se você estava no ensino médio? Você poderia perfeitamente ter cinquenta anos.

- Desculpa desapontar, tenho dezessete, mas tenho certeza que vai encontrar um sugar daddy se continuar procurando.

A conversa prosseguiu assim por um tempo, ambos os garotos sentindo certo conforto na facilidade de conversar com um desconhecido. Rafael não conseguia afastar a ideia de que o outro garoto era familiar, mas enquanto mudavam de assuntos para falar sobre filmes, séries, livros e música, ele deixou isso de lado e se concentrou apenas na voz do "fantasma".

- Eu não acredito que você prefere o Homem de Ferro ao Capitão - Victor bufou entregando uma lata de coca ao "dementador" e abrindo sua Fanta. Normalmente ele ainda estaria bebendo álcool, mas o outro tinha recusado um novo coquetel e ele estava gostando muito da companhia para ficar bêbado. - O cara é só um rico esnobe. Insuportável.

- Não estou discordando disso - Rafael bebeu um gole de sua coca antes de continuar. - Mas o capitão é legal demais.

- E isso não é bom?

- Isso não é real - Rafael afirmou se sentindo um pouco triste de repente.

- São pessoas usando fantasias pra combater o crime, é claro que não é real. - Victor brincou, mas a postura do outro o fez perceber que algo estava errado - Tenho certeza que vou entrar numa discussão filosófica que eu realmente não quero, mas vá em frente e explique.

- Nada muito profundo. É só que é um saco ser legal o tempo todo, sempre optar pelo certo, mesmo quando sabe que vai dar merda e não conseguir ser egoísta, mesmo quando todos dizem que deveria. - Rafael não sabia o que o fez dizer isso, claro que ele se sentia assim muitas vezes, mas além de seus poemas, ele nunca tinha expressado isso em palavras, nem para Anelise que era sua melhor amiga.

- Ainda estamos falando do Capitão? - Victor perguntou sabiamente.

- Talvez? - O moreno respondeu um pouco envergonhado. - Acho que eu queria ser um pouco como o Tony Stark.

- Idiota? - Victor tentou aliviar o clima.

- Rico - Rafael brincou de volta.

- E lá se vai toda a profundidade da conversa - O negro riu.

Um grupo de pessoas passou por eles nesse momento, parecendo bastante bêbadas e o moreno foi empurrado com força. O empurrão o fez tropeçar e quase cair sobre Victor, mas os reflexos do mais alto foram rápidos e ele soltou sua lata de refrigerante e segurou Rafael pelos ombros, ajudando-o a se estabilizar.

O capuz improvisado de Rafael escorregou um pouco para trás com o movimento, não o suficiente para revelar seus cabelos, mas seu rosto maquiado agora era visível. Parte maquiagem havia derretido ao redor de seus olhos devido as lágrimas derrubadas por causa de sua crise de alergia, mas seu rosto ainda era bastante irreconhecível.

Os olhos dos dois rapazes se encontraram, a proximidade fazendo ambos os corações acelerarem. Rafael sabia que devia se afastar, mas alguma coisa o impedia de fazer isso.

- Valeu, cara - Ele murmurou ainda olhando diretamente para os olhos escuros visíveis pelos buracos da máscara branca.

Em vez de responder, Victor se aproximou, invadindo ainda mais seu espaço pessoal e se inclinou com a óbvia intenção de beijá-lo.

A mente de Rafael estava em disparada. Ele nunca tinha beijado alguém antes... Bem, ele nunca tinha beijado um cara antes. Parte dele queria sair correndo, - não era como se o aperto leve que o "Fantasma" mantinha em seus ombros fosse impedi-lo - Uma parte maior dele, no entanto, queria ceder ao impulso e ao magnetismo o mais alto exercia sobre ele. Foi exatamente isso o que ele fez, alcançando os lábios do outro no meio do caminho e saboreando o gosto de fanta e um toque de álcool em sua boca.

As mãos de Victor deixaram os ombros do outro rapaz, uma delas vagando para sua nuca e outra para a parte inferior das costas. Os lábios firmes contra os seus e a sensação um pouco áspera do maxilar, não deixavam dúvidas que a figura com quem havia conversado boa parte da noite era de fato um cara.

Rafael deixou cair a própria lata de refrigerante ao sentir o beijo se tornar cada vez mais lascivo. Seus braços enlaçaram o pescoço do outro forçando-o a se inclinar um pouco mais. Ele manteve o beijo pelo maior tempo possível, mas não foi a falta de ar que o fez se separar e sim o fato de que Victor havia mudado a mão de suas costas para a sua bunda.

- Cedo demais, cara - Rafael disse com a voz rouca e ainda um pouco esganiçada, segurando seu braço e fazendo com que ele erguesse de volta para a cintura.

- Desculpa - Veio a resposta ligeiramente ofegante do outro rapaz. Nenhum dos dois se afastou, um ainda enfeitiçado pelos olhos do outro. - Você está bem com o resto?

Rafael sorriu com a pergunta e acenou com a cabeça, alcançando os lábios do rapaz para um novo beijo. Não durou tanto quanto o primeiro porque seu celular escolheu esse exato momento para tocar.

- Deixe tocar - Pediu Victor com os lábios ainda tocando os seus.

- Eu deixaria se o toque não fosse tão irritante. - Rafael finalmente se afastou e ergueu a barra do hábito para alcançar o celular no bolso do Jeans.

- Então você não gosta de funk? Que surpresa.

- Não. Isso é coisa da minha amiga - Rafael finalmente alcançou o celular, sem perceber que um bloco de notas que estava em seu bolso saiu junto com o aparelho e caiu no chão. - Eu sou mais do tipo que ouve músicas depressivas e chora até dormir - Brincou levando o telefone ao ouvido - O que foi Biz? - Ele revirou um pouco os olhos ao ouvir a voz meio embriagada da amiga perguntando se ele estava com o Pedro e a Ane - Não, eles se perderam no meio do povo. Você está bem? Tá precisando de alguma coisa? - Ela parecia sóbria o suficiente para se cuidar, mas Rafael não conseguia evitar a preocupação. Bianca garantiu que estava tudo bem e que só tinha ligado porque estava com fome e queria ver se eles queriam se encontrar pra comer alguma coisa. - Eu estou meio ocupado - Ele sentiu seu rosto esquentar com o sorriso malicioso que Victor lhe deu. - Talvez mais tarde.

- Você está com alguém? - A voz de Bianca era tão alta que Rafael tinha certeza que o outro rapaz tinha ouvido mesmo sem estar no viva voz - Quem é? Eu conheço?

- Até depois, Biz - Rafael não esperou a garota responder antes de desligar e guardar o celular. Ele olhou para o outro rapaz imaginando se este podia ver seu rosto vermelho mesmo com a maquiagem.

- Onde a gente estava? - Victor se aproximou mais sorrindo. O fato de ele não ter mencionado a conversa com Bianca fez o moreno se sentir um pouco mais relaxado.

- Victor - O rapaz se virou irritado ao ser interrompido pela segunda vez, agora por alguém chamando seu nome. Rafael se afastou um pouco dele, sua timidez voltando com força total.

- Mas que porra é agora? - Uma garota se aproximou, ela também era negra e tinha cabelos curtos e crespos tingidos de azul e vestia uma cartola e um terno de mágico. Victor reconheceu a irmã e suspirou - O que você quer Vivian?

A atenção dela, no entanto, havia se voltado para Rafael, seus olhos espertos analisaram sua fantasia de cima a baixo.

- É a Laura? A menina que você tinha falado? - Ela se dirigiu ao irmão, antes de voltar a atenção para Rafael - Você é a Laura?

O coração de Rafael acelerou. Dessa vez no entanto não era devido a atração, mas ao completo pânico. A garota havia chamado o outro cara de Victor e mencionado Laura. De repente ficou muito claro o motivo porque ele havia achado o outro familiar.

- Ai caralho - Ele ficou parado olhando para o rapaz a sua frente em choque.

Ele tinha beijado Victor Martins.

O filho do prefeito.

O cara que o odiava.

- Você está bem? - Victor perguntou dando um passo a frente tentando se aproximar dele. O movimento fez Rafael entrar em pânico e antes que ele soubesse o que estava fazendo saiu correndo na direção da massa de pessoas, desesperado para sumir de vista. - Porra Vivian, você assustou ele.

- Ele? Merda. Desculpa... - Vivian coçou a nuca se sentindo envergonhada com a suposição - Eu não devia ter suposto... É só que a única pessoa que você falou foi a Laura...

Victor não respondeu, certo de que não conseguiria falar com a irmã sem explodir.

"Estava tudo tão bem antes da boca grande aparecer" Pensou.

Ele suspirou tirando a máscara do rosto. Sentindo que de repente a festa não tinha mais tanta graça.

- Olhe - Vivian apontou para o bloco de notas que ainda estava no chão - Ele deve ter deixado cair.

Victor se abaixou e pegou o objeto. Era um bloco quadrado de 10x10 centímetros com uma capa dura grafitada, mas o lugar onde eles estavam não era claro o suficiente para que ele pudesse ver as letras.

Ignorando totalmente a irmã, ele caminhou até um lugar com a iluminação melhor. Havia algumas ilustrações muito boas no caderno, muitas delas de um bebê e um garotinho parecendo ter cerca de cinco ou seis anos. As folhas finais continham poemas, apenas dois ou três, mas eram muito bons.

Victor procurou por um tempo por uma identificação, até que finalmente a encontrou na contracapa final com uma letra bastante desbotada: "Este caderno pertence a Miguel G". O resto do sobrenome depois do G estava totalmente apagado.

Por algum motivo Victor se viu sorrindo para o objeto com carinho. Podia ser cafona, mas ele não queria nada mais que encontrar esse tal de Miguel e convidá-lo para sair.

NOTA DA AUTORA

Dois capítulos num dia sim, porque eu sou ansiosa e não sei esperar pra postar.

E também porque era um capítulo só e eu dividi em dois.

Espero que tenham gostado. Agora sim, até o próximo 🌈🤟

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